sábado, 29 de dezembro de 2012


Crítica filme "No" (No / 2012 / Chile) dir. Pablo Larraín

por Lucas Wagner


  Sempre achei comerciais de TV algo extremamente hilário. Não que todos sejam de fato bons, mas pela própria “tosquice” de sua existência. Em comerciais sobre pastas de dente, por exemplo, as pessoas estão surrealisticamente felizes por fazer algo tão comum e rotineiro como escovar os dentes. Mas muito do que faz com que esses comerciais todos sejam tão fora da realidade está baseado em conceitos que guiam a publicidade; em algo que faz vender. Em No, novo filme de Pablo Larraín, o que se procura vender é uma ideia numa campanha política, e muito do que se pôe em cheque é a melhor forma de se vender a ideia de que a ditadura seja algo ruim.

  O filme se passa no Chile em 1988, quando o ditador Augusto Pinochet, pressionado pelo resto do mundo, anuncia um peblicito para ser decidido se ficará ou não no poder. Dividem-se então o grupo do “Sim” e do “Não”, e cada um tem 15 minutos diários na TV para promover sua campanha. Acompanhamos os desenvolvedores da campanha do “Não”, formada por partidos de esquerda.

  Pablo Larraín toma uma decisão interessantíssima quanto ao visual do seu longa, e o filma completamente em U-Matic, que era a tecnologia usada pela publicidade para gravação em videocassete. Assim, No pode até afastar algumas pessoas diante dessa escolha, mas de fato é fascinante, já que parece que estamos vendo algo realmente filmado em 1988. E, além de servir como uma luva no sentido temático, essa tecnologia trás até uma beleza peculiar para o longa, meio retro (não, eu não sou hipster), que Larraín reconhece bem, e, juntamente com o diretor de fotografia, usa muitas vezes a imagem desfocada e estourada de encontro com a luz, o que produz resultados admiráveis e belos.  

  Larraín acerta ainda ao conferir extremo realismo ao longa. S       em trilha sonora, Larraín investe em cenas que, em si mesmas, não fazem muito pelo filme, mas que ajudam a estabelecê-lo, assim como seus personagens, como pautados no mundo real, palpápel. Um exemplo bem claro disso é quando René (Gael García Bernal) está usando o trilho de brinquedo de seu filho, e o garotinho vem brigar com ele por isso, e ele o coloca para dormir de novo; ou ainda quando um grupo de esquerdistas estão conversando sobre a campanha enquanto fazem um churrasco. Além disso, Larraín usa diversas imagens de arquivo que se inserem com perfeição visual ao longa.

  Esse realismo se adéqua com perfeição ainda à própria narrativa, que visa observar os bastidores da campanha. Desse modo, em diversas cenas, podemos observar desde o planejamento até a filmagem de propagandas defendendo tanto a prevalência de Pinochet, quanto a democracia. E, o que é muito interessante, essas propagandas são extremamente parecidas.

  Larraín ainda consegue usar seu filme com o propósito de levantar algumas discussões. Muitos dos esquerdistas que compõem a campanha do “Não” nem mesmo acreditam que ganharão, mas querem usar aquela oportunidade apenas para demonstrar seu desgosto para com a ditadura. O que é algo no mínimo... triste. Essa falta de perspectiva na melhora da humanidade, de que esta possa ser pelo menos consciente quanto ao que pessoas como Pinochet fazem ao seu próprio país, de certa forma revela o pessimismo enorme com que nos vemos encarando a sociedade: como um bando de ovelhas que não conseguem olhar além de seu próprio nariz. E como poderíamos, afinal? As provas que temos sempre são basicamente de pessoas que se negam a enxergar algo que não lhes seja agradável, que doa um pouco, mesmo que por excesso de realidade. Assim, é sintomático que a melhor forma de fazer essa campanha do “Não” se revele através de um otimismo que se distoe dos horrores que a ditadura promoveu. Além disso, Larraín tem a inteligente decisão de mostrar algumas pessoas se ofendendo com a forma como a campanha é conduzida.

  Com um elenco coeso, o único que realmente ter a oportunidade de trabalhar melhor seu personagem é o ótimo Gael García Bernal (Diários de Motocicleta, Ensaio Sobre a Cegueira, etc). Seu René é um sujeito que já foi exilado no exterior, junto com seu pai. Mas, no momento em que o longa acontece, ele vive uma excelente vida material, trabalhando como respeitado publicitário, que conhece bem as artimanhas da profissão, e usufrui de uma prosperidade dos anos da ditadura. Ainda assim, René não é um cara feliz (é só olhar para sua expressão em qualquer momento do longa para constatarmos isso), já que sua mulher é rebelde e luta contra a ditadura com unhas e dentes, constantemente sendo presa por isso, e se separou dele. Há uma certa ambiguidade no personagem no que se refere ao modo como enxerga a realidade chilena: se ao mesmo tempo já foi exilado e não aprove a ditadura, René parece viver numa realidade alternativa àquela, e o próprio modo como conduz a campanha do “Não” indo contra todas as pessoas que se sentiram realmente ofendidas por apresentá-la de modo leve e otimista, já é prova disso. E Gael García Bernal interpreta-o com perfeição, conseguindo torná-lo uma figura ainda mais complexa e fascinante principalmente pela sua expressão no final, quando não consegue encontrar sentido que o satisfaça emocionalmente diante da felicidade de seus companheiros.

  Divertindo com os bizarros comercias de propaganda política da época (o do homem com uma figura escrito “No!” na língua, e a de “No ticias” são particularmente estranhas e engraçadas), No não é um filme que vai agradar todo mundo. Os mais ignorantes vão tachá-lo de “chato”. Mas é um longa complexo e interessante com um visual peculiar que realmente alcança todos os objetivos a que pretendia. É um filme excelente. 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Resenha do livro - Heavy Metal: A história completa




Por Paulo Henrique Faria 

Lançado inicialmente em 2003, com o título Sound of the Beast: The Complete Headbanging History of Heavy Metal, o livro que é vendido no Brasil com o nome “Heavy Metal: A história completa” mostra um apanhado interessante sobre o estilo mais pesado, controverso e apaixonante do rock. Escrito pelo jornalista suíço Ian Christie, a obra possui quase 500 páginas e, apresenta um guia histórico interessante, sobretudo para quem está iniciando como apreciador do Metal.

Christie começou bem suas escritas ao creditar o surgimento do Heavy Metal graças à influência exercida pelo Hard Rock inglês do Led Zeppelin e Deep Purple. Logo depois foi preciso e categórico em afirmar que o Black Sabbath foi o grande pai do estilo. Contou detalhes desconhecidos do grande público, como o processo de gravação do primeiro disco do Sabbath, lançado em 13 de fevereiro de 1970, além das primeiras experiências em turnê nos Estados Unidos. Deu destaque às principais revistas e publicações especializadas em Metal como a inglesa Kerrang! e disponibilizou também várias fotos exclusivas de grandes ídolos da cena.

No segundo capítulo deu o mais que merecido destaque ao movimento The New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM) ou em tradução literal “A nova onda do heavy metal britânico”. Nessa parte as super bandas Judas Priest e Iron Maiden são exaltadas como líderes e principais bandas do conglomerado metálico e, outros grandes nomes ingleses como Def Leppard, Saxon, Motörhead e Diamond Head não são esquecidos.

Outro ponto forte do livro são as ótimas entrevistas com os Metal Gods Ronnie James Dio e Rob Halford, além de grandes figuras como Gene Simmons (Kiss), Dave Mustaine (Megadeth) e Dee Snider (Twister Sister), que em seus respectivos depoimentos mostraram-se verdadeiros paladinos da cena headbanger. Christie acertou também ao relembrar os constantes ataques conservadores que o Heavy Metal sofreu de políticos e líderes religiosos nos Estados Unidos, principalmente na década de 1980. Cena americana inclusive, que na época oitentista foi a responsável pelo surgimento do Big Four (Metallica, Megadeth, Slayer e Anthrax) e boa parte dos grupos de Hard Rock, também conhecidos como Glam Metal (Motley Crüe, Ratt, Quiet Riot, Poison, Guns n’ Roses, etc), que levaram o movimento Metal a patamares de popularidade jamais alcançados antes. O Metallica nessa parte e em relativa porção do livro é sem dúvida a banda que mais tem destaque. Acredito que o quarteto de San Francisco realmente é inegavelmente um dos grupos mais importantes para a cena metal, mas Christie ao dar enfoque exagerado a eles deixou de lado muitas outras igualmente relevantes.

Mas nem só de acertos o livro é composto. Além de exageradas doses de Metallica, Ian Christie cometeu graves falhas ao dar destaque demais aos estilos mais extremos como Thrash Metal, Death Metal, Black Metal e Metalcore (sem dúvida os estilos que o jornalista mais aprecia) em detrimento de outros mais virtuosos como Power Metal, Progressive Metal, Metal Neoclássico, Metal Sinfônico, White Metal e, também outros estilos menos difundidos como Folk Metal e Viking Metal. Agora eu pergunto: como você faz um livro sobre a história do metal e simplesmente não dá ênfase ao movimento alemão do Power Metal, liderado por Helloween, Gamma Ray, pouco depois Blind Guardian, Primal Fear, Masterplan, Edguy, que mais tarde teve seguidores pelo restante da Europa como Stratovarius, Hammerfall e Rhapsody of Fire? Como você aborda a cena americana e simplesmente não dá voz a Dream Theater, Fates Warning e Symphony X?  Até o duvidoso New Metal é melhor tratado – com um capítulo dedicado aos mesmos como se fossem os salvadores da nação headbanger no final dos anos 1990 e começo dos 2000. Sem contar que o autor no quinto capítulo comete alguns deslizes ao atribuir a expressão Power Metal como um variante do Thrash Metal americano.  

