quinta-feira, 31 de janeiro de 2013


Crítica filme "Amor" (Amour / 2012 / França, Áustria, Alemanha) dir. Michael Haneke

por Lucas Wagner


   Em uma das primeiras cenas de Amor, o diretor e roteirista Michael Haneke adota um longo plano no qual mostra uma plateia esperando para assistir a um músico tocar. Nesse momento, o diretor posiciona o casal protagonista no ponto de fuga inferior esquerdo da tela, que é o que menos atrai a atenção do espectador. Como ainda não somos totalmente familiarizados com os rostos dos dois personagens, é difícil assim distingui-los dentre os outros espectadores na plateia. Mas qual o objetivo de Haneke com esse longo plano? Nós, a plateia em um cinema observando uma plateia aguardando o início de um show, olhando diretamente para a câmera. Qual o sentido? Nós estamos olhando para eles ao mesmo tempo em que eles olham para nós. Só esse plano já seria um belo estopim para uma discussão sobre o valor da Arte: essa forma de comunicação tão sofisticada e cada vez mais complexa produzida pelo ser humano nos leva a encarar verdades sobre nós mesmos, sejam essas boas ou ruins; então ao mesmo tempo em que observamos aquelas pessoas comuns, sem nada de especial, elas nos observam, pessoas nada especiais também, se não adotarmos um olhar mais atento, e é como se Haneke estivesse nos preparando para o que veremos nas próximas duas horas: a dolorida história de um casal que caminha aos poucos para o fim da vida. Que é, acima de tudo, uma história extremamente comum, assim como as histórias de todos aqueles indivíduos na plateia do músico e como todas as que carregamos com nós mesmos. O cotidiano está cheio de histórias trágicas e felizes, sorrisos e choros, e é um dos grandes papeis da Arte nos fazer encarar temas comuns só que com maior sensibilidade, algo que é anestesiado pelo cotidiano.

  Esse plano também se insere com perfeição na carreira de seu diretor, que em quase todos os seus filmes parece ter um prazer quase maligno em demonstrar como é capaz de manipular o espectador e seus sentimentos durante o tempo em que estamos à sua mercê, e ainda estabelecer um contato quase que direto com o espectador (vide Violência Gratuita). Porém, no resto da projeção, embora Haneke ainda apresente sua predileção por planos longos e ausência de trilha sonora, o diretor parece assumir um ponto de vista mais doce e sensível quanto a um projeto seu, não nos obrigando a encarar como somos podres e deploráveis como espécie (como fez em quase todos seus outros filmes), mas encarar nossa fragilidade enquanto seres vivos, que, no mísero espaço de tempo em que passamos nesse pálido ponto azul chamado Terra, vivemos em busca de dar algum sentido à nossa existência, mesmo que inevitavelmente um dia tudo isso acabe. Dessa forma, o diretor constrói com Amor uma obra-prima sublime e profundamente complexa, que não nos trata como crianças mas como adultos perfeitamente capazes de encarar nossa fragilidade existencial. E faz isso através de um estudo de personagens impecável.

  Concentrando basicamente toda a narrativa dentro da residência de Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuele Riva), Haneke já nos obriga a um mergulho profundo na vida daquele casal. Com o casal já confortável com a convivência a dois, já que já passaram mais da metade da vida juntos, o diretor opta por uma estratégia eficiente na direção de arte, que é a de mergulhar quase todo o ambiente da casa em móveis que possuem cor marrom ou em um tom mais pastel, que são cores que transmitem uma sensação de melancolia e de envelhecimento. No entanto, na biblioteca do casal, Haneke demonstra sua inteligência ao colocar na sala diversos livros com cores mais fortes e chamativas, além de joviais, como azul, verde, ou, principalmente, amarelo. A partir disso o diretor se mostra genial ao inserir os personagens em um universo particular de forma econômica mas não menos complexa. Observamos que Anne é uma personagem mais orgulhosa, que é obrigada a encarar uma doença degenerativa que a corrói lentamente e tira praticamente qualquer juventude dela e a obriga a encarar a própria mortalidade, por mais que doa e fira seu orgulho. Assim, Haneke, quando o casal está na biblioteca, filma os planos em que Anne aparece sem que sejamos capazes de vislumbrar algum livro com alguma cor mais forte: pelo contrário, nesses momentos os livros que aparecem perto e ao redor dela possuem cores pasteis. Com Georges já é diferente, já que esse personagem ainda não seja obrigado a encarar de frente sua condição de estar perto da morte, embora não a ignore. Haneke então, na biblioteca, o posiciona sempre de frente a um conjunto de livros amarelos, e, aos poucos durante o filme, vai posicionando sua câmera de modo que esses livros fiquem mais e mais difíceis de serem notados, o que é lindo para representar o próprio arco dramático do personagem, e chega a ser sintomático que, no final (SPOILER! Continue depois do próximo ponto final, se não tiver assistido), depois do clímax, Georges se acomode em um quarto com livros com capas de cores sem graça e apresentando óbvio envelhecimento; a mensagem á clara: o personagem tenta encontrar conforto em seu passado, representado pelos livros, que agora não apresentam a juventude de antes, já que sua visão de si mesmo mudou. Aliás, o diretor vai tornando qualquer capa de livro colorida mais e mais difícil de serem enxergadas, nos mergulhando cada vez mais no mundo de velhice dos personagens; e é lindo o momento em que o jovem personagem Alexandre está de pé (e podemos ver livros coloridos no fundo do campo do quadro) e se senta, com a câmera acompanhando o movimento, em plano médio, sendo que nesse momento, os livros agora atrás dele apresentam as cores habituais do resto da casa, como se o personagem estivesse literalmente mergulhando no mundo envelhecido e triste dos protagonistas (nessa perspectiva, o fato de o plano em que o vemos sentado ser tão exageradamente longo é perfeito por gerar agonia no próprio espectador, refletindo a agonia do personagem).

  Haneke ainda é sábio no figurino, e transmite diversas mensagens a partir deste. As cores habituais das roupas de Georges e Anne são sempre escuras. Mas no primeiro momento em que vemos sua filha, Eva (Isabelle Rupert), esta está discutindo sobre sua difícil vida amorosa e profissional, e está vestindo uma roupa amarela coberta por uma blusa preta. Isso pode representar como a correria e os problemas do cotidiano (representados pela cor preta) vão consumindo sua jovialidade (amarelo). No entanto, mais para frente do filme, quando sua mãe vai definhando mais e mais, o figurino de Eva vai ficando mais escuro, a ponto de chegar o momento em que entra na casa dos pais totalmente coberta pela cor preta. De fato, a morte do pai ou da mãe é um momento crucial na vida de qualquer indivíduo, já que é quando primeiramente encaramos nossa própria mortalidade. E é o que está acontecendo com Eva: consumida pela iminente morte da mãe, a moça vai encarando sua própria futura morte. E Haneke é mais do que genial ao, nessa mesma sequência em que Eva aparece completamente coberta pela roupa preta, quando inicia uma discussão com o pai, abrir a blusa revelando uma vestimenta de cor vermelho escuro, uma cor mais viva naquele universo, só que ainda assim triste; é como se ela juntasse suas forças para brigar com o pai, jogando contra ele o que ele não mais tem: a juventude. E tudo isso através de cores. O Cinema é lindo mesmo.

  Conduzindo a narrativa de forma extremamente lenta, Haneke presta atenção especial a pequenos detalhes do cotidiano do casal, desde Georges ajudando Anne a fazer exercícios, e até suas refeições. E o diretor ainda consegue criar pequenos momentos de brilhantismo como quando usa o som de uma torneira aberta para criar uma tensão quase que insuportável. E não são só nas coisas tristes que ele presta atenção: são de grande beleza momentos como quando Anne experimenta sua cadeira de rodas motorizada ou quando Georges conta histórias de sua juventude durante o jantar (que gera até uma linda frase; “Não me lembro do filme, mas me lembro do sentimento”). E não há como não encher os olhos de lágrimas nos dois momentos da projeção em que Georges ajuda Anne a sair de sua cadeira de rodas ou a voltar para ela, quando pega a esposa nos braços como que num abraço, só que agora num gesto repleto de dramaticidade. Porém, toda essa técnica e estratégia é tão bem sucedida graças ao sucesso de Haneke ao trabalhar sua temática: de mortalidade, envelhecimento, e da importância do outro em nossa vida.

