sexta-feira, 26 de outubro de 2012


Resenha filme "007 Operação Skyfall" (007 Skyfall / 2012 / Reino Unido) dir. Sam Mendes

por Lucas Wagner


  O cineasta Sam Mendes comentou em entrevista recente que nunca gostou dos filmes antigos de James Bond, que só se interessou mesmo pela série a partir de 007 Cassino Royale. Desse modo, eu esperava que ele fizesse um longa que fosse completamente fora dos padrões da série, adotando novas perspectivas e estilo, assim como o que acabei de citar. Porém, esse 007 Operação Skyfall vai muito no esquema dos filmes clássicos da série, com Bond mulherengo ao extremo, suas bebidas exóticas, estiloso, um vilão maluco e exagerado, personagens clássicos, situações extravagantes (inclusive uma envolvendo dois lagartos perigosos), e muitas homenagens que deixarão os fãs loucos. Não estou achando nada disso ruim. Pelo contrário, para um bondmaníaco como eu, que cresceu vendo (e amando) esses filmes, isso é sensacional. O que eu achei estranho é que (além do que Mendes comentou na entrevista), desde que fizeram um reboot da franquia, com o maravilhoso 007 Cassino Royale, foi tomada uma direção mais sombria e realista, além de completamente brutal, fugindo da elegância dos anteriores. Bom, Bond continua brutal, o que mudou um pouco foi o estilo. Mas essa estranheza não prejudicou o filme, que é, no geral, muito bom. O que o prejudicou mais foi o seu roteiro falho, que cria uma trama ridícula; mas a direção competente de Mendes e as ótimas performances faz com que esse exemplar da série valha a pena ser conferido.

  O roteiro, escrito por Robert Wade, Neil Purvis e John Logan (que esse ano escreveu o excelente A Invenção de Hugo Cabret), investe numa trama que começa muito interessante e ameaçadora, mas que se revela patética quando ficamos sabendo mais sobre o que está acontecendo e as razões por trás disso. Sem revelar nada, digo apenas que os motivos que movem o vilão Silva (Javier Bardem) são muito bobinhos, artificiais, que dificilmente deixam o espectador se envolver direito com a história (o vilão, como comentarei mais adiante, pode ter esses defeitos, mas ainda assim é excelente, mas já já falo disso). Além disso, não deixa de ser decepcionante que esse terceiro filme da franquia estrelado por Daniel Craig tenha uma história tão simples, em vista de que os dois longas anteriores protagonizados por ele, o citado Cassino Royale e o mediano 007 Quantum of Solace (por mais que esse último seja bagunçado), tinham tramas complexas e inteligentes.

  Mas os erros não acabam aqui não, infelizmente. O humor desse capítulo é horrível, não conseguindo tirar de mim nem um mero sorrizinho, já que surge sem qualquer timing e muito artificial. Pior ainda, nesse âmbito, é que os roteiristas acreditam criar uma relação super dinâmica e cheia de química entre Bond e Eve (Naomi Harris), enquanto reclamar da artificialidade dessa relação, cheia de piadinhas imbecis e em momentos impróprios, que quebram a tensão da cena. Mais uma decepção se lembrarmos da relação impecável entre Bond e Vesper Lynd (Eva Green) naquele que é o capítulo da franquia que mais citei aqui; e nem precisa ir tão longe: a relação entre Bond e Severine (Bérénice Marlohe), nesse 007 Skyfall, já é muito mais interessante, já que vem carregada de ambiguidade sexual/agressiva. E, pior do que o humor, é perceber como a metade inicial do filme se constitui basicamente numa falha estrutura episódica, com o agente secreto saltando de país em país, com cenas que não contribuem tanto para a trama. Aliás, para que serviu, dentro do filme como um todo, o isolamento de Bond no início (não é spoiler, pois está no próprio trailer)? Para nada, isso sim. Ou melhor, para aumentar o tempo de duração. Felizmente, Mendes puxa as rédeas com força a partir da metade do segundo ato, e vira a direção num rumo certo e tenso, que aumenta demais a qualidade do que estamos assistindo. Por sinal, vou falar agora da direção, que me deixa mais feliz.

  Sam Mendes é um cineasta que está mais habituado aos dramas do que a qualquer outro gênero. São dele os excelentes Beleza America, Foi Apenas Um Sonho, Por Uma Vida Melhor, Soldado Anônimo, etc. Então, é estranho que ele tenha sido chamado para dirigir um filme de ação/espionagem tão amado como 007. Mas ele não faz feio de modo algum. Se na metade inicial não pode fazer muita coisa devido a problemas no roteiro, se sai muito melhor na metade final, e cria assim um clima de tensão extremamente bem construído, com sequências marcantes e empolgantes. Vejam a impecável construção da sequência que mistura um julgamento em tribunal e uma perseguição, por exemplo, como o cineasta usa com habilidade a edição para ir aumentando a tensão, e como é elegante que seja logo depois que uma personagem termina de ler determinadas palavras de um poema, que as duas cenas se encontrem. E vale ainda citar que Mendes é bastante feliz, nessa mesma sequência, ao colocar o áudio de um ambiente (o do tribunal) enquanto acompanhamos a perseguição, o que, como Christopher Nolan já provou em suas obras, é sempre muito interessante. Infelizmente, o clímax dessa sequência é ridículo, o que é culpa dos roteiristas, e não do diretor. Ainda é muito impressionante que Mendes seja capaz de, mesmo no meio de tanta tensão, diminuir bastante o ritmo do filme para desenvolver alguns momentos muito intimistas que farão parte do terceiro ato, o que também pôde ser visto esse ano no ótimo Looper.

  Mas Mendes se mostra muito eficaz também naquilo que num filme como esse não pode faltar: as cenas de ação. Montadas com bastante energia, mas não com uma velocidade extrema que nos impede acompanhar o que está acontecendo (cof cof Os Mercenários cof cof Busca Implacável 2 cof cof Transformers), as perseguições, tiroteios, brigas mano-a-mano, estão simplesmente i-m-p-e-c-á-v-e-i-s! E não é para menos, já que Mendes conta com o sensacional Alexander Witt como diretor de segunda unidade, que trabalhou nos dois últimos 007, e ainda nos excelentes Protegendo o Inimigo, Atração Perigosa e Identidade Bourne. Esse cara é sensacional, criando, junto com Mendes, sequências fascinantes, como a perseguição que dá início ao filme, e o maravilhoso clímax, que surge extremamente tenso e empolgante, quase épico de tão perfeito. Nesse clímax, aliás, Mendes é extremamente feliz ao preparar com calma as condições que circundarão a ação, e enfatizando a inteligência dos personagens, que nos impressiona bastante. Aliás, não só o clímax, mas o terceiro ato inteiro é realmente muito bom, como comentarei mais adiante.

