quinta-feira, 28 de março de 2013

Artigo Científico: A história do Heavy Metal em Goiás –1982 a 2012



Por Paulo Henrique Faria   

           Headbangers goianienses em frente a 
              extinta loja de discos Metallize no 
                 centro de Goiânia nos anos 80 

No meu artigo cientifico de conclusão de pós-graduação em História Cultural, abordei um pouco da história da cena Heavy Metal em Goiás. O recorte temporal realizado foi de 1982 até o ano passado. Justamente para abordar a chegada do rock pesado no Estado e, o seu prosseguimento nas décadas posteriores. 
   
                                Banda goiana Encruzilhada tocando em 1987                                  

A cena de rock goiana tem suas deficiências, é verdade, mas não deixa de ter seus méritos e também seu destaque. Bandas com renome nacional como SPIRITUAL CARNAGE e HEAVEN’S GUARDIAN mostraram que existe sim, grupos de qualidade em terras localizadas no centro-oeste brasileiro. Este trabalho teve como objetivo recriar o cenário social que os headbangers de Goiás vivenciaram e, vivem atualmente. Primeiras bandas, primeiros shows, pontos de encontro e ainda, depoimentos de dois importantes integrantes da cena oitentista.   

segunda-feira, 18 de março de 2013



Crítica filme Linha de Ação (Broken City / 2013 / EUA) dir. Allen Hughes

por Lucas Wagner

  Linha de Ação tenta seguir direitinho o básico do que define o film noir. Seus personagens são moralmente ambíguos, seu protagonista é um indivíduo solitário e desiludido fortemente ligado ao passado, a atmosfera é sombria e densa, a trama começa simples apenas para se desenrolar em algo infinitamente mais complexo e polêmico...até mesmo o fato de o protagonista ser um detetive particular está lá (embora não seja todo filme noir que tenha esse aspecto, mas não é incomum encontrar). Mas não é suficiente seguir tudo certinho pelas regras para se fazer um bom film noir: é preciso talento, inteligência, ambição, coragem e verdadeira compreensão cinematográfica. Os realizadores desse longa sobre o qual escrevo não demonstraram essas características aqui. Não que Linha de Ação seja insuportável, terrível, mas também não é um bom filme, ficando anos-luz atrás de verdadeiros noirs como clássicos tipo Relíquia Macabra, A Marca da Maldade e Chinatown, ou de longas mais recentes que também se aventuram no gênero, como Sin City e o inesquecível Los Angeles – Cidade Proibida.

  O roteiro de Brian Tucker conta a história do detetive particular Billy Taggart (Mark Walhberg) que, afogando-se em dívidas, aceita o serviço de espionar a mulher do prefeito de Nova York, Hosteller (Russell Crowe), que acredita estar sendo traído. Mas há muita coisa a mais por trás dessa história, como vem a descobrir Taggart.

  A compreensão extremamente juvenil do que venha a ser o noir se manifesta a todo momento no frágil roteiro de Tucker. A começar pela própria trama, que surge extremamente simples e mastigada para o espectador, através de diálogos mal formulados e expositivos que realmente cansam, além de dar a falsa impressão de que estamos vendo algo mais complexo do que realmente estamos. Ainda, a trama surge completamente previsível, desde seus minutos iniciais, matando assim qualquer surpresa maior que, acreditem ou não, Tucker acha que reserva para nós; e um exemplo bem claro disso fica explicitado pelo fato de sempre sabermos que o personagem de Crowe é o vilão da história, algo que fica bem evidente desde sua primeira cena, por mais que, pelo desenrolar do filme, isso deveria ser descoberto gradualmente. Poxa, até mesmo no trailer isso fica claro! E ainda tem a questão dos personagens: além de ser um desperdício de um puta elenco (como comentarei mais adiante), esses não são tão ambíguos quanto Tucker acredita que são já que, na verdade, são guiados por dualidades muito mais simples que não exigem qualquer esforço intelectual para ser desvendadas pelo espectador, ainda mais porque muitas vezes o próprio Tucker, através dos diálogos, já explicita essas dualidades que ainda não vão além de “ah, esse cara parece tão justo, mas olha aí ele deixando passar algo importante”. Para piorar, Tucker deixa vários buracos mesmo em um roteiro tão simplista e ainda investe em alguns subtextos politicamente corretos que simplesmente não podem existir num filme noir.

  Já o diretor Allen Hughes é bem bobão também, não enxergando possibilidades narrativas mais complexas que poderiam ter sido bem aproveitadas. Por exemplo, Linha de Ação é um film noir passado nos dias de hoje, então ele poderia, ao mesmo tempo em que coloca diversos elementos dos dias de hoje (computadores, iPhones, etc), inserir aspectos que davam um charme todo especial para as produções noir clássicas das décadas de 40/50, como os ventiladores que circulavam quase parando ou as névoas que encobriam as ruas à noite. Até mesmo o uso de planos mais longos beneficiariam o longa nesse sentido, mas Hughes só usa planos rápidos e frenéticos, com uma câmera que parece nunca parar de se movimentar. Aliás, em nenhum momento Hughes parece perceber que está filmando um film noir, e filma Linha de Ação como um longa policial qualquer, compensando em velocidade o que falta em conteúdo. No entanto, é preciso dar o braço a torcer para o diretor no aspecto de que ele conseguir conferir uma energia bacana ao seu filme, o que o torna mais suportável e pontualmente divertido; mas vale dizer que, nesse acerto do diretor, tem muito acerto também da excepcional trilha sonora composta por Atticus Ross (um dos responsável pelas inesquecíveis trilhas de A Rede Social e Millenium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, ambos dirigidos por David Fincher), que, com seus tons eletrônicos e sombrios, conferem um clima e densidade bem pesados e tensos ao longa.