Outra derrapada literária ocorreu no 15° capítulo, quando ao abordar a globalização do metal, sobretudo no Brasil, só dá destaque ao Sepultura e simplesmente passa por cima de importantes representantes nacionais como Angra, Dr. Sin e Korzus, que possuem um vasto público no país, na Europa e até mesmo no Japão. Acredito que o mais correto seria Ian Christie fazer ao menos mais dois capítulos citando e comentando sobre os estilos e bandas importantes que deixou de lado. Afinal, o metal é grande demais para se limitar a cinco ou seis subgêneros.

Apesar dos pesares a obra é um exemplar interessante para quem quer conhecer um pouco mais o Heavy Metal mundial. Você certamente não vai jogar dinheiro e tempo fora em encará-lo; só acho que Christie deveria – ao menos por hora – mudar o nome do seu livro para Heavy Metal: A história (in)completa. 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012



Crítica filme "As Aventuras de Pi" (The Life Of Pi / 2012 / EUA) dir. Ang Lee

por Lucas Wagner


A comparação imediata que me veio logo quando acabou esse As Aventuras de Pi foi com um sanduíche com um recheio maravilhoso, mas que fica entre duas fatias de pão embolorado. O caso é que esse novo trabalho do ótimo cineasta Ang Lee (dos excepcionais O Segredo de Brokeback Mountain e Hulk), baseado no aclamado romance de Yann Martel (que eu não li), possui um segundo ato simplesmente fantástico, emocionante e muito bem realizado, mas em compensação, tem o primeiro e terceiro atos falhos que, embora funcionem em si mesmos, não possuem um grande valor dentro do propósito central da narrativa.

  Resumidamente, a história trata do garoto indiano Piscine Patel, mais conhecido como Pi, que é o único sobrevivente humano de um naufrágio. A partir de então, Pi passa a dividir um bote salva-vidas com um tigre bengala adulto, chamado Richard Parker.

  No 1º ato, conhecemos vários aspectos da história de vida de Pi, mas muitos que são pouco relevantes para a narrativa. Sem estrutura adequada, Lee insere várias cenas que mostram o motivo do nome do personagem, sua relação com a religião, sua paixão por uma determinada garota, e assim vai. Só que, numa história que vai trabalhar predominantemente a luta pela sobrevivência dele, ao mesmo tempo que sua relação com o tigre, por que diabos isso tudo é importante? A única coisa realmente válida no 1º ato é o momento em que Pi conhece o tigre Richard Parker, já que esse momento é absurdamente válido na construção da personalidade do personagem, sua relação com a religião, principalmente. Desconectado do resto do longa, confesso que gostei muito da subtrama envolvendo o comportamento religioso de Pi. Sem se ater a apenas uma religião, o moleque consegue ser muçulmano, cristão, indu, e sei lá mais o que, tudo ao mesmo tempo, enquanto vive com um pai que, mesmo carinhoso, é extremamente racional e desaprova a relação dele com a religião. Quando Pi conhece Richard Parker, essa relação muda (não vou contar como, pois seria spoiler). O que me irrita é que o roteiro de David Magee cria um caminho para uma possivelmente profunda discussão religiosa/teológica, apenas para largá-la depois, no segundo ato, para retomá-la no terceiro.

  Falando em 2º ato, agora é hora de “beijar os pés” do filme. Esse ato é o que se centra na sobrevivência de Pi. Com um tom de fábula (que domina o filme todo, por sinal), Lee alcança uma beleza estética absurdamente fantástica (sobre a qual discorrerei mais posteriormente), com imagens incrivelmente poéticas e mágicas. Ao mesmo tempo, no entanto, o cineasta é capaz de nunca deixar que essa parte do filme perca a verossimilhança (algo que, se acontecesse, mandaria o projeto por água abaixo). Assim, com uma direção calma e centrada, Lee consegue a proeza de ao mesmo tempo nos fascinar visualmente, conferir uma atmosfera de fábula e nos fazer sofrer junto de Pi e o tigre, diante de todas as dificuldades que passam. Nesses aspectos, confesso que o resultado que Lee alcança consegue ser quase tão bom quanto o que Robert Zemeckis conseguiu no seu excelente Náufrago.

  Mais importante ainda nesse 2º ato é o desenvolvimento da relação entre Pi e Richard Parker. Parker é um tigre adulto e violento, e logo domina o bote salva-vidas, não deixando Pi chegar perto. Porém, diante das dificuldades por que passa, Pi vai se fortalecendo e chega no nível do animal, com um comportamento de dominação que hoje em dia pode não ser tão valioso para a humanidade, mas que o era importantíssimo na pré-história, quando não tínhamos tantas ferramentas para intermediar nossa relação com os animais. Parker, no entanto, é um personagem fascinante, tanto visualmente (como discutirei em outro parágrafo) quanto como personagem mesmo, ainda que seja um tigre. Assim como aconteceu com o King Kong do filme de Peter Jackson, ou a cadela Sam de Eu Sou a Lenda, Richard Parker não é exatamente antropormofizado, mas, dentro de sua gama de comportamentos de espécie, é fascinante. E mais: quanto mais vai desenvolvendo sua relação com Pi, mais nos importamos com ele, já que percebemos a “mudança” em sua personalidade, mesmo que ele nunca deixe de se comportar como um animal predominantemente irracional (e eu fico ressaltando isso já que esse detalhe gera uma cena fantástica no final do 2º ato que vem ainda seguida de uma discussão promovida pelo Pi adulto que...uau). A constante sensação de perigo e exaustão (no bom sentido, já que estamos tão conectados com o que estamos vendo que sentimos o que os personagens sentem), ao mesmo tempo em que a construção e desenvolvimento da relação entre Pi e Richard Parker, sem deixar de lado o deslumbramento visual, fazem desse 2º ato algo simplesmente maravilhoso, envolvente e muito emocionante, que peca apenas pelos realizadores não terem encontrado outro jeito de desenvolver a história que não fosse pela narração em off de Pi, o que torna tudo um pouquinho artificial.

  Já no 3º ato, logo de cara somos presenteados com a tal discussão promovida pelo Pi adulto, que é a melhor cena do filme. Profunda e filosófica, além de cheia de sofrimento, essa discussão nos faz pensar sobre nós mesmos, a encarar nossa própria vida, e culmina ainda numa frase que eu nunca esquecerei (“A vida é um constante ato de desapego”). Tirando isso, o 3º ato, assim como o primeiro, desvia o longa de seu centro, e procura reviver a discussão religiosa que teve antes, só que dessa vez sem força alguma, já que o que acontece no segundo ato (e que é o que realmente importa no mote do filme) não sustenta em momento algum essa discussão. Assim, ela soa completamente artificial. Pior do que isso, é Lee levar mais de cinco minutos numa cena completamente desnecessária e artificialmente emocionante, em que o jovem Pi conta a uma história falsa sobre o que aconteceu depois do naufrágio. Não que a cena seja inútil, o problema é o tempo que Lee leva para mostrá-la. Alguns podem argumentar que essa cena é importante para gerar uma ambiguidade no que vimos. Eu não acredito nisso. Se fosse assim, Pi seria meio que um homem esquizofrênico, e nada no filme sustenta essa hipótese.

  Agora, visualmente, As Aventuras de Pi é estonteante, de tirar o fôlego. Se colocando como o único longa desse ano capaz de desafiar O Hobbit nesse aspecto, Lee e o diretor de fotografia Cláudio Miranda criam cenas de absoluta poesia, de uma beleza ímpar, de cair o queixo mesmo, como aquela em que Pi vê o navio afundando, ou em um determinado amanhecer (em que o mar reflete totalmente o céu), na sequência da exótica ilha em que Pi passa uma noite, ou qualquer cena debaixo da água, entre vários outros momentos. Ainda, os efeitos visuais são impecáveis, em todos os aspectos: as sequências de tempestade são maravilhosas e verossímeis, principalmente aquela do naufrágio; e todos os animais são incrivelmente realistas, mas principalmente o tigre. Em nenhum mísero momento, podemos perceber se Parker é uma animação ou um tigre de verdade, tamanho o nível de qualidade dos efeitos. Movendo-se com fluidez, o animal ainda trai suas emoções através de suas expressões e de seu olhar, mas sem nunca ser antropormofizado. Mais impressionante ainda, é que o tigre vai emagrecendo ao longo do filme, se tornando uma figura mais frágil e menor, o que é perfeitamente natural para um bicho que passou pelas dificuldades que ele passou. Simplesmente genial esses detalhes, que me fazem ficar seriamente na dúvida quanto quem deveria ganhar o Oscar de efeitos especiais: As Aventuras de Pi ou O Hobbit.

  Em questão de atuações, todos estão impecáveis. Adil Hussain consegue conferir adequada dose de carinho e rigidez como o pai de Pi, possuindo um detalhe lindo em sua performance, quando percebe, em determinado momento, que passou dos limites. Suraj Sharma interpreta o jovem Pi com força e realismo, mostrando a mudança pela qual o personagem passa, inclusive em sua entonação, que vai se tornando mais grave e cansada. Mas quem reina é Irfan Khan, que interpreta Pi adulto. O ator interpreta o personagem envelhecido como um homem maduro mas sofrido, dono de suas próprias opniões e grato por tudo que passou na vida. Khan protagoniza a discussão sobre a qual comentei, e a expressão do ator, as lágrimas que brotam involuntariamente de seus olhos, acoplada com suas palavras, confesso que me fez encher os olhos de lágrimas.

