sexta-feira, 18 de maio de 2012

Comentários seriado Community


por Lucas Wagner


Essas resenhas que escrevo geralmente são de lançamentos cinematográficos, ou ainda de filmes que não chegaram no cinema, mas que pularam esse estágio, sendo lançados diretamente em DvD/Blu-Ray. Mas aqui vou fugir um pouco do padrão. Há algum tempo comecei a acompanhar essa série impecável chamada Community, que foi me conquistando cada vez mais a cada um de seus episódios em cada uma dessas fantásticas três temporadas (a quarta ainda está por vir), mas que é estranhamente desconhecida. Bom, aqui vou tentar mostrar alguns motivos para começar a acompanhar esse brilhante seriado.

Criada por Dan Harmon, nós acompanhamos a rotina de 7 estudantes da "pior universidade de todas", a fictícia Greendale. Esses estudantes são Jeff (Joel McHale), Britta (Gillian Jacobs), Annie (Allison Brie), Troy (Donald Glover), Abed (Danny Pudi), Shirley (Yvette Nicole Brown) e Pierce (Chevy Chase), que formam um grupo de estudos e vão criando laços afetivos que os tranformam em uma família, apesar da enorme quantidade de brigas e discussões que surgem.

Em primeiro lugar, ao se falar de Community, a primeira coisa que vem à cabeça é a sua brilhante, maravilhosa, surpreendente criatividade. Quando você pensa que a série já fez de tudo, essa ainda é capaz de o surpreender de uma maneira que nenhum outro seriado atual consegue (nem mesmo How I Met Your Mother). Se alguns episódios adotam a estrutura "comum" (essa não é uma palavra muito apropriada para Community) da série, outros são extremamente originais. Para se ter idéia, vale citar alguns exemplos: um determinado episódio é na forma de animação em stop-motion; outro (s) são em forma de documentário; em outro a faculdade é dominada por uma infecção alimentar que tranforma todos em zumbis, e os personagens são obrigados a lutar pela sobrevivência; tem até um episódio que se passa em 6 UNIVERSOS PARALELOS DIFERENTES!!!!! Ainda poderia citar infinitos exemplos, mas demoraria demais.

Ainda, a série possui uma qualidade cinefílica extremamente rara. O seriado consegue fazer referências (mais subliminares ou claras) à diversos filmes, incorporando essas homenagens de maneira extremamente natural e orgânica à série. Assim, vemos episódios que homenageiam de maneira genial filmes como O Senhor dos Anéis, Batman - O Cavaleiro das Trevas, Réquiem para um Sonho, Pulp Fiction, Os Bons Companheiros, O Iluminado, 2001 - Uma Odisséia no Espaço, Apollo 13, Noite dos Mortos Vivos, Gênio Indomável, Star Wars, etc. Outras vezes, eles apenas comentam (de maneira perfeitamente válida, e às vezes amargamente crítica) cineastas ou filmes atuais ou mais antigos. Como se não bastasse, os roteiristas ainda conseguem pegar a estrutura de certos gêneros de filmes e utilizá-las na narrativa de diferentes episódios, como fazem com o Western, o Filme Catástrofe, o gênero de Guerra, Ficção Científica, Film Noir, Musical (as canções são perfeitas), entre outros exemplos.

Como uma série de comédia, Community alcança também uma qualidade incomparável, possuindo um humor extremamente original, sarcástico, e às vezes sensacionalmente imbecil. O humor chega até a estágios surrealistas de nonsense (como em uma aula intitulada "Advenced Breath Holding") ou de exagero (como quando o reitor, que é homossexual e apaixonado por Jeff, tem quase uma convulsão quando Jeff aparece usando óculos escuros). Mas também, os roteiristas fazem algo absolutamente genial, que é usarem metalinguagem na série, muitas vezes nos deixando cientes de que aquilo é uma série e outras desconfirmando esse fato. Isso fica muito claro nas discussões de Jeff e Abed, quando o segundo fica afirmando que estão em uma série e Jeff briga falando para ele "parar de achar que eles estão em uma seriado de Tv!". Ou ainda, em um determinado momento, quando Troy aparece com uma moto dentro da faculdade e Annie exclama que "é proibido andar de moto lá dentro", apenas para Troy retrucar que "claro que pode! É tudo material cenográfico!". Genial.