  Daniel Craig continua sendo o único ator capaz de rivalizar com Sean Connery na performance de James Bond. Craig criou, em Cassino Royale, um 007 brutal, complexo, inteligente e violento, que apresenta sintomas inegáveis de psicopatia, se importando mesmo em descer o cacete com uma fúria invejável. E o ator continua nessa estratégia, ainda conseguindo excelentes resultados. Seu Bond é frio e pragmático, uma verdadeira máquina de matar, que possui um passado doloroso, buscando na violência, uma forma de exorcismo de seus demônios. A sua relação com Vesper, em Cassino Royale, é tão impressionante justamente por ela ter sido a única pessoa capaz de ultrapassar a couraça sob a qual ele se esconde, e os acontecimentos desse filme o levaram a uma quebra de toda estrutura psicológica em Quantum of Solace, no qual se mostrava um demônio imperdoável em busca de alívio. Agora, esse Skyfall acredita ser, dentro desses três, o mais intimista dos filmes. Não é. E não é por dois motivos: a sua tentativa de, com os acontecimentos do início do longa, mostrar como Bond se fragilizou é ridícula, já que se reduz a simplesmente mostrar o agente com dificuldade de atirar e coisas afins, algo que nunca cola; ainda, se nos dois últimos sua facilidade em levar mulheres para cama nunca ia contra a estrutura psicológica (bem, talvez em Quantum of Solace ia um pouco contra essa estrutura, para ser sincero), aqui ele volta a ser o Bond antigo nessa arte, algo que não encontra lugar dentro dessa sua nova personalidade.

  Tirando isso, não tenho muito o que reclamar. Embora inegavelmente menos complexo do que nos dois anteriores, Bond ainda é uma figura fascinante que vamos conhecendo um pouco mais a cada filme. Aqui, o alvo é sua infância e a sua relação com M (Judi Dench). Nos dois longas anteriores, M era claramente uma figura materna para o agente, e aqui qualquer dúvida sobre isso pode ser sepultada, principalmente pelo simbolismo do terceiro ato (que discutirei, e que só deve ser lido por quem assistiu o filme, mas avisarei quando for escrever sobre essa parte). Fora isso, podemos enxergar o vilão Silva e Bond como duas faces de uma mesma moeda, ou seja, agentes violentos que beiram a loucura (bom, um já é louco) e tem poucas coisas a se agarrar à realidade, a não ser uma determinada pessoa (...sem comentários por enquanto), só que se comportam de formas diferentes. Além disso tudo, se em Quantum of Solace os roteiristas apostavam em frases clichês e ridículas para “colorir” o protagonista (“Você deve se perdoar”, e bobeiras desse tipo), aqui os roteiristas criam frases e diálogos muito mais eficazes para desenvolvê-lo, como: “Eu sei tudo sobre medo”, “Ele se trancou aqui por 2 dias, e quando saiu, não era mais criança”, além de, é claro, a intrigante cena em que um psicólogo aplica nele um teste de perguntas e respostas, sendo que essas são muito fascinantes e reveladoras.

  O sempre maravilhoso Javier Bardem consegue transformar Silva em um vilão tridimensional e assustador, mesmo que suas motivações sejam patéticas. Embora apostando numa mal vinda afetação que torna o personagem meio exagerado demais, Bardem é extremamente competente ao mostrar como Silva é perigoso e a força com que ressente o passado; por isso mesmo, a cena de sua conversa com M é tão fascinante: percebemos o grau de sua loucura e decepção. Mas ele tem um lado sensível, um lado de órfão que busca uma mãe que não deixa de ser interessante. Apesar disso, não é apenas devido a Bardem que ele seja um personagem tão bom, já que Mendes constrói sua fama com brilhantismo. Desde o início, ouvimos coisas horríveis a seu respeito, além de observarmos seus atos monstruosos, e já vamos esperando encontrar alguém assustador. A primeira cena em que ele aparece, por sinal, é genial, já que, além de ter um diálogo interessante entre Bond e Silva, Mendes investe num close lento, enquanto o vilão surge ao fundo e caminha até o ponto onde Bond se encontra.

  No resto do elenco, quem está ruim é só Naomi Harris, que se diverte como Eve, mas  a personagem é tão ridícula que sua atuação divertida só piora a situação. Judi Dench está fantástica como M, sendo capaz de lidar com perfeição com a complexidade das emoções em jogo entre ela e Bond, principalmente numa conversa entre os dois quase no final, que ela diz, com tristeza: “os meninos mais perturbados dão os melhores agentes”. Ralph Fiennes (mais conhecido por ser o Voldermort em Harry Potter) não pode fazer muito (ainda) com seu personagem, mas sem dúvida tem uma atuação interessante, de um homem cansado mas que deve cumprir seu dever, mesmo que discorde deste, e que ainda se revela capaz de enfrentar uma briga se preciso. A linda Bérénice Marlohe está adequadamente ambígua como Severine. E Ben Wishaw interpreta o Q mais jovem da série, e talvez por isso seja tão interessante.

  Quem não tiver visto o filme, só leia agora o último parágrafo, já que aqui comentarei sobre o terceiro ato. Ao colocar Bond e M no orfanato onde o primeiro cresceu, o filme cria uma simbologia interessante, já que os pais do agente morreram lá, e agora a única figura materna que existe para ele (M, é claro), está em perigo e ele é o único que pode fazer algo para salvá-la. Ao levá-la para lá, e defendê-la lá, pode ser (se viajarmos um pouquinho) que, inconscientemente, ele esteja defendendo os próprios pais. Além disso, o fato de a disputa final ser justamente lá é interessantíssimo pois coloca Silva dentro da equação também, e ele não deixa de ser uma espécie de “irmão do mal” de 007, já que divide com ele um passado semelhante, além de uma personalidade de agente “perfeito” que é curiosa. O caso é que os dois seguiram caminhos distintos. Para completar, na sequência de créditos iniciais, é genial o simbolismo que Mendes cria ao “entrar” no peito de Bond e mostrar um cemitério banhado em vermelho-sangue.

  Contando ainda com uma fotografia impecável do gênio Roger Deakins (responsável também pelas fotografias de Rango, Onde Os Fracos Não Têm Vez , Um Homem Sério, etc) e uma trilha sonora excelente de Thomas Newman (parceiro habitual de Mendes), 007 Operação Skyfall não é uma obra prima maravilhosa como 007 Cassino Royale, mas é um ótimo filme que vai agradar quem gosta desse personagem já tão querido e amado por cinéfilos do mundo todo.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012


Resenha filme "Os Candidatos" (The Campaign / 2012 / EUA) dir. Jay Roach

por Lucas Wagner


  Foi bem corajoso por parte da Warner lançar um filme como esse Os Candidatos justamente esse ano, em que ocorrem as eleições presidenciais nos EUA. Digo isso porque o filme não é apenas uma comédia hilária e muito eficaz, mas apresenta uma visão crítica e ácida acerca da política, algo raro em comédias hollywoodianas como essa, ou seja, que é financiada por uma grande distribuidora e possui um elenco repleto de grandes nomes. O resultado, assim, foi sensacional: assistindo o filme, ri absurdamente, me envolvi com os dilemas emocionais dos personagens e ainda fui levado a refletir um pouco mais sobre a podridão de como as campanhas são conduzidas, além de processos mais profundos acerca da política que estão incrustados no sistema capitalista atual.