  Sem desviar a câmera nem em momentos mais embaraçosos e tristes, Haneke desenvolve seus personagens com uma perfeição absoluta, e com uma objetividade impecável. E para isso, os dois atores protagonistas são dignos de todos os prêmios do mundo por conseguirem interpretar com força absoluta seus difíceis personagens. A indicada ao Oscar, Emmanuele Riva, se entrega completamente à performance de Anne, interpretando-a como uma senhora orgulhosa (observem sua cabeça inclinada para cima em diversos momentos) mas ferida, que vai perdendo a sanidade de forma gradual e inexorável. Atentem para momentos como o que Anne fala para Georges sobre como ela só piorará, e perceberão a impecabilidade da performance dela, do movimento preciso de cada músculo do corpo. Já Jean-Louis Trintignant interpreta Georges com o mesmo grau de atenção aos detalhes, o que fica bastante claro na sua calma desorientação ao primeiro sinal da doença de Anne e logo depois quando fala disso com a filha. Observem como Trintignant é gênio ao interpretar com tanta eficácia a lenta deteriorização de seu personagem que, diante da cada vez mais próxima morte da companheira, vai morrendo ele mesmo também. E Haneke cria sequências de ouro para que estes personagens possam ser desenvolvidos e que ele possa trabalhar sua temática. Sequências como aquela do sonho do Georges são de valor inestimável: olhem como Haneke é um Deus ao, através dessa pequena sequência, trabalhar a questão de como o envelhecimento vai tornando o mundo exterior ao conforto do lar mais e mais aterrorizante (prestem bem atenção no corredor escuro do sonho, do material de aparência destruída do elevador, ou até de como, mesmo não sendo no sonho, as janelas estão praticamente todas cobertas por uma cortina). Ainda vale lembrar de como Haneke filma a desorientação de Anne diante do fato de ter urinado na cama, e de como ele é bruto ao não respeitar a privacidade dessa personagem em um momento em que ela mais do que necessita, quando diz para Georges parar de observá-la, e a coisa imediata que o diretor faz é lançar um primeiro plano na face dela. Aliás, Haneke aqui emprega bem mais planos fechados do que usualmente faz em sua carreia, o que nos aproxima da psicologia de seus personagens.

  No fim, Amor é mais do que um estudo de personagens porque, através deste estudo, visa analisar a própria fragilidade de nossa existência. Quando Anne vai sucumbindo mais à insanidade, ela passa a clamar pela mãe, de maneira profundamente dolorosa. Por um viés psicanalítico, podemos enxergar isso como uma forma inconsciente da personagem clamar por sua infância, por uma época em que tudo era mais simples e que havia uma promissor futuro pela frente. Mas são chamados fúteis, e que só se acalmam quando Georges pega a mão da esposa e a acaricia lentamente. Esse é o momento mais lindo do filme e que me fez derramar algumas lágrimas. Na nossa inexorável caminhada para a morte, para o esquecimento, a única coisa que faz algum sentido e que realmente marca nossa jornada pela vida são os laços que criamos, as pessoas que amamos. Georges consegue trazer, mesmo que por um breve momento, Anne de volta à realidade, e ele estava lá do lado dela para ajudá-la nessa passagem. Todos nós morreremos, e a única coisa que importa no fim são as pessoas queridas a nós, um simples carinho em nossas mãos, ou um olhar. Quantas pessoas não constroem suas próprias vidas com base em olhares (e eu sou um deles)? Nós interagimos com os outros de forma que esses construam uma parte de nossas histórias e nós construamos uma parte da delas. Tudo o que no fundo precisamos é da atenção que alguém ceda a nós, mesmo que seja ao cortar alguns pedacinhos de flores para nos enfeitar. E se Georges vai definhando diante da degradação da esposa, é porque ela já era uma grande parte dele que, quando morre, o mata também. Isso é extremamente real, e inclusive aconteceu em minha própria família. Assim, Haneke acerta em cheio ao dar ao seu filme o simples, mas grandioso nome Amor, que é, de certa forma, o próprio sentido de nossa vida, o que nos separa de outras espécies de animais, e que nos faz grandes e frágeis ao mesmo tempo, embora paradoxalmente seja a única coisa que possa acalmar um pouco a turbulência que é viver e morrer. Como já disse o grande poeta Pablo Neruda: “Se nada nos salva da morte, que pelo menos o amor nos salve da vida”.

  Ainda assim um gesto de carinho perde sua força quanto mais caminhamos para a morte, e nem isso pode acalmar o nosso coração ou nos trazer de volta à sanidade. Mas não deixa de ser tudo, como fica claro no maravilhoso símbolo do pássaro (geralmente símbolo de liberdade) no filme (SPOILER ahead, continuem no próximo parágrafo se não tiverem assistido ainda): na primeira vez em que aparece, Georges o pôe para voar de novo, mas na segunda, depois da morte de Anne, Georges o encurrá-la e sufoca, como se sufocasse a si mesmo e sua própria liberdade que tinha nos resquícios de vida que o prendiam à existência. E que resquícios eram esses? Anne.
 
  Não consegui descrever com perfeição a beleza sufocante desse filme, ou a complexidade com que ele foi realizado, ou muito menos as profundas reflexões que ele despertou em mim. Mas fiz o que pude e só de escrever sobre o longa me sinto alguém mais amadurecido. Creio que uma sessão em um mesmo dia com obras-primas como esse Amor, Sinédoque, Nova York e A Árvore da Vida nos fariam seres humanos mais atentos e sensíveis, caminhando para o fim inevitável, mas sabendo encarar com mais admiração e respeito a tragédia que é amar e morrer...ou simplesmente existir.

  

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013



Crítica filme "Lincoln" (Lincoln / 2012 / EUA) dir. Steven Spielberg

por Lucas Wagner


  A obra de Steven Spielberg tem uma enorme importância para minha formação como ser humano e como cinéfilo. Afinal, o estopim para a minha cinefilia veio quando, aos 4 ou 5 anos de idade, assisti com meu pai ao VHS de Jurassic Park. Como pessoa, os filmes do cineasta me acompanharam tanto na infância quanto na adolescência, com uma força onipresente que me fez apreciar seus trabalhos mais “leves” (menos complexos) - embora nem por isso menos competentes (como Jurassic Park, E.T, Indiana Jones, Tubarão, Guerra dos Mundos, etc) - e, quando tive maturidade suficiente para compreendê-los, seus trabalhos mais complexos (como Munique, O Resgate do Soldado Ryan, Minority Report, A Lista de Schindler, Prenda-me Se For Capaz, Império do Sol, etc). No entanto, se há algo que eu já aprendi a temer sobre o cineasta é que este, se não se conter, tem uma mão pesada para o melodramático, para um banho de açúcar sem tamanho. E se foi isso que prejudicou tanto obras suas como Amistad, Cavalo de Guerra, entre outros, em Lincoln qualquer complexidade que poderia haver é engolida pela “melosidade” absurda, pela visão completamente imparcial e irracional que o cineasta dá à história que está contando (e à História dos EUA), criando assim um filme enfadonho, medíocre, maniqueísta e, sinceramente, insuportável.

  A História da humanidade, infelizmente, foi e é mais movida por aspectos mais podres do ser humano, como principalmente o egoísmo e a sede por poder. Sim, existem exemplos de atitudes bonitas e altruístas (Gandhi deve ter sido um dos únicos) mas nós, como espécie, somos particularmente deploráveis. Quanto mais estudo História, mas vejo que, por trás das supostamente grandes conquistas, construções e atos mais heroicos, existem inúmeros podres e interesses não tão gloriosos. Com a história da abolição da escravidão nos EUA (ou em qualquer país, diga-se passagem) não foi diferente. Aliás, o estopim dessa situação veio do seguinte: os estados do Norte dos EUA tinham sua economia voltada para o mercado externo, e assim tinham o desejo de industrializar-se para poder competir (ou até negociar) com outros países fortes, como Inglaterra por exemplo; nesse sentido, a escravidão era uma pedra no sapato dos yanques (Norte), que deveriam tornar a maior parte da população em assalariados, e assim “evoluir”, fazer crescer o país nos moldes da economia mundial de então, nos moldes do sistema capitalista. Já o Sul tinha sua economia voltada para mercado interno, e assim não tinha interesse em abolir a escravidão. Entrando em choque com os yanques, o Sul se separou, criando um país próprio, os Estados Confederados da América. Nesse tempo, depois de ter perdido várias eleições, Abraham Lincoln venceu para presidente, e foi colocada uma enorme pressão sobre ele para que ele abolisse a escravidão de uma só vez, algo que ele não queria, pelo perigo de gerar uma guerra, o que realmente aconteceu. Ele queria uma abolição gradual, para evitar a guerra, mas foi impedido pelo partido.