  As Aventuras de Pi é um filme muito bom, de verdade. A sua esplêndida força visual, suas atuações, a direção de Lee (pelo menos em boa parte do tempo) e seu segundo ato inesquecível, permitem que eu diga isso. É uma pena que o 1º e 3º ato impeçam que o longa seja a obra-prima que poderia ser. Mas ainda vale demais assisti-lo. 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012



Crítica filme "As Vantagens de Ser Invisível" (The Perks Of Being a Wallflower / 2012 / EUA) dir. Stephen Chbosky

por Lucas Wagner


  As Vantagens de Ser Invisível é um caso raro de filme que superou o livro. Não que o romance original seja ruim. Pelo contrário: é um livro sensível e tocante que explora com habilidade o seu complicado protagonista, ao mesmo tempo em que nos proporcionava passagens belíssimas e reflexivas, sobre as quais tínhamos até que fechar o livro por alguns instantes para poder pensar um pouco. Mas talvez eu tenha gostado um pouco mais do filme pelas excelentes atuações de Logan Lerman, Emma Watson (suspiros apaixonados) e Ezra Miller, e a trilha sonora envolvente e sugestiva com vários nomes do rock alternativo das décadas de 80/90. Não só por isso, talvez, mas vou discorrer mais sobre o que me fez gostar tanto do longa no decorrer desse texto.

  Acompanhamos a história de Charlie (Lerman), garoto tímido e excluído, que obviamente sofre de grave depressão, tendo momentos de recaídas que teme bastante. A vida de Charlie muda completamente no seu ensino médio, quando faz amizades profundas e significativas, principalmente com Sam (Emma Watson) e Patrick (Ezra Miller).

  Uma enorme sorte de As Vantagens de Ser Invisível foi ter como diretor e roteirista o próprio autor do livro, Stephen Chbosky, que mais do que ninguém, compreende a essência de seu romance, de seus personagens, e consegue transportar toda essa força para a tela com grande eficácia. Sem possuir uma linguagem cinematográfica mais rebuscada, Chbosky dá grande valor à força dos diálogos que ele mesmo criou no romance e que foram traduzidos aqui. É impossível não se impressionar com a qualidade, a honestidade, a inteligência e a profundidade de diálogos e reflexões da maravilhosa narração em off de Charlie, como: “Eu sou feliz e triste ao mesmo tempo, e ainda estou tentando entender como posso ser assim”; “Eu era realmente popular, até começar a ouvir música boa”; ou ainda a reflexão final e profundamente avalassadora, proferida pro Charlie. Chbosky tem uma direção sensível e bonita, delicada, que observa aqueles personagens com carinho e compreensão, usando de poucos artifícios que enriquecem a linguagem de seu filme, mas que aqui é algo que não classifico como um erro, já que não atrapalhou nem um pouco. Em alguns momentos ele sabe usar muito bem a linguagem cinematográfica, como quando, algumas vezes, filma Sam em contra-plongé (câmera apontando de baixo para cima), conferindo maior importância à personagem, ou ainda quando, em vários momentos, filma Charlie no centro do quadro, em um plano aberto, ressaltando a solidão deste. Ah, e quase me esqueci de comentar o excelente uso que o diretor faz de vários raccords, dando mais dinamicidade à narrativa, ao mesmo tempo em que produz alguns bem elegantes e inteligentes, como aquele que é meu favorito: um padre coloca uma hóstia na boca e Charlie e, usando um raccord, Chbosky corta para uma cena que ele coloca LSD na boca. O uso da trilha incidental, composta por canções de The Smiths, Pavemente, New Order e, principalmente, a canção “Heroes” de David Bowie, é excepcional, já que, além de servir para demonstrar o bom gosto dos personagens, é eficaz ao possuir, em suas próprias letras, palavras que desenvolvem ainda mais a psicologia daquelas pessoas.

  Mas Chbosky é também inteligente ao não se empolgar demais por estar filmando seu próprio e romance, e assim não teme deixar de lado várias passagens de seu livro, que no filme não teriam tanta importância e apenas aumentariam o tempo de duração. Desse modo, até mesmo a tão trabalhada (no livro) relação entre Charlie e seu professor de inglês, Sr. Anderson (Paul Rudd) é aqui deixada de lado, para evitar desviar o filme da narrativa central. Além disso, eu gostei demais do fato de Chbosky não evitar que um determinado ato seja consumado bem no final do filme*, algo que tinha evitado no livro e que me deixou irritado quando li. Na verdade, foram pouquíssimas as coisas que não me agradaram no filme como adaptação, sendo, por exemplo: no longa, os pais de Charlie perdem qualquer tridimensionalidade que tinham no livro; o relacionamento de Charlie e a irmã, tão envolvente e complexo no romance, aqui nem dá sinal de ser desenvolvido; entre outras coisinhas mínimas.

  O centro da narrativa é Charlie, e não uma reflexão da dificuldade de ser um adolescente, como muitos classificam a obra. As Vantagens de Ser Invisível é um estudo de personagem extremamente complexo. Charlie é sozinho, mas ao mesmo tempo extremamente bondoso; uma bondade sincera, de querer ver as pessoas que ama bem e felizes, deixando que passem por cima dele e muitas vezes deixando suas próprias necessidades de lado. Por todos os tormentos que já passou em sua jovem e sofrida vida, Charlie é visto como esquisito, estranho, até mesmo por ele mesmo; possui uma auto-estima baixíssima e a perspectiva de fazer amigos é a única coisa que o mantém respirando (além da vontade de não incomodar ninguém com seus problemas). Assim, logo nos identificamos com ele, com seus tormentos e problemas, e torcemos por ele. Além disso, por compreendermos tão bem o personagem, logo nós compreendemos também a absurda importância que a amizade com Sam e Patrick tem para ele, e nos sentimos confortáveis e até sorrimos nos momentos de intimidade e alegria que aquele grupo vivencia (a cena que Patrick, depois de saber de um fato trágico da vida de Charlie, propõe um brinde à ele, é de dar um nó na garganta). Ele pode ser um garoto estranho, mas o perdoamos em suas mancadas e sofremos por ele em suas maiores esquisitices, quando essas o colocam em apuros, justamente pela eficácia do desenvolvimento do personagem. Charlie ainda vai se tornando mais e mais complexo no decorrer da narrativa, o que é sempre muito bom, e o torna ainda mais fascinante.

  Logan Lerman é um ator fantástico ao conseguir interpretar com perfeição um personagem tão difícil como Charlie. E são nos detalhes que ele mais impressiona. Observem o sorriso que não consegue segurar quando volta para casa depois de sua primeira saída com Sam e Patrick; ou ainda na entonação engasgada, sofrida, que adota em diversos momentos. Emma Watson (por quem nutro uma espécie de amor platônico, como aqueles que convivem comigo bem sabem) também está simplesmente maravilhosa como Sam, conseguindo torná-la ainda mais interessante do que é no livro. Watson cria uma Sam doce e apaixonante, com uma certa melancolia pelos seus próprios atos imaturos que um dia já teve, que simplesmente é de partir o coração. Também Ezra Miller impressiona. Embora interpretando Patrick com mais afetação do que o necessário, o ator transforma-o em uma figura extremamente divertida, mas ainda consegue a proeza de não torná-lo caricato, fazendo com que nos importemos e sintamos a angústia do personagem frente a determinados acontecimentos. Embora eu já gostasse de Sam e Patrick no livro, as performances de Watson e Miller conseguiram transformá-los em figuras ainda mais complexas e interessantes, algo que enriquece bastante o longa. O resto do elenco está perfeito, embora nem todos recebam tanta atenção quanto esses três principais.

  Há, no entanto, um elemento que é fundamental para meu carinho com essa obra (tanto livro como filme, mas principalmente o último) que não dá para discutir aqui. Como disse o crítico Pablo Villaça certa vez: “um filme são todos os filmes que você já viu, o que está vendo, e tudo que já viveu em sua vida”. Assim, As Vantagens de Ser Invisível reflete (assim como dois outros belíssimos filmes desse ano: Drive e Moonrise Kingdom) muitos sentimentos meus como pessoa, meu referente pessoal. Dessa forma, muita da emoção que eu senti vendo esse filme (e lendo o livro), muitas das vezes que enchi os olhos de lágrimas ou que me arrepiei, se referem a uma identificação mais profunda que sinto com a obra. O que não deve ser desconsiderado dentro da minha apreciação da obra, mas que não tem muito lugar numa análise crítica.

  Conseguindo se colocar, sem vergonha de ser feliz, como um dos melhores filmes do ano, As Vantagens de Ser Invisível ainda entrega uma sequência final maravilhosa (mesmo sendo idêntica à do livro) que consegue arrepiar e nos deixar com um grande sorriso no rosto e um sentimento de gratidão por ter acompanhado, durante essas duas belíssimas horas, a história do complicado Charlie, e de sabermos, mesmo diante de um final aberto como esse, que ele está no caminho de uma existência mais plena e feliz.