  O longa, escrito por Chris Henchy e Shawn Harwell, se passa em uma cidade da Carolina do Norte, aonde o deputado Cam Brady (Will Farrell) nunca perde as eleições porque não tem ninguém para concorrer contra ele. Até que chega o esquisito Marty Huggins (Zach Galifianakis) que, se à primeira vista era um nada se comparado ao seu oponente, mas se revelando um candidato cada vez mais forte ao cargo de deputado que coloca em risco a vitória de Brady.

  Apesar de apresentar muitos momentos absurdos e exagerados (além de hilários, por sinal), o longa se propõe a explorar sem dó nem piedade a completa falta de moral e ética na concorrência dos candidatos pelo maior número de votos. Em certo momento do filme, Brady chega a dizer: “deixe que a baixaria comece”. Eles são capazes de tudo para conseguir votos, não importam o que fazem; e muitas vezes não sabem realmente do que estão falando, como quando Brady diz que nem sabe direito o por quê, mas que deve falar as palavras América e liberdade. E o pior é que eles são realmente incentivados a agir feito loucos monstruosos nessa corrida, recebendo dicas (de seus conselheiros) de soltar ofensas a seus adversários e muitas vezes os atingindo em âmbito pessoal, não permitindo que o oponente dê uma minúscula fraquejada que aproveitam o momento para apunhalá-los pelas costas.

  Os candidatos não se focam mais em suas promessas, mas em derrotar o oponente, mostrar motivos para não votar no adversário. Isso é mostrado com clareza aqui na mais hilária cena de todo o longa, que envolve um comercial de TV da campanha de Brady comparando Huggins com os integrantes da Al Qaeda. E o filme não tira essa questão do nada. Nós realmente podemos observar, nos diversos debates entre políticos, como esses parecem querer mostrar a incompetência do outro, e não a competência de si próprio. Olha só o acalorado debate entre Romney e Obama, e verão que isso é bem verdade. E isso é uma das coisas mais podres da política, porque fica ainda mais claro que o objetivo é ganhar, e não fazer algo pela sua cidade, estado ou país. A política vira uma briga de egos, um jogo que tem por objetivo fazer a cabeça de nós, pobres ovelhinhas.
 
  Aliás, o filme enfoca mesmo a política como um verdadeiro jogo, ou melhor, uma guerra. E aí que os conselheiros entram em campo, fazendo o que podem para moldar uma visão dos candidatos que passem determinado tipo de mensagem para os cidadãos. A relação entre o conselheiro Tim Watley (Dylan McDermott) e Huggins deixa bem claro isso. O primeiro determina os tipos de roupas, de móveis, de cortes de cabelo, de cachorros, enfim, de tudo que o candidato e sua família deve ter para fazer a cabeça da população (Brady não precisa de alguém para lhe mandar fazer isso porque ele já é bem experiente na política, e faz por si mesmo, chegando a pagar $900 num corte de cabelo). Os cães são labradores porque essa é a raça favorita da maioria dos políticos eleitos; a mulher de Huggins deve ter cabelo curto para mostrar que é moderna; Huggins deve aprender a falar como personagens durões da TV/Cinema para demonstram firmeza e competência; até ter uma Bíblia numa mesinha é essencial. Tudo tem um objetivo nesse jogo. Além disso, cada gesto, cada réplica de uma ação deve ser calculada para se ver como essa ação terá consequências nas pesquisas, e que tipo de consequências serão estas. O idealismo tá fora.

  O que não poderia ser diferente. E é nesse ponto que o filme mais acerta. O roteiro busca se aprofundar ainda mais nesse mundo sujo e revela      que essas candidaturas e corridas eleitorais são controladas por seus financiadores: grandes indústrias com interesses mais comerciais nessas campanhas, que aqui são representadas pelos empresários interpretados por Dan Akroyd e John Lithgow (o inesquecível Trinity Killer da 4ª temporada de Dexter). Essas indústrias, essas grandes corporações que financiam as campanhas, controlam essas eleições e seus candidatos como se fossem titereiros controlando seus bonecos, movendo as cordinhas para alcançar seus objetivos. Essa é uma questão que nos leva a pensar em como o capitalismo se infiltrou até mesmo na política, sendo que agora essa, que deveria servir ao cidadão, está a mercê do mercado, dos interesses comerciais que existe em produzir mais e mais barato. É uma lógica cruel mas que não deixa de fazer sentido no sistema, infelizmente. E ainda é interessante que o diretor, Jay Roach, muitas vezes filme os personagens de Akroyd e Lithgow a partir de um plano contra-plongê, para lhes conferir maior ar de ameaça e perigo (como Christopher Nolan fez com Bane no último Batman).
   
  O filme ainda surpreende na sua visão cruel da população. Esses são vistos muitas vezes como pessoas não críticas e facilmente manipuláveis, já que não possuem uma visão do todo da campanha. Assim, logo depois que um candidato diz xingamentos horríveis dentro de uma Igreja, depois de ser picado por uma cobra, constata o olhar de repreensão dos fies, e contorna a questão dizendo que Deus curou sua alma e sua língua, recebendo ovações e aleluias das pessoas. Além disso, o filme chega ao extremo da ironia ao mostrar a visão completamente deturpada que a população norte-americana apresenta de família e fidelidade. Essa é, ao mesmo tempo, liberal e conservadora, só que de uma forma não clara e absolutamente desfuncional, o que se reflete na campanha dos candidatos, chegando algumas vezes a, por exemplo, exaltar a relação de Brady e sua família e outra vez exaltar o fato de este ter uma amante extremamente gostosa. Mas a ironia não está apenas aí: um candidato a qualquer cargo político num país como os EUA deve exaltar a família e esse tipo de coisa; mas o personagem Huggins fica completamente castrado de passar tempo e amar a sua, dentro de quatro paredes, sem interferência externa, já que isso seria considerado um momento de fraqueza em que o candidato deveria estar dedicando a combater o adversário. Isso apenas reforça a visão de que na política o que existe mesmo são palavras, não ações.

  Uma coisa que alguns podem achar prejudicial ao longa é o exagero das situações. De fato, essas chegam num limite extremo, que foge completamente da realidade. Mas isso não prejudicou o longa, sinceramente. Desde os tempos da Grécia Antiga, nos seus teatros de comédia (em que o objetivo era justamente criticar o sistema), o exagero era uma arma usada para aumentar o impacto e tornar mais clara a visão que se pretende passar. Se esse fosse um filme de drama isso seria um problema, mas aqui faz sentido que seja usado, dentro do próprio gênero.

  Aliás, vou falar sobre o longa dentro do seu gênero: a comédia. Como disse no primeiro parágrafo, o filme é uma comédia extremamente eficaz, hilária, que me deixou com a barriga doendo de tanto rir. Roach (o diretor) explora as situações humorísticas ao extremo, extraindo até a última gota de humor que se pode tirar da cena, muitas vezes chegando no limite máximo do humor negro. Ao invés de mostrar apenas o fato de que um bebê foi socado acidentalmente por um candidato, cortando a cena na hora H, o cineasta mostra o ato, em câmera lenta, duas vezes! Ainda deve se considerar que as situações humorísticas aqui foram bem boladas e desenvolvidas, nunca parecendo excessivamente gratuitas, mas possuindo um timing exato para acontecer. O que não seria possível também sem as extraordinárias atuações de Will Farrell e Zach Galifianakis, que estão impecáveis nessas cenas, além de fazerem um trabalho mais sério, como discutirei no parágrafo abaixo.

