sábado, 24 de novembro de 2012

Ben l'Oncle Soul

Aê galera tudo bom ?

 Vou deixar alguns videos do meu amigo Ben l'Oncle Soul.

Trata-se de um cantor francês que vem se destacando com as suas versões de hits pops e de rock. Suas versões ficaram muito boas!

"Seven Nation Army"

"I kissed  a girl"

"Crazy"
 

Abraço.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012


Resenha filme "Cosmópolis" (Cosmopolis / 2012 / França, Canadá, Portugal, Itália) dir. David Cronenberg

por Lucas Wagner


  "Nós multiplicamos nossas possessões mas reduzimos nossos valores. Falamos demais, amamos raramente, e odiamos freqüentemente. Nós aprendemos como fazer uma vida mas não como viver. Adcionamos anos à nossa vida, mas não vida aos nossos anos"   George Carlin

  Um dos intelectuais mais fascinantes da atualidade é, sem dúvidas, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que busca estudar como se dão as relações da pós-modernidade. Um conceito com que ele sempre trabalha é o de liquidez, de vida líquida. A matéria em estado líquido escorrega por entre nossos dedos; nós não somos capazes de mantê-la conosco por mais do que alguns segundos; está sempre escapando. Bauman observa as relações, os sentimentos (como Amor ou Medo) e a própria Vida como um todo, nesta pós-modernidade, como melhor comparada à liquidez: nada é permanente; nós e nossos relacionamentos fogem de nós mesmos, podem mudar em um espaço de segundos. Nessa contemporaniedade, o que mais parece se pregar é o desapego emocional, a frieza e calculismo que podem levar à perfeição das ações no modo de produção capitalista em que vivemos. É a “filosofia da mochila vazia”, onde os objetos que carregaríamos nessa mochila seriam pessoas ou qualquer outro componente emocional que pese e, consequentemente, atrase o jovem promissor da sua escalada ao sucesso, riqueza e poder. Desse modo, vivemos em um mundo onde essa liquidez é desejada, que vai levando a tal processo de desestruturação psíquica que, sem dúvida, pode acabar caindo em uma manifestação inexoravelmente psicopatológica. Afinal, quem é capaz de se manter tão frio, tão apático e tão calculista assim por tanto tempo, e ainda ser feliz?

  Em Cosmópolis, o cineasta canadense David Cronenberg mergulha em reflexões profundas e extremamente complexas sobre a pós-modernidade, sobre a liquidez da vida contemporânea, o vazio, a frieza e a loucura a que tudo isso pode levar, através de um estudo de personagem fascinante e assustador, com um caráter levemente surrealista (como muitos dos seus trabalhos, por sinal). No caminho, Cronenberg cria um longa marcante e niilista que pode funcionar como uma curiosa mistura dos inesquecíveis Clube da Luta e Waking Life, do primeiro pegando a análise do vazio da vida moderna que pode levar à loucura, e do segundo a estrutura, onde o protagonista vai se encontrando com diferentes figuras em seu caminho, e com cada uma, trava reflexões filosóficas/existenciais.

  O protagonista é Eric Packer (Robert Pattinson), jovem gênio multimilionário com 28 anos de idade. Em um determinado dia, quando o presidente está na cidade (que é Nova York), um rapper famoso morreu, e está tendo um enorme funeral, e, ainda por cima, vemos uma manifestação anarquista, que afirma que a moeda atual é o rato (que ilustra bem a falta de sentido e propósito do dinheiro na atualidade), Packer decide que deve cortar seu cabelo, custe o que custar, e assim, dentro de sua limosine futurista, enfrenta um trânsito dos infernos ao mesmo tempo em que trava diversas reuniões importantes. Packer é, sem a menor sombra de dúvida, um personagem extremamente complexo. Charmoso e egocêntrico, ele é a perfeita imagem de um rapaz que, ainda no fim da adolescência, descobriu uma certa forma de genialidade que o levaria longe, e assim entrou de cabeça nesse estilo de vida, deixando que cada milímetro desse estilo entrasse em seu cerne, tanto as partes boas (dinheiro, mulheres, etc) quanto às ruins (como o desapego e a frieza). Packer é apático, nada parece lhe impressionar, fazer com que se apaixone. Nada lhe encanta. O mundo é um lugar prático, onde ganhamos dinheiro, fazemos sexo, compramos coisas e... bem, cortamos cabelo. Ele já está tão impregnado com esse modo de viver, que qualquer outro lhe parece alienígena, e assim, ele parece incapaz de ser compassivo, de enxergar os sentimentos de outras pessoas, e os levá-los em conta, como fica bem claro no seu relacionamento com a esposa, com a qual só quer saber quando farão sexo de novo (e enquanto não fazem, ele transa com outras mulheres), e que se surpreende com o fato dela fumar (algo que faz desde os 15 anos e ele nunca tinha notado nas duas semanas em que estão casados). E se ele é incapaz de enxergar sentimentos alheios, isso não é diferente para ele mesmo: ele não consegue descrever suas próprias emoções, angústias e nem o que quer da vida, a longo prazo. Ele parece comprar coisas com o objetivo único de comprar, já que o dinheiro é um fim em si mesmo nos dias de hoje. Assim, o fato de ele estar sempre dentro de sua limusine funciona com eficiente simbolismo sobre ele mesmo, já que está constantemente em movimento (como um business man bem sucedido da atualidade) e está sempre à parte do que ocorre fora dela, que tem um aspecto futurista e tecnológico que não encontra igual no mundo fora; sendo à prova de som, ele não escuta nada do lado de fora, e ainda pode deixar as janelas todas escuras, e assim recostar em seu trono (é um trono mesmo, literalmente) dentro do carro e viver sua vida.