  Então, podemos enxergar que o que despertou esse movimento antiescravista não foi necessariamente a consciência de que nós, seres humanos, nascemos iguais e assim devemos ser considerados iguais. Não era apenas uma luta pela igualdade. Em grande parte o processo da abolição foi posto em movimento por interesses capitalistas. Spielberg e o roteirista Tony Kushner (que colaborou com o diretor no maravilhoso Munique) ignoram isso. Assim, vemos uma quantidade massacrante de discursos sobre a igualdade dos seres humanos, além de vermos personagens se enfurecendo loucamente pelo absurdo da escravidão existir até então, em acessos de raiva que soam incrivelmente teatrais. Não que eu não concorde com o que eles dizem, mas o caso é que foge muito da História, da ambiguidade e das contradições inerentes ao ser humano e que movem a História. Ninguém é tão bom assim. Em A Lista de Schindler, por exemplo (embora Spielberg, em alguns momentos pese a mão no “açúcar”), vemos um Oskar Schindler mais ambíguo, complexo, que, de início, tem até medo de ajudar os judeus, pois teme perder seu status junto a população nazista. Em O Resgate Do Soldado Ryan, o cap. John (interpretado por Tom Hanks) cumpre seus deveres, mas há uma dualidade interna, uma raiva nele que o leva até mesmo à exigir uma promessa completamente injusta ao personagem Ryan no fim do filme. Em Lincoln tudo é muito mais simples. O bem e o mal são muito bem definidos, sendo que aqueles considerados bons são movidos por uma pureza, por uma vontade cristalina de apenas ver a humanidade vivendo junta como uma grande família (o que segundo a História é uma mentira! Como já expliquei) e os maus são criaturas vergonhosas que mereciam queimar no inferno, já que apoiam a escravidão. Nesse conto de fadas de Spielberg e Kushner, os próprios negros, cuja liberdade está em jogo, simplesmente são deixados de lado, são figurantes, pobres coitadinhos que precisam de um homem branco forte e poderoso para falar por eles, já que eles mesmos não tem voz, e aparentemente (no filme) nem muita vontade de ter uma eles tem; é até sintomático que a única personagem negra que ganhe um mínimo destaque seja uma empregada cuja atriz tem olhos com enormes pupilas, que a deixam até parecida com o Gato-de-Botas de Shrek 2.

  A inconsistência histórica do longa fica ainda pior quando vemos que Spielberg e Kushner ignoram completamente o papel de diversas outras pessoas cujas ações foram importantíssimas para o fim da escravidão, e aqui quem ganha quase todos os créditos é Lincoln. Lincoln, figura histórica tão importante e interessante, que, aqui na fábula que lhe toma emprestado o nome, acaba se tornando uma espécie de Jesus Cristo, pela abordagem patética utilizada pelo diretor e pelo roteirista. Completamente unidimensional, Lincoln surge como um cara que está “sozinho em uma grande luta” (como representa a risível cena de sonho ainda no começo do filme), mas que é absurdamente sábio e gentil, ou seja, um modelo ideal (e por isso mesmo falso) de ser humano. Enquanto todos se desesperam à sua volta, ele permanece calado e contido, até que, quando começa a falar, conta uma espécie de parábola, de “sufocante sabedoria”, que vai exigir que seus “discípulos” pensem nela para extrair o verdadeiro e profundo significado do que ele disse. Ainda, são vergonhosas as tentativas de Kushner de torná-lo um “cara legal”, mais próximo do povão, como se estivéssemos assistindo na verdade um comercial de campanha política. O discurso simples que faz no início, ao erguer uma bandeira, seus gostos simples, sua decisão de ficar em casa e brincar com seu filho ao invés de participar de um importantíssimo evento no final... em tudo isso, em todo esse desespero em humanizar o protagonista, fica patente a mediocridade do roteiro. Apesar disso, aqui e ali Kushner parece ameaçar tentar desenvolver Lincoln em alguém mais complexo, mas só ameaça mesmo, deixando muitas questões em aberto, sem trabalhar direito (como a desestabilidade da família do presidente, já que tinham perdido um filho) ou ainda sendo prejudicado pela direção.

  A direção que, aliás, se revela uma das mais sem vergonha da carreira de Spielberg. Desde a primeira cena, o diretor já estabelece a forma como filmará seu protagonista: quase sempre à esquerda, a não ser quando o cineasta não resiste e o filma de perfil, à direita, mostrando a famosíssima imagem do presidente, presente em moedas e até no pôster do longa. Ora, mas essa questão de posicionar um personagem à esquerda da câmera não é para deixá-lo inferior, já que esse é o canto mais fraco do quadro? Sim, mas aí que reside a estratégia de Spielberg: deixar Lincoln, esse “grande messias”, como alguém mais próximo de nós justamente por ser inferior, ou seja, apesar de sua grandeza, o diretor o força para a parte menos forte do quadro, como se ele fosse muito humilde e não se colocasse acima dos outros. A partir disso, Spielberg me fez até dar uma risadinha durante o filme quando, depois de Lincoln (sempre sendo mantido à esquerda do quadro, é claro) dar uma tremenda filosofada junto a dois subordinados, ele sai, e nesse momento, o cineasta posiciona a câmera em uma localidade mais alta, criando uma plano geral que engloba basicamente toda a sala em que estão os personagens, enquanto Lincoln se levanta de onde estava à esquerda, e sai pela direita (canto mais forte do quadro), de costas, pequeno, encurvado: de novo Spielberg focando a grandiosidade, ao mesmo tempo em que   a humildade de seu “messias”. Ainda, em uma cena de briga, que revela uma das únicas em que o longa sugere maior complexidade, o diretor detona toda a beleza da cena ao, no fim, enfocar Lincoln em um plano contra-plongê (câmera de baixo para cima) e em um close lento, acompanhado da trilha melosa de John Williams. Esse close lento acompanhado da trilha, aliás, acontece muito mais vezes durante o filme, ultrapassando o mal gosto, e isso se dá justamente por Spielberg querer sempre dar a impressão de que, quanto o presidente abre a boca, só sairá maravilhas. Ultrapassa o absurdo as formas ridículas como o diretor busca endeusar seu protagonista, chegando no máximo do chulé quando o filma através de uma chama de uma vela. Como se tudo isso não bastasse, dá vontade de dar umas porradas no diretor quando ele mais do que força a amizade como na medíocre cena da eleição, que surge extremamente artificial e sufocada ao extremo de um melaço insuportável (personagens com medo de falar o que sentem, finalmente falam e ficam gritando, felizes, numa imbecil forma de autoafirmação), ou quando decide tornar o filme mais longo, passando pelo momento da morte do presidente, apenas para cortar mais um pouco de cebola nos  nossos olhos, no desespero de nos fazer chorar (e nesse sentido a reação exagerada no filho de Lincoln, se agarrando no parapeito de onde está, berrando, é muito forçada... nem me venham com moralismos, pelo amor de Deus, Buda, ou seja lá que religião você tenha).

