terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Lista: Melhores Filmes de 2013


por Lucas Wagner

2013 chegando ao fim, carregando consigo diversos momentos marcantes em um ano, no mínimo, singular, tanto no nível pessoal quanto no nível cinéfilo. Apesar de não ter tido a força de um 2010 ou 2005 em questões cinematográficas, 2013 trouxe diversas obras marcantes que revelam o Cinema como uma Arte complexa e repleta de possibilidades para quem sabe aproveitá-las. Não só no Cinema, mas a televisão ainda nos deliciou com seriados tão fascinantes como as primeiras temporadas de House of Cards, Hannibal e In The Flesh, a sexta de Sons of Anarchy, além de, é claro, a quinta temporada de Breaking Bad, séries com temáticas e personagens complexos que muitas vezes ultrapassam o nível de qualidade que várias obras das telonas.

Mas, resumindo a história, aqui farei uma lista com os 25 melhores longas do ano, em ordem de preferência, assim como um parágrafo justificando um pouco a escolha de determinado longa (SEM SPOILERS), além de o link para minha análise completa da obra. Muitas das escolhas evidenciam certo caráter pessoal e podem parecer estranhas, como por exemplo, pelo fato de, em Gravidade eu ter apresentando certas ressalvas em meu texto, enquanto em Azul é a Cor Mais Quente só ter falado pontos positivos, embora o primeiro apareça numa colocação mais “privilegiada” que o segundo. Lembro ainda que muitos dos filmes que aqui apresentarei são originalmente de 2012 em seus países de origem, mas chegaram no Brasil em 2013.

Antes disso, duas ressalvas:



Breaking Bad:

Foi uma jornada intensa e alucinante acompanhar a transformação de Walter White de um homem angustiado com uma existência medíocre para um verdadeiro imperador. Durante cinco temporadas, acompanhamos a soberba atuação de Bryan Cranston, e conhecemos personagens complexos e fascinantes, torcemos loucamente, gritamos, xingamos, choramos, rimos, surtamos, e ficávamos em estado de choque com uma narrativa construída com elegância e calculismo extremo. Calculismo esse que refletia no impecável uso de complexas técnicas cinematográficas, criando símbolos fascinantes através de cores, de raccords, do desing de som ou do mero posicionamento da câmera. Breaking Bad foi uma das criações mais geniais em qualquer âmbito da Arte contemporânea.




Avião de Papel (Paperman / 2012 / EUA) dir. John Kahrs

Anexado à animação Detona Ralph, esse curta animado de 7 minutos é uma experiência adorável e tocante, que traduz visualmente de forma linda a alegria e o frescor que uma nova paixão pode trazer à uma vida sem cor.


Os 25 melhores filmes lançados comercialmente no Brasil em 2013 (em ordem de preferência):



1.     O Som ao Redor (O Som ao Redor / 2013 / Brasil) dir. Kléber Mendonça Filho

Obra de caráter essencialmente experimental, O Som ao Redor é um filme difícil e extremamente complexo que faz uso de uma invejável inteligência visual de seu diretor para fazer uma análise da existencialmente complexa classe média, explorando seus anseios, sua hipocrisia, sua solidão/isolamento, sua angústia por uma vida que poderia ter sido muito mais do que é, tudo isso através de símbolos de uma beleza infinita.





2.     Amor (Amour / 2012 / França, Alemanha, Áustria) dir. Michael Haneke

Focando seu olhar sobre um casal de idosos que caminha para a morte, Michael Haneke evita sua análise geralmente amarga e impiedosa da humanidade e cria um poema sofrido e profundo que busca discorrer sobre a fragilidade e finitude do ser humano, cujo único ponto de apoio que pode conseguir para dar sentido á sua mísera existência é a companhia de um Outro.





3.     O Mestre (The Master / 2012 / EUA) dir. Paul Thomas Anderson

Paul Thomas Anderson é um dos mais fascinantes cineastas que surgiu desde a década de 1990, e volta depois de vários anos desde seu genial Sangue Negro para criar mais uma obra extremamente complexa, com personagens ambíguos e tão profundos que poderiam constar em um estudo de caso de Psicologia, aqui dissecados com maestria pelo diretor e seu excelente elenco.





4.     Segredos de Sangue (Stoker / 2013 / Reino Unido, EUA) dir. Park Chan-Wook

Em seu primeiro trabalho fora da Coréia do Sul, o cineasta Park Chan-Wook volta a mergulhar no mais íntimo das trevas de personagens sombrios e deturpados, só que dessa vez enxergando um senso de gozo e liberdade na liberação dos demônios de India, quando vai descobrindo sua sexualidade perversa e seu desejo por sangue, num dos trabalhos de direção mais refinados do ano, com símbolos contidos nas imagens, nos sons, na montagem que são de um calculismo e inteligência fascinantes.





5.     Gravidade (Gravity / 2013 / EUA) dir. Alfonso Cuarón

Sete anos depois de ter realizado inesquecível Filhos da Esperança, o brilhante Alfonso Cuarón volta a explorar todo um virtuosismo técnico numa narrativa experimental e ousada, contemplando as ciências naturais, a teologia e o mais fascinante que o Cinema pode criar para desenvolver uma obra poderosa que versa sobre a finitude e tenacidade do ser humano através de uma personagem perdida que precisa encontrar um motivo para sobreviver.





6.     Las Acacias (Las Acacias / 2013 / Argentina) dir. Pablo Giorgelli

Extremamente minimalista, esse sutil filme argentino encanta na apresentação de dois personagens comuns mas que apresentam uma profunda dimensão, à qual o espectador nunca tem acesso total, mas desenvolve uma compreensão tácita poderosa que nos leva a torcer pela felicidade daquelas duas pessoas.