  No que se refere ao seu protagonista, esse só não é um completo desastre porque Mark Wahlberg é um excelente (e subestimado, como comentei também em meu texto sobre Ted) ator, e consegue conferir peso ao detetive Taggart, como um homem que vive dividido entre impulsos violentos e o amor pela namorada, pela qual se segura e tenta ser um homem melhor. Porém, o roteiro desenvolve mal demais esse personagem, sendo capaz de simplesmente ignorar os conflitos que surgem (de forma abrupta e mal construída) entre ele e a namorada e que obviamente eram de suma importância no desenvolvimento psicológico dele. O caso é que, a partir de certo momento, a moça simplesmente some de cena, e ele parece se esquecer dela, além de começar a ficar bem mais “bonzinho” do que era antes (embora eu, particularmente, aprecie suas decisões no terceiro ato, que quase o tornam mais complexo). Mas não é só Wahlberg que é atrapalhado pelo roteiro, já que nenhum outro dos grandes atores aqui pode fazer algo mais com seus papéis. Assim, Russell Crowe abraça a vilania pura de Hosteller; Catherine Zeta-Jones fica no piloto automático como Cahtleen; Kyle Chandler tenta transformar Paul num sujeito mais instigante, sendo barrado nessa empreitada; Jeffrey Wright nem esforço faz como Fairbanks, e Barry Pepper é o único, além de Wahlberg, que consegue dar uma dimensão maior ao seu respectivo personagem.

  Linha de Ação, no final das contas, é um filminho bem besta e dispensável, embora não seja um porre. É apenas um tipo de longa burro que você simplesmente se esquece antes mesmo de deixar a sala. E isso não acontece com um film noir. Não quando é bom, pelo menos.

Nota: 2,0 / 10,0

sábado, 16 de março de 2013



Crítica filme “A Busca” (A Busca / 2013 / Brasil) dir. Luciano Moura

por Lucas Wagner

  As relações entre pais e filhos representam uma das coisas mais fascinantes e mais complexas que se pode imaginar, porque, muitas vezes, os filhos, logo quando chegam ao mundo, recebem o peso da expectativa dos pais, dos seus sonhos, projetos e tudo o que quiseram em suas próprias vidas jovens mas que, por diferentes motivos, não puderam ter. Mas os filhos são pessoas por si mesmos que, com o passar dos anos e com o amadurecimento, vão reconhecendo isso e, talvez justamente para ir contra os pais, escolhem uma vida que é diametralmente oposta, como que para afirmar sua individualidade. Assim, os dramas/conflitos entre as gerações são profundamente complexos e sensíveis, formando uma teia intrincada que ainda é uma das maiores questões a ser consideradas ao se estudar como se forma a personalidade de um indivíduo. No filme A Busca o cineasta estreante Luciano Moura busca justamente estudar um indivíduo marcado pela própria relação estressante com seu pai, relação esta que acabou servindo diretamente para gerar conflitos intensos em seu filho, que está em uma das etapas mais confusas de sua vida, a adolescência, fase de valor quase sem igual na formação da identidade.

  O roteiro de Elena Soarez e do próprio Luciano Moura se centra em Theo (Wagner Moura), que agora enfrenta um divórcio estressante com a mulher que ainda ama, Branca (Mariana Lima). Os conflitos entre o casal devem ser colocados em espera quando Pedro (Brás Antunes) foge de casa, mobilizando o casal e fazendo com que Theo inicie uma caçada alucinada pelo filho.

  Pelo próprio figurino de Theo já podemos enxergá-lo como um sujeito “sem graça”, comum, que parece não ter nada demais para oferecer. Assombrado pela relação que mantinha com seu pai, Theo parece tremer simplesmente ao ouvir o seu nome, vivendo assim amargurado e reprimido por tudo o que deu errado naquele relacionamento e que o transformou num indivíduo quebrado. Pode ser então que esse seja o motivo de se desesperar tanto quando vê sua própria família sendo destruída, talvez porque ele tenha enxergado nela a possibilidade de ter algo que não teve com seu pai. Assim, a pressão sobre Pedro, seu filho, é absurda, só que esse garoto já esta na idade de se questionar e tomar seu próprio rumo. Isso fica bem perceptível no momento em que ele diz que não quer fazer o intercâmbio que seu pai até já pagou para ele (sem nem consultá-lo). Theo fica sem entender, já que queria que seu próprio pai tivesse feito isso por ele e não lhe é compreensível que seu filho não enxergue isso como algo fantástico. A questão não é nem que Pedro não queira fazer intercâmbio: ele simplesmente quer ir contra o pai.

  Mas se Theo então queria dedicar a construir com sua própria família o que não pôde ter na sua juventude, por que então esta família esta despedaçada? O caso é que, em um dos maiores paradoxos da vida, quanto mais fugimos de ser exemplos aversivos para nós mesmos (como o pai de Theo), acabamos sendo mais e mais parecidos com estes (ou tão terríveis quanto), talvez até porque chegamos no extremo oposto, e extremos são sempre muito perigosos. Moura e Soarez parecem compreender bem isso e, transformando A Busca em um filme sobre conflito de gerações, reproduzem no próprio roteiro a complexa teia dessas gerações no rumo que Pedro toma (e se não quiserem saber, embora eu não ache que venha a estragar o filme ou algo assim, continuem a ler no próximo parágrafo) na relação que cria com seu avô (pai de Theo), procurando justamente a relação que formou quem Theo é.