  Com isso tudo, Spielberg quase impede o grande Daniel Day-Lewis de entregar uma excelente performance. Mas Day-Lewis, um dos melhores atores existentes, mais uma vez sai por cima. Com uma entonação calma e sofrida, além de uma posição de corpo sempre encurvada, o mestre consegue demonstrar o cansaço enorme que as responsabilidade do seu cargo exigem. Assim, quando num dos melhores momentos do filme, um personagem lhe diz que ele “parece que envelheceu cinco anos em um”, podemos ter essa impressão também, já que Day-Lewis nos guiou a isso com tanta perfeição. Além disso, ele confere uma convicção tocante em cenas em que se desespera e finalmente usa a força de sua autoridade, ou quando, num melancólico momento, diz uma frase extremamente triste: “vocês acham que escolhemos nascer?”. Ainda assim, Day-Lewis não consegue conferir a tridimensionalidade necessária ao personagem para conseguir pelo menos dar a impressão de que o filme se importa em desenvolvê-lo: nessa empreitada, ele está sozinho. Assim, também podemos enxergar Tommy Lee Jones (que, na minha opnião, merecia mais uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Um Divã Para Dois e não por Lincoln), que confere grande força ao seu Thaddeus, mas que não tem muitas oportunidades de desenvolvê-lo, ao passo que Sally Field tem uma complexa personagem como Sra. Lincoln, mas isso se dá principalmente pelo belo raccord criado por Spielberg quando a mostra sentada no chão, com os olhos cheio de lágrimas, e logo depois com um sorriso falso no rosto durante uma festa de políticos.

  O resto do elenco repleto de grandes nomes é jogado no lixo, por mais que se esforcem. Joseph Gordon-Levitt luta mas não consegue transformar seu Robbie num personagem mais complexo (e lembrem-se de que em A Origem e em The Dark Knight Rises ele conseguiu, mesmo em papéis pequenos); Hal Holdbrok (de Na Natureza Selvagem) nem tenta, ao passo que Jackie Early Haley (de Watchmen, Ilha Do Medo, Pecados Íntimos, etc) está simplesmente boiando. Pelo menos Jared Harris (do seriado Fringe) trava um belo diálogo com Lincoln.

  Tecnicamente, como seria de se esperar, Lincoln é inestimável. A fotografia de Janusz Kaminski transforma os quadros quase que em pinturas barrocas, embora também siga a linha de endeusar o protagonista. A direção de arte cria ambientes geniais, grandiosos, que transmitem o poder de tudo aquilo que vemos. Infelizmente, o grande compositor John Williams tropeça feio com uma trilha lamentável que causa até vergonha alheia (a musiquinha caipira engraçadinha é a pior) e que só tenta melar ainda mais o filme. Para piorar, o compositor chega a plagiar a si mesmo, já que compõe tons que parecem saídos diretamente de seu belo trabalho em O Resgate do Soldado Ryan.

  Dizer que Lincoln é um bom filme apenas porque está concorrendo a 12 Oscars é extrema ignorância. Afinal, sendo bom ou ruim, ele ia concorrer a um monte de Oscars, por diversos motivos, sendo que os principais são: é um filme “sério” dirigido por Spielberg; é protagonizado por Day-Lewis; é de época; “conta” um evento importante da História dos EUA; endeusa uma grande figura dos EUA; e é longo. Mas nada disso significa que o longa seja no mínimo suportável. É uma mancha negra na carreira de Spielberg que, desde que dirigiu Munique, parece cair cada vez mais em seus projetos mais sérios e ambiciosos, como esse Lincoln e Cavalo de Guerra. No ótimo As Aventuras de Tintim ele parecia muito mais confortável e competente. Talvez seja hora de se dedicar a projetos mais simples como aquele, pois, ao que parece, não há nenhum Munique ou Prenda-me Se For Capaz no horizonte do diretor, infelizmente.

  

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


Crítica filme "O Último Desafio" (The Last Stand / 2013 / EUA, Coréia do Sul) dir. Kim Jee-Woon

por Lucas Wagner


  Kim Jee-Woon é um cineasta que eu aprecio cada vez mais. De seus dez filmes (sem contar esse O Último Desafio), assisti três: Medo, Eu Vi o Diabo e O Bom, O Mau, O Bizarro, e os três me encantaram na diferença de abordagem adotada pelo diretor. Em Medo, Jee-Woon cria um terror psicológico mais focado em explorar o psicológico de sua protagonista e causar autêntico medo do que em simplesmente assustar, e com isso construiu uma narrativa extremamente complexa e simbólica. Em Eu Vi o Diabo, o cineasta construiu um longa de ação/suspense sufocantemente intenso e empolgante, com um plano final que confere toda uma complexidade maior ao seu trabalho. Já em O Bom, O Mau, O Bizarro vemos um western cômico delicioso que consegue ser uma perfeita mistura de Sergio Leone e Indiana Jones. Assim, quando vi que ele estrearia seu primeiro filme fora da Coréia do Sul em um projeto com Arnold Schwarzenegger, no melhor estilo que esse protagonizou nos anos 80/90, não podia ficar mais empolgado. Uma mistura assim me anima. E, felizmente, o projeto correspondeu às minhas expectativas, e tem o de melhor que se poderia esperar de um filme como esse.

  A trama pouca importância tem, sendo bobinha como em grande parte dos filmes como esse. Aqui somos introduzidos na vida da pacata cidadezinha de Sommerton, quase na fronteira entre os EUA e o México. Lá, o xerife é Ray Owens (Schwarzenegger), que quer apenas trabalhar tranquilamente e curtir a vida calma. Ao mesmo tempo, o criminoso Gabriel Cortez (Eduardo Noriega) foge da prisão e tem todo o FBI em seu encalço; em seu caminho vai passar por Sommerton, o que proporcionará um encontro com o veterano xerife.

  A direção de Kim Jee-Woon está excepcional, e o cineasta consegue um ritmo praticamente impecável no seu trabalho, divertindo e nos deixando sempre esperando pelo que vai acontecer em seguida. E isso se dá, principalmente, pelo belíssimo trabalho de preparação que o diretor alcança nos dois primeiros atos. Analisemos, por exemplo, o modo como ele apresenta o vilão: agentes do FBI firmemente armados ficam na frente de um elevador, de onde sai outros muitos agentes, liderados pelo chefão John Bannister (Forest Whitaker). Recebemos um resumo do quão Gabriel Cortez é perigoso e, logo em seguida, atrás de outros tantos agente, o vilão sai do elevador, algemado e com a cabeça abaixada. Quando o vemos mais de perto ainda só vemos suas costas, e dentro do caminhão que o transportará, seus cabelos cobrem sua face enquanto esta permanece escura e sombria. Quando não enxergamos o rosto, se instala em nós um sentimento de aflição, de perigo, de que devemos tomar cuidado (vide a inesquecível apresentação do vilão interpretado por Henry Fonda em Era Uma Vez no Oeste, de Sergio Leone). Assim, além de racionalmente sabermos do quão Cortez é perigoso, Jee-Woon nos aflige emocionalmente. Isso ainda cresce pela fuga do vilão, pela sua inteligência psicopata e sua aparente inconsequência, dotada de uma confiança afiada em si mesmo que nos deixa ainda mais tensos; sem contar que o ótimo Eduardo Noriega (do excelente Preso na Escuridão, de Alejandro Amenábar) é bem sucedido ao conferir grande intensidade ao personagem, principalmente no momento em que conta uma atitude particularmente dolorosa que teve que tomar no seu passado (ainda assim não consigo parar de imaginar o que Benício Del Toro seria capaz de fazer se interpretasse Cortez).

  Bom, temos um vilão perigoso e todo o FBI atrás do cara, que consegue despistar todo mundo, sempre com uma carta na manga. Mas em Sommerton as coisas são bem mais calmas, com muitos personagens reclamando justamente do tédio da vida no lugar. Porém, algo estranho está acontecendo lá, mas ainda muito pequeno e insignificante. Enxergamos aqueles indivíduos como que bem frágeis, embora claro que a figura de Schwarzenegger nos lembra constantemente de que de frágeis eles nada tem. Mas, ainda assim, somos levados a nos identificar com aquele povo sem armamento, vulnerável, que pode enfrentar uma tempestade com a qual não tem como lidar. Jee-Woon é extremamente eficiente ao aumentar o clima de tensão constantemente através dos diferentes modos como filma a parte de Cortez e o FBI, e como filma a parte de Sommerton. Jee-Woon utiliza diversos (e velozes) travellings, planos mais curtos e cortes mais rápidos, além de diversos planos inclinados (sugerindo desestabilidade) para criar a tensão necessária com o pessoal do FBI e a fuga de carro do Cortez, ao mesmo tempo em que, quando estamos em Sommerton, os planos são mais longos, os cortes são menos frequentes, os enquadramentos mais centralizados, desacelerando a narrativa para sugerir mais calma naquele local do que no outro que acompanhamos. Assim, Jee-Woon vai aumentando a tensão gradativamente, ao acelerar o ritmo da parte de Sommerton quanto mais se aproxima o encontro de Cortez com o xerife e seus delegados. O diretor chega até a errar um pouco ao adiar demais esse encontro, o que faz com que Jee-Woon seja obrigado a desenvolver um pouco menos o aguardado embate, que, embora muito bacana, acaba com uma sensação de anticlímax, que o diretor tenta demais impedir, mas não consegue por completo (mais comentários sobre isso daqui a pouco). Mas essa calma construção do cineasta é o que mais enriquece O Último Desafio e o torna ainda mais divertido.