  O longa, na sua grande quantidade de acertos, ainda não se esquece de desenvolver seus personagens, e assim, Brady e Huggins se tornam figuras complexas e tridimensionais que nos guiam durante o filme de uma forma sensacional. Brady é um sujeito acostumado com o mundo da política, do qual faz parte há muitos anos. Confortável, ele se tornou corrupto e perdeu qualquer tipo de valor ético ou moral que guiaria as ações de um político. Mas ele é mais complexo do que se espera, e no fundo, ainda possui uma luz de idealismo, e é ao lembrar desse idealismo, em alguns momentos, que o personagem mostra-se tão complexo. E Will Farrell encarna essa figura com absoluto brilhantismo, conseguindo ser engraçado, em todo o “charme” do interior e canalhice do personagem, mas demonstra toda a complexidade deste, revelando a perfeição de sua performance principalmente em duas cenas seguidas: quando tem uma conversa com seu filho (atentem para os seus olhos no momento que diz “isso pode funcionar”) e na conversa com Huggins, na casa deste. Uma linda atuação, da qual Galifianakis fica um pouco atrás (porque seu personagem é menos complexo que este), mas que ainda assim faz um fantástico trabalho. Interpretando o mesmo tipo excomungado socialmente que interpretou nos excelentes Um Parto de Viagem e Se Beber Não Case!, Galifianakis interpreta Huggins como um sujeito que prefere fechar os olhos às calúnias que soltam contra ele (partindo inclusive de seu próprio pai), e focar no seu amor pela família e sua cidade, desenvolvendo assim, um tocante e sonhador idealismo. Idealismo este que vai perdendo quanto mais entra no mundo sujo da política, se tornando mais e mais complexo até que fecha belamente o seu arco dramático no terceiro ato. No elenco também merece destaque o ótimo Jason Sudeikis (de Passe Livre) que interpreta o assistente de Brady, Mitch, como um sujeito que realmente acredita no valor da política e se mantém firme nessa visão, mesmo que seu próprio patrão busque desmitificar essa visão.

  Os Candidatos, apesar de tudo o que eu falei, não é 100% pessimista na questão da política. Na verdade, os realizadores demonstram que o seu objetivo com esse filme era realmente mostrar como essa pode ser justa, deve ser justa, como é algo bom e necessário, só que completamente corrompido e mal compreendido/utilizado. Como discutia Aristóteles, ser político é uma grande honra, fonte de felicidade, já que o seu objetivo é trazer a felicidade aos cidadãos, proporcionar bases para que haja o desenvolvimento pleno do ser humano na sociedade, trazendo equilíbrio e justiça. Só que, ao entrar nesse mundo, é preciso muita, mas muita inocência para não se corromper totalmente e fazer o que deve ser feito, servindo a sociedade de maneira justa. Apenas alguém que observa o mundo como uma criança, com olhos inocentes e sonhadores, é capaz de se manter justo e limpo nesse mundo.

  Mesmo que o filme seja levemente prejudicado por alguns diálogos expositivos demais, Os Candidatos é um longa excepcional, complexo, comovente e muito divertido. Certamente um tipo de longa raro de se encontrar hoje em dia, mas que quando é encontrado, não deve ser ignorado. Assistam, é excelente.

terça-feira, 16 de outubro de 2012


Resenha filme "A Entidade" (Sinister / 2012 / EUA) dir. Scott Derickson

por Lucas Wagner


  Com O Exorcismo de Emily Rose, o cineasta Scott Derickson demonstrou ser um bom diretor na condução de cenas de terror. No entanto, seu longa foi severamente prejudicado por não encontrar seu rumo nem como gênero de terror e nem como drama de tribunal, não conseguindo se estabelecer como nenhum dos gêneros e muito menos se mostrando capaz de viajar entre eles com tranquilidade. Nesse seu novo filme, A Entidade, Derickson está mais confortável justamente por se focar apenas no gênero terror, e desenvolver a partir daí uma trama assustadora e interessante, que nunca perde o ritmo, mantendo um clima claustrofóbico durante toda a projeção, fazendo por merecer seu título original nos EUA: Sinister, que é, literalmente, “sinistro”.

  O roteiro do próprio Scott Derickson e C. Robert Cargill é centrado no escritor de livros de crime de não-ficção do polêmico Ellision (Ethan Hawke), que planeja escrever um novo livro baseado em um crime verdadeiro, e por isso se muda com a família para a casa onde aconteceram os assassinatos (embora sua mulher não saiba disso). Ao começar a estudar o caso, descobre coisas realmente macabras que elevam a gravidade do que vivencia ao extremo.

  O maior sucesso do filme é mesmo sua trama. No inicio acompanhamos uma investigação nada sobrenatural, mas que vai, aos poucos, ficando mais e mais estranha e grotesca, consequentemente aumentando o nosso interesse no que vemos. Quando Ellison encontra uma caixa com filmes no formato Super 8 (isso não é spoiler, está até no trailer), acompanhamos imagens realmente macabras e assustadoras, que só ficam atrás daquelas vistas em Se7en ou na 6ª temporada de Dexter, o que vai nos atiçando ainda mais. Os roteiristas vão introduzindo elementos sobrenaturais à trama calmamente, até que chegam a explorar o ocultismo de uma forma que deixaria o grande escritor de terror H.P Lovecraft orgulhoso, deixando a estranheza de tudo nos dominar. E as “verdades” que vamos descobrindo são realmente interessantes e assustadoras, além de funcionar muito bem no contexto, levando o longa de uma investigação “normal” de um crime para uma situação bem mais aterrorizante. Desse modo, os roteiristas conseguem a proeza de nos fazer ficar na ponta da poltrona, arrepiados, a partir da própria trama, o que é o ideal num filme de terror, e que é pouco percebido pelos cineastas que se dedicam a explorar esse tema atualmente, infelizmente.