  Mas A Busca aprofunda ainda mais no estudo de Theo ao lhe proporcionar um arco dramático complexo e bem definido que não envolve apenas seu relacionamento com o pai, o filho e a ex-mulher, mas sua própria relação consigo mesmo e sua óbvia repressão. Na caçada por Pedro, Theo vive diferentes experiências que claramente lhe fizeram falta na sua juventude, de uma existência mais rebelde e libertina que aparentemente lhe foi castrada. Assim, a busca por Pedro se transforma na busca por si mesmo, na completude de sua própria existência mal definida e mal aproveitada compensada em momentos de aproveitamento de detalhes nostálgicos que não deveriam surtir tanto efeito em um adulto, mas que balançam bastante um adulto que não viveu sua juventude propriamente. É interessante assim que, a partir de certo momento, Theo abandone seu carro e use uma moto para completar sua jornada, a qual dirige com um sorriso juvenil no rosto enquanto aproveita o vento batendo contra sua face. Ainda, esse aproveitamento (e também estranhamento advindo do desconhecido) fica evidente nas experiências que Theo vive com os adolescentes em um show de rock regado a ácido e muito sexo, além de desligamento da figura parental (“Seu pai sabe que você tá aqui?”, pergunta Theo para uma adolescente nesse ambiente, recebendo como resposta: “Aqui exatamente, espero que não”). E é emocionante quando Theo vê fotos de seu filho naquele ambiente, estabelecendo uma ligação imediata: é como se os dois estivessem vivendo uma amadurecimento emocional, uma quebra da repressão em que viviam, sendo que um é a causa do outro estar fazendo isso. Ainda é muito inteligente da parte de Luciano Moura ter adotado uma estrutura de road movie, já que, se esse tipo de filme geralmente mostra personagens que, justamente por se jogarem na estrada e se distanciarem de onde vieram, vão conhecendo mais quem são. E aqui é ainda mais interessante porque Theo, ao mesmo tempo que se afasta, se aproxima de seu ponto de origem.

  Mas grande parte da força de A Busca vem de Wagner Moura, um dos atores mais competentes do Brasil e do mundo inteiro atualmente. Com uma expressão constantemente fatigada e a coluna inclinada, Moura já confere fragilidade emocional ao personagem, que busca ressaltar ainda mais através das piscadas constantes e da voz engasgada, que ganha um contorno extremamente doloroso numa conversa particular com Branca, no seu consultório, ou quando comenta o crescimento do filho com um cara que acabou de conhecer. Moura ainda demonstra conhecimento profundo de Theo e do seu arco dramático ao evidenciar como o personagem vai ficando mais “leve” como o passar das experiências que vive (observem o sorriso que tem quando pilota a moto ou quando dá carona para um grupo de adolescentes) ao mesmo tempo em que deixa evidente a estranheza daquelas situações para ele, num misto de alegria e medo que fica bem claro na cena em que ajuda uma adolescente a dar a luz. É como se o personagem estivesse se libertando de uma prisão em que vivia e só agora pudesse pôr as coisas em perspectiva e olhar para frente.

  Mariana Lima (que já tinha demonstrado talento no seriado Sessão de Terapia) consegue construir uma Branca complexa e multifacetada, que também passa por um arco dramático bem definido, e Lima Duarte não tem seu talento desperdiçado como no recente Colegas e aqui, mesmo em uma participação minúscula, consegue criar um personagem trágico que parece carregar o peso de toda uma vida cheia de tragédias e decepções (algo que fica evidente pelo simples olhar marejado e cansado de Duarte), e que fica ainda mais fascinante pela similaridade de seu figurino com o de Theo (que cria ainda mais correlação com o que eu comentei sobre sempre nos parecermos com quem mais fugimos de parecer). O resto do elenco está homogeneamente competente, com cada ator sendo capaz de conferir, em suas pequenas participações no percurso de Theo, o necessário a cada personagem e o que os torna interessantes.

  Sensível em cada aspecto da direção, Luciano Moura emprega um ar de melancolia e suspensão que percorrem todo o seu filme, por mais que, quanto mais chegamos no final, esse ganhe contornos diferentes do que víamos no início. Prestando mais atenção na construção de suas cenas do que muito diretor mais experiente por aí, Moura compõe momentos que surgem poéticos e repletos de significados, como ao posicionar Theo e Branca na contra luz, fazendo com que seu corpos pareçam sombras, como as sombras das pessoas que já foram e não são mais, ou ainda quando posiciona Branca e Pedro atrás de vidraças enquanto Theo fica no meio, na parte aberta entre as portas de vidro, como que representando como o contato com a mulher e o filho está impossibilitado para ele. Ainda o diretor consegue criar simbolismos belíssimos que se tornam mais complexos com o decorrer da trama, como a reforma de uma piscina que se torna uma metáfora para a reconstrução familiar, e que permite o belo plano final, que completa o arco dramático de Branca de forma eficiente, bonita e econômica.

  Uma coisa que, durante a projeção, tinha me incomodado, era que os roteiristas quase nunca davam mais informações sobre os conflitos do passado que ajudaram a formar os personagens, deixando que os conflitos entre Theo e seu pai e Theo e a esposa fossem completos mistérios para o espectador. Mas depois que acabou o filme e refleti mais, percebi que pode ter sido uma jogada de propósito de Moura e Soarez, como que para ressaltar que o que cabe àqueles personagens é olhar para frente, sem se focar no que foi mas no que ainda virá, por mais que o passado continue nos caçando e assombrando.

  Com uma trilha sonora que dá ainda mais ao filme o tom de suspensão, A Busca é uma obra sobre relacionamentos com os outros e consigo mesmo, sobre coisas que não foram vividas e por isso mesmo nos machucam como o diabo, porque o que não é vivido muitas vezes é mais real, presente e pertubador do que toda uma vida. Seus personagens foram movidos à uma mudança por um evento altamente estressante, mas não é mesmo o estresse, os problemas, que nos fazem mover, sair do lugar e fazer algo por nós mesmos?