  Vaidoso e com uma preocupação com a morte (talvez o único aspecto que lhe torna humano na metade inicial do longa, mas ele nem sabe bem o por quê disso), ele faz check-ups médicos todos os dias (incluindo dolorosos exames de próstata), e ao descobrir que tem a próstata assimétrica (nada grave, por sinal), enxergamos o estopim que o levará à uma cisão psíquica, deixando-o completamente louco em uma busca existencial paranoica. Essa próstata assimétrica quebrou a simetria perfeita de sua vida, assinalou um ponto fraco, um erro, uma deficiência, e isso o leva a, aos poucos, ir tomando consciência de sua apatia, e ao perceber-se completamente incapaz de sentir algo, que tenta encontrar formas cada vez mais absurdas e desesperadas de fazê-lo. Seu leve problema desencadeou isso tudo, pois o trouxe à vida real, mortal, na qual ele não tem um padrão para se comportar. Seja na morte, mutilação, assassinato, Packer tenta sentir alguma coisa, acabar com essa anestesia que lhe corrói a alma. Mas o mais complexo não é nem isso, já que se prestarmos bem atenção, perceberemos que ele nem sabe que esse é o seu objetivo. Como em muitos trabalhos de Cronenberg (como A Mosca, Videodrome, etc), acompanhamos aqui uma metamorfose, algo que ele deixa claro, inteligentemente, através do figurino de Parker: se no início está de terno completo, e óculos escuros, vai perdendo vários pedaços da indumentária (e no fim, chega a perder até um pouco de seu cabelo), algo que ilustra com perfeição a queda, a destruição de personalidade pela qual o personagem passa. É como se tivesse perdendo suas máscaras e encarando a vida pela primeira vez.

  Essa busca do protagonista é (surpresa!) extraordinariamente bem representada por Robert Pattinson. Muito disso pode ser mesmo pelo fato de que a eterna poker face, inexpressividade do ator, sejam perfeitamente adequadas ao personagem. Mas, em alguns momentos, podemos perceber que Pattinson realmente sabe o que está fazendo, dando uma dimensão extra à Packer, quando este surge com lágrimas nos olhos ao saber da morte de um rapper do qual gostava, ou na longa sequência de conversa entre ele e Benno (Paul Giamatti, excepcional) no fim do filme. Por essa eu não esperava, sinceramente.

  Mas essa batalha existencial de Packer, esse estudo de personagem, não possui um fim em si mesmo. Cronenberg usa o protagonista como um espelho para a busca incessante que nós temos em nós mesmos. Cada vez mais nos vemos mais frouxos, mais anestesiados pela vida, completamente dormentes frente à realidade. Nem sabemos bem quem somos, para ser sincero, e usamos inúmeras máscaras no cotidiano, de beleza, de um ideal falso. Nós estamos sempre vendendo uma imagem. A diferença entre nós e Packer, é que esse já passou para um nível superior de apatia, e chegou à loucura. Na pós-modernidade, tão gritantemente materialista, podemos enxergar uma melancólica falta de propósito no nosso existir. O que buscamos? Sonhos? Amor? Poder? Tudo isso são desejos abstratos, que busca inserir um objetivo claro para cada um. Mas e quando alcançamos tudo que materialmente podemos alcançar? O que fazer então? O que guiará, norteará nosso comportamento? Além disso (e isso talvez seja ainda mais importante), como podemos fazer para nos manter fiéis a nós mesmos, sem nos corromper na visão niilista que parece essencial na busca do sucesso de hoje em dia? De fato, pelo que podemos enxergar (e como Bauman tanto comenta), para alcançarmos o poder, o sucesso, o status, devemos abrir mão de muito do lado emocional, do amor, dos relacionamentos, pois isso (e estou sendo realista, e não pessimista) isso atrasará completamente seu propósito de sucesso. Não dá mais para conciliar os dois. Desse modo, parece que somos presos num permanente dilema existencial: buscar o amor/relacionamentos, ou buscar o sucesso? Com o primeiro, podemos encontrar sentimentos profundos, mas também uma existência mais desconfortável e difícil. Com o segundo, nos tornamos imagens a serem veneradas, lendas exaltadas, e damos (talvez) um significado para nossa vida que contemple mais do que o curto espaço de tempo que passamos nesse planeta. Porém, dependendo da intensidade com que fazemos isso, perdemos a nós mesmos, como acontece com Packer. E isso é lindamente demonstrado por Cronenberg na cena do barbeiro, em que o guarda-costas do protagonista escuta histórias sobre Parker e seu pai, contadas pelo barbeiro, e nessa hora, o diretor parece deixar Packer de lado, focando sua câmera mais nos dois outros personagens em cena.