  No entanto, na direção, Derickson comete alguns deslizes. Esses deslizes se referem justamente a grande parte das sequências de terror, o que é uma surpresa se levarmos em conta o que eu escrevi no primeiro parágrafo. O grande problema é que o cineasta investe muito, nessas cenas, em lugares comuns, em maneiras fáceis de assustar, principalmente no início da projeção. Assim, somos obrigados a presenciar cenas de suspense que terminam mostrando que o que estava causando medo era um animal, ou filha do protagonista, etc, além de usar o filho problemático de Ellison não menos que duas vezes para “nos pegar”. Derickson vai deixando um pouco essas manias infames e clichês no decorrer do longa, embora ainda invista pesado em artifícios como portas que rangem, chão barulhento, barulhos de passos, etc; e mesmo quando o cineasta tenta ser mais criativo, nem sempre se sai muito bem, como fica bem claro numa determinada cena envolvendo crianças na casa durante uma noite, que chega até a despertar o sentimento de vergonha alheia no espectador (aliás, o longa parece até Atividade Paranormal – que eu gosto do primeiro, por sinal – ao sempre escolher o período noturno para assustar, o que aqui acaba se mostrando repetitivo, enquanto no filme citado funcionava bem dentro da trama). Mas isso não destrói toda a atmosfera de terror simplesmente porque a própria trama, como comentei, nos deixa tensos e arrepiados (o que é mais eficiente e mais difícil do que apenas assustar), e ficamos realmente com medo de tudo o que vemos, não devido às tentativas do diretor de assustar, mas porque fomos sugados para dentro da atmosfera ocultista. Porém, Derickson se sai bem na direção nas cenas dos vídeos caseiros e na criação do clima claustrofóbico e sombrio (apesar dos “sustinhos”) em que nos mergulha desde a macabra cena inicial; muitas vezes ainda o diretor usa uma edição eficiente que flerta com o expressionismo, ao incluir cortes estranhos e grotescos, que parecem propositalmente mal feitos, justamente para deixar tudo mais surreal. A trilha sonora de Christopher Young (compositor que geralmente não gosto muito) também deve ser comentada, já que está simplesmente impecável na criação de tons que não podem ser definidos senão pela palavra “esquizofrênicos”, investindo basicamente na cacofonia para funcionar, o que é uma brilhante decisão e funciona maravilhosamente.

  Apesar de se focar basicamente no terror, o roteiro acerta ao não se esquecer do desenvolvimento psicológico de Ellison, que se torna um personagem extremamente complexo que enriquece bastante o filme. Depois de escrever um sucesso estrondoso 10 anos antes, Ellison nunca mais conseguiu produzir algo igual. Investindo em livros de investigações verdadeiras que sempre apontam o que policiais deixaram de olhar, o autor ganhou fama de polêmico mas também de dedicado, sempre sacrificando a própria família para conseguir escrever, chegando a atos extremos como morar numa casa (e arrastar a família junto) que serviu de cenas do crime. E Ellison, mesmo numa época terrível, não tendo escrito nada de sucesso por muito tempo, se orgulha imensamente do que faz, sendo capaz de entrar numa ferrenha discussão com um xerife logo na primeira conversa que tem com ele. O caso é que a natureza do que investiga, além da fama que construiu para si mesmo, tem efeitos completamente negativos para seus filhos, com um que inclusive está desenvolvendo sintomas psicopatológicos diante de tudo que é obrigado a passar devido ao pai. Mas Ellison se sente imensamente culpado frente a isso, e lamenta. O sempre competente Ethan Hawke (de filmes como Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto, Antes do Amanhecer, Sociedade dos Poetas Mortos, etc) demonstra tudo isso e mais na sua impecável atuação, e se não fosse por ele, o personagem não teria a mesma força. Porque a complexidade de Ellison não se refere somente ao que eu comentei, mas ele ainda é mais ambíguo do que podemos imaginar a principio, o que fica mais do que claro na belíssima cena em que assiste um talk show em que esteve presente quando escreveu seu Best-seller, e se entristece ao ver como mudou com o passar dos anos, como seus objetivos se confundiram, assim como seu idealismo modificou bastante. E Hawke tem o melhor momento de sua performance no melancólico sorriso que dá quando ouve a si mesmo jovem dizendo que “preferia cortar suas mãos a escrever apenas pelo sucesso e fama”, e percebemos nesse momento como ele entra em profunda auto-análise quando ao que está fazendo de sua vida (e o modo pejorativo como chama determinado delegado – Deputy So and So – demonstra uma forma de desprezo que surge automaticamente forçada, como numa louca tentativa de provar seu já não tão forte idealismo). E mais, o ator faz tudo isso e ainda demonstra com firmeza absoluta o arco de um homem pragmático e realista sendo obrigado a aceitar a existência do sobrenatural. Um ótimo personagem e uma maravilhosa atuação.

  Mas devo reclamar de mais algumas coisas aqui, mesmo tendo gostado do filme. Quando Ellison vai descobrindo mais sobre o caso, algumas evidências tornam particularmente difícil para nós acreditarmos que a polícia não tinha percebido a ligação entre os diversos assassinatos e desaparecimentos, o que torna a experiência um pouco artificial. O que é pior, no entanto, é  o clímax, que surge abrupto e completamente anti-climático. Mesmo tendo terminado com coerência e coragem (devo dar o braço a torcer quanto a isso), a impressão que fica é que os roteiristas não sabiam bem como preparar o final e simplesmente acabam aí, o que dá uma sensação estranha no espectador ao sair da sala.

  Mesmo assim, o longa ainda é feliz ao contar com as excelentes performances de Juliet Rylance (que interpreta a esposa de Ellison de forma complexa, sem antagonizá-la, como muitas vezes acontece nesse tipo de filme) e James Ransome (que surge bem divertido como o “Deputy So and So”), e é certamente uma ótima surpresa numa época em que a regra geral dos filmes de terror parece ser besteiras completamente descartáveis como Mulher de Preto, Chernobyl ou A Filha do Mal. 

sábado, 13 de outubro de 2012


Resenha filme "Selvagens" (Savages / 2012 / EUA / Ação) dir. Oliver Stone

por Lucas Wagner


  Nas décadas de 80/90, Oliver Stone marcou presença. E como marcou. Iniciando sua carreira no Cinema escrevendo o roteiro do inesquecível O Expresso da Meia-Noite, de Alan Parker, Stone logo depois escreveu outro filme icônico: Scarface. Quando iniciou sua carreira como cineasta, ele entregou algumas obras complexas e fascinantes, além de polêmicas, que estabeleciam um alvo e o metralhava com críticas ferozes, selvagens, atingindo o espectador com uma força absurda e nos obrigando a pensar sobre situações desconfortáveis como corrupção, guerras, desilusão com a pátria, conspirações, deturpação da mídia, etc. Nesse esquema, Stone dirigiu verdadeiras obras-primas como Nascido em 4 de Julho, Platoon, JFK – A Pergunta Que Não Quer Calar, Wall Street – Poder e Cobiça e Assassinos Por Natureza (tá bom, esse não é bem uma obra-prima, mas é excelente). No entanto, na última década, o cineasta perdeu o rumo, e deixou de lado a racionalidade e a ferocidade de seus trabalhos anteriores e se dedicou a longas sentimentalóides, irracionais e melosos, que fugiam completamente dos seus outros filmes. Assim, Stone esteve mergulhado em obras como Torres Gêmeas, Alexandre e W. (e se Wall Street 2 – O Dinheiro Nunca Dorme é superior, devido à sua análise impressionante do capitalismo moderno, ainda assim não deixa de ser sentimentalista) que pareciam ter feito sumir o diretor “durão” que ele era. Em Selvagens, seu mais novo filme, o cineasta volta um pouco ao seu estilo bruto e violento, entregando uma obra pesada que não busca poupar o espectador da visão que procura passar. Ainda assim, esse longa não consegue passar de bom, já que sua própria trama impede que o filme seja grande.