Nota: 10,0 / 10,0

segunda-feira, 11 de março de 2013



Crítica filme “O Voo” (Flight / 2012 / EUA) dir. Robert Zemeckis
por Lucas Wagner

  Robert Zemeckis passou cerca de uma década envolvido apenas com animações no estilo de performance capture, criando assim O Expresso Polar, A Lenda de Beowulf e Os Fantasmas de Scrooge. Embora os dois primeiros sejam bastante competentes, e o último seja deplorável, todos foram péssimos no quesito bilheteria, o que fez com que o cineasta voltasse ao ramo dos filmes em live-action (com atores de carne e osso). E O Voo é o primeiro longa de Zemeckis que marca essa volta e, mais do que isso, esse filme é talvez o mais pesado na carreira de um cineasta mais acostumado a trabalhos mais leves como ele (embora seu divertidíssimo A Morte Lhe Cai Bem tenha um humor negro bem acentuado), que aqui lida com palavrões fortes e um tema polêmico e pesado, sem nunca desviar o olhar dos aspectos mais sujos do mundo com que está lidando. No entanto, se O Voo possui uma temática complexa e poderia ser um puta estudo de personagem, acaba sendo um filme bem menor, já que o roteirista John Gatins demonstra imensa inexperiência e acaba tratando tudo com grande unidimensionalidade.  

  Whip Whitaker (Denzel Washington) é um piloto respeitado que está nessa profissão há bastante tempo. Só que ele possui um grave problema com drogas e álcool, demonstrando imensa irresponsabilidade no que se refere ao balanceamento das obrigações com a loucura de sua vida. Mas tudo parece ir bem até que ele, com sua habilidade de piloto, salva 96 das 102 a bordo do avião em um acidente gravíssimo...só que ele fez isso drogado e bêbado. Assim, começa o processo que pode definir se ele será lembrado como herói que salvou 96 pessoas, ou como o assassino que matou 4.

  Como estudo de personagem O Voo é uma grande bagunça incompetente. Nunca realmente compreendemos Whip, nem mesmo de forma tácita. Quem é esse homem? Quais são as variáveis que controlam seu comportamento (fora o alcoolismo)? Gatins transforma essa figura tão ambivalente e potencialmente complexa num ser unidimensional, que parece ser definido pura e simplesmente pelo seu alcoolismo. E, mesmo dentro desse quesito, o roteiro peca pois o personagem é tão mal desenvolvido que chega a dar pena (do roteiro, não do personagem). No início, enxergamos Whip como um cara louco só que ainda assim habilidoso que, embora tenha um estilo de vida autodestrutivo, isso não parece realmente se colocar no seu caminho. Depois do acidente, se sente culpado, assim se livrando de qualquer indício de álcool ou outras drogas em sua vida. Ainda assim, se parece estar resolvido, logo se joga nesse mundo de novo de um modo brusco e mal desenvolvido, iniciando um processo de altos e baixos em sua vida que é comum para um alcoólatra, mas que se torna uma bagunça e não complexidade de personagem, pois o roteirista o transforma num enorme enigma para o espectador. Por quê, por exemplo, Whip tem a mania de sempre ir contra o advogado Hugh Lang (Don Cheadle), que está engajado em ajudá-lo? Um personagem ser complexo e contraditório é fascinante, mas para isso, mais do que tudo, precisa ser desenvolvido com propriedade, para que possamos compreendê-lo, e não servirmos apenas como espectadores da bagunça que é sua vida.

  Também, a incompetência de Gatins fica evidente no que se refere ao relacionamento de Whip com sua ex-mulher e seu filho. Sabemos que esse relacionamento é importante para compreendermos mais sobre ele, só que Gatins pouco dedica ao desenvolvimento dessa relação, deixando mais para tratar disso nas etapas finais do filme, de um modo que soa desesperado, como se tivesse esquecido de trabalhar aquilo e, ao invés de reestruturar o roteiro, preferiu “acochambrar”. Gatins ainda dedica um tempo enorme ao relacionamento de Whip com a viciada Nicole (Kelly Reilly), que se inicia do nada e, para variar, é extremamente mal trabalhado, servindo apenas, no fim das contas, como um recurso usado pelo roteirista para deixar mais evidente a mudança de Whip, e que acaba não servindo nem para isso, já que Gatins descarta a personagem a partir de certo momento da projeção, não concluindo todo o processo que a personagem parecia ter iniciado e também não fazendo jus a todo o tempo dedicado à “desenvolvê-la” no primeiro ato, nos deixando com a seguinte dúvida: afinal, para quê essa personagem existe mesmo? E o que dizer do fato de Gatins ser tão inexperiente a ponto de criar um número excessivo de cenas inúteis, que não servem nem para mover a trama, como aquela do diálogo de Whip, Nicole e um paciente com câncer terminal numa escada? Fora que ainda tem toda a questão religiosa moralista que Gatins tenta enfiar goela abaixo no espectador, o que, sinceramente, foi o que me causou mais nojo.

  Mas se ainda nos importamos com Whip e torcemos por ele, a ponto de a cena final ganhar força e poesia, é porque Denzel Washington é um ator fascinante, sem duvida um dos melhores da atualidade. Washington luta com unhas e dentes para transformar esse O Voo em um estudo de personagem, se esforçando para servir como um guia para o espectador para todas as tormentas internas dele. O sofrimento e angústia dele acerca do seu alcoolismo são palpáveis, assim como sua dificuldade em aceitar sua condição. Sua culpa e fragilidade ainda são reforçados brilhantemente pelo ator a partir de detalhes específicos: prestem atenção em como ele bate, nervoso, a bengala no chão em certos momentos, ou, quando conversa com seu ex-co-piloto e treme a mão esquerda, nervoso e exposto. Washington ainda confere força extra ao seu personagem até mesmo no sentimental discurso que faz no terceiro ato. Assim, Whip quase se torna uma figura complexa e fascinante, mas, assim como Day-Lewis foi castrado de transformar Lincoln num indivíduo realmente tridimensional e complexo, Washington também sofre por incompetência de terceiros.