Como se tudo isso não bastasse, a série alcança um status de obra-prima ao incluir de maneira dinâmica e interessante, discussões mais sérias acerca do ser humano, da política, das instituições, etc. Assim, vemos episódios em que acompanhamos profundas discussões religiosas (principalmente na época do Natal), e ainda sobre igualdade e a falta de sentido do racismo, e até mesmo um ataque direto à ONU, organização que, segundo a série, trata de "idéias e pouca ação" (e ainda dizem que as idéias são do senso comum). Um dos meus episódios favoritos promove uma discussão interessantíssima e niilista sobre a política, como essa nunca será algo realmente válido, mas sempre um poço de mentiras e "massagem de ego". Em uma cena (de outro epsódio) fabulosa, a série é capaz de fazer uma reflexão extremamente profunda sobre a função da fala, do diálogo entre os humanos, apresentando argumentos fascinantes e perfeitamente válidos. E lembrando: esse é um seriado de comédia...

Mas, no fundo mesmo, o que mais encanta em Community são seus personagens. Cada um deles vai ganhando mais complexidade e dimensão ao longo da série, e mesmo que muitas vezes ajam como verdadeiros doentes mentais egoístas e insensíveis, sentimos um profundo afeto por cada um deles, o que dá uma dimensão emocional impecável para a série (que uma vez, eu confesso, me fez chorar - mas só um pouco, ok?). 

Jeff é um ex-advogado de sucesso, que por contingências da vida, é obrigado a fazer faculdade (ele tinha falsificado seu diploma). Ele é um sujeito extremamente egoísta, mesquinho, cínico, além de completamente narcisista. Um completo otário, você pensa de primeira (apesar de um otário hilário). Mas ele não é apenas um "scumbag". Ele é um cara complexo, que mesmo pregando que o que importa é o sucesso pessoal, não importando se para isso você possa machucar outras pessoas, é capaz de sentir um profundo afeto por aqueles que ganham seu respeito, o que fica claro na sua dinâmica com o grupo, sempre variando entre o descaso e o amor mais profundo. Além disso, os roteiristas acertam ao nos deixar mergulhar nas razões psicológicas para seu compotamento ao longo da série. E se não fosse pela atuação impecável de Joel McHale, esse personagem não seria tudo isso. O cara é um excepcional ator, sinceramente.

Britta é uma jovem que jura que é anarquista, mas que possui uma quantidade enorme de características que contradizem essa noção. Mas o fascinante é que ela percebe suas contradições, e busca mudar, de uma maneira muitas vezes tocantes e docemente ridículas.

Pierce é um idoso que está há muito tempo na faculdade, como que em uma forma de busca de auto-conhecimento. E, embora muitas vezes sintamos um ódio imenso do personagem, Chevy Chase faz um trabalho excelente ao contrabalancear essa mesquinhez nojenta de Pierce com uma demosntração perfeita dos conflitos emocionais do personagem.

Shirley é uma senhora cristã para quem, acima de tudo, está Jesus. Mas essa sua religiosidade muitas vezes revela uma profunda ignorância, já que a leva a agir de forma preconceituosa com muitos outros, como ao julgar a homossexualidade ou outras religiões que não seja a sua. Mas o mais fascinante é que, por trás dessa doçura (é hilária a maneira como ela diz "oh, that's nice!"), esconde parâmetros mais sombrios, revelados na segunda temporada.