  Stone busca (com sucesso) nos mergulhar sem qualquer reservas no mundo do tráfico de drogas. E a realidade por ele apresentada é assustadora, nos fazendo temer a todo momento pelo que pode acontecer, o que é devido em grande parte à brutalidade com que o cineasta concebe o universo. Ao invés de acordos e negociações, o que vemos na verdade são imposições na base da força física, com cartéis tentando dominar um ao outro sem medir esforços. Assim, em determinado momento, para organizar uma reunião com os produtores Chon (Taylor Kitsch) e Ben (Aaron Johnson), a máfia comandada por Elena (Selma Hayek) já manda por email para eles imagens de seu grupo decepando cabeças de pessoas que não colaboraram. Não se pode ir a uma negociação sem dezenas de atiradores vigiando ao longe, mesmo que tenha sido combinado que apenas uma pessoa iria à reunião. Ainda com um grau absurdo de violência (muito necessário num filme como esse) Stone consegue fazer com que o espectador olhe a tudo e a todos com desconfiança, sabendo que nenhum daqueles indivíduos hesitaria em atirar no outro se assim fosse necessário. E é esse mergulho na brutalidade nada romantizada do tráfico de drogas o maior acerto do longa, que mostra um Stone ainda capaz de deixar o espectador desconfortável com realidades perigosas que busca mostrar. Não é tão perfeito quanto um Cidade de Deus ou Traffic, mas é muito bem feito.

  O cineasta ainda investe numa direção cheia dos exageros visuais expressionistas que caracterizou muitas obras suas de antigamente. Empregando filtros de cores fortes e exageradas, muitas vezes inesperadas (como verde ou vermelho), o cineasta deixa-nos ainda mais desconfortáveis com o que vemos, e nessa lógica, o momento em que alguns personagens se envenenam é belíssimo já que o diretor emprega um filtro amarelo forte que nos deixa até com calor. Ao mesmo tempo, a excelente montagem estabelece um ritmo intenso e irresistível para o longa, nunca deixando a “peteca cair”. Além disso, os movimentos de câmera sempre malucos de Stone contribuem para a atmosfera de loucura e imprevisibilidade que estamos presenciando. O cineasta ainda, como é comum para ele, seleciona uma trilha sonora incidental magnífica, com escolhas curiosas, como acabar o filme com uma versão de “Here Comes The Sun” (ainda vale dizer que a trilha original composta por Adam Peters também se mostra eficiente e interessante). O único erro grave na direção de Stone, devido à exagero, é no clímax, quando engana o espectador com uma realidade apenas para mostrar outra logo quando tudo parece ter acabado. E isso é ruim porque não possui qualquer sentido narrativo; é apenas um capricho de um diretor que quis se exibir mais do que deveria.

  Quanto aos personagens, o único que realmente se destaca, que é mais tridimensional, é Ben, interpretado por Aaron Johnson (o protagonista do excelente Kick Ass – Quebrando Tudo). Sujeito de bem e intelectual, Ben segue uma filosofia budista e usa sua paixão por botânica na produção de drogas de alta qualidade. Sem querer machucar ninguém, ele sempre deixa o trabalho sujo para seu parceiro Chon. Mas o arco dramático dele se refere justamente à necessidade que passa a existir de que ele seja obrigado a sujar suas mãos, entrando num universo de violência para os quais queria fechar os olhos (nesse sentido, a cena em que é obrigado a tocar fogo em alguém é essencial). Johnson está perfeito no papel, com sua voz mansa e a confiança que tem nos negócios e em si mesmo (pelo menos no início), mostrando a bondade de seu personagem ao, por exemplo, perguntar, preocupado, sobre a condição da mulher de Dennis (John Travolta), mesmo que não esteja muito feliz com esse homem. O ator ainda mostra com intensidade a transformação de Ben, mostrando o medo e a insegurança que tomam conta dele quando a situação se aperta, até que ele é obrigado a agir de forma dura e má. Outro personagem que talvez merecesse destaque seria Elena. Isso se dá já que o roteiro busca transformá-la numa personagem ambígua que, ao mesmo tempo em que é um verdadeiro monstro no trabalho, tem sérios problemas de relacionamento com a filha. Embora a atuação de Selma Hayek esteja muito boa e eficiente, a personagem é inegavelmente mal escrita e todos esses seus problemas com a filha são muito mal desenvolvidos, o que piora ainda mais quando o roteiro tenta estabelecer uma relação “maternal” entre ela e O (Blake Lively).

  De resto, no elenco ninguém se destaca, e nem tem como, já que todos os personagens (tirando Ben) são unidimensionais logo a partir do roteiro, o que dificulta muito o nosso envolvimento com o que vemos. Taylor Kitsch está inexpressivo ao extremo como o ex-soldado Chon, achando que somente fazer cara de mal já pode ser qualificado como atuação. John Travolta se diverte no papel de Dennis, mas ainda assim é uma atuação pedestre. Assim como Benício Del Toro, um dos melhores atores em atividade (quem duvidar disso é só ver suas atuações impecáveis em Traffic, 21 Gramas e Che) que está num papel que não permite qualquer desenvolvimento, de tão unidimensional que é. Ok, Del Toro consegue ser assustador, ameaçador, mas isso é pouco perto do talento do astro e do que ele poderia fazer com um personagem melhor escrito. Já Blake Lively pode ser estrondosamente linda, mas é uma péssima atriz, como já foi provado em filmes anteriores. Ela parece não fazer o mínimo esforço para desenvolver sua personagem O, achando que só fazer cara de coitada bastaria.

  E a partir disso posso falar do grande problema do filme: sua trama. O centro do longa mesmo é o Ben e Chon tentando resgatar O das mãos da máfia de Elena. Embora Stone, no primeiro ato, busque mostrar a dinâmica do relacionamento dos três, ainda assim o amor/paixão que eles nutrem por ela em nenhum momento se mostra capaz de segurar o filme. Assim, nunca somos capazes de compartilhar a dor e o desespero que tomam conta de Chon e Ben, o que torna a experiência toda alienada para o espectador. E aqui Stone mostra o sentimentalismo que corroeu sua carreira na última década. Ao tentar basear seu filme no emocional, Stone deixa de lado o racional, que é algo que ele consegue trabalhar bem melhor. Ele não é um cineasta emocional, mas racional, só que ele parece não compreender isso, e continua prejudicando seus trabalhos. Até mesmo no mais emocional dos seus filmes de antigamente, o maravilhoso Nascido em 4 de Julho, o cineasta não esquecia que o mais importante lá era a discussão que buscou promover, e mesmo o desenvolvimento do trágico personagem principal daquele filme era feito sem o melaço que ele faz hoje em dia. Atualmente, Stone parece não compreender que para comover o espectador não precisa forçar a barra, mas desenvolver seus personagens com propriedade e sobriedade, sem investir em cenas excessivamente emotivas.