  Cronenberg, aliás, tem um trabalho excepcional, conseguindo dar uma dose certa de frieza e apatia à sua direção. Seu trabalho é seco, sem graça, não possuindo em nenhum momento algo que nos deixa visualmente embasbacados (a não ser o interior da sua limusine). E isso é proposital, serve maravilhosamente aos objetivos do filme em si, de vazio da vida na pós-modernidade. A sensação transmitida por sua direção é de completo niilismo, tédio (o que levou muitos espectadores a sair da sala antes da hora, por sinal). E não só na direção, mas a trilha sonora de Howard Shore (parceiro habitual do cineasta, mas que é mais conhecido pelo seu inesquecível trabalho na trilogia O Senhor dos Anéis), também alcança bem esse objetivo de apatia e niilismo. Além disso, o roteiro do próprio Cronenberg cria cenas maravilhosas em que Packer trava diálogos filosóficos/existências impecáveis e profundos com diversos interlocutores; e são sempre reflexões sobre a existência no mundo capitalista pós-moderno. Apesar disso, na metade inicial do filme, Cronenberg investe, erroneamente, em cenas de diálogos com determinados interlocutores que não acrescentam nada ao seu trabalho, mas esse é basicamente o único erro de um trabalho tão bom.

  Contando com uma conclusão perfeitamente abrupta depois de uma longa (e fantástica) sequência de conversa, que ilustra com brilhantismo o lado do mais rico e do mais pobre na contemporaniedade, Cosmópolis é um feliz retorno à boa forma de Cronenberg depois do seu regular Um Método Perigoso. É um filme complexo, intrigante, triste e niilista, que nos lança de volta a nossas vidas com um gosto amargo de desespero e desilusão por parte da realidade. E essa é justamente uma das mais belas funções da Arte: nos dar um tapa na cara quando precisamos.

*Outras resenhas minhas de filmes dirigidos por David Cronenberg:

-Um Método Perigoso (A Dangerous Method / 2011 / EUA): 
http://mestredeobras.blogspot.com.br/2012/05/resenha-filme-um-metodo-perigoso.html

sexta-feira, 9 de novembro de 2012


Resenha filme "Argo" (Argo / 2012 / EUA) dir. Ben Afleck

por Lucas Wagner


  O ator Ben Afleck foi, para muitos, durante a década passada, sinal de baixa qualidade. Era só o seu nome aparecer no elenco de um filme que muita gente já virava a cara. Não é para menos, já que, depois de ganhar um Oscar de Melhor Roteiro Original ao lado de seu amigo Matt Damon, por Gênio Indomável, o ator trabalhou em um sem fim de projetos abomináveis tanto para quem gosta de um bom Cinema, quanto para quem só quer diversão. No entanto, em 2007, estreou na direção com Medo da Verdade, um longa que surpreendeu por sua ambição e complexidade ao tratar de uma questão moral extremamente ambígua. Se, no entanto, com esse filme ele encantou a crítica, foi só com seu segundo trabalho na direção, em 2010, com Atração Perigosa, que ele também fisgou o público (sem deixar a crítica de lado) com uma narrativa ágil e bem estruturada, além de ser um belo estudo de personagem. Agora ele lança esse Argo, que é mais uma prova de que ele pode não ser um grande ator, mas sem dúvida é um cineasta sério e competente, que se torna cada vez mais maduro e seguro a cada filme seu.

  O longa conta uma história real do mundo da espionagem, que só veio a ser revelada na última década, embora tenha acontecido no intervalo de 1979-1981. E é uma história fascinante, tão estranha que o fato de ser baseada em fatos deixa ainda mais interessante. Diante da queda do presidente Mohammad Mosaddeq, o poder do Irã foi instituído ao xã Reza Palehvi, que, apoiado pelos EUA e pela Inglaterra, se tornou um verdadeiro psicopata, torturando a população sem dó. Quando ele percebeu que tinha ido longe demais, procura arrego nos EUA, enquanto a população do Irã, querendo o seu sangue, invade a embaixada norte-americana, fazendo todos de reféns, a não ser cinco, que escapam e encontram refúgio na embaixada canadense. Antes que os manifestantes encontrem estes refugiados, a CIA chama o especialista em extração, Tony Mendez (Ben Afleck), que, para resgatá-los, tem a ideia de montar uma equipe de cinema canadense, e sob a pretensão de filmar um filme falso de ficção científica (de nome Argo), entrar no Irã e resgatar os refugiados em segurança.

  Primeira coisa a comentar é que Argo claramente evidencia uma mudança na direção de Afleck, já que seus dois outros trabalhos são carregados de um tom pessoal e melancólico de pessoas que nasceram e cresceram na parte pobre de Boston (como o próprio Ben Afleck) e que foram arrastadas para o crime e as drogas justamente pela falta de perspectiva de uma vida melhor. Principalmente Atração Perigosa, cuja temática é 100% centrada na dificuldade de sair da vida de bandido, sendo que é esse o modo como você cresceu e se adaptou à sociedade. Em Argo, nada vemos de Boston. O longa é carregado de um tom político e crítico, globalizado, o que é mais do que adequado se percebermos como o diretor decidiu centrar seu filme.