  Jee-Woon ainda acerta em outros âmbitos da direção, como no modo como filma a conversa dos personagens de Peter Stormare e Harry Dean Stanton, em que inverte e cria relações de poder através de elegantes enquadramentos em plongê (câmera filmando de cima para baixo, sugerindo submissão, pequenez) e contra-plongê (câmera de baixo para cima, sugerindo poder, força), além de planos mais fechados e mais abertos, tudo seguindo uma estratégia sensacional de um belo trabalho de decompagem do roteiro pelo diretor. Ainda, é bacana que Jee-Woon demonstre maior humanidade em certos momentos do longa, mas em menor medida do que seus outros trabalhos, ainda que em maior medida se comparado a outros filmes no estilo desse. Dessa forma, quando um personagem específico morre em Sommerton, o diretor cria um momento tocante e triste, que se torna ainda mais eficiente se observarmos que Jee-Woon insistiu em deixar esse personagem sempre menor, mais frágil, o que contribui para a nossa identificação com ele (a cena em que é apresentado é muito eficiente nesse sentido, além de divertida*) e intensifica o impacto de sua morte. Assim também é bacana que Jee-Woon busque humanizar o personagem de Schwarzenegger, mesmo de uma forma meio clichê, mas eficiente ao deixar o personagem mais vivido, envelhecido e cansado, e tudo isso principalmente por uma fala em específico, que é muito bonita frente ao que descobrimos sobre ele (“É possível que eu esteja com mais medo do que você”). Jee-Woon também não faz feio nas cenas de ação, que surgem sempre tensas e bem montadas, mesmo que se o cineasta acelerasse um pouquinho mais os cortes, pecaria pelo excesso. E, por mais legais que sejam essas cenas de ação (as perseguições de carro em especial), elas não conseguem alcançar nem a intensidade das do seu Eu Vi o Diabo, e nem a energia e inventividade do seu O Bom, O Mau, O Bizarro. Para completar, o cineasta é feliz ao, assim como no último filme dele que citei, inserir uma boa dose de bom humor, que torna tudo muito mais divertido e leve.

  Apesar de no geral estar excelente, a direção de Jee-Woon peca por aquela questão que comentei no quarto parágrafo: da rapidez do conflito que tanto esperávamos. Apesar de divertido e empolgante, além de muito enérgico, o conflito do final, em Sommerton, aparenta uma pressa maior do cineasta, já que ele dedicou tanto tempo na construção da preparação do conflito, e provavelmente o estúdio tinha imposto um limite de duração para o filme. Assim, Jee-Woon é obrigado a dedicar maior parte do tempo só a Schwarzenegger, enquanto os personagens de Gúzman, Rodrigo Santoro, Johnny Knoxville e Jaimie Alexander, interessantes durante todo o filme, saem de foco e são deixados de lado nesse momento, com, por exemplo, o arco dramático de Santoro e Alexander sendo resolvido de maneira particularmente vergonhosa e apressada. Ainda, Jee-Woon tenta (e com razão) estender o máximo possível a briga entre Cortez e Ray, embora o momento dos carros no milharal funcione mais na ideia do que na prática. Mas o duelo final dos dois é intenso e pesado, com o ótimo vilão enfrentando um protagonista forte, e assim, ainda mais pela dificuldade demonstrada pelos dois e a relativamente longa duração da luta, não parece muito anticlimático.

  Em questão de elenco, Schwarzenegger esbanja o carisma de sempre, ainda conseguindo se sair muito bem nas cenas de ação e de humor, mas nunca deixando de apresentar cansaço (até pela voz) e um comportamento que demonstra experiência e até um pouco de melancolia. Rodrigo Santoro surge intenso como Frank Martinez, embora seja prejudicado no final do filme. Jaimie Alexander faz o que pode com o limitado papel de Sarah Torrance, mas se junta a Genesis Rodriguez (no papel da agetne Ellen) e Christiana Leucas (no papel de Christie) como o trio de beldades lindas que “iluminam” o filme (se você for homem heterossexual ou uma mulher lésbica, é claro). Luiz Gúzman está divertidíssimo, ao passo que Forest Whitaker surge intenso como o agente John Bannister. Mas Johnny Knoxville consegue roubar todas as cenas em que aparece, já que, sempre extremamente divertido, protagoniza momentos que caberiam perfeitamente em Jackass (grupo do qual Knoxville faz parte), criando seu Lewis como um sujeito desequilibrado que parece se importar mais com uma arma do que com pessoas, mesmo que, em certo momento, confunda o nome com que batizou seu revólver, sugerindo mais desequilíbrio psicológico ainda.

  Se juntando aos dois Os Mercenários (mas bem melhor que os qualquer um dos dois) e ao ótimo Plano de Fuga, O Último Desafio é mais um filme de ação que busca resgatar o espírito dos longas badass violentos das décadas de 80/90 em Hollywood, onde não havia o moralismo que impedia diálogos com muitos palavrões, e onde cenas em que uma velhinha atira com uma espingarda em um bandido surgem naturais (e aqui é um dos momentos mais divertidos do longa). E o talento da direção de Kim Jee-Woon só enriquece o trabalho, que ainda ganha contornos de werstern em vários momentos (aparentemente o diretor gosta muito do gênero). Um ótimo filme.

  *SPOILER: a cena em que me referi é a em que o coice do revólver machuca o personagem de Jerry.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Carlos Zema em novo projeto

Carlos Zema em novo projeto  






Por Paulo Henrique Faria 

O vocalista goiano Carlos Zema (Ex-Outworld, ex-Vougan e ex-Heaven’s Guardian) é o mais novo frontman do jovem grupo americano de metal, Immortal Guardian. O anúncio foi feito oficialmente no site da banda nesta sexta-feira, (18).     

A banda mescla sons com influências vindas do Power Metal, Prog Metal e até Thrash Metal. Immortal Guardian foi formado em 2008 e, além de Zema, contam em sua formação com Gabriel Guardian (teclado e guitarra), Jyro Alejo (guitarra), Foster Menor (baixo) e Cody Gilliland (bateria). Em março do ano passado, os caras lançaram o primeiro EP intitulado “Super Metal”, que ainda nesse primeiro semestre deverá ser refeito para lançamento oficial do trabalho.  

Confira abaixo o vídeo com a gravação do single “Desperation”, já com Carlos Zema em ação:  


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013



Crítica filme "Django Livre" (Django Unchained / 2012 / EUA) dir. Quentin Tarantino

por Lucas Wagner


  Desde que assisti Pulp Fiction, há muito tempo, espero ansiosamente por ver um western dirigido por Quentin Tarantino. Afinal, o diretor já demonstrou ser enorme fã do gênero, inclusive inserindo diversas homenagens em seus próprios trabalhos, não importa se seja Kill Bill ou À Prova de Morte. E o melhor é que, com o apresso do cineasta pelo humor negro e pela violência gráfica, ele optaria certamente pelo western spaghetti, consolidado por Sergio Leone. E aqui está, o western que tanto esperei por ver Tarantino dirigindo. E o resultado é bem bacana, divertido e estiloso, embora Tarantino cometa basicamente os mesmos erros que tão frequentemente prejudicam seus projetos.

