terça-feira, 22 de maio de 2012






Resenha filme Plano de Fuga (Get the Gringo)

Por Lucas Wagner

Quando bem feitos, gosto desses filmes de ação badass, com personagens completamente violentos, com um senso de moralidade duvidável, além de apresentar uma eficiência gritante quando diz respeito a fazer o que deve (ou o que quer), sem se preocupar se vai ferir alguém no processo (quem ficar no caminho que se cuide!). Além disso, quando isso vem acompanhado de humor negro, fica ainda melhor. Plano de Fuga é um filme assim. E é ainda bacana por trazer um Mel Gibson de antigamente, ou seja, um puta astro de ação com um talento e carisma perfeitos.

Escrito pelo próprio Mel Gibson, ao lado de Adrian Grunberg (que é também o diretor do longa) e Stacy Perskie, o filme trata de um criminoso (Gibson) que vai para uma prisão em uma cidade do México. Essa prisão funciona quase que uma máfia, à qual o protagonista busca tirar vantagem, ao mesmo tempo em que busca uma maneira de recuperar os 2 milhões de dólares que roubou, e que lhe foram tirados pelos policiais que o prenderam.

É extremamente raro encontrar algum personagem com qualquer aspecto moral que conquiste o espectador. Todos (todos!) são sujos, violentos, traisoeiros, corruptos, além de falar palavrão como se estivessem em um filme de Martin Scorsese. Como um policial comenta com seu colega: "Eu sou corrupto. Você é corrupto. O bacana é que somos honestos sobre isso". Os roteiristas usam dessa situação para extrair não apenas um senso de perigo e impresivibilidade, mas também um bem-vindo humor negro, tirando comédia de situações violentíssimas de uma maneira quase que tarantiniana. 

A fotografia de Benoît Debie é eficiente ao evocar o desconforto e a sujeira da prisão, ao mesmo tempo que a direção de arte cumpre muito bem a tarefa de transformar a prisão (El Pueblito, é o nome) em um ambiente similar à uma favela, ao mesmo tempo que claustrofóbico.

Mas a atuação de Gibson e seu personagem intrigante é provavelmente o ponto mais alto do longa. Contando com a mesma habilidade para cenas de ação física como antigamente, o ator ainda é extremamente carismático e se mostra tranquilo e divertido na sua composição do personagem. O protagonista é um sujeito sarcástico, imoral, que não se importa de passar por cima de outras pessoas para conseguir o que quer, possuindo um senso de humor quase que doentio. É praticamente um anti-social. Isso fica muito claro em cenas como aquela em que ele tranquilamente toca fogo em um barracão, sem se preocupar se vai ferir alguém, mas apenas prestando atenção em distrair outras pessoas para conseguir roubar uma boa quantidade de dinheiro.

Embora isso já fosse suficiente para transformá-lo em uma figura interessante, os roteiristas vão além e conseguem desenvolver esse personagem, tornando-o mais tridimensional do que geralmente se esperaria. Vamos conhecendo mais sobre ele, principalmente na sua interação com o garotinho (que não me lembro o nome), sendo que o roteiro sugere (de maneira adequadamente sutil) algumas das causas para o seu comportamento doentio. Além disso, Gibson merece aplausos por conseguir conferir uma ambiguidade moral ao seu personagem, no modo como ele age com o garoto, na importância que esse vai ganhando para ele, e assim, juntamente com as nossas inferências sobre sua própria história de vida (o filme oferece base suficiente para essas inferências), ele vai ganhando mais complexidade ao longo do longa. Nada mal para um filme que não prometia mais do que pura diversão.

Aqui vale comentar o excelente uso do roteiro do recurso da narração em off do protagonista. Se este é um recurso geralmente usado por gente preguiçosa para "facilitar" a narrativa do filme, aqui ele é muito bem utilizado. As falas, as reflexões do personagem não são apenas bem escritas, são sarcásticas e engraçadas, além de seus comentários revelarem sempre um pouco mais da personalidade doentia do protagonista ("Um palhaço vomitando sangue já é uma bosta, mas um palhaço vomitando sangue em cima do dinheiro que eu acabei de roubar é pior ainda!" diz ele em certo momentos, ou ainda o momento em que comenta sarcasticamente a quantidade enorme de músicas ruins tocadas na prisão ao dizer "Cerca de 5 mil músicas depois", ou algo assim).

Além da atuação de Gibson, outro que se destaca é o garotinho (eu não consigo encontrar o nome dele, e nem do ator que o interpreta!!!), um personagem doce e tridimensional, que ganha mais complexidade quanto mais o conhecemos, e quanto mais sua interação com o personagem de Gibson. De resto, não há nenhum outro personagem realmente interessante ou minimamente marcante, embora todas as atuações estejam boas. A culpa ai é do roteiro. Nem Peter Stormare consegue transformar seu personagem em alguém mais interessante, e olha que o cara tem talento de sobra para isso.

Juntamente com a atuação de Gibson, o ponto mais alto do longa é sem dúvida sua trilha sonora. Criada pelo brasileiro Antonio Pinto (que compôs trilhas de filmes como Cidade de Deus, Central do Brasil, O Senhor das Armas, À Deriva, etc), a trilha contém tons belíssimos, acompanhadas de acordes hipnotizantes de violão, além de um excelente uso de batidas mais fortes, e um uso maravilhoso de guitarra, particularmente em uma determinada cena de ação, quando o que ouvimos da trilha é praticamente um solo de guitarra impecável. Além de bela, a trilha é sempre muito bem utilizada pelo diretor, mantendo um ritmo fascinante durante o filme, o que o torna ainda mais envolvente.

Outro ponto altíssimo do longa é a sua cena final, quando descobrimos a verdadeira intenção do protagonista ao usar um determinado nome ao longo do filme (nós nunca realmente sabemos seu verdadeiro nome). Com uma sutileza fascinante, os roteiristas fecham o filme de maneira genial, reforçando o que já sabíamos sobre o protagonista, tornando-o, em retrospectiva, um sujeito ainda mais interessante.

Contando com ótimas cenas de ação, o filme ainda tem uma direção eficiente de Adrian Grunberg (que foi assistente de direção de Mel Gibson quando esse dirigiu o seu ótimo Apocalypto), embora este demonstre uma certa inexperiência em certos momentos, o que é normal para um estreante. Mas ele consegue manter o filme sempre em movimento, sabendo diminuir o ritmo um pouco para desenvolver a relação do protagonista e do garoto. Além disso, o cineasta faz um excelente uso de câmera lenta. Mas é fato que o roteiro não dá muitas oportunidades para Grunberg explorar seu talento. Ele faz bem na medida do que pode fazer.

O filme, no entanto, não é perfeito, e isso se dá principalmente por sua trama. Apesar do interessante e bem utilizado conceito da máfia dentro da prisão, o filme entra em vias completamente imbecis (como toda a história envolvendo o problema de fígado do vilão), além de tornar-se até mesmo confuso em certos momentos. E esse não é uma confusão que esconde alguma genialidade. Continua vazio ao lembrarmos de certos eventos do filme.

Mesmo com seus erros, Plano de Fuga é um ótimo filme de ação, envolvente, divertido e com um protagonista interessante. Vale a pena assistir. Alguns não gostarão, principalmente quem é mais sensível. Eu gostei, disso eu sei.

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