  Um filme como esse, contando um feito tão heroico da CIA para salvar seu compatriotas em apuros, poderia facilmente, nas mãos de um Michael Bay da vida, cair na desgraça de ser ufanista, estupidamente patriótico, algo que sempre me desperta nojo. Felizmente, Afleck se mostrou mais inteligente do que isso, e assim emprega, logo na abertura, uma narração em off (numa cena dinâmica e esteticamente interessante)  contando os acontecimentos anteriores que contextualizam a  trama, e já deixam claro que os EUA não tem nada de santo, e sim de demônio diante de tudo que levou aos manifestantes iranianos a atos de violência tão brutais. Esse senso crítico persegue todo o longa, que não deixa de atacar nem Hollywood (como comentarei mais abaixo), e ainda consegue dar um soco mortal na face do governo norte-americano ao mostrá-los buscando abandonar uma operação que tem grandes probabilidades de dar certo, por outra infinitamente mais arriscada, que coloca em risco a vida de norte-americanos e iranianos, ainda tendo o perigo de iniciar uma guerra, simplesmente porque, caso a operação não desse certo (nem a inicial e nem a mais arriscada), pelo menos o governo dos EUA ficaria com uma imagem mais grandiosa diante da segunda alternativa. Afleck ainda foi extremamente feliz ao buscar conferir um tom ainda mais realista, de que está contando a verdade e não inventando uma história feliz de Cinema, ao usar bastante cenas de arquivo, coadunando-as com perfeição com outras cenas filmadas por ele, o que, além de dinâmico e interessante, deixam mais claras as suas propostas de seriedade.

  Dentre todos os seus acertos, no entanto, o que faz de Argo um filme tão notável é provavelmente a sua visão de nunca buscar apontar alguém como vilão. Sim, ele critica atitudes do governo norte-americano, ao mesmo tempo em que, em hora nenhuma, mostra apoiar a brutalidade e o ódio inflado que os iranianos lançam contra os EUA, por estes protegerem o xã Reza Palehvi. Mas Afleck parece mais preocupado em enxergar os indivíduos nessa bagunça toda como seres humanos, que não têm culpa de que seu governo seja um lixo. Algum espectador babaca com o ego inflado e sem senso crítico ou maturidade poderia gritar totalmente em apoio dos iranianos, dizendo que os norte-americanos não valem nada pelo que fizeram e que os manifestantes estão certíssimos em seus atos de violência, além de ficarem criticando a missão o tempo todo, afirmando que os refugiados mereciam morrer pelo o que seu país tinha feito ao Irã. Mas não. O cineasta dedica até um bom tempo a filmar os refugiados, angustiados, tremendo ao simplesmente ouvir um barulho forte, ou um bater na porta. Eles são seres humanos. Se são norte-americanos, isso é um mero detalhe. Ainda é impossível não simpatizar com os iranianos justamente pelo absurdo que sofreram com Palehvi, que foi posto no poder por interesses ideológicos dos EUA, e compadecemos deles em cenas como a que mostra um iraniano gritando de raiva no mercado. Argo não tem um vilão, mesmo que estejamos torcendo por determinado grupo em determinada parte. Seus personagens são pessoas que vivem sob a ordem de um governo irracional (EUA) ou do caos, angústia e orgulho ferido (Irã). Nós compreendemos cada lado. Assim, muitos podem acabar confundindo o sentimento de orgulho que se dá em determinado momento do filme como simples patriotismo, enquanto não é exatamente isso, mas orgulho pelo esforço de cada um envolvido que se esforçou tanto para chegar a determinado resultado. E isso é bem mais do que patriotismo.

  Ainda, o filme capta um momento e uma visão bem crítica de Hollywood. Depois do lançamento de Star Wars, a esmagadora maioria dos projetos hollywoodianos era centrada apenas no entretenimento, numa fuga alucinada da realidade. Não que um filme voltado apenas para o puro entretenimento seja algo ruim, mas o caso era que, diante de uma realidade tão perversa, era um absurdo que os cineasta não virassem suas câmeras a essas situações. Assim, o letreiro de Hollywood destruído que aparece em determinado momento, serve como símbolo perfeito para essa situação. Mas, mais ainda do que isso, naquele que é talvez o momento mais inspirado da direção de Afleck, vemos duas cenas ao mesmo tempo, contrabalanceado uma com a outra, um discurso com o outro, sendo que em uma vemos uma cena de tortura dos reféns no Irã, e ouvimos uma declaração sombria voltada para os EUA, e na outra vemos vários atores fantasiados de personagens coloridos, lendo um roteiro inútil para uma enorme quantidade de repórteres, que parecem mais preocupado com isso do que a assustadora realidade que vemos na outra cena. Uma abordagem bem corajosa, convenhamos.