  *SPOILER: o ato a que me referi é a transa entre Sam e Charlie. Ok, não foi certeza que aqui eles transaram, mas pelo menos Chbosky nos deu o benefício da dúvida.

sábado, 15 de dezembro de 2012


Crítica filme "Moonrise Kingdom" (Moonrise Kingdom / 2012 / EUA) dir. Wes Anderson

por Lucas Wagner


    Wes Anderson é um cineasta extremamente interessante, tanto na estética quanto no conteúdo de seus trabalhos. É só bater o olho e já sabemos se tratar de um filme dele. Com quadros centralizados, excessivo uso de travellings, slow motion, uma trilha sonora nostálgica, etc, Anderson já criou uma marca registrada como diretor, que tanto pode agradar alguns, quanto pode desagradar outros (a mim agrada bastante, já que acho sua direção extremamente elegante). Tematicamente, o cineasta sempre buscou abordar personagens que parecem não possuir um lugar no mundo, uma identidade que os possa guiar, definir, muitas vezes porque foram castrados disso pela convivência com outras pessoas. Com essas características, o diretor produziu algumas obras admiráveis, chegando ao ápice naquele que é o que eu considero um dos filmes mais brilhantes que já tive a oportunidade de assistir: Os Excêntricos Tenenbaums.

  As obras de Wes Anderson parecem sempre se passar em uma espécie de universo paralelo próprio a seus filmes. Com cores fortes, elementos estranhos e psicodélicos, existe sempre uma atmosfera que mixa melancolia e comicidade. Seus personagens podem ser descritos como, no mínimo, esquisitos. Em Moonrise Kingdom, Anderson afina ainda mais esses elementos, e entrega sua obra mais “estranha” até o momento. O que não é, de modo algum, uma crítica negativa, já que esse é um filme sem dúvidas belíssimo, tocante e absolutamente irresistível em sua doce e cômica melancolia.

  Dessa vez, o cineasta conta a história de duas crianças (uma menino e uma menina) consideradas estranhas, que encontram conforto nos braços um do outro, e resolvem fugir de suas vidas. Os adultos da ilha em que vivem organizam-se para encontrá-los, recebendo ajuda do grupo de escoteiros do mestre dos escoteiros Ward (Edward Norton).

  Como eu disse, as obras do diretor parecem se passar em um universo paralelo comum a seus filmes. Assim como Quentin Tarantino, Anderson trás nesse seu novo longa, vários elementos que se ligam, ou pelo menos nos lembram de suas obras anteriores. Assim, vemos várias crianças vestidas com fantasias dos animais que, não por acaso, são os personagens de O Fantástico Senhor Raposo, obra anterior do cineasta; o figurino do narrador lembra diretamente a indumentária do protagonista de A Vida Marinha com Steve Zissou; e a personagem da garotinha Suzy (Kara Hayward) é como uma versão mirim da inesquecível e trágica famme fatale Margot Tenenbaum interpretada por Gwyneth Paltrow em Os Excêntricos Tenenbaums (inclusive o excesso de maquiagem e o figurino de Suzy rementem diretamente à Margot). Além disso, os enquadramentos, movimentos de câmera, planos detalhes, e a impecável montagem (que mais uma vez na filmografia do diretor consegue a proeza de ser elegante, dinâmica e conseguir funcionar, por vezes, como humor), tudo contribui para que façamos a ligação desse filme com os outros trabalhos de Anderson, já que seu estilo é tão próprio que é como se realmente criasse uma realidade única onde habitam seus personagens.

  Construindo a narrativa com cuidado (o teatrinho da arca de Noé é uma pista particularmente eficaz), Anderson consegue adequar o tema com o seu estilo de maneira inteligente, particularmente no que se refere ao encontro do casal infantil Suzy e Sam, que surgem em planos mais fechados quando olham um ao outro, o que representa a grande importância que um tem para o outro; além disso, mais uma vez a mania do diretor de colocar alguns personagens centralizados em planos abertos, serve como uma forma de ressaltar a solidão destes. Anderson ainda presta atenção a elementos sutis, mas que ajudam a enriquecer o longa, como a diferença da fotografia do universo da ilha, com aquele da Social Services (Tilda Swinton): enquanto o primeiro, mesmo tendo inegáveis problemas nas relações de seus personagens, ainda assim surge com cores fortes e quentes, remetendo à infância, o segundo é cinzento e frio, apático e técnico, lembrando a vida adulta. Outro exemplo intrigante é na conversa noturna entre o casal Bishop, em que Anderson começa filmando planos mais fechados que nos dão a impressão de que eles estão deitados na mesma cama, apenas para pouco depois mostram que estão separados por um móvel. E como ainda não se emocionar com a inteligência do diretor no simbolismo de momentos que contribuem para o desenvolvimento dos personagens, como quando, na sequência inicial, ouvimos, de dentro da mansão dos Bishop, uma música erudita, só que a ouvimos como som diegético (está no ambiente), mas quando “saímos” da mansão, essa música fica mais alta e se torna parte da trilha, nos dando uma sensação de “liberdade”; também, o próprio prenúncio da tempestade, que sabemos desde o início que irá basicamente destruir a ilha, mas que serve ainda como símbolo para o clímax psicológico pelo qual esses personagens passarão.

  Moonrise Kingdom parece se passar predominantemente através de uma perspectiva infantil. Existe uma doce aura de inocência, além de um tom fabulesco que pode ser constatado em diversos momentos, como na casa da árvore excessivamente alta e frágil, ou ainda no clímax. A inocência podemos ver através de detalhes bonitinhos, como quando o fato de um homem e uma mulher dividirem um cigarro já se torna um sinal de traição, ou ainda quando o perfuramento da orelha para poder se usar brincos se torna um símbolo claro para a perda da virgindade (observem o filete de sangue que sai da orelha de Suzy). Essa perspectiva infantil ainda é absolutamente necessária para conferir o adequado tom de nostalgia da temática do filme, que trata das vivências do primeiro amor, e das diferenças do amor para crianças e adultos.

  No quesito de desenvolvimento dos personagens, Moonrise Kingdom também se mostra impecável. Com um elenco espetacular, Anderson se foca mais no casal Suzy e Sam, e desenvolve a narrativa a partir deles. Como outros personagens típicos do diretor, Suzy e Sam estão à deriva no mundo, lutando para construir uma identidade própria já que são castrados disso pela convivência que tiveram com seus familiares. Suzy é uma garotinha trágica e sofrida, que vive na emocionalmente fragmentada família Bishop (em um detalhe cômico, mas que representa bem essa fragmentação, vemos a Sra. Bishop chamando os filhos para jantar usando um megafone), e é vista por seus pais como uma criança problemática. Com sintomas claramente depressivos, Suzy muitas vezes apresenta comportamentos violentos, e busca se refugiar na literatura mágica; além disso, vem sempre acompanhada de seus binóculos, usando-os para sempre olhar mais longe, como numa tentativa patética de fugir de sua vida. Já Sam é órfão, e seus pais adotivos desistiram dele. Excluído e estigmatizado, Sam encontra conforto e amor apenas com Suzy, e o romance que vai se desenvolvendo entre eles é simplesmente adorável, e produz algumas das melhores cenas do filme, como a da conversa dos dois ao pôr do sol.

  Os outros personagens estão fantásticos e tridimensionais à sua maneira. Edward Norton interpreta com talento o chefe dos escoteiros Ward, como um sujeito com um mascarado complexo de inferioridade. Bill Murray cria um Sr. Bishop violento e ambivalente. Frances McDormand deixa clara a tristeza da Sra. Bishop. Bruce Willis, numa bela e contida performance, transforma o Capitão Sharp numa figura complexa e melancólica, que possui uma intrigante ligação com o personagem de Sam, algo que fica bem claro na sua fala para o garoto, quando está sentado de frente para o menino (não por acaso, numa mise en scéne construída com brilhantismo por Anderson): “You got your whole life in front of you... I mean... ahead of you”. Aliás, Anderson busca fazer várias ligações da vida adulta com a infantil, mostrando a melancolia da primeira em relação à segunda. Observem como, de fato, o personagem de Willis funciona como uma versão envelhecida e triste de Sam (até os óculos servem à esse propósito); ou ainda o romance de Sharp com a Sra. Bishop funciona como um espelho para a relação de Sam e Suzy, só que dessa vez sem o encantamento da infância, e carregados de uma dolorida maturidade, que os faz enxergam, à duras custas, a impossibilidade de se manterem juntos.

  Com um senso de humor maravilhoso, que produz momentos extremamente hilários, além de falas engraçadíssimas, Moonrise Kingdom é uma pedra preciosa num ano tão decepcionante para o Cinema como esse 2012. É tocante, doce, nostálgico e engraçado, além de nos fazer pensar nas nossas próprias experiências iniciais com o amor e a paixão, e como deixamos que a realidade que o envelhecimento nos faz encarar nos tire a alegria e o otimismo de encontrar alguém especial com quem possamos compartilhar, sem problemas, nossa curta estadia nesse planeta. Moonrise Kingdom é ouro.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012


Crítica filme "O Hobbit: Uma Jornada Inesperada" (The Hobbit: An Unexpected Journey / 2012 / Nova Zelândia) dir. Peter Jackson

por Lucas Wagner


   O Hobbit é um livro extraordinário que funciona mais como um estudo do personagem Bilbo Bolseiro do que exatamente como uma história épica e grandiosa como O Senhor dos Anéis. Ao mesmo tempo em que conta uma historinha simples e divertida, J.R.R Tolkien parece se preocupar mais com os efeitos que os acontecimentos narrados tem no protagonista que, de um hobbit preguiçoso, que só pensa no próprio conforto e abomina qualquer bagunça, qualquer coisa imprevisível (incluindo-se ai aventuras), se transforma num hobbit corajoso, imponente, e um verdadeiro guerreiro. Bilbo, no entanto, tem um interesse mascarado por aventuras, perigos e emoções intensas, que tenta satisfazer de uma forma precária através de uma paixão por mapas; ele mantém esse interesse escondido para manter a fama de ser confiável e previsível, características muito respeitadas entre os hobbits. Mas as contingências às quais é exposto em sua aventura com os anões, o levam a abraçar esse Bilbo aventureiro que existe dentro dele. E assim, Tolkien nos apresenta um romance espetacular, com uma narrativa invejável, que nos leva a sentir até mesmo a fadiga dos heróis (a passagem pela Floresta Negra – que deve aparecer no segundo filme – é impecável nesse aspecto), enquanto mantém tudo muito leve e divertido, com um tom infantil e alegre (afinal, ele escreveu esse livro para seus filhos), que reflete a alegria com que Bilbo um dia recordaria sua aventura.