  O roteiro do próprio diretor nos leva a acompanhar o caçador de recompensas Dr. Schultz (Christoph Waltz), que é completamente contra a escravidão e, no entanto, precisa da ajuda do escravo Django (Jamie Foxx) para rastrear três bandidos que, vivos ou mortos, valem uma fortuna. Schultz faz um acordo com Django, que se desenvolve a ponto de o caçador de recompensas se ver envolvido na empreitada do escravo de encontrar sua mulher, Broomhilda (Kerry Washington).

 Mais uma vez, Tarantino dá um show de estilo. Com enquadramentos extremamente elegantes (mesmo que pálidos perto daqueles vistos em Kill Bill – Volume 1, por exemplo), o diretor, ao lado do fantástico diretor de fotografia Robert Richardson (responsável pelas fotografias de outros trabalhos do cineasta e de vários do grande Martin Scorsese), se diverte criando planos inclinados e movimentos de câmera que remetem diretamente aos westerns de Sergio Leone (como os closes rápidos), mas nunca perdendo a peculiaridade tarantiana da coisa. Ainda, o cineasta é feliz nas sequências de tiroteio, que se revelam enérgicas e bem montadas, principalmente a que ocorre no início do terceiro ato (embora aqui Tarantino cometa o erro de trocar o silêncio em que a sequência começou por uma música de hip hop que não tem simplesmente nada a ver com o momento); o diretor também se mostra eficaz ao trabalhar bem a tensão de certos momentos (o monólogo de DiCaprio sobre a diferença entre negros e brancos é particularmente eficaz nesse sentido), investindo em planos mais fechados para criar maior sensação de claustrofobia. O humor negro característico do cineasta está presente, em cenas que funcionam, em sua maioria, com uma perfeição invejável, com o diretor conseguindo com que demos gargalhadas ao, por exemplo, vermos um moribundo no chão levando diversos tiros acidentais e gritando desesperado. Assim também a violência gráfica pesada que o diretor tanto gosta está muito presente (algo que deixou muito a desejar em seu último trabalho, o mediano Bastardos Inglórios), com um tiro sendo capaz de fazer um estrago exagerado em qualquer um que o recebe. Também devo comentar que a trilha sonora está quase perfeita, com Tarantino usando e abusando de belas canções e de temas que remetem diretamente aos inesquecíveis acordes criados pelo Deus Ennio Morricone nos faroestes de Leone, com uso de flautas, guitarras elétricas e tudo que se tenha direito. No que se refere à trilha, ela só não é perfeita pois não consigo entender o que passou pela cabeça do cineasta quando pensou que seria uma boa ideia usar hip hop em um faroeste.

  Agora, em questão de ritmo, Tarantino comete alguns erros mais graves. Desde Kill Bill – Volume 2, o diretor vem deixando seus trabalhos excessivamente longos, chegando ao absurdo disso em Bastardos Inglórios, filme que tinha um ritmo completamente enfadonho e enrolado, e que poderia ter pelo menos 30 minutos a menos. Em Django Livre a situação não é tão grave assim, mas o filme tem problemas com o ritmo que os quatro primeiros longas do cineasta (Cães de Aluguel, Pulp Fiction, Jackie Brown, Kill Bill – Volume 1) não tinham. Se antes de Dr. Schultz e Django começarem necessariamente a caçada por Broomhilda o filme estava ágil e empolgante, a partir desse momento ele fica excessivamente lento, muito mais do que o necessário (afinal, que o diretor diminuísse o ritmo é óbvio e correto, mas não tanto como ele faz), e, sem conseguir empolgar como antes, o longa fica devagar e deixa o espectador sonolento, já que muitas das cenas poderiam ter sido mais enxugadas em prol de dar mais agilidade ao projeto. Felizmente, no terceiro ato Tarantino empolga com um ritmo muito mais rápido, embora apague alguns bons personagens com um senso de grande anticlímax.

  O que era melhor em Tarantino, no entanto, eram seus diálogos. Porém, depois de Jackie Brown seus trabalhos vêm tendo cada vez menos diálogos geniais, embora alguns sejam bem memoráveis (Uma Thurman e Vivica A. Fox em Kill Bill – Volume 1 me vem à cabeça na hora). Django Livre tem um número bem maior de bons diálogos do que Bastardos Inglórios, por exemplo, mas não são tantos nem tão bons quanto em Pulp Fiction, Cães de Aluguel ou Jackie Brown. Os melhores estão logo no início do longa, como aquele que introduz o personagem de Schultz ou o (brilhante!) que mostra um bando de fazendeiros em algo como uma Ku Klux Klan reclamando das sacolas em suas cabeças. Mas esses vão caindo bem de qualidade ao longo do filme e, por mais que o monólogo de DiCaprio que já citei seja muito bom, isso se dá mais pelo talento do ator e pela direção da cena, já que o que ele fala (embora reflita bem o pensamento da época) não tem nada de muito interessante. Há algumas falas muito boas aqui e ali (“Vocês tinham minha curiosidade, mas agora têm minha atenção”, ou aquela que é minha favorita: “Matar brancos e ainda ser pago por isso? Como não gostar?”), mas nenhum diálogo fantástico que lembre porque Tarantino é tão bom nesse aspecto. Ah, para não parecer só um reclamão, os diálogos de Django durante uma matança bem no finzinho do filme são muito bons.

  O maior problema do Tarantino, em qualquer trabalho seu, se refere ao desenvolvimento dos personagens. Embora divertidos e interessantes em sua excentricidade, é raro encontrar, em algum filme do cineasta, algum indivíduo realmente complexo e tridimensional. Django Livre não é excessão, embora o elenco faça um bom trabalho com o que tem. Jamie Foxx confere carisma à Django, além de ser eficiente ao retratar a raiva que sente dos brancos que o oprimiram; ainda assim, Django não é um protagonista muito interessante, o que impede maior envolvimento nosso com o que estamos vendo. Leonardo DiCaprio se diverte absurdamente ao criar seu primeiro vilão como um sujeito detestável que, mesmo não sabendo francês, só gosta de ser chamado de monsieur; o mais bacana sobre o personagem é que ele é um muito infantil/imaturo, e DiCaprio ressalta isso na surpresa que transmite no olhar (que o deixa com uma cara de assustado e de criança mimada que acabou de ser contrariada) algumas vezes ao ser insultado, surpresa essa que, pouco tempo depois, se transforma em charme, como se ele estivesse contornando a situação. Mas, por mais que seja imaturo, Candie odeia ser passado para trás, e a fúria que DiCaprio transmite nesses momentos é essencial para o levarmos a sério como vilão. Já Samuel L. Jackson, mesmo claramente se divertindo com o tipo esquisito que interpreta (um escravo que de vez em quando parece achar que é patrão, como quando surge sentado, segurando um copo com conhaque antes de passar uma informação importante ao seu senhor), ainda assim tem o personagem mais sem graça que já interpretou sob o comando de Tarantino (os outros foram em Pulp Fiction e Jackie Brown, e que são figuras memoráveis). Quem tem, no entanto, a melhor atuação do longa é Christoph Waltz, que transforma Dr. Schultz em uma figura brilhante, mesmo que o roteiro impeça que trabalhe mais a complexidade do personagem. Waltz cria Schultz como um indivíduo extremamente ambíguo que parece não pensar duas vezes antes de dar um tiro em alguém, embora, na verdade, tenha tudo calculado, e pareça gostar de zombar de seus adversários, mesmo que implicitamente (como quando insiste em pagar por um escravo mesmo depois de ter atirado nos donos, ou quando convence um capitão de que este deve a ele $200,00). Ainda, seu Schultz tem um caráter mais humano pelo seu ódio pela escravidão, que o leva a se comover com a história de Django e o leva a algumas ousadíssimas e mal calculadas decisões (algo estranho a ele) ao longo do filme. É uma atuação perfeita, digna de um Oscar, que só enfraquece devido ao fato de Tarantino dedicar cada vez menos atenção à ele no decorrer do longa, tirando-o de cena de forma completamente anticlimática (algo que acontece com o personagem de DiCaprio também, diga-se de passagem).