  No resto do elenco, ainda temos um Don Cheadle e um Bruce Greenwood completamente no piloto automático (não, esse termo não foi uma brincadeira de propósito), um John Goodman extremamente divertido e brincalhão, e uma Kelly Reilly maravilhosamente linda (quem me conhece sabe que tenho um fraco enorme por ruivas, ainda mais se tiver olhos claros) que quase consegue transformar Nicole numa personagem tridimensional, já que a interpreta com uma melancolia que surge doce e nostálgica, automaticamente nos levando a nos preocupar com ela, embora, no fundo, seja uma péssima personagem, por culpa do roteiro.

  Mais contido do que de costume, Zemeckis entrega uma direção mais focada na performance de Washington do que nas brincadeiras técnicas que tanto adora fazer (lembrem-se de que esse é o diretor de Contato, Forrest Gump, De Volta Para o Futuro, etc). Mas ainda assim, o diretor confere um ritmo invejável à narrativa, nunca deixando que esta se torne enfadonha, e ainda entrega um momento de puro brilhantismo: a sequência do acidente. Com planos bem fechados (gerando claustrofobia/angústia), inclinados (sugerindo instabilidade), câmera na mão (instabilidade de novo) e cortes frenéticos (mas nunca frenéticos demais, afinal, estamos falando de um diretor competente, e não de Michael Bay), o cineasta consegue alcançar uma tensão impecável e insuportável, tornando esta a sequência mais memorável do longa. E ainda é interessante ver um cineasta como Zemeckis dando uma de Scorsese quando, por exemplo, um personagem cheira uma carreira de cocaína, e é filmado em um close alucinado que lembra diretamente aqueles vistos no inesquecível Os Bons Companheiros, de Scorsese. O único problema mais identificável em sua direção é quando sente a necessidade de incluir uma trilha melosa na bela cena final, como se ainda precisasse de algo a mais para nos emocionarmos com ela.

  Acabando sendo mais moralista do que parece achar que é, O Voo é um longa regular que, devido ao roteiro porco e inexperiente de Gatins joga fora a oportunidade de ser um grande filme, não ficando, assim, do lado dos grandes trabalhos de Zemeckis, como Contato (um dos melhores filmes que já assisti), De Volta Para o Futuro ou Náufrago, estando mais para algo dispensável como Forrest Gump, não chegando, no entanto, a ser algo terrível como seus Revelação ou Os Fantasmas de Scrooge. Mas gostei desse lado mais “rock n’ roll” de Zemeckis, e espero poder vê-lo de novo, em algum filme melhor.

Nota: 5.7 / 10.0

sexta-feira, 8 de março de 2013



Crítica filme “Oz – Mágico e Poderoso” (Oz the Great and Powerful / 2013 / EUA) dir. Sam Raime

por Lucas Wagner

  Uma das coisas que mais gosto sobre O Mágico de Oz de 1939 é que o filme dava margem para interpretarmos toda aquela aventura como uma fantasia da garotinha Dorothy, que se fechou em si mesma como uma forma de procurar respostas para uma realidade não muito agradável que vivia em Kansas, e assim encontrar uma nova visão sobre si mesma e aquele meio. Uma coisa que sempre me incomodou desde o início da produção desse prelúdio, Oz – Mágico e Poderoso, é que, se passando em um período anterior àquele do longa de 39 e sem contar com a garota protagonista, esse novo filme descarta a ambiguidade presente naquele clássico. E, de fato, esse é um problema grave. Mas, felizmente, acaba se revelando o problema mais grave desse prelúdio do diretor Sam Raime (da trilogia Homem Aranha e dos clássicos Evil Dead) que, mesmo cometendo outros erros em seu filme, acabou construindo um longa competente, principalmente em função de seu excepcional protagonista.

  Acompanhamos a história do mágico farsante Oscar “Oz” Diggs (James Franco), indivíduo trapaceiro e ambicioso, que acaba dentro de um tornado que o leva à Terra de Oz. Lá, fica sabendo de uma profecia que um mágico chamado Oz cairia do céu e libertaria o povo da bruxa má, tomando seu lugar no trono na Cidade Esmeralda. Bom, todo mundo parece achar que ele é esse mágico, status que ele parece gostar a não ser quando as coisas apertam.