  O cineasta Peter Jackson (que adaptou a trilogia O Senhor dos Anéis com perfeição) felizmente compreende que, se tratasse O Hobbit: Uma Jornada Inesperada com a mesma magnitude e clima denso com que tratou a trilogia SdA, estaria cometendo um terrível erro em relação ao livro. Assim, desde que vemos o título do filme no início da projeção, já percebemos a nova abordagem de Jackson: se na outra trilogia víamos o título sob uma trilha misteriosa e sombria, agora o vemos com a música nostálgica e sensível que serve de tema para o Condado (a vila dos hobbits). De fato, a atmosfera desse primeiro capítulo da nova trilogia é muito leve, cheia de humor e bons presságios, o que serve ainda para que sintamos a nostalgia de estarmos de volta àquele universo tão querido, e também para percebermos a tranquilidade da Terra-Média antes da guerra do Anel. Mas Jackson se revela inteligente a, embora mantendo um tom leve e infantil durante grande parte do tempo, não ignorar momentos mais dramáticos e trágicos, algo que fica claro nas cenas que mostram a guerra de Erebor, quando percebemos a magnitude da tragédia e tristeza dos envolvidos, devido à perda do lar e de seus companheiros.

  E se comentei sobre o sentimento de nostalgia, é bem claro o reconhecimento de Jackson da afeição que criamos em relação àquele universo e personagens, ao mesmo tempo em que ele mesmo demonstra total carinho quanto a eles. Assim, reencontramos vários personagens da trilogia SdA (muitos que nem aparecem no livro O Hobbit) em pequenas participações, mas que funcionam de maneira orgânica à narrativa, não servindo apenas ao propósito de matar a saudade do espectador, mas para desenvolver algo em relação à trama. Ainda, Jackson se diverte ao incluir pequenos detalhes que remetem diretamente à momentos prosaicos da outra trilogia, mas que justamente por serem prosaicos, nos deixa ainda mais íntimos com o que estamos vendo. Alguns exemplos bacanas podem ser notados na cena em que Frodo prega na frente da casa de Bilbo um aviso escrito “Não incomodar, a não ser que sejam assuntos referentes à festa”, que podemos ver no início de A Sociedade do Anel; ou ainda quando vemos Gandalf batendo a cabeça no lustre da casa de Bilbo, como fez também antes (ou depois, se considerarmos a cronologia da série).

  Com tempo folgado para trabalhar (2 horas e 50 minutos), Jackson desenvolve com calma admirável o seu filme, trabalhando com perfeição cada cena e aproveitando para desenvolver seus personagens (os anões, no livro, tirando Thorin, são todos tão unidimensionais que nem conseguimos diferenciar um do outro). O diretor ainda se mostra extremamente fiel ao livro, conseguindo reproduzir basicamente todas as passagens dessa metade inicial do romance, e até muitas vezes reproduzindo ao pé da letra algumas falas dos personagens (como a conversa sobre “bom dia” entre Bilbo e Gandalf, logo que se encontram, e ainda quando o Bilbo mais velho começa a contar sua história e diz exatamente as mesmas palavras com que o livro começa); no entanto, Jackson não teme tomar liberdades criativas quanto ao material, e assim enriquece bastante o longa ao buscar trabalhá-lo dentro do contexto total da série (algo que não estava nos planos de Tolkien, que escreveu esse livro sem pensar em outros sobre a Terra-Média, mudando de ideia diante das respostas positivas quanto ao seu trabalho). Dessa forma, Jackson amplia a magnitude da perspectiva mais microscópica do livro, e envolve assim prenúncios dos males que serão narrados em SdA, com uma subtrama extremamente bem amarrada à trama principal (que envolve a derrota do dragão Smaug e a recuperação de Erebor), o que serve de contexto para a participação de personagens que não estão no livro, como Saruman (Christopher Lee) ou Galabriel (Cate Blanchet), além de trazer a figura do mago Radagast, que era inédita à série.

  Jackson volta aqui à boa forma como diretor (que tinha deixado momentaneamente ao dirigir o abominável Um Olhar do Paraíso) e consegue dar um ritmo invejável à narrativa. Seria muito fácil se perder diante da trama, das subtramas e da nostalgia, mas Jackson segura o filme com firmeza, e assim alcança a proeza de basicamente em momento algum deixar que o longa fique chato ou monótono. Quase nunca quebrando o ritmo, Jackson é inteligente ao ser capaz de enxergar os momentos certos onde uma cena narrando um evento histórico pode ser incluída, ou onde pode ser dado um enfoque mais intimista aos personagens, e ainda onde trabalhar mais as subtramas. Além disso, o roteiro do próprio Jackson, Phillipa Boyens, Fran Walsh e Guillermo Del Toro (cineasta famoso responsável por filmes como O Labirinto do Fauno e Hellboy), apresenta elegância em diálogos simples, mas que passam várias informações (algumas vezes mais complexas) que movem a história. O único momento em que realmente pôde-se perceber o ritmo da narrativa sendo quebrado de forma indigesta é a forma tosca como Jackson e os outros roteiristas encontraram para introduzir o personagem de Radagast.

  Tecnicamente primoroso, O Hobbit sem sombra de dúvida tem que ganhar pelo menos dois Oscars: de melhor direção de arte, e melhores efeitos visuais. Assim como comentei na minha crítica da trilogia O Senhor dos Anéis (link no fim desse texto), a direção de arte é fantástica não apenas por criar ambientes belíssimos e complexos, mas ainda por traduzir um pouco da própria personalidade das espécies de seres que vivem nesses ambientes. E aqui, em especial a cidade de Erebor e a montanha dos orcs, se mostram lugares extraordinários, com uma arquitetura extremamente dinâmica. Além disso, é admirável que pela própria estrutura de Erebor possamos compreender um pouco mais a importância dessa cidade para os anões. (Diante disso tudo que falei sobre esses lugares, mal posso esperar para ver como os realizadores traduzirão em imagens outros ambientes do livro, como o reino dos elfos da floresta, a Cidade do Lago e a casa de Beorn). Quanto aos efeitos visuais, é fascinante que esses consigam ser ainda mais fabulosos do que os de SdA. Novamente conseguindo a proeza de nunca transmitir uma sensação de artificialidade tão presente em blockbusters hoje em dia, a Weta Digital (empresa do próprio Peter Jackson, que criou os efeitos de SdA, Avatar, King Kong, As Aventuras de Tintim, Distrito 9, etc) cria criaturas fascinantes, com um nível de detalhes espetacular, e algumas vezes até apresentando minúcias que os enriquecem, como é o caso do Grão-Orc, monstro imponente e rei dos orcs da montanha, que tem uma grande papada, que no entanto lembra uma barba. Mas, dentre todas as criaturas, a que ainda mais choca é Gollum, já que a técnica de performance capture (criada com esse personagem na outra trilogia) é aqui aperfeiçoada ao máximo, e supera até mesmo os resultados vistos em Avatar, Planeta dos Macacos – A Origem ou Ted (no meu texto sobre esse filme elogiei bastante o emprego dessa técnica). O nível de detalhes e a perfeição com que a técnica é utilizada permite que percebamos até as minúcias mais sutis da excelente atuação de Andy Serkis, que transforma sua participação nesse filme ainda mais memorável. (O personagem ainda é excelente por si mesmo, e suas brigas de suas duas personalidades continuam extremamente interessantes).

  As sequências de ação também se mostram, em sua maioria, bem competentes. Jackson compreende não estar tratando de uma trama tão grandiosa como a da outra trilogia, e assim diminui a escala épica dessas sequências. Mas ainda assim mantém os fantásticos travellings e movimentos de câmera geniais que tanto marcam seus trabalhos, conseguindo resultados particularmente notáveis em duas sequências em especial: a da luta dos gigantes de pedra e a batalha entre a comitiva dos anões e os orcs da montanha. No entanto, Jackson tropeça feio em uma cena de ação dispensável e burocrática (que não existe no livro), logo antes das cenas em Valfenda (o lar dos elfos), quando a comitiva é encurralada por orcs montando wargs.

  Mas quanto ao personagem de Bilbo o filme me gerou sentimentos meio controversos. Como vi o longa ainda apenas uma vez, não sei bem se esse sentimento se dá por um problemas real do filme, ou pela minha admiração pelo personagem no livro. Aqui, no longa, não percebemos sua paixão por mapas, ele não é tão gentil como era no livro, e Jackson parece não ter percebido a importância de determinado momento do romance para o desenvolvimento do personagem: quando os anões cantam, em frente à lareira, uma belíssima canção sobre aventuras e perigos. Essa cena existe tanto no livro como no filme, mas no romance Bilbo sentia, ao ouvir a canção, um temor profundo e devastador, ao mesmo tempo em que uma paixão e curiosidade enlouquecedora pelas montanhas, pelo desconhecido, pela emoção. Além de lindo, esse momento é usado como estopim para Tolkien trabalhar a contradição inerente ao personagem e para que esse tome sua decisão de se juntar à comitiva. Jackson, no entanto, parece não ter percebido isso no romance, e mal presta atenção a Bilbo nessa cena. O que é uma pena. Ainda, é importante dizer que Jackson comete alguns erros quanto ao personagem em alguns momentos chaves, incluindo um em que distorce a sua personalidade ao obrigá-lo a fazer um discurso “honrado” sobre a saudade de casa e que por isso ajudará os anões a recuperarem seu lar.