  Enfim, Django Livre é um filme bacana, que me agradou da forma com esperava que iria fazê-lo. A maior parte dos erros são quase previsíveis se tratando de um trabalho de Tarantino, que é um ótimo cineasta, mas não é um gênio como muitos acham. Para quem gosta da obra dele, e também gosta de western, vai se divertir. Eu me diverti, embora não ache o filme digno de prêmios (a não ser para Waltz).

sábado, 12 de janeiro de 2013


Crítica filme "A Viagem" (Cloud Atlas / 2012 / EUA, Alemanha) dir. Tykwer, Lana e Andy Wachowsky

por Lucas Wagner


  Sou ao mesmo tempo atraído e repelido por filmes ambiciosos e que aspiram à grandeza. Digo isso porque, se os realizadores acertam, o resultado tende a ser invejável, mas se erram, o tombo também é enorme. Foi essa sensação contraditória que senti ao ficar sabendo das primeiras notícias desse A Viagem. Pensei que poderia ser maravilhoso. Fiquei maluco com o trailer e todas aquelas frases bonitas e imagens de diversas épocas, e fiquei me coçando de curiosidade para saber como tudo se conectaria. Mas também pensei que tudo isso poderia não dar em nada. Para ser sincero, o resultado está mais próximo da segunda opção, na minha opnião. Na verdade, achei o filme absurdamente pretensioso. Ele aspira a grandeza, e acha ser portador de reflexões profundas e filosóficas, mas não consegui encontrar nenhuma, e nem mesmo sinal de algum simbolismo mais complexo.

  O roteiro de Tom Tykwer, Lana e Andy Wachowsky, baseado no livro de David Mitchell (que não li, mas que dizem ser indispensável para quem aprecia boa literatura, portanto, depois lerei), conta diversas histórias, em várias épocas distintas, cuja única ligação aparente é que os atores do elenco interpretam personagens de todas essas épocas (em algumas há uma ligação maior, mas ainda assim, nada demais). Pode-se dizer que, de certa forma, A Viagem trate de reencarnação, relações espirituais com vidas passadas, mas o fato é que, se não fosse o caso dos mesmos atores interpretarem personagens diferentes em tempos diferentes, eu nunca teria pensado nisso. A Viagem é mesmo uma bagunça absurda que se mostra completamente incapaz de encontrar um centro narrativo, e que nunca parece capaz de prender o espectador. É repleto de frases bonitas e filosóficas (“Um livro pela metade é como uma história de amor pela metade”, é um ótimo exemplo), que seriam ótimas de se colocar no Facebook, mas que não funcionam no filme, e assim parecem reflexões vazias.

  Não há conexão entre as histórias (pelo menos quanto a maioria) e, o que é pior ainda, nenhuma das histórias contadas é desenvolvida com propriedade, já que os diretores Tom Tykwer, Lana e Andy Wachowsky estão ocupados demais tentando fazer a mistureba de cenas de períodos diferentes. Assim, nem as histórias são bem desenvolvidas, e muito menos os personagens, que dificilmente possuem algum tipo de característica de personalidade que os diferenciem como seres humanos únicos. Então, o longa já carece de qualquer envolvimento emocional do espectador, o que piora cada vez mais quanto mais percebemos como os diretores acham que estão nos levando a loucura com algum tipo de reflexão transcendental. Mas, eu juro, eu fiquei o filme inteiro procurando por essas reflexões, por algo que eu pudesse tirar do longa e ficar namorando durante muito tempo (como aconteceu quando assisti A Árvore da Vida, por exemplo), e não encontrei em momento algum, em lugar algum. Então, não foi por falta de vontade. O filme é apenas um aglomerado insano de um número absurdo de histórias, que ficam se acotovelando mas nunca que chegam a ser tudo o que poderiam, e que nunca formam algum tipo de significado maior. E algumas são potencialmente interessantes, como a que se passa no futuro em Nova Seul e que, se fosse bem trabalhada, poderia ter gerado uma boa discussão sobre o futuro do capitalismo e sobre a natureza humana, mas com todas as outras tramas para caber em um mesmo longa metragem, não há tempo para se fazer isso. Outra que poderia ser interessante é a que se passa na época da escravidão, que possui um diálogo interessantíssimo entre quatro personagens, que revelam bem os pensamentos distorcidos desse período, mas também, depois dessa cena, tudo o que a trama poderia ser se perde.

  Os diretores não contribuem para que o resultado seja um pouco menos ruim. Parece que toda a energia deles foi sugada para conseguir contar as histórias em tempo hábil sem deixar tudo parecer confuso ou cansativo. Falharam também. Chegou determinado momento em que minha cabeça estava fritando loucamente, e eu louco pela minha cama. A bagunça é tão grande que nem lembrar do nomes dos personagens você consegue (só lembro de Luisa Rey), e muito menos acompanhar o desenrolar das tramas. Tykwer e os Wachowsky falham um pouco menos na hora de conferir certo dinamismo ao longa, mas ainda assim o fazem de maneira deselegante. Os diretores usam a trilha sonora como muleta para tentar manter certo ritmo, e conseguem, só que seria muito mais sofisticado se tivessem usado um número maior de raccords para viajar entre as tramas (como o genial As Horas fez), algo que faz muito pouco (acho que umas três/quatro vezes no máximo). Mas o pior de tudo no que concerne a direção é que Tykwer e os Wachowsky, junto com o montador, viajam entre as histórias sem qualquer tipo de lógica, e assim somos obrigados a ver cenas de determinada trama seguida de uma outra em outra época sem qualquer sentido narrativo, a não ser mover o filme ou (o que é mais podre ainda) nos lembrar da existência dessa outra linha narrativa, já que já fazia um bom tempo em que não víamos nada de uma determinada história. E é quase cômico que às vezes estejamos acompanhando uma cena de perseguição, aí corta, vemos gente tocando piano em outra época (ou algo igualmente fútil e parado), e depois corta e voltamos a acompanhar a perseguição, tudo com a trilha sonora no mesmo tom frenético. Lamentável.

  A Viagem comete o crime de desperdiçar um elenco tão fantástico quanto esse, mas não importa o quão os atores estejam esforçados, simplesmente não há como tornar ninguém aqui mais complexo. Não há tempo nem substância. Assim, é bacana que pelo menos alguns deles consigam se divertir um pouco, que é quando estão melhores, como quando Tom Hanks interpreta algum sujeito rude e violento (diferente do que está acostumado a interpretar), quando Jim Sturgess aparece gritando feito um louco como um irlandês lutando pelo direito de um grupo de pessoas beber cerveja, ou ver Hugo Weaving como um travesti.

  Se há algo que vale a pena no filme é o espetáculo visual que ele proporciona. A direção de arte cria com perfeição as diferentes épocas e ambientes vistos aqui, ao mesmo tempo em que os efeitos visuais nunca traem artificialidade. Juntos, a direção de arte e os efeitos criam a extraordinária cidade de Nova Seul, com um ambiente futurista que parece uma mistura de Blade Runner com algum anime. A trilha sonora de Reinhold Heil, Johnny Klimek e Tom Tykwer é responsável por alguns belos temas. Mas o que mais impressiona é a maquiagem, que é digna de prêmios, já que consegue tornar atores conhecidos em rostos completamente irreconhecíveis.

  Dito tudo isso, A Viagem se mostrou para mim como uma experiência visual de tirar o fôlego, mas que é tremendamente vazia de qualquer reflexão ou significado mais profundo, por mais que seus realizadores pareçam crer estar fazendo algo inestimável. É como uma grande oportunidade perdida que, apesar de no pôster estar escrito “tudo está conectado”, me deixou com a sensação de que não tem é nada conectado. É uma tremenda colcha de retalhos, isso sim, para impressiona os impressionáveis.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013


Crítica filme "Sete Psicopatas e um Shih Tzu" (Seven Psychopaths / 2012 / Reino Unido) dir. Martin McDonagh

por Lucas Wagner


 Em Adaptação, o brilhante roteirista Charlie Kaufman criou uma verdadeira obra-prima a partir do processo dele mesmo escrevendo o filme citado. Além de inventivo e divertidíssimo, Adaptação funcionava como uma profunda sessão de autoanálise de Kaufman, que se deu o luxo de até criar um irmão gêmeo imaginário como contraponto a suas próprias manias e limitações. O irlandês Martin McDonagh, em Sete Psicopatas e um Shih Tzu, seu segundo trabalho como diretor e roteirista (o primeiro foi no excelente Na Mira do Chefe, que também tinha Colin Farrell como protagonista), parece também brincar com a metalinguagem de maneira levemente similar a Kaufman (só que sem a autoanálise) e cria nesse longa uma mistura louca e hilária de Adaptação e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, mas sem a inteligência desses dois longas.