  Raime logo de cara adota a mesma estratégia do clássico de 39 ao iniciar seu filme em preto e branco, nas cenas que se passam em Kansas, apenas para passar para o colorido quando Oscar vai para Oz. Mas isso não soa apenas como uma homenagem gratuita, já que, assim como para Dorothy em O Mágico de Oz, a Terra de Oz funciona como um lugar de evolução para o próprio Oscar também, de passagem de uma realidade medíocre para uma cheia de possibilidades. Ainda, é interessante que Raime adote, além do preto e branco, uma razão de aspecto reduzida nas cenas em Kansas, ilustrando uma realidade “enjaulada”, limitadora, e quando Oscar vai para Oz, o diretor adota uma razão de aspecto bem maior, obviamente representando as possibilidades daquela vida nova. Raime ainda é capaz de brincar com um estilo de “filme antigo” nas cenas do Kansas, tanto através de cortes lentos típicos de antigamente quanto pela própria mise-en-scéne (movimentação e posições dos atores em cena). No entanto, é inegável que Raime parece meio desconfortável com toda a grandiosidade imposta por um projeto da Disney como esse, obrigando-o a longos planos aéreos, além de movimentos de câmera que parecem padronizados e já típicos de filmes como esse. Esse desconforto prejudica as próprias cenas de ação, já que engessa o diretor para se divertir com a câmera como já fez tantas vezes. Como originário do terror trash (como disse, ele é o responsável pela trilogia Evil Dead), Raime adora usar enquadramentos exagerados, com a câmera extremamente inclinada, e closes fechados e rápidos, que podem ser deselegantes, mas possuem um charme próprio e frenético daquele tipo de Cinema, e que foi algo que o diretor usou e abusou nos seus terrores trash e até mesmo nos três Homem Aranha. Aqui, é muito raro o diretor fazer isso, e quando faz, é por pouco tempo.

 Visualmente, Oz – Mágico e Poderosos é competente na medida em que consegue recriar a Terra de Oz com habilidade, ressaltando o caráter fantástico do ambiente (embora, muitas vezes, a artificialidade seja demais) ao mesmo tempo em que relembra ambientes vistos no longa de 39. Infelizmente, muitos dos ambientes parecem meio... sem imaginação. Poderiam ter abusado mais da criatividade, na minha opnião. No entanto, as criaturas digitais se mostram impecáveis, desde o macaco com asas, passando pela boneca de porcelana e os babuínos voadores. Além disso, a maquiagem de Greg Nicotero (responsável pela maquiagem dos Evil Dead e do seriado The Walking Dead) é extremamente eficiente, principalmente no que se refere à personagem de Mila Kunis.

 O que faz de Oz – Mágico e Poderoso uma obra superior à maioria das que são produzidas como blockbusters de aventura nos EUA, é mesmo o seu protagonista. Oscar é um indivíduo detestável. Egoísta, malandro, safado, mulherengo, farsante, aproveitador... não há quase nada que o faça ser um bom ser humano. Mas, convenhamos, nós adoramos adorar um canalha, como é o caso não só de Oscar, mas de Jack Sparrow, o deputado Francis Underwood do seriado House of Cards, o Swayer de Lost, Barney Stinson de How I Met Your Mother... a lista é enorme. Além disso, Oscar é um indivíduo realmente complexo e tridimensional. Lutando para não ser uma pessoa comum, mas sim um indivíduo grandioso, Oscar repudia a humildade e bondade que, segundo ele, parece ser própria de indivíduos medíocres que se dão mal na vida (como seu próprio pai). Assim, seu comportamento é, mesmo que ele não perceba, uma forma de mecanismo de defesa para passar longe de uma vida comum e ordinária. Mas ele é realmente, no fundo, uma boa pessoa, capaz de sentir compaixão e querer, genuinamente, ajudar outras pessoas, por mais que, segundos depois, possa voltar a ser o babaca de sempre. Raime parece interessado em explorar todas essas facetas de seu protagonista, e sua direção se sobressai nessa aspecto. Observem que sempre parece que as “mágicas” de Oscar são realmente mágicas, já que nunca vemos, partindo dele, algo que refute a ilusão... a não ser em um momento específico, quando está conversando, em Kansas, com sua amada Annie (Michele Williams), e passa uma cola em um aparelho, fazendo com que esse volte a funcionar. Ou seja: Raime o captura em um momento vulnerável que, inclusive, é uma belíssima sequência em que Oscar expõe muito de sua complexidade, já que sua couraça parece ter dado uma brecha. E não há como não admirar a rima criada pelo diretor (e também pelos roteiristas) em relação à Oscar fazendo (ou não) uma garotinha andar em Kansas e outra em Oz.

  Muito desse sucesso do personagem vem da própria performance impecável de James Franco, ator sempre competente. O ator demonstra profundo conhecimento de seu personagem em nuances de sua atuação, seja pela entonação de sua voz (quando quer surpreender ou enganar, engrossa a voz) ou pelo mero movimento dos olhos (observem quando fala sobre seu pai ou quando comenta sobre Thomas Edison). Além de Franco, outra que consegue se sobressair violentamente é Mila Kunis (puta que pariu...que atriz linda!), que consegue transformar Theodora em uma figura praticamente tão complexa quanto o próprio Oscar (talvez até mais), sendo possuidora de um arco dramático pesado e bem definido. A ambiguidade da personagem fica evidente no talento da atriz, que adota sempre gestos contidos e um tom de voz regulado, demonstrando assim uma pessoa de múltiplas facetas: parece trágica e cansada pelo estado da Terra de Oz; reservada quanto aos seus sentimentos, e em quem os deposita; e, o mais importante, demonstra sua força em se controlar, para não se deixar levar por impulsos violentos e perigosos.

  No caso de outros personagens, Rachel Weisz faz de Evanora uma figura ameaçadora mas não totalmente unidimensional, ao mesmo tempo que Michelle Williams (mais acostumada a filmes mais “sérios” e densos, como Sinédoque, Nova York, Ilha do Medo, Namorados Para Sempre, O Segredo de Brockeback Mountain, etc) nunca deixa sua “bruxa boa” ser unidimensionalmente boa, mas sim uma figura interessante e forte. Agora, se tem algo que me irritou demais foram os péssimos personagens do macaco e da boneca de porcelana. O primeiro serve como um alívio cômico estúpido e clichê, enquanto a segunda é uma personagem que, se em sua primeira cena parece ser interessante, depois fica variando entre extremos de chatice e manha, a ponto de me fazer querer entrar no filme e quebrá-la em pedacinhos.