  Ainda assim, ele continua um bom personagem. Mantendo a contradição de sua personalidade (apesar da falta de atenção de Jackson, como comentei), Bilbo busca uma vida pacata, mas percebe que à essa sua vidinha confortável falta algo a mais, algo que tenta esconder de si mesmo. Isso é muito bem evidenciado quando acorda na manhã seguinte à reunião dos anões em sua casa, e percebe essa como vazia (e pelo silêncio e o plano aberto com que Jackson filma esse momento, percebemos o vazio que ele está sentindo). Além disso, o personagem é super beneficiado pela espetacular performance de Martin Freeman, que presta atenção a detalhes específicos em sua composição de Bilbo. A sua entonação muitas vezes trai a confusão dos sentimentos do hobbit, como observamos no lindo momento em que tenta ir contra as afirmações de Gandalf sobre ele mesmo, e sobre como mudou de quando era criança até agora, que é um adulto. Através simplesmente do olhar, Freeman também consegue exprimir a vergonha de Bilbo em relação aos anões, além de sua admiração pela figura imponente e respeitável de Thorin. Ainda sobre esse personagem, é bacana que Jackson tenha basicamente o escondido e ignorado durante boa parte da projeção, pois reflete o papel completamente coadjuvante que ele vinha tendo na aventura até então.

  Sobre os personagens ainda, é interessante ver Hugo Weaving interpretando Elrond de forma mais leve e descontraída do que nos outros filmes (afinal, aqui ele não tem que pensar no fim do mundo). Ian McKellen acerta de novo na composição de Gandalf (cuja personalidade já comentei na minha crítica de SdA), e aqui abandona a oponência da versão de mago branco que criou em As Duas Torres e O Retorno do Rei, e volta a interpretar a versão cinzenta, mais contraída, humilde e simples, que enxerga em pequenos atos de bondade a resposta para os maiores atos de maldade (o que explica sua admiração pelos hobbits). Já Richard Armitage acerta absurdamente na sua interpretação do líder da comitiva dos anões, Thorin, que é o anão mais complexo e interessante tanto do livro quanto do filme. Sujeito trágico e amargurado pelo que fizeram com a cidade de Erebor (que ele ajudou a construir e governar), Thorin é duro consigo mesmo e com os outros, assumindo seu papel de liderança de forma a não deixar ninguém passar por cima dele (e é interessante que Armitage abaixe a cabeça em sinal de vergonha quando percebe que Gandalf tem razão nas denúncias que faz contra ele). No entanto, o anão, apesar de amargo, é capaz de sentir profundo apreço pelos outros, quando estes conquistam sua confiança e respeito.

  Concluindo, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada é um filme excelente, apesar das pequenas ressalvas que fiz. Confesso que estava com medo da divisão do livro em uma trilogia, com cada filme tendo cerca de três horas de duração. Mas esse primeiro capítulo foi muito bem realizado e acalmou meus nervos. Jackson voltou a ser um cineasta de confiança. Mas não vão assistir esperando um novo O Senhor dos Anéis, até porque nem O Hobbit pretende fazer isso. Esse não tem a complexidade ou a profundidade daquela trilogia. Mas ainda assim é uma aventura contagiante com um ótimo protagonista e momentos marcantes.

*Outras críticas minhas de filmes dirigidos por Peter Jackson

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012



Crítica "Trilogia O Senhor dos Anéis" (The Lord Of The Rings Trilogy / 2001-2002-2003 / Nova Zelândia) dir. Peter Jackson

por Lucas Wagner


OBS: escrevi essa crítica diante de vários pedidos, e também como uma espécie de “preparação” para O Hobbit: Uma Jornada Inesperada.

OBS 2: Spoilers rolarão como se não houvesse amanhã.

  O Cinema muitas vezes nos leva a reflexões profundas e críticas; outras vezes nos leva a ter percepções novas sobre o mundo ou sobre nós mesmos; pode nos levar a um gostoso sentimento de nostalgia, ao nos recordar situações de nossas próprias vidas; pode nos fazer apaixonar; pode ainda apenas nos divertir e esquecer dos nossos problemas diários. Mas, algumas vezes, o Cinema nos leva a jornadas fantásticas e intensas, nos guiando na descoberta de um mundo novo e diferente, nos apresentando personagens que se tornarão próximos de nós. Nos leva a uma verdadeira viagem, nos convidando a deixar de lado o nosso próprio universo, não com o propósito de simplesmente nos proporcionar um passatempo escapista, mas de realmente empreendermos em uma experiência fascinante que não possui parâmetros em nossa realidade, e que, quando acaba, leva um pouquinho de nós com ela. Um dos maiores exemplos desse tipo de filme na história do Cinema é, sem a menor sombra de dúvida, a trilogia O Senhor Dos Anéis, do cineasta Peter Jackson, que, em 9 horas e 21 minutos, nos leva a uma das experiências mais inesquecíveis que qualquer forma de Arte já levou o ser humano.

  Um dos grandes motivos que fazem da trilogia algo tão fascinante é a total seriedade com que Jackson enxergou seu trabalho. Se muitos diretores poderiam olhar para os livros de J.R.R Tolkien (que, confesso, só li O Hobbit, mas nenhum dos Senhor dos Anéis ou qualquer outro) e pensar que um mundo que tenha seres fantásticos como elfos, anões, hobbits, nazgul, magos, orcs, goblins, etc, não tem como ser levado a sério, Jackson se dedica a levar o espectador a um mergulho completo naquele universo, não considerando que esteja tratando de um conto de fadas que exija um tratamento infantil, mas optando uma abordagem adulta e sombria. Isso é absolutamente necessário para que o próprio espectador possa enxergar aquele mundo com credibilidade suficiente para poder se entregar à experiência que, de outra forma, pareceria por demais superficial, se nós mesmos não conseguíssemos acreditar na urgência e perigo do que acontece.

  Com certeza a trilogia pode ser classificada como um dos filmes mais grandiosos e épicos de todos os tempos. Algumas pessoas criticam isso, essa “grandiloquência”, mas, dentro do contexto da trama, é de fato algo grandioso, algo como uma “Guerra Mundial Mágica”, e um tratamento como esse se mostra uma excelente opção de como contar a história. Desde os primeiros cinco minutos de A Sociedade do Anel, Jackson já explora essa possibilidade com força total, na maravilhosa sequência que mostra a aliança de humanos e elfos lutando contra as forças de Sauron, principalmente na inesquecível tomada aérea em que vemos vários personagens morrendo. Sequências como essa, aliás, não faltam à trilogia. Jackson investe em um grande número de tomadas que mostram a amplitude daquele universo, das construções e dos ambientes em que os personagens estão envolvidos. Muitas vezes, essa magnitude das tomadas serve para elevar ainda mais a importância de certos eventos, sendo que o mais lindo de todos (e que é uma das melhores sequências da trilogia), é a sequência em que vemos os faróis de Gondor sendo acesos, em O Retorno do Rei, que mostra a união dos reinos para a batalha em Minas Thirith. Contribuindo para essa majestade, o compositor Howard Shore cria o que é, sem dúvidas, o seu melhor trabalho (e um dos melhores que já pude ouvir em um filme), com uma trilha sonora grandiosa, linda, perfeita, extraordinária, com tons que remetem ao sacro e ao épico, remetendo à própria atmosfera histórica e heróica do filme, e ainda cria faixas mais adequadamente nostálgicas, como aquela que é tema do Condado (a vila dos hobbits), que serve com perfeição para mostrar o carinho que os personagens sentem em relação àquele lugar.

  Peter Jackson ainda consegue criar algumas das melhores sequências de ação da história do Cinema, sempre mantendo em mente a importância e impacto daquilo no universo da trilogia, e a grandiosidade do que está acontecendo. Investindo com prazer em um grande número de travellings e tomadas aéreas, Jackson leva o espectador a uma espécie de “orgasmo” visual e de empolgação, com (e isso acontece em todas as vezes que vejo os filmes) a frequência cardíaca chegando ao máximo e arrepios correndo pelo corpo, enquanto não conseguimos evitar um sorriso enquanto vemos aquilo, nem algumas exclamações, enquanto quase caímos da poltrona de tão na ponta dessa que estamos. Não estou exagerando. A batalha nas Minas Thitith, em O Retorno do Rei, aliás, é, sem a menor sombra de dúvida, a batalha mais grandiosa, mais espetacular, sensacional, que existe no Cinema. A perfeição da batalha, as tomadas aéreas, a montagem enérgica, o desing de som, a trilha (e a falta dessa em alguns momentos chaves), os impecáveis efeitos visuais (que conseguem a proeza de nunca parecerem artificiais) e, é claro, a estupenda habilidade de Jackson como diretor, tornam a minha afirmação bem real. Jackson consegue acompanhar diversos pontos de vista na batalha sem se perder, sem perder o ritmo ou a fluidez em momento algum, algo extremamente difícil para qualquer cineasta, não importa a experiência que tenha. Mas isso não é só nessa batalha. A batalha no Abismo de Helm (em As Duas Torres), a perseguição nas Minas de Moria (em A Sociedade dos Anel), a batalha às portas de Mordor (em O Retorno do Rei), ect, todas evidenciam muitas dessas características. Como se não bastasse, Jackson se mostra com um cineasta inteligente ao preparar o espectador o máximo possível para os eventos mais grandiosos e tensos que, quando ocorrem, já nos pegam com um nível máximo de tensão. Exemplos perfeitos podem ser notados quando Frodo caminha pela caverna de Laracna, no terceiro filme, e vemos vários ossos de vítimas da aranha antes de realmente a vermos; antes de encontrarmos o demônio do Mundo Antigo, Balrog, no primeiro filme, já estávamos cientes do perigo do monstro pela preocupação de Gandalf (um personagem sábio e seguro que, quando fica preocupado, diretamente deixa o espectador muito tenso), pelos sons ritmados que ouvimos, a sombra do bicho, o medo dos orcs em relação a ele, etc. E como não lembrar do discurso do rei Theoden, em que ele clama “Sangue!” antes de atacar seus inimigos junto com seu exército? O perigo é sempre iminente nesses três filmes.