  Afleck demonstra ainda mais segurança do que nos seus dois últimos trabalhos, e consegue dividir o longa em três atos bem distintos, contando a história a partir de múltiplas perspectivas, mas nunca deixando o resultado confuso ou chato. Ele consegue ir de cenas pesadas no Irã, para momentos mais descontraídos em Hollywood com perfeição, ainda mais para deixar bem clara a diferença das realidades, algo que fica ainda mais marcado pela fotografia de Rodrigo Prieto, que investe em tons mais escuros e dessaturados para mostrar o Irã ou a CIA, e tons excessivamente claros e coloridos (justamente para dar um ar de exagero) quando filma Hollywood. Afleck ainda é perfeito na hora de criar tensão, construindo sequências de suspense muito competentes, como a do clímax, embora nessa ele seja levemente infeliz ao incluir diversos momentos em que os personagens se safam por pouco, o que parece meio repetitivo e forçado. Mas isso não chega a depreciar o longa.

  O único erro grave, no entanto, é em relação ao protagonista. Não exatamente à atuação de Afleck (embora eu ache que Matt Damon seria mais adequado ao papel). O cineasta reconhece suas limitações como ator, e trabalha, em seus filmes, com papéis que sabe que atuará com conforto. O problema é que ele é completamente unidimensional. Afleck chega até a incluir uma subtrama envolvendo a família desestruturada dele, para deixá-lo um pouco mais profundo. Mas isso não adianta nada, é completa perda de tempo, e não se inclui de maneira alguma ao contexto do filme, muito menos cria um arco dramático para o personagem. Pior de tudo é que, justamente pela unidimensionalidade dele, seus sacrifícios no terceiro ato são totalmente incompreensíveis. Quem se dá bem no elenco é mesmo Alan Arkin (oscarizado por Pequena Miss Sunshine) e Bryan Cranston (o Walter White de Breaking Bad). Alan Arkin transforma o cineasta Lester Siegel em uma figura interessantíssima e complexa, irônica ao extremo. Já Bryan Cranston, que é tão genial quando interpreta Walter White no seriado que citei, nunca parece ter um bom personagem no Cinema, e esse ano mesmo tive que criticar suas atuações no legalzinho O Vingador do Futuro e no abominável Rock of Ages. Mas aqui, seu Jack O’Donnell é um sujeito complexo que, em determinado momento, mostra que é bem mais humano do que aparentava. John Goodman e Kyle Chandler ainda estão bem divertidos em seus papéis, mas não há muito o que falar.

  Contando com falas inspiradas e inteligentes, além de muitas vezes engraçadas (“Se vou fazer um filme falso, vai ser um sucesso falso”), Argo é um filme realmente ótimo, inteligente e complexo, que prova cada vez mais que Ben Afleck é um cineasta excepcional e ambicioso, pronto para se juntar a Sean Penn e Selton Mello no ramo de atores que viraram grandes diretores (gostaria de dizer que Clint Eastwood é também, mas a qualidade de seus filmes caiu demais de 2008 para cá, então deixa pra lá).

sábado, 3 de novembro de 2012


Resenha filme "Frankenweenie" (Frankenweenie / 2012 / EUA) dir. Tim Burton

por Lucas Wagner


  O curta metragem Frankenweenie, dirigido por Tim Burton em 1984, era um filminho adorável que ainda servia como uma bem feita homenagem a clássicos de terror, principalmente, como é óbvio, Frankenstein. Se tinha uma coisa que atrapalhava, porém, era que, justamente pelo pouco tempo de duração (30 minutos), Burton não pôde trabalhar tão bem a relação entre o cãozinho Sparky e o garoto Victor, embora ficasse claro que eles se adoravam, caso contrário, o curta não teria funcionado. Assim, uma das coisas que me deixou esperando ansioso por essa versão em longa metragem (além de ser em preto e branco e em stop-motion, que eu simplesmente amo) foi a perspectiva de que o cineasta poderia ter um tempo mais folgado para trabalhar o desenvolvimento dos personagens. De fato, ele consegue isso com muito sucesso. Porém, com esse tempo maior, Burton se empolgou um pouco mais do que deveria, principalmente no quesito das homenagens, como discutirei.

  Acompanhamos a história do isolado Victor Frankenstein, que tem a possibilidade de ser um grande cientista no futuro, mas no plano social, prefere se manter isolado e ter amizade mesmo apenas com seu cão, Sparky. Quando Sparky é atropelado por um carro, Victor fica profundamente triste, até que encontra a possibilidade de ressuscitá-lo usando eletricidade. Depois de ter sucesso em sua empreitada, o garoto enfrenta problemas quando outros meninos da sua escola querem fazer experiências iguais à dele.

  Visualmente, Frankenweenie é impecável. Burton já havia provado em seus excelentes Noiva Cadáver e Vincent (seu primeiro curta metragem) o profundo respeito e carinho que tem pela animação stop-motion. O cineasta a enxerga como uma técnica extremamente artesanal, e por isso mesmo consegue um resultado tão bonito, curioso e delicado. Devido a essa paixão pela técnica, Frankenweenie se sai melhor (visualmente) do que outra animação em stop-motion esse ano, ParaNorman. Essa técnica se insere organicamente com perfeição à filmografia do cineasta, que sempre incutiu uma atmosfera gótico-expressionista em seus trabalhos; com o stop-motion, o longa ganhou uma perspectiva ainda mais macabra e estranha, com os personagens parecendo semelhantes a cadáveres. Além disso, essa técnica permitiu que o diretor trabalhasse melhor as homenagens aos clássicos de terror, com personagens que se assemelham muito, fisicamente ou em outros aspectos, com personagens desses clássicos, como Igor, a Múmia, e até com atores, como Vincent Price. Além da técnica de animação, a fotografia em preto e branco está maravilhosa, já que, além de visualmente linda, encontra lugar narrativamente no quesito das homenagens e do clima gótico que o cineasta busca trabalhar. É muito interessante como o diretor trabalha as sombras na fotografia, de um modo que lembra muito seus Vincent e Ed Wood, que também eram em preto e branco: as sombras nesses trabalhos do diretor ressaltam a estranheza e o expressionismo, como fica bem claro aqui na cena em que Victor realiza sua experiência ou quando o garoto que lembra Igor exibe seu peixe aos colegas. Também não posso deixar de comentar a eficácia da trilha de Danny Elfman, que não só trabalha o aspecto expressionista do longa, mas investe também em temas mais suaves e sensíveis, “colorindo” a relação entre Victor e seu cão.