  Dessa forma, Selvagens pode ser um bom filme, mas ainda está longe de ser um ótimo ou excelente. Diverte e é intenso, nos mergulha numa realidade avessa a nós sem qualquer medo, mas ainda assim falta muito para Stone voltar a ser o cineasta que um dia foi. Bom, vamos esperar e torcer pelo seu próximo trabalho. Quem sabe...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012


Resenha filme "Os Infratores" (Lawless / 2012 / EUA) dir. John Hillcoat

por Lucas Wagner


  Certos tipos de filme possuem um charme que lhe é inerente, como o horror/comédia trash, o cinema noir, o faroeste, etc. Um desses gêneros com certeza é o dos gângsters da época da Lei Seca nos EUA. As Tommy Guns, os ternos elegantes, os chapéus, a cara de mal, tudo isso já confere um charme irresistível a qualquer filme que venha a tratar de um tema como esse. Mas um longa metragem não se sustenta simplesmente com esse charme; esse deve vir mais como uma cobertura de um bolo. Tendo “substância”, um filme apenas se enriquece pelo seu gênero. Infelizmente, esse Os Infratores não tem “substância”. Tem o charme, mas não o recheio, e por isso mesmo se mostra uma obra falha, que não consegue nem aproveitar o excelente elenco que tem à disposição. E o pior é que o filme anterior de seu diretor, John Hillcoat, foi a obra-prima extraordinária A Estrada (não confundam com Na Estrada de Walter Salles).

  Bom, tecnicamente não há o que reclamar, realmente. A direção de arte está impecável, reconstruindo ambientes do interior dos EUA na década de 1920 com perfeição. Os figurinos também estão perfeitos, conseguindo o glamour desejado. Além disso, Hillcoat reuniu aqui uma curiosa trilha sonora incidental que apenas enriquece o seu trabalho. Porém, narrativamente o filme é muito falho. O roteiro de Nick Cave é esforçado, mas fica a impressão de que o roteirista não sabia bem o que estava fazendo, e assim o seu trabalho aparece todo desestruturado, resultando em um longa que parece não encontrar o seu centro em momento algum. Se parece que acompanharemos a luta pela liderança do contrabando, com a polícia no encalço dos Bondurant (família de contrabandistas protagonista), em outros o roteiro pula logo para tentar mostrar Jack Bondurant (Shia LaBeouf) se estabelecendo como um gângster de classe, ou tenta se focar nos relacionamentos amorosos de Jack e Bertha (Mia Wasikowska) ou Forest (Tom Hardy) e Maggie (Jessica Chastain), mas nunca consegue estabelecer um centro narrativo e deixar os outros como coadjuvantes (pela lógica o centro é a luta de poder dos Bondurant com a polícia, mas o roteiro desfoca demais desse assunto). Além disso, Cave investe demais em cenas inúteis, e no Cinema, cada mísera cena de um filme deve ter alguma importância dentro do desenvolvimento dos personagens ou da trama; mas Cave não parece compreender isso, e somos obrigados a presenciar momentos particularmente inúteis como quando Jack vai bêbado à uma igreja.

  Hillcoat não está muito melhor do que Cave e se afasta muito do diretor que foi quando dirigiu A Estrada, parecendo aqui estar sempre no piloto automático. Os maiores problemas de seu trabalho ficam principalmente na questão do ritmo. Os Infratores possui um ritmo absurdamente irregular, revelando um Hillcoat que não sabe bem como lidar com o roteiro de Cave, e assim pula de um tipo de cena para outra sem qualquer lógica, usando diversas vezes montagens para acelerar o tempo como verdadeiras muletas narrativas.

  Quanto ao elenco, é de encantar os olhos de qualquer cinéfilo: Shia LaBeouf, Tom Hardy, Jessica Chastain, Mia Wasinkowska, Gary Oldman, Guy Pearce, Dane DeHaan, etc. No entanto, desses todos, os únicos que realmente conseguem fazer algo de útil com seus personagens são Shia LaBeouf e Tom Hardy. O primeiro se mostra um ator competentíssimo lutando para se desfazer da “fama” que conseguiu na trilogia Transformers, focando-se agora em papéis mais sérios. E LaBeouf é extremamente feliz na sua performance de Jack, conseguindo estabelecer muito bem um arco dramático pro personagem, tornando-o tridimensional e caro ao espectador. Um momento em particular me chamou muita atenção, e deixou mais do que claro o talento do ator, que é quando seu irmão Forest tem uma conversa com ele, logo depois que ele levou uma tremenda surra. Envergonhado e sendo insultado pelo irmão, Jack fica com os olhos marejados e, mesmo sabendo que isso é algo improvável, promete que cuidará do assunto com as próprias mãos, mas admite (completamente embaraçado) que precisará de ajuda. Esse momento, aliás, deixa bem definida a psicologia do personagem: um rapaz que admira os irmãos durões e maus, mas encontra dificuldade em ser como eles, embora morra de vontade (é, tá, pode ser clichê, mas aqui é bem trabalhado, que é o que realmente importa). Agora Tom Hardy, pela quinta vez esse ano entrega uma excepcional atuação (as outras vezes foram nos impecáveis O Espião Que Sabia Demais e Guerreiro, no ótimo Batman – O Cavaleiro Das Trevas Ressurge, e no fraco Guerra é Guerra). Seu Forest Bondurant é um homem durão e perigoso, que já acredita ser uma verdadeira lenda imortal. E Hardy lhe confere imponência e força, como um sujeito que não aceita abaixar a cabeça para ninguém; ao mesmo tempo o ator deixa claro seu amor pelos irmãos, o que é importante para humanizar o personagem. Hardy ainda é muito feliz ao, assim como fez em sua performance como Bane no filme do Batman, incluir pequenos trejeitos humorísticos, como no grunhido que sai de sua garganta em diversos momentos do longa, revelando irritação, cansaço e até curiosidade, só que de uma forma animalesca. Aliás, os melhores momentos de humor vêm dele, já que o roteiro aproveita bem a fama dele de ser imortal e faz graça das diversas vezes que ele enfrenta situações mortais e não morre (e não pude deixar de dar uma grande gargalhada bem no final do filme, numa situação dessas).

  Agora de resto, vemos atores esforçados mas castrados pelo roteiro. A linda Jessica Chastain (do maravilhoso A Árvore da Vida) luta o tempo inteiro para deixar sua Maggie mais complexa e trágica, mas o roteiro insiste em deixá-la apenas como interesse romântico de um personagem. A mesma coisa com Mia Wasikowska (e esse não é a primeira vez que essa ótima atriz é prejudicada por um roteiro), que tenta conferir ambiguidade entre a rebeldia e a “santidade” de sua Bertha, mas não consegue. Dane DeHaan (que esse ano esteve simplesmente impecável no ótimo Poder Sem Limites) não pode fazer simplesmente nada com seu Cricket, ao passo que Gary Oldman tem uma performance potencialmente interessante como o gangster Floyd Benner, mas que é um personagem sem qualquer importância dentro do filme, que é completamente esquecido (!!!!!!!!!!!!!!!) a partir de determinado momento (e os realizadores realmente deveriam receber umas aulas de economia, já que contratar um ator de nome e caro como Oldman para um papel desse não faz o menor sentido). Quem está ruim na verdade, independente do roteiro, é Guy Pearce (ator geralmente competente), que interpreta de maneira vergonhosa o vilão Charley Rakes, indivíduo afetado e babaca, o que com a atuação estereotipada e exagerada de Pearce, fica particularmente difícil de assistir.