  Ah, quase esqueci de falar do 3D: Sam Raime não sabe usar. Pode até jogar um monte de coisa na câmera para dar a impressão de que sabe o que está fazendo, mas o diretor parece não compreender que um bom 3D depende de alta profundidade de campo, algo que ele não adota em praticamente nenhum momento do filme.

  Enfim, Oz – Mágico e Poderoso é um filme falho que, no entanto, se salva pelas atuações e personagens, principalmente de Franco e Kunis. Mas esse tipo de filme já vem se desgastando faz tempo. Os clichês são os mesmos, os estereótipos se mantém, o mesmo humor de sempre, etc. Acho que deviam dar um tempo. Enquanto isso acho que Sam Raime poderia voltar a se dedicar a mais Evil Dead...

Nota: 6,5 / 10.0

domingo, 3 de março de 2013



Crítica filme “Upside Down” (Upside Down / 2013 / França, Canadá) dir. Juan Solanas

por Lucas Wagner

  Algumas histórias batidas usadas pelo Cinema, Literatura e Dramaturgia podem ficar interessantes de novo dependendo da “roupagem” que estiverem usando. Se “Romeu e Julieta” já é uma história chatinha e clichê, de amor impossível e idealista, o diretor e roteirista Juan Solanas conseguiu transformar essa fórmula sheakesperiana em algo interessante e criativo, cheio de ideias que nos fazem querer sempre pensar mais sobre o funcionamento do fascinante universo que criou. E, é claro, há todo o romance apaixonado e utópico digno dos trágicos amantes de Sheakespeare.
                                             
  Em uma realidade alternativa, desde o início do Universo, dois planetas que orbitam o mesmo sol, só que possuem gravidades opostas, fundem uma parte de si com o outro, criando uma espécie de “mundo duplo”, com a parte de cima e a parte de baixo. Há leis físicas que são particulares de cada um desses mundos e definem, em parte, o modo de vida e organização das civilizações opostas. Uma dessas leis físicas mostra que cada um desses mundos possui uma gravidade própria, que “puxa” o indivíduo de determinado mundo para o seu mundo de origem. Assim, se alguém “de cima” estiver “em baixo”, sem obstáculo algum (como uma pedra, por exemplo) vai “cair para cima”. E, se forçar a barra para algum objeto ou pessoa pertencente à um mundo para ficar no mundo oposto, esse vai, em menos de uma hora, entrar em combustão.

  Enfim, Adam (Jim Sturgess) pertence ao “mundo de baixo” e, quando moleque, conhece Eden (Kirsten Dunst), habitante do “mundo de cima”. Os dois se apaixonam loucamente e vivem um romance “diferente” até a sua adolescência, encontrando modos pouco confortáveis de se manterem perto um do outro, num ponto de onde as atmosferas dos dois mundos se encontram. Um evento trágico acontece que os separam ainda mais, levando Adam, 10 anos depois, a perseguir uma possibilidade de reencontrar Eden, algo que fará mesmo que desafiando as próprias leis físicas daquele universo bizarro. O maior problema, no entanto, é que Edith perdeu a memória no evento que os separou.

  O mais fascinante sobre o filme é o modo como Solanas vai desenvolvendo a própria lógica daquela mitologia, desde os créditos iniciais, que surgem dinâmicos com uma animação que pode ser bem enquadrada sob o conceito de psicodelia (e o recurso preguiçoso da narração em off, mesmo não sendo 100% necessária no longa, é essencial em algumas partes, como na introdução). Não satisfeito em apenas criar conceitos interessantes, Solanas aprofunda-se na exploração desses conceitos, como na criação do ponto onde as atmosferas dos mundos se encontram e Adam vai catar frutos que caem do mundo de cima; o fato de, nesses frutos, conter uma substância que, aparentemente, encontra um equilíbrio entre as gravidades, conseguindo, mesmo ser do mundo de cima, se manter no de baixo; a invenção de Adam do creme “anti-envelhecimento”, muito criativo e divertido; e até mesmo em detalhes pequenos mas cheios de inventividade, como a bebida “invertida” que os personagens bebem no “Café dos Mundos”, os objetos metálicos do mundo de cima que o pessoal do mundo de baixo usa para fins de aquecimento, ou quando Adam urina no mundo oposto ao seu e o líquido “cai para cima”.

  Como se não bastasse, Solanas demonstra ser um bom conhecedor do que enriquece, de fato, uma ficção científica e discute conceitos sociais que se aplicam àquele Universo e retroagem na nossa própria realidade. O caso é que o diretor/roteirista entra nas discussões marxistas de classes sociais e coloca o mundo de cima como pertencente às classes mais altas e o de baixo como às classes mais baixas. A segregação é tão grande que os habitantes dos mundos opostos não podem possuir qualquer contato mais duradouro sem correr risco de vida, já que é proibido por lei a própria relação de amizade/amor entre eles (o que, é claro, influência ainda mais na impossibilidade do amor entre Eden e Adam). As pessoas do mundo de baixo não podem possuir qualquer possibilidade de crescimento social, já que, até mesmo àqueles possíveis gênios (como Adam com suas invenções), só é permitido o mínimo possível de contato com o mundo de cima, que tomam dos “de baixo” o que precisam, lhes dando pouco crédito depois, já que eles são “ralé”, de periferia. A coisa toda se torna ainda mais complexa quando percebemos que no mundo de cima ainda existe a classe média e sua indeterminação de identidade (algo que discuti extensivamente na minha crítica do maravilhoso O Som ao Redor), sendo considerada quase próxima do mundo de baixo, algo que fica evidenciado no longo escritório onde coexistem trabalhadores de cima e de baixo, como se fosse o fundo do poço para os de cima, e o ápice da vida social para os de baixo. Podemos até mesmo transcender tudo o que Solanas propõe e imaginarmos a contradição existente no fato de os “de cima” se chamarem assim, já que, objetivamente, os que estão em baixo estão em cima na perspectiva desses. Então, na verdade, o oposto sempre está acima! Então, é na verdade uma ordem social imposta pelas classes mais altas que forçam uma visão inferiorizada para as denominadas classes mais baixas, exatamente como acontece na realidade, já que toda a noção de classes sociais é socialmente construída nas contradições inerentes ao processo da História! Genial!!! E fica simplesmente impossível não apreciar a inteligência de Solanas ao colocar o mundo de cima pegando formas de energia mais barata do mundo de baixo para vender para esses mesmos com um preço absurdo. Lembra alguma coisa?