  Mas se Jackson tivesse dedicado apenas a essa grandiosidade, a trilogia não seria a obra-prima que é, já que um filme não se sustenta apenas por ser grande e épico (lição que Michael Bay não aprendeu ainda). O cineasta dedica diversos momentos para desenvolver seus personagens, as relações entre eles, e confere ainda uma sensibilidade extraordinária à trilogia, nos envolvendo com aqueles personagens de tal forma, que, como comentei no primeiro parágrafo, leva uma parte de nós quando acaba. Afinal, se a trilogia não tivesse esse caráter humanizado, como poderíamos nos envolver com o que vemos? Como poderíamos nos importar que qualquer um daqueles personagens morram ou que consigam alcançar seus objetivos? Jackson é tão competente em sua direção sensibilizada que parece que estamos acompanhando uma tragédia real. E não são poucas as vezes. Em As Duas Torres, por exemplo, quando os personagens se preparam para lutar na batalha do Abismo de Helm, vemos crianças que nunca pegaram em uma espada, que nunca lutaram, sendo obrigadas a fazê-lo, enquanto evidenciam um grande medo; vemos também idosos que quase não se mantém em pé, sendo obrigados a lutar também pois, afinal, falta muitos homens no exército. Outra sequência memorável é quando Pippin é obrigado a cantar uma melancólica canção (que fala de tempos sombrios) para Denethor, e nesse momento vemos um pequeno grupo de homens avançando contra orcs, em O Retorno do Rei. Sempre desenvolvendo bastante o psicológico dos protagonistas, tornando-os figuras complexas e tridimensionais, Jackson se arrisca a se delongar bastante no terceiro filme, para mostrar como acaba a história de cada um dos personagens, que, afinal, é o que realmente importa para nós. E é no mínimo tocante que o último plano do filme foque na porta da toca de hobbit de Sam, e não em um grande horizonte mostrando a Terra-Média.

  Mas o mais interessante referente ao desenvolvimento dos personagens é algo que, acredito, esteja também nos livros de Tolkien (em O Hobbit podemos enxergar isso, mas em menor medida), que é o seguinte: estamos enxergando um universo com seres de espécies diferentes, com suas particularidades, mas também indivíduos diferentes, com suas idiossincracias. Os hobbits são seres alegres, que adoram ficar confortáveis e tem um senso de fraternidade muito grande, mas Merry e Pippin são mais festeiros do que Sam, que é mais focado na sua honestidade e humildade, e Frodo, que, diferente de quase todos os hobbits, sonha em viver aventuras, como seu tio Bilbo. Os humanos são seres com grande potencial para serem honrados e grandes, mas também apresentam o coração fraco e egoísta, como fica claro em Boromir, que sonha com as glórias de Gondor; só que Aragorn, por exemplo, é um indivíduo que teme a fraqueza de seu coração, e por isso evita situações em que possa se sentir tentado a fazer alguma maldade egoísta. Os magos são seres sábios e maduros, só que Saruman usa essa sabedoria mais para o lado da lógica maldosa e egoísta, do que é melhor para ele, enquanto Gandalf, cansado de ver maldade nos cantos do mundo, tem um carinho especial pelos hobbits que, por serem mais isolados, são até seres mais “puros”. E assim vai. Só que Jackson não se acanha de se aprofundar ainda mais nesses indivíduos, que passam por arcos dramáticos completos ao longo da série, algo que é ajudado pelo extraordinário elenco. Comentarei alguns dos principais, mas basicamente todos mereciam menção.

  Merry e Pippin são hobbits festeiros que só querem saber de farra, e que caem do nada nessa jornada. Ao longo dos três filmes, vemos Merry se tornando um cara mais maduro, inegavelmente mais pessimista, não demorando a abraçar esse pessimismo como uma forma de sobrevivência (o momento em que tem que separar de Pippin, no terceiro, é emocionante); enquanto isso, Pippin, sempre mais “molecão”, enxerga tudo com grande inocência, e se encontra numa grande confusão de sentimentos ao ver a destruição do mundo. Já Sam é um hobbit companheiro e fiel, que, quando recebe uma missão, luta para cumpri-la, por mais impossível que seja. Mas é seu intérprete, Sean Astin, o grande responsável pela dimensão do personagem, já que ele consegue demonstrar com perfeição a extrema dificuldade, física e emocional, pela qual o personagem passa para apoiar Frodo na jornada. Ele é, provavelmente, o maior herói da trilogia, se pensar bem.

  Aragorn é um personagem incrível. Como comentei, ele luta para não ser um humano egoísta como os outros, para não apresentar a fraqueza de caráter tão típica dessa espécie. Só que o contato do personagem com diversas contingências ao longo dos três filmes obriga-o a amadurecer e confiar mais em si mesmo, percebendo a necessidade de se colocar como líder em uma época tão difícil. O Aragorn do primeiro dificilmente se parece com o do terceiro. Em As Duas Torres, a batalha do Abismo de Helm representa um dos grandes momentos de amadurecimento do personagem, que tinha que se mostrar como porto seguro para diversos outros que precisavam de confiança. Ele não poderia mais ser o humano com medo de si mesmo como era no primeiro. E Viggo Mortensen é um dos melhores atores da atualidade (como já demonstrou nesse, e em diversos outros filmes, como Senhores do Crime, História de Violência, etc), conseguindo compor o personagem através de muitos detalhes sutis, mas significativos, como quando recebe, em O Retorno do Rei, a espada de seus antepassados, e tem um leve momento de hesitação, mas que ignora para aceitar sua tarefa e o cargo que é seu. Não muito atrás está Gandalf, mago sábio que olha o mundo com pena pelo que se tornou e por toda a maldade, que se entrega totalmente à luta, é arrogante e bravo quando necessário, mas sabe ser gentil e apaziguar aqueles que precisam (duas cenas específicas me vem à mente, uma no primeiro, quando conversa com Frodo sobre o fardo de ter que carregar o Anel, e no terceiro, quando acalma Pippin no meio da batalha, em um belo diálogo sobre a morte). O personagem se torna ainda mais fascinante pela transformação de Cinzento em Branco, quando apresenta grande amadurecimento espiritual. Mas sem Ian McKellen o personagem não teria tanta força, já que ele o interpreta com talento ímpar, trabalhando até detalhes importantes que revelam muito sobre o personagem, como quando, no segundo filme, fica com o olhar perdido e nostálgico quando se lembra que um dia foi chamado de Cinzento, o que revela que o tempo que ele passou em “outra dimensão” é muito maior para ele do que parece para os outros personagens.

  Mas talvez seja Frodo o personagem mais complexo. Cada vez mais desgastado pelo fardo do Anel, Frodo luta para não sucumbir, mas isso parece mais e mais difícil. Lamenta que sua própria aventura não seja tão empolgante ou feliz como a que seu tio Bilbo viveu (e que é contada em O Hobbit), mas que seja marcada por tragédias e tristeza. Confia em Gollum por ter que acreditar que esse personagem tem salvação, já que tem consciência da enorme possibilidade dele mesmo ficar como ele. É de Frodo a cena mais tocante de toda a trilogia, e que sempre me deixa com os olhos marejados: quando, em A Sociedade do Anel, logo depois que Gandalf cai no precipício, todos estão chorando desesperados e ele, depois de já ter gritado, ao ouvir o chamado de Aragorn, vira os olhos para ele, e percebemos uma tristeza profunda no seu choro calado, já que sabe da importância e dificuldade extremas pelas quais terá que passar, agora que acredita ter perdido seu porto seguro (Gandalf), e ainda por cima, sente o peso da culpa da morte de companheiros da Sociedade do Anel. É um momento maravilhoso, belíssimo, de tocante melancolia, que é provavelmente o meu momento favorito da trilogia. Gostaria de falar mais sobre outros personagens, mas isso demoraria muito tempo, embora muitos merecessem isso. Gollum é uma figura trágica e complexa na sua dupla personalidade; Bilbo em nada se parece com o Bilbo rabugento e confortável do início de O Hobbit; Boromir é um personagem extremamente ambíguo que sente um amor profundo e sincero pela honra de Gordon, e o intérprete Sean Bean é perfeito ao nos fazer sentir esse amor também; Faramir vive tentando reconquistar o amor do pai, que sempre parece preferir o irmão, Boromir; Theoden é um rei admirável e honrado, que deve tomar duras decisões, mas faz isso com a plena convicção de estar fazendo o certo e o que é melhor, demonstrando grande firmeza de caráter; entre várias outras figuras fascinantes que compõe esse universo.