  A direção de Burton está bem mais contida do que o habitual (pelo menos no primeiro e segundo atos), já que ele busca trabalhar a relação de Victor e Sparky com atenção. Assim, o cineasta consegue transformar esses dois personagens em figuras bastante tridimensionais e interessantes. Victor é bem isolado socialmente, mas nem se importa com isso, preferindo aproveitar a companhia de seu cachorro, seu gosto por filmes em Super 8 e Ciência, do que passar tempo brincando com outras crianças ou praticando esportes. Observem como ele é praticamente monossilábico na hora de conversar com outros (mesmo seus pais) e mantém uma mesma entonação entediada e melancólica, demonstrando minúsculo interesse no que os outros têm a lhe dizer (pelo menos na versão em inglês é assim, não sei se na dublagem em português tiveram esse cuidado); seus gestos também são bem contidos e lentos. O que é diferente quando está com Sparky: nesses momentos, ele se mostra bem mais animado, ativo e brincalhão, e até sua entonação de voz denota emoções mais fortes. É interessante ainda que Burton inclua aqui a famosa frase “está vivo!” de uma forma mais orgânica à narrativa, com Victor a dizendo com um misto de surpresa pessoal, e não como um grande “eureca!” de descoberta científica. E quanto a Sparky os elogios não são menores. O cãozinho é cheio de personalidade, algo que era difícil de fazer (embora não seja impossível) com o cachorro de carne e osso do curta original. Sparky é simplesmente apaixonado por seu dono e pela vida que vive, encontrando imensa alegria até em coisinhas pequenas (observem como “dança” feliz ao redor de sua bolinha no quintal). Sua paixão por Persephone, a cadela da vizinha (numa óbvia referência à A Noiva de Frankenstein) também é bonitinha e confere mais dimensão ao personagem. Mais interessante ainda é como Burton consegue deixá-lo verdadeiramente complexo quando se assusta com a reação das pessoas frente à ele, incluindo até uma pequena cena em que olha seu reflexo em um espelho quebrado, revelando a confusão que o envolve nesse momento, levando-o à um “crise de identidade” muito interessante. A animação dele é simplesmente impecável aliás. De outros personagens, vale ressaltar os pais de Victor, que são sujeitos inteligentes que prezam pela alegria e inteligência do filho, sendo que a mãe é mais complacente, mesmo quando assustada, e o pai é levemente hipócrita (“é bem mais fácil fazer promessas quando é impossível cumpri-las”, diz ele em certo momento); o professor Rzykruski também é interessante na sua confiança e paixão pela Ciência; o garotinho que lembra Igor também é peculiar na sua necessidade de receber atenção.

  Uma coisa que me surpreendeu demais no longa foi seu subtexto de valorização da Ciência, onde coloca os pais (a grande maioria) como pessoas ultrapassadas em seu conservadorismo, que negam a aceitar as descobertas científicas e preferem permanecer na ignorância, enquanto as crianças são bem mais “avançadas intelectualmente” do que eles. Quando o professor Rzykruski (aparentemente alemão) diz que em seu país até os encanadores ganham prêmios Nobeis, e que nos EUA todos parecem estagnados e ignorantes, fica claro que Burton está dando uma espetada nesse conservadorismo das famílias norte-americanas (“Eles gostam dos benefícios que a Ciência trás ao seu cotidiano, mas não das verdades que ele desvenda”, diz Rzykruski). Além disso, o cineasta observa a Ciência como uma atividade não apenas intelectual, mas emocionada, necessitando da paixão para que funcione. Uma discussão que deixaria o astrônomo Carl Sagan, por exemplo, bem feliz.