  Acompanhamos várias histórias paralelas que acabam se juntando numa tremenda e divertida bagunça. Hans (Christopher Walken) e Billy (Sam Rockwell) são dois sequestradores de cães, que depois os devolvem como se simplesmente os tivessem achado e recebem a recompensa. Um dia, sequestram Donny, shih tzu amado do mafioso Charlie (Woody Harrelson), que surta e inicia uma caçada alucinante atrás de seu querido cachorrinho. Ao mesmo tempo, o roteirista Marty (Colin Farrell) está escrevendo um filme chamado “Sete Psicopatas”, enfrentando uma dolorosa crise de criatividade, mas logo se vê envolvido na bagunça criada pelos outros personagens.

  Para começar, Sete Psicopatas e um Shih Tzu é uma experiência absurdamente hilária. McDonagh não teme aprofundar em sequências que beiram o ridículo em seu exagero e estupidez e que, por isso mesmo, são tão engraçadas; por exemplo, em certa sequência de imaginação, Marty derruba uma árvore com um único chute; em certo momento, um assassino entra no quarto de outro personagem (que estava dormindo), apenas para bater com força a porta, para que o que estava dormindo acorde e olhe pela janela, e assim veja o assassino (que a segundos atrás estava no quarto) no meio da rua olhando ameaçadoramente para ele. Além disso, o roteiro de McDonagh contém diálogos hilários, como aquele que abre o longa (que é fútil e bem escrito, parecendo diretamente saído de um filme de Tarantino) ou quando um personagem diz a outro: “Eu vou atirar na cabeça gay do seu cachorro gay!” recebendo como resposta “Ele não tem uma cabeça gay! A cabeça dele é normal!”. McDonagh, como já havia feito em Na Mira do Chefe, deixa que o humor negro domine seu trabalho completamente, e consegue nos fazer rir até mesmo de cabeças sendo explodidas (algo que me lembra, novamente, Tarantino).

  O elenco do filme está simplesmente impecável. Colin Farrell confere tridimensionalidade ao seu Marty ao ressaltar a sua insegurança e ilusões de pacificação, enquanto afunda cada vez mais, sem perceber, no alcoolismo. O sempre ótimo Sam Rockwell interpreta o divertidíssimo Billy de forma a infantilizar o personagem (que obviamente sofre de problemas mentais), o que o deixa mais ambíguo e complexo a partir da metade do filme. Já Christopher Walken interpreta o personagem mais complexo da obra, Hans, como um sujeito calado e em paz consigo mesmo, depois de toda uma vida conturbada e trágica, que agora só busca poder descansar em suas crenças em Deus e na vida eterna (McDonagh, por sinal, inclui com esse personagem, alguns diálogos sobre o pós-morte, e a existência ou não do paraíso e do inferno, algo que também já tinha feito em Na Mira do Chefe, e que pode revelar uma preocupação pessoal do diretor/roteirista). Mas quem rouba a cena mesmo é o fantástico Woody Harrelson com seu vilão Charlie. O mais psicopata do filme, Charlie é um sujeito capaz de estourar os miolos de alguém simplesmente porque esse alguém o prejudicou por acidente, ou que tenha feito com que ele perca seu tempo. No entanto, seu amor absurdo pelo shih tzu o infantiliza de uma forma muito engraçada, principalmente pela força com que Harrelson demonstra esse amor, chegando a chorar em certo momento. Lembram-se da paixão desesperada que o personagem Talahesse (também interpretado por Harrelson) sentia por bolinhos em Zumbilândia? Agora dupliquem e saberão como é o amor de Charlie por seu shih tzu.

  Mas o que torna mesmo Sete Psicopatas e um Shih Tzu um filme mais interessante, é que na verdade ele é uma brincadeira metalinguística sobre a própria criação desse longa (que é a parte que lembra Adaptação). Marty, o protagonista, não é por simples acaso um roteirista com o mesmo nome do diretor/roteirista do longa que estamos vendo (Martin McDonagh – Marty), e nem é o acaso que explica que ele esteja escrevendo um roteiro chamado “Sete Psicopatas”, ou ainda que Marty seja irlandês assim como o diretor (o ator Colin Farrell – que interpreta Marty - também é irlandês, o que ressalta ainda mais essa metalinguagem). O que me parece que McDonagh fez aqui é colocar a si mesmo como inocente personagem-testemunha de uma história pirada que supostamente aconteceu em sua vida (é impossível que tenha acontecido), e que o libertou da crise de criatividade que o estava corroendo enquanto escrevia esse filme. Supostamente, McDonagh teria pego essa louca história e simplesmente a contado como aconteceu, enquanto ele mesmo tentava escrever o roteiro, como fez Kaufman em Adaptação. Assim, não é atoa que vemos devaneios de Marty imaginando histórias de alguns dos psicopatas, ou que McDonagh dedique tanto tempo da narrativa ao processo de escrita desse roteiro pelos personagens. McDonagh entra mais fundo em sua própria brincadeira, e se diverte mais ainda ao, pontualmente, conferir um tom mais sério e emocional ao filme, como se estivesse de fato sentindo certa nostalgia por aqueles personagens, que um dia foram seus companheiros, e assim não é um absurdo que ele dedique tempo para contar a resolução imbecil e clichê que o personagem Billy teria para o roteiro, e a conte com uma trilha emocional e melancólica, além de com um claro tom de nostalgia; nessa lógica também entra a resolução da história do psicopata vietcongue (criada por Hans) que também ganha um tom filosófico e nostálgico. É realmente como se McDonagh sentisse nostalgia e melancolia por essas “pessoas” que teriam se tornado importantes para ele, e assim trata até mesmo suas bobagens (as resoluções que estes criam para o roteiro são ridículas) com carinho, por ter vindo deles. Isso eleva Sete Psicopatas e um Shih Tzu a um exercício narrativo inventivo e divertido de seu criador.

  Pode ser, no entanto, que o longa não seja tudo isso. Pode ser que ele seja uma experiência hilária, porém absurdamente fútil e vazia, sem um centro narrativo e que, pior ainda, possui gravíssimos problemas de estrutura (qual seria então o sentido de McDonagh perder tanto tempo mostrando seus personagens conversando sobre o roteiro de Marty, ou criando histórias e personagens para ele?). Porém, pelos motivos que apontei no parágrafo anterior, só consigo enxergá-lo como essa brincadeira metalinguística, esse exercício narrativo elegante e divertido promovido por um cineasta que apenas cresce em meu conceito.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Mestre Gamela



Hoje vou falar do Mestre Gamela.



Nasceu no dia 02/04/1943 em Barretos – SP e foi aos dezessete anos de idade, que influenciado pela geração da Bossa Nova como: Luiz Bonfá, Tom Jobim, Baden Powell, João Gilberto entre outros... Iniciou o seu estudo de violão. 

Em pouco tempo, Gamela já podia exibir um currículo completo como músico e instrumentista. Iniciando-se profissionalmente na primeira big band de São José do Rio Preto, no início da década de 60 (ao lado do maestro José Roberto Branco), tocou em várias outras formações, tendo a oportunidade de acompanhar, profissional ou informalmente, alguns dos maiores intérpretes de nossa música, como Dalva de Oliveira, Maysa, Agostinho dos Santos, Ivon Cury, Carlos Galhardo, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, para citar apenas alguns, e de tocar ao lado de grandes instrumentistas como Baden Powell e Maurício Einhorn.

Considero ele entre os melhores arranjadores do Brasil...

Um pouco dos seus arranjos para tirarem suas próprias conclusões.

Samborelo


Samba de Orfeu


Samba Triste


Como diz Gamela: "Acho um absurdo as pessoas brindarem com champanhe desejando "SAÚDE!". Elas deveriam dizer "CIRROSE"!

Abraço.