  Mas, ao escrever uma crítica de O Senhor dos Anéis, não poderia deixar de exaltar aqui vários aspectos técnicos que são vitais para que a grandiosidade almejada por Jackson seja alcançada. A direção de arte cria castelos, reinos, minas, vilas, etc, com uma beleza ímpar, e uma majestade impecável; mas ela ainda serve ao propósito de, através do visual desses locais, transmitir algumas informações sobre as determinadas personalidades características de cada espécie. Assim, a Valfenda é um lugar natural e belo, que visa informar a ligação dos elfos com a natureza, ao mesmo tempo que ressalta a sua sabedoria e beleza; o Condado transmite grande sensação de conforto e tranquilidade. E assim vai. A maravilhosa fotografia de Andrew Lesnie é genial ao estabelecer uma determinada lógica ao longo dos três filmes, quando essa vai ficando cada vez mais granulada e cinzenta, construindo uma impecável atmosfera apocalíptica de opressão e tensão frequentes. Jackson se mostra ainda sensacional ao possuir uma direção firme e segura que mantém a fluidez da narrativa durante boa parte do tempo (principalmente no terceiro), conseguindo viajar entre momentos mais calmos e outros mais agitados com perfeição.

  A trilogia tem problemas? Alguns. Não vou mentir. A Sociedade do Anel, apesar de um longa fascinante, encontra dificuldades em sua metade inicial, quando passa informações com pressa demais para chegar logo aonde se pretende (a formação da Sociedade), o que torna o filme um pouco confuso. As Duas Torres tem alguns problemas de ritmo bem evidentes, algo que fica claro na dificuldade de Jackson ao cortar da batalha no Abismo de Helm para a luta das ents contra Isengard. Além disso, a subtrama envolvendo o romance entre Aragorn e a elfa Arwen atrapalha os filmes, já que, além de desinteressante, esse romance interrompe o fluxo da narrativa, principalmente no segundo longa e em uma cena no inicio do terceiro; e o pior nisso é que Jackson é obrigado a tratar desse romance mais em cenas de sonho, o que soa artificial. Por último, o inicio de As Duas Torres tem alguns diálogos sofríveis de tão ruins. No entanto, esses problemas não chegam a incomodar na trilogia como um todo, que é tão competente que merece ter seus erros desconsiderados.

  Já um clássico, a trilogia O Senhor dos Anéis é uma jornada inesquecível, que enche nossos olhos e nos emociona profundamente. Por mais que eu goste do livro de O Hobbit, duvido que os filmes desse chegarão aos pés de O Senhor dos Anéis, até porque não tem a força, a densidade dessa trilogia, que é um dos maiores marcos da história do Cinema.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012


Crítica filme "A Última Casa da Rua" (House At The End Of The Street / 2012 / EUA) dir. Mark Tonderai

por Lucas Wagner


  Eu acho que Jennifer Lawrence deveria vir ao Brasil e se casar comigo. Afinal, a tortura pela qual passei assistindo esse A Última Casa da Rua é tamanha, que eu merecia um prêmio grande assim. Eu só assisti esse filme por causa dela. Além de linda, Lawrence é uma atriz extremamente talentosa que, contrariando grande parte dos jovens atores e atrizes que conseguem sucesso com produções fracas voltadas apenas para a bilheteria, preferiu focar sua atenção em projetos mais ambiciosos e complexos que permitiam mais que ela desenvolve-se seu talento, como os maravilhosos Inverno da Alma e X-Men Primeira Classe, além de Jogos Vorazes (um longa muito irregular, mas que ainda assim é bem ambicioso tematicamente). Assim fica completamente incompreensível que a atriz tenha protagonizado esse terrível A Última Casa da Rua, que não só é um filme clichê e fraco, mas ainda demonstra verdadeira demência por parte de seus realizadores, especialmente o diretor, Mark Tonderai.

  Escrito pelo responsável do também patético Casa dos Sonhos, David Louka (nome bem sugestivo por sinal), acompanhamos Elissa (Lawrence) e sua mãe, Sarah (Elizabeth Shue), quando se mudam para uma casa vizinha de uma em que a filha mais nova, Carrie Anne, que sofria de “dano cerebral” (aff), matou brutalmente o pai e a mãe. O único que vive nessa casa agora é Ryan (Max Thieriot), com quem Elissa passa a desenvolver uma forte amizade. Só que Ryan esconde um segredo que pode colocar a vida de todos em perigo.

  O roteiro de Louka não sai do lugar-comum em momento algum, e assim podemos adivinhar basicamente tudo que ocorre no filme. Louka ainda cria diversas reviravoltas que, mesmo lembrando um pouco o clássico Psicose, de Alfred Hitchcock (há uma cena bem no final que serve como uma referência indubitável ao filme), têm um grande potencial dramático para ser desenvolvido, mas que é simplesmente jogado no roteiro, sem preparo ou esculpido de qualquer modo. As situações que levam a essas reviravoltas, e nem as consequências dramáticas que poderiam levar o filme a certa complexidade narrativa, são minimamente trabalhadas, o que evidencia ainda mais a incompetência de Louka. No desenvolvimento dos personagens o roteirista continua um zero a esquerda, e investe na já batida relação conturbada entre mãe e filha, para “trabalhar” as personagens de Elissa e Sarah, além de não proporcionar nenhum estofo psicológico para que as duas se tornem mais complexas, sendo que Elissa é simplesmente a adolescentizinha rebelde e Sarah é a mamãe insuportável que se arrepende dos erros do passado e quer impedir que a filha cometa os mesmos. E se Ryan é potencialmente complexo, Louka destrói o personagem a apenas tentar fazê-lo de coitadinho para “aumentar o impacto” dos acontecimentos do terceiro ato (é só ver o trailer que você já saberá tais acontecimentos).

  As atuações também não se evidenciam muito, talvez porque o próprio roteiro castre os atores de fazer qualquer coisa. Lawrence, em sua primeira atuação ruim, está simplesmente no piloto automático, interpretando Elissa sem qualquer esforço para desenvolvê-la um pouco que seja. Max Thieriot começa bem em seu papel como Ryan, mas desiste de tentar fazer algo decente com o personagem e investe apenas na voz arrastada, olhos tristes e cabeça baixa. Elizabeth Shue (que já trabalhou em ótimos filmes de Woody Allen) é dona da pior atuação, já que interpreta Sarah como uma mulher ridícula na meia idade, que ainda acha que é “adolescente gostosa”, e em nenhum momento seus esforços de ser “uma boa mãe” parecem verossímeis.

  Mark Tonderai, o diretor, revela-se um verdadeiro desastre no cargo. Sempre investindo no mais clichê possível das “técnicas” de criar suspense, somos obrigados a ouvir a trilha sonora aumentando estrondosamente para simplesmente vermos que nada demais estava acontecendo, algo que ocorre “n” vezes nesse filme. Mas o pior não é nem isso. Observe a “sensação de expressionismo” que ele tenta passar através da montagem estranha, dos cortes abruptos e das inclinações e movimentos de câmera, que surgem sempre tentando transmitir uma sensação de distorção, de “esquizofrenia”. O máximo que ele consegue é nos deixar com uma baita sensação de vergonha alheia por ele, já que, embora esses efeitos possam ser interessantes se bem utilizados (se me lembro bem, elogiei isso na minha crítica do terror A Entidade, de Scott Derickson), aqui são mal feitos e ainda não encontram lugar no contexto do filme. A trama, o enredo, não sustenta essa técnica aqui (como sustentava no citado A Entidade), e parece que Tonderai só fez isso por puro exibicionismo, e não como algo para aprimorar a narrativa.

  Mas o que torna Tonderei um “profissional” tão medíocre, tão nojento, não é nem isso. É o modo como ele “enxerga” a personagem de Carrie Anne, a garota que matou os pais. Ela é uma doente mental, não uma pessoa ruim ou má. No entanto, Tonderei a filma como se fosse um demônio, uma Samara (a garotinha satânica de O Chamado). A filma como uma vilã, como um monstro perigoso que não merece qualquer carinho ou consideração. Isso fica bem claro quando observamos como o diretor aplica aquelas técnicas expressionistas principalmente em relação à garota. Ela parece só pensar em matar, em causar algum tipo de sofrimento. Isso é repugnante, ainda mais para alguém como eu, que curso Psicologia e estudo como essas pessoas sofrem. Ver esse pateta fazendo isso com essa personagem me deu enorme vontade de levantar e ir embora, sem terminar de ver essa desgraça. Agora, quem não viu o filme, pulem para o próximo parágrafo. O fato de descobrirmos que a garota trancada no porão não ser Carrie Anne e muito menos uma doente mental, e nem que foi a garotinha que matou os pais, não alivia a carga de Tonderei, já que o simples fato de ele ter ousado enxergar a garota dessa maneira antes, quando ainda pensávamos se tratar de Carrie Anne, quando ele obviamente a colocou como “monstro de filme de terror”, já o torna um verdadeiro retardado sem um pingo de moral ou ética, e que, mais do que tudo, torna esse seu filme uma experiência tão medíocre.

  Conseguindo ser o pior dos filmes de terror em um ano que já está tão fraco nesse sentido (os únicos que salvam são o excelente O Despertar, o competente A Entidade, e o legal Possessão), A Última Casa da Rua não é apenas miserável como filme, mas por demonstrar como seu próprio diretor é um ser miserável. Além disso, é o primeiro ponto fraco na carreira de Lawrence. Mas no início do ano que vem poderemos vê-la de novo, no promissor O Lado Bom da Vida, do excepcional cineasta David O. Russell. A Última Casa da Rua eu simplesmente apagarei da memória.