  Infelizmente, Frankenweenie cai drasticamente de qualidade em seu terceiro ato. Bom, não apenas no terceiro ato, mas pelo próprio caminho que o filme foi preparando. É claro que Burton precisaria de uma trama maior do que a que tinha no original para aqui preencher o tempo maior de duração. Só que, se toda a história dos meninos querendo seguir os passos de Victor poderia soar interessante, acaba sendo muito mal trabalhada e culminando num clímax patético e broxante. Nesse clímax, Burton cria uma confusão absurda de homenagens que não se inserem de modo algum à trama, o que não estava acontecendo nos dois primeiros atos. Além disso, não há a menor lógica no que acontece. Podemos, se pensarmos um pouco, encontrar o significado daquilo tudo: provavelmente de que os frutos da Ciência devem vir de sentimentos puros, e não da cobiça ou simples ambição. Mas é triste que a única forma que o cineasta tenha encontrado de fazer isso seja de um modo que subverte toda a lógica do filme e acaba criando verdadeiras crateras de sentido no roteiro, o que é uma pena. Mas o pior disso tudo é, devido à extrema confusão do terceiro ato, que o roteiro deixa de se centrar naquilo que é mais importante: a relação de Victor e Sparky. No curta original, o final era belíssimo não apenas pela homenagem perfeita que fez à Frankenstein, mas por criar uma bela catarse na relação dos dois. Aqui, mesmo que a cena se repita de modo quase idêntico, ela perde boa parte de sua força, já que Burton preferiu se entregar aos exageros da ação do que ao desenvolvimento dos personagens. O que é uma pena, sendo que o longa estava caminhando próximo à perfeição. Mas fora isso tudo há alguns outros defeitos, que, para ser sincero, nem consigo lembrar muito bem, a não o de ter achado muito estranho que os pais de Victor se preocupem com a saúde psicológica dele enquanto seus colegas parecem muito mais estranhos do que ele.

  Com uma perfeita parcela do habitual humor negro do cineasta, Frankenweenie acabou ficando um pouco aquém das minhas expectativas principalmente devido ao seu terceiro ato. Acabou que, mesmo que tenha gostado do longa, o curta metragem original é melhor.

*Outras resenhas minhas de filmes dirigidos por Tim Burton


sexta-feira, 2 de novembro de 2012



Resenha filme "Possessão" (The Possession / 2012 / EUA) dir. Ole Bornedal

por Lucas Wagner


  Na década de 1980, o cineasta Sam Raime (bem conhecido por ter dirigido a trilogia Homem Aranha) marcou presença com os fantásticos The Evil Dead e Evil Dead 2 (o terceiro também é dele, mas não é tão bom como os outros), filmes de terror que abusavam do trash, do grotesco, repletos de imagens fortes, maquiagens e efeitos mecânicos, além de um impecável humor negro que dava um charme todo especial. Isso tudo, acoplado à perfeita direção de Raime, fez com que esses longas se tornassem verdadeiros clássicos de terror, criando quase que um gênero próprio (com muitas idiossincracias que o distinguem do terror mais comum) que é muito apreciado por cinéfilos do mundo inteiro (inclusive eu). Assim, o nome de Raime se tornou quase que como um selo de qualidade nesse tipo de Cinema, principalmente quando um filme se propunha a seguir seus passos, ostentando orgulhosamente o nome do cineasta como produtor. Possessão é desse tipo, e foi justamente o fato de ter Raime como produtor que me levou a querer assistir o filme. E, de fato, o melhor do longa é que ele se entrega ao trash e ao exagero com muito orgulho (mas sem o humor negro), seguindo bem o que Raime fez em Evil Dead. Se, no entanto, tecnicamente, Possessão é fantástico e divertido, infelizmente no quesito narrativo o filme deixa muito a desejar, como comentarei abaixo.

  O longa conta a história de um pai divorciado, Clyde (Jeffrey Dean Morgan), que, em um final de semana com as filhas, Emma (Natasha Calis) e Hannah (Madison Davenport), acaba passando por um bazar de garagem, aonde Emma encontra uma estranha caixa a qual se torna estranhamente apegada. Com o passar do tempo, o comportamento da garota vai se tornando mais e mais esquisito e assustador, até que Clyde descobre que a filha está na verdade possuida por um demônio e que é apenas questão de tempo até que seja completamente consumida por ele.

  Primeira coisa patética, que não dá para negar, não importa suas crenças, é que esse filme não é “baseado em fatos reais”, embora sua campanha tenha insistido bastante nisso. É impossível; e o próprio exagero do longa já impede que o que acontece aqui seja no mínimo crível (o que não é um erro: é a proposta desse tipo de Cinema, como comentei no primeiro parágrafo). E mesmo esquecendo os exageros, a própria natureza do demônio foge completamente de qualquer base real no mundo contemporâneo (o que não é um problema; o problema é o filme querer apontar isso como algo real). Tem que ser muito ingênuo para achar mesmo que qualquer coisa vista aqui tenha de fato acontecido. Mas, pior do que isso, é como o roteiro de Juliet Snowden e Stiles White busca se basear 100% em clichês, ao invés de criar algo mais interessante e minimamente original. Cada mero passo que é dado, cada revelação, cada acontecimento, pode ser facilmente previsto pelo espectador que já tenha visto pelo menos dois filmes sobre possessões demoníacas.