  Visualmente também Upside Down é simplesmente de tirar o fôlego! Com uma fotografia belíssima e uma direção de arte impecável, Solanas consegue balancear uma atmosfera de ficção científica e fábula para seu filme, ressaltando a linha tênue entre a ciência e fantasia do longa. A direção de arte é eficientíssima em ressaltar a grandiosidade tecnológica do mundo de cima com a decadência do de baixo, se tornando ainda mais fascinante na construção dos ambientes da classe média do mundo de cima ou, principalmente, na criação do “Café dos Mundos”, bar que tem o teto como o chão do mundo oposto; o fascinante sobre esse bar é que, mesmo interessante como conceito em si mesmo, funciona como uma forma de desenvolver mais a personagem de Eden, já que transmite, em seu ambiente antiquado, decadente mas ainda dono de uma rústica beleza, toda uma nostalgia melancólica de um tempo e uma amor que agora não passam de uma névoa em sua cabeça. É bem verdade, no entanto, que Solanas exagera no uso de flares (reflexos luminosos), chegando a incomodar um pouco, embora, aqui e ali, o uso seja adequado para um tom maior de romantismo. No quesito da trilha sonora o diretor ainda erra pelo uso constante, embora esse equívoco possa ser parcialmente perdoado já que a trilha composta por Benoít Charest é belíssima, funcionando com tons fabulescos/românticos e outros mais intensos e modernos.

   Como filme de romance, Upside Down não é lá um Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças ou Antes do Amanhecer/Antes do Pôr-do-Sol, mas funciona bem, com toda a dose de utopia que devemos aceitar de um amor à primeira vista que dura a vida toda. Para isso, as atuações de Sturgess e Dunst funcionam para nos aproximar daqueles indivíduos e nos importarmos com eles, torcendo pelo sucesso de seu relacionamento. Jim Sturgess é um ator que, assim como John C. Reilly e Ron Perlman, consegue deixar interessante qualquer personagem que interpreta, já que é dedicado e cheio de energia, conseguindo conferir intensidade e tridimensionalidade à qualquer papel, tornando palpáveis os dilemas de seus personagens (lembro bem da intensidade brutal de sua atuação em A Marca da Vingança, cujo papel que interpretava seria muito infantil sem a forte atuação dele), e assim, transforma Adam num indivíduo romântico e inocente, e, o que é mais importante, consegue nos fazer importar com seu amor sem limites por Eden. Já Kirsten Dunst transforma Eden numa figura cuja própria tragicidade melancólica da falta de memória, da nostalgia constante e sem forma, junto com a beleza física, já a deixam apaixonante, nos deixando com pena e carinho pela personagem, compartilhando da dor que um mero evento, por menos importante que pareça, pode provocar nela. Infelizmente, o roteiro de Solanas não é eficiente no desenvolvimento de Eden como é no de Adam, e lhe dá muito menos atenção, o que impede um pouco que fiquemos mais ligados à personagem como deveríamos.

  Além dos problemas que discuti acima, Upside Down possui alguns mais graves que o impede de se tornar uma obra-prima. Muito disso se refere, principalmente, às formas tolas que Solanas encontra de resolver muitos conflitos que cria, como a resolução da falta de memória de Eden ou de toda a história da impossibilidade física do casal ficar junto. Aliás, chega a ser decepcionante que o diretor, tão ambicioso, force um final muito artificial, forçando a barra para acabar tudo feliz.

  Apesar disso, a questão é que Juan Solanas conseguiu criar um longa admirável e bonito, criativo e inteligente, que ainda consegue nos fazer importar com o casal protagonista, transformando, assim, Upside Down em uma experiência emocionalmente e intelectualmente estimulante.

Nota: 8.8 / 10.0

sexta-feira, 1 de março de 2013

Van Larkins


Eae galera, tudo bom?

Hoje vou falar do Van Larkins.




   Owen Van Larkins iniciou os estudos de música a partir dos dez anos de idade. Influenciado por seu pai, músico e artista, o violão tornou-se parte da sua vida.
    Ele conquistou várias qualificações de música contemporânea e perfomance na Austrália. Em 2010, conseguiu reconhecimento e gravou o seu primeiro cd com Andrew White. Conhecidos por “Hunter Van Larkins”, obteram vários fãs e admiradores pelos videos instrumentais no youtube.
   O dueto de violão fingerstyle acabou, mas Van Larkins  iniciou carreira solo. Para aqueles que não conhecem, vale a pena conferir seu disco novo “Wandering Hands”. Não sei se é exagero, porém considero-o como um futuro sucessor do Andy Mckee...
   Confira um pouco desse grande talento Van Larkins antes e depois da carreira solo.


Hunter Van Larkins - EckHo

Hunter Van Larkins - Bull On Fire

Van Larkins - Honey

Van Larkins - Halloween 2-Step

Van Larkins - Wandering Hands

Van Larkins - Nullabor Plains

Abraço.