Annie, interpretada pela linda e talentosíssima Alliison Brie, é uma das personagens mais complexas. Ao mesmo tempo em que possui uma doçura juvenil, a personagem possui um passado envolvendo o uso de drogas e uma família disfuncional (algo que fica bem representado pelo fato de ela morar em uma casa toda colorida, que entra em contraste com o seu bairro punk e perigoso). O que garante sua imprecionante tridimensionalidade, é a sua vontade de ser perfeita e independente, o que a leva a comportamentos que contradizem com sua leveza, muitas vezes.

Se não há muito o que comentar sobre Troy (embora esse seja um personagem tridimensional e divertidíssimo, interpretado com muito carisma e talento por Donald Glover), é inegável que Abed é o personagem mais fascinante da série. Cinéfilo, estranho e quase que um autista social, Abed quase não possui uma perosnalidade própria, embora seja capaz de deixar tudo o que é seu (psicologicamente) para adquirir outras personalidade, cheagando a mergulhar tanto nesses papéis que interpreta que parece que se perde neles (como quando interpreta Jeff, Han Solo, de Star Wars, ou ainda o Batman), embora (e isso é uma das coisas que o torna tão genial) ele volta a ser o bom e velho Abed como que num toque de mágica, não ignorando o que aconteceu, mas apenas descartando o papel, e as experiências (muitas vezes românticas que vêm com eles). É claro que os roteiristas não cometeriam o erro de não mergulhar mais na psique desse maravilhoso personagem. Nós vamos conhecendo mais sobre ele, sobre como ele se tornou assim (em um momento, da terceira temporada, em um dos últimos episódios, tive um nó na garganta violentíssimo), mas os roteiristas nunca dizem que ele se tornou assim por um determinado acontecimento. Apenas sugerem pistas, o que o torna mais complexo ainda. E é fascinante que ele seja, aparentemente, o mais disfuncional do grupo, mas quando compreendemos bem toda a dinâmica dos envolvidos, ele pareça o mais saudável psicologicamente. E Danny Pudi é um ator absolutamente genial, imcível, maravilhoso, que mergulha fundo nesse sensacional personagem, tonando-o palpável, engraçado e mais complexo ainda.

As interações dos personagens, uns com os outros, aliás, é impecável, complexa, e revela sempre mais sobre eles mesmos. Não vou discorrer muito sobre isso, mas basta saber que essas interações são importantíssimas e reveladoras, além de absolutamente tocantes.

Não poderia deixar de comentar, brevemente, dois coadjuvantes que vão ganhando bastante importância e tridimensioalidade no decorrer das temporadas: o reitor Pelton (Jim Rash) e Ben Chang (Ken Jeong). O reitor Pelton é um sujeito divertidíssimo, interpretado de maneira hilária por Jim Rash (que venceu o Oscar esse ano de Melhor Roteiro Adaptado por Os Descendentes); é bacana que o roteiro não considere sua homossexualidade de maneria fútil, mas desenvolva sua paixão por Jeff de maneira tocante, mas que não deixa de ser engraçada (como na sua mania de pegar no abdômen do ex-advogado). E Ken Jeong (conhecido como o Mr. Chow de Se Beber Não Case!) interpreta o inesquecível Chang, um personagem claramente patológico, pscótico, disfuncional, mas que é, além de hilário, um sujeito tocante, solitário, que busca atenção (e um acontecimento da segunda temporada é extremamente revelador sobre sua personalidade).

Embora a série passe por profundas mutações ao longo de cada episódio (em estilo, estrutura, etc), essa nunca perde seu rumo: seus personagens. E isso transforma essa maravilhosa série em uma experiência ao mesmo tempo hilária e emocionante, quase que íntima para o espectador. Além de sarcástica ao extremo.

Brigando violentamente com Dexter como minha série favorita, Community é uma jóia extremamente rara, e justamente por ser diferente e original, pode assustar telespectadores mal preparados, mas que com o tempo ganha seu respeito, admiração... e seu coração.

Cool... cool, cool, cool 

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