  Assim sendo, esse Os Infratores foi uma grande decepção para mim, que tinha todos os motivos do mundo para adorar esse filme. Acho que realmente os Bondurant mereciam coisa melhor. Bem melhor.

  OBS: Essa é a terceira vez em 2012 que Tom Hardy e Gary Oldman trabalham juntos, sendo que as duas outras vezes foram em O Espião Que Sabia Demais e Batman – O Cavaleiro Das Trevas Ressurge.

sábado, 6 de outubro de 2012

Don Ross

Eaí galera, tudo bom ?

Esse é o meu amigo Hadrig... kkkkk brincadeira. Nosso mestre de obras hoje é o Don Ross.
Estou meio sem tempo escrever no blog mas vou deixar pelo menos um videos...
Espero que você goste desse fingerstyle. Ele manda demais, nem preciso falar nada. Assistindo os videos vocês irão perceber do que estou dizendo. Um grande clássico do fingerstyle com pegada de rock!!!

Michael, Michael, Michael

Crazy

Loaded, Leather, Moonroof

Afraid to Dance

Abraço.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012


Resenha filme "Busca Implacável 2" (Taken 2 / 2012 / França) dir. Olivier Megaton

por Lucas Wagner


  Um dos sucessos mais inesperados de 2008 foi o filme francês/norte-americano Busca Implacável. Com uma trama simples o longa do diretor Pierre Morel acertava na criação de um personagem excelente: Bryan, interpretado por Liam Neeson. Ex-agente da CIA, o homem se via numa condição extremamente aversiva quando sua filha é sequestrada por traficantes de mulheres em Paris. Porém, ao invés de agir de forma irracional, o ex-agente secreto manteve a cabeça fria e canalizou toda a sua fúria para encontrar a filha, não importando se no caminho teria que matar e torturar uma quantidade enorme de pessoas. Obviamente abatido e solitário, Bryan era um personagem excepcional justamente por conseguir ser frio e racional até nos momentos mais inesperados, porém indo contra o “politicamente correto” e apagando qualquer um que se colocasse no seu caminho, o que era uma prova da raiva absurda que guardava dentro de si pelo inconveniente que os bandidos lhe causaram. É dele uma das melhores cenas do Cinema de ação dos últimos tempos, quando explica para um vilão, pelo celular, o que iria fazer quando encontrá-lo. A partir disso, acompanhamos um longa particularmente intenso que nos levava a encolher na poltrona diante da fúria absurda de seu personagem principal. Assim, desde que soube das primeiras notícias sobre essa continuação, torci o nariz, por acreditar que o filme não conseguiria fazer diferente do primeiro, e assim cairia no limbo das continuações que apenas repetem o original, como o fraco Se Beber Não Case! Parte 2. Porém, esse Busca Implacável 2 consegue se estabelecer como um filme até que divertido, escapando em alguns momentos de ser apenas repetição, se tornando uma experiência envolvente, embora fique anos-luz distante da qualidade do original e ainda apresente alguns problemas graves.

    O roteiro de Luc Beeson e Robert Mark Kamen desta vez coloca os parentes dos bandidos que morreram nas mãos de Bryan querendo vingança contra o ex-espião. Dessa forma, eles aproveitam a viagem que o protagonista faz para Istambul, com a mulher e a filha, para sequestrá-los e conseguir sua vingança. É claro que Bryan consegue escapar e assim lançar sua fúria novamente contra seus perseguidores.

  Embora a trama se baseie novamente na questão do sequestro de entes queridos e de Bryan tendo que salvá-los, essa continuação consegue se distanciar do original em alguns momentos, criando cenas interessantes e criativas, que exigem de Bryan todo o seu potencial, como fica claro no momento em que cria um mapa mental de Istambul, quando está dentro de um carro com um saco na cabeça. O filme chega ao seu ápice de criatividade, no entanto, na longa sequência da fuga de Bryan do cativeiro, quando coloca sua filha Kim (Maggie Grace) como protagonista (dessa sequência apenas), guiada pelo pai através de um telefone (eu sei, parece igual ao primeiro filme, mas não é, acreditem). Nesse momento vemos Bryan no seu melhor, principalmente no como guia sua filha (e si mesmo por sinal) na descoberta da localidade de seu cativeiro. Essa sequência já valeria o filme inteiro, para ser sincero, e até me arrisco a dizer que é uma das melhores do ano.

  Bryan, aliás, continua um ótimo personagem. Interpretado com disciplina por Liam Neeson (recém saído de sua impecável atuação no suspense A Perseguição), vemos o ex-agente mais esperto do que nunca (principalmente depois dos acontecimentos do filme anterior) atento ao menor movimento do ar à sua volta. Embora esteja menos impiedoso do que antes, Bryan ainda demonstra frieza, calculismo, habilidade e sobriedade em suas ações, conseguindo, mesmo num momento de ação desenfreada, se lembrar de checar a quantidade de balas em sua pistola, por exemplo. Ainda, Neeson acerta novamente ao investir em um olhar injetado que reflete a fúria infinita do personagem, chegando a deixar o próprio espectador desconfortável (o que aqui é justamente o objetivo). Além disso, o diretor (dessa vez é Olivier Megaton) encontra maneira divertidas no primeiro ato de mostrar o perfeccionismo do personagem, como o fato deste insistir em encerar o próprio carro, mesmo este sendo um serviço oferecido pelo lava-jatos, ou ao descer do carro exatamente no minuto preciso em que marcou um compromisso. Ainda é preciso falar de como os vilões se mostram inteligentes na primeira investida contra Bryan, quando ainda estão fazendo vista grossa sobre ele: demonstrando conhecimento do perigo que o homem representa, eles se mostram espertos ao manter vários vigias sobre ele, sendo que descartam qualquer um que chame a mínima atenção do personagem. É uma pena, no entanto, que os vilões só demonstrem essa inteligência nesse único momento também.

  Como diretor, Megaton se mostra extremamente irregular, diferente de Pierre Morel no primeiro. Confesso que ele acerta na construção da sequência da fuga da prisão, e também ao variar cenas tranquilas de Bryan com sua família e dos bandidos fazendo seus planos no primeiro ato, aumentando a quantidade de “alternâncias” entre os dois ambientes à medida em que se chega o momento do encontro entre eles. Mas os acertos do cineasta acabam aí. Tendo a mesma habilidade de um diretor de novelas na condução de cenas mais dramáticas, Megaton acredita ser capaz de comover o espectador apenas com uma trilha sonora babaca e melosa, e momentos nostálgicos. Mas o pior de tudo é que o diretor erra onde mais deveria acertar (e onde Pierre Morel acertou muito no primeiro): as cenas de ação. Megaton parece estar tendo um ataque epiléptico e exagera tanto, mas tanto na velocidade dos cortes, que fica absolutamente impossível compreendermos o que estamos vendo, muito menos nos empolgarmos. Confesso que cheguei a ficar com dor de cabeça em tais cenas, e uma dor fonte. Sem brincadeira.

  Com um roteiro ainda irregular e uma conclusão que parece por demais abrupta, Busca Implacável 2 é salvo mesmo por seu protagonista, que continua uma figura fascinante, e suas façanhas ainda fazem valer o ingresso.