  De todos os problemas advindos desses clichês, talvez o pior seja como os roteiristas desenvolvem seus personagens de forma extremamente tendenciosa e nada original. Já deve ser a milésima vez que um filme de terror usa a família desestruturada como centro da trama, e a milionésima que usa um pai dedicado com a filhinha perfeita em perigo (um exemplo bem recente é o fraco Intrusos). Observem como, desde o início, o roteiro já pinta Clyde como um cara gente boa, ideal, que vive melancólico pelo fim do casamento e por não poder passar muito tempo com as filhas. Os roteiristas tiram qualquer complexidade que poderia existir no personagem ao pintá-lo como vítima, inocente, não nos permitindo nem que saibamos o motivo do fim do seu casamento, já que isso poderia mostrar um lado ruim do sujeito e “impedir” que torçamos por ele. O que é uma grande prova da insegurança dos roteiristas, já que um personagem complexo, ambíguo certamente aumenta a imersão, já que ele seria uma figura bem mais real. Ao invés disso, Snowden e White preferem investir em completos estereótipos, pintando a ex-mulher de Clyde como uma mulher obviamente estúpida e ignorante, não sendo capaz nem de perceber os males que estão acometendo sua filha antes que isso seja absurdamente óbvio; o novo namorado dela é um sujeito “perfeitinho”; a filha mais velha, Hannah, é uma rebeldezinha chata pra caramba. E a garotinha possuída, Emma, é “desenvolvida” no início como um verdadeiro anjinho, amante de animais, vegetariana, boazinha, bonitinha, meiguinha, tudo maravilhosa, justamente para acentuar ainda mais a mudança que ocorrerá com ela. E a necessidade de escancarar todas essas informações sobre os personagens de maneira tão óbvia, para direcionar o espectador à uma visão forçada e tendenciosa sobre eles, prova a incrível falta de competência dos roteiristas, que não têm um mínimo de segurança para fazer um trabalho mais complexo.
   No entanto, o longa conta com excelentes atuações de Jeffrey Dean Morgan como Clyde, e Natasha Calis como Emma, que, se não conseguem tornar seus personagens em figuras mais complexas e reais, pelo menos lhes conferem uma força maior. Dean Morgan (conhecido por ser o Comediante em Wathmen – O Filme) busca deixar bem claro o amor e a dedicação que sente por suas filhas, além de o profundo pavor que sente ao perceber que uma delas está enfrentando grande perigo, o que é importantíssimo para que o clímax funcione; é impressionante como Dean Morgan emprega uma cadência de voz mais rouca e tensa em momentos chaves quando está completamente apavorado com o que está acontecendo. Já Natasha Calis se revela uma atriz incrivelmente promissora, sendo extremamente eficiente ao conferir uma maior dimensão ao sofrimento e confusão de Emma, se mostrando especialmente genial nas lágrimas que solta em determinados momentos, em que está sendo obviamente controlada pelo demônio, tem consciência disso e, no entanto, não pode fazer nada.
   Mas, se vale a pena assistir Possessão isso acontece principalmente devido à direção de Ole Bornedal. Embora tirando muita coisa dos trabalhos de Raime em filmes de terror, Bornedal surpreende por ir desenvolvendo com calma os acontecimentos advindos da possessão, não pulando rapidamente do sutil para o absurdo. Mas há sempre uma atmosfera tensa, algo deixado bem claro pelo cineasta em sequências em câmera lenta e som abafado, quando não parece estar acontecendo nada demais, mas existem para nos deixar sempre cientes de que algo macabro está para acontecer. Além disso, Bornedal se diverte demais nas cenas de terror propriamente dito, se inspirando 100% nos filmes de terror mais antigos, principalmente da década de 80, nos trabalhos de Raime, ao investir no exagero e no grotesco de forma bem clara, não dosando a mão em quase nenhum momento, nem na cena de abertura, quando presenciamos um acontecimento particularmente doloroso e assustador. Sem usar muita maquiagem ou efeitos mecânicos como antigamente, pelo menos Bornedal não comete o mesmo erro de Raime em Arraste-me Para o Inferno (outro bem estilo “terror anos 80”) onde os efeitos visuais completamente digitais criavam uma estranheza desconfortável por sua óbvia artificialidade de computador, e tiravam grande parte do charme, e aqui em Possessão, Bornedal foi feliz com efeitos especiais que, mesmo digitais, estão impecáveis e que dão aparência de realidade, nunca causando o desconforto que comentei. Os únicos problemas na direção são mesmo mais no primeiro ato, quando o cineasta investe em sequências de “terror” que revelam que o que estava causando medo era na verdade um animalzinho qualquer.
   Não dá para não comentar a fotografia de Dan Laustsen, que cria imagens belas e assustadoras (uma, em especial, me impressionou muito, em que vemos Emma iluminada apenas por um sinal vermelho de “saída” num hospital), e a fantástica trilha sonora de Anton Sanko, que remete diretamente aos terrores de antigamente, com tons fortes e impactantes, que são usados com maestria por Bornedal para influenciar a atmosfera do longa (meus momentos favoritos é quando um tom de piano acompanha um fade-out, algo que acontece várias vezes), e de vez em quando lembra até a inesquecível trilha que John Williams compôs para Tubarão.
   Prejudicado fortemente pelo roteiro, Possessão é um longa ainda assim divertido que me faz imaginar o que Ole Bornedal poderia fazer caso estivesse trabalhando com um roteiro melhor. E mesmo que não seja o melhor terror do ano, com certeza fica acima de maioria, se lembrarmos que a maioria consiste em atrocidades como Chernobyl, Resident Evil: Retribuição, Mulher de Preto e Filha do Mal. Me diverti...