7.     Antes da Meia Noite (Before Midnight / 2013 / EUA) dir. Richard Linklater

Fechando com chave de ouro a maravilhosa trilogia iniciada em 1995 com Antes do Amanhecer, essa terceira parte alcança uma complexidade maior ao inverter as expectativas e, ao invés de mostrar Jesse e Celine fascinados um com o outro, os mostra fatigados, envelhecidos e, como qualquer casal que conviveu junto durante muito tempo, rancorosos um com o outro. Mas ao continuar trabalhando esse brilhante casal através dos habituais longos diálogos, Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy desenvolvem mais uma bela narrativa que ainda consegue encontrar a beleza de, mesmo depois de tanto tempo, existir a capacidade de que um “Eu te amo incondicionalmente” seja dito com total sinceridade.





8.     Heróis da Ressaca (The World’s End / 2013 / Reino Unido) dir. Edgar Wright

Essa última parte da trilogia Sangue e Sorvete/Cornetto representa mais uma aventura cômica hilária e criativa, com uma montagem fenomenal e grande virtuosismo técnico do diretor Edgar Wrigth, encontrando na sua trama de homenagem espaço para discussões ambiciosas envolvendo o desgaste de uma vida comum e o horror de uma existência voltada para o simples seguimento alienante de regras e padrões ditos “morais”.





9.     Frances Ha (Frances Há / 2013 / EUA) dir. Noah Baumbach

Esse novo filme de Noah Baumbach é uma obra doce com uma protagonista idem, que alcança um enorme valor ao conseguir encontrar esperança numa visão de que, mesmo num mundo conformista, com adultos frios e competitivos, além de tristes, há a possibilidade de uma certa inocência, mesmo com certo grau de adaptação ao mundo.




10.            Azul é a Cor Mais Quente (La Vie d’Adèle / 2013 / França) dir. Abdelatiffe Kechiche

Essa obra vencedora do Palma de Ouro em Cannes é um lindo filme sobre o desabrochar da sexualidade de uma jovem, o encontro de uma paixão poderosa e o inescapável declínio dessa, contada em três horas de pura maestria artística, criando um filme sincero e profundamente tocante em sua característica universal para qualquer um que já sofreu e sorriu por amor.





11.            Os Suspeitos (Prisoners / 2013 / EUA) dir. Denis Villaneuve

Essa longa policial evita os clichês mais comuns do gênero para criar uma narrativa densa e melancólica, povoada por personagens tristes que se vêem presos em labirintos psicológicos criados por si mesmo devido ao choque de suas crenças com eventos externos aversivos. Fora que a atuação de Jake Gyllenhaal é provavelmente a melhor de sua já exemplar carreira.





12.            Indomável Sonhadora (Beasts Of The Southern Wild / 2012 / EUA) dir. Behn Zeitlin

Acompanhando uma garotinha que vive em péssimas condições e com um pai alcoólatra, esse Indomável Sonhadora é um filme fascinante por conseguir enxergar um mundo assustador e sem perspectivas através do inocente olhar de uma criança, que, mesmo suas doces fantasias infantis carregam a noção de dor e tragédia, de uma necessidade de resiliência para que a própria existência possa ser mantida.




13.           A Caça (Jagten  / 2012 / Dinamarca) dir. Thomas Vinterberg

O diferencial deste A Caça reside na habilidade em desenrolar um panorama complexo de uma angustiante situação aos olhos do espectador, ser onisciente naquele universo. Acompanhado ainda de discussões desafiadoras (quais os limites da hipocrisia humana? Até onde uma criança é realmente inocente?), o longa é presenteado com uma impecável atuação de Mads Mikkelsen.





14.            Abismo Prateado (Abismo Prateado / 2013 / Brasil) dir. Karin Aïnouz

Com uma trama simples e ordinária, Abismo Prateado se sobressai pelo puro uso da técnica cinematográfica aplicada com perfeição pelo diretor Karin Aïnouz, numa narrativa com caráter experimental que visa fazer com que o espectador possa compartilhar ao máximo possível as sensações que a protagonista vive.





15.           Elena (Elena / 2013 / Brasil) dir. Petra Costa

Obra de caráter puramente subjetivo, este documentário é uma tentativa de acerto de contas da diretora com o seu passado, buscando enxergar a si mesma como é, assim como sua história com irmã, criando uma obra de singular beleza psicológica.





16.           Além da Escuridão – Star Trek (Star Trek – Into Darkness / 2013 / EUA) dir. J.J Abrams

Blockbuster de mais alta qualidade, essa continuação do reboot de 2009 representa uma experiência intensa e empolgante, combinando um grande protagonista com um vilão aterrador, sequências de ação de tirar o fôlego e uma trama estruturada de forma a servir de relevantes comentários sociais sobre a produção de guerras para favorecer a indústria bélica.




17.           Killer Joe – Matador de Aluguel (Killer Joe / 2012 / EUA) dir. William Friedkin

Povoado por personagens doentios e instáveis, essa adaptação da peça de teatro de Tracy Letts representa uma experiência perturbadora, que se utiliza de diversos meios para causar mais aversão, com uma atuação magnética de Matthew McGonaughey como um dos mais assustadores assassinos do Cinema moderno.






18.           Eu e Você (Io e Te / 2012 / Itália) dir. Bernardo Bertolucci

Obra sensível para seu polêmico diretor, esse Eu e Você conta a história de um garoto problemático que pode encontrar espaço para amadurecimento no sugestivo relacionamento que cria com a distante irmã.





19.           Sete Psicopatas e um Shih Tzu (Seven Psychopaths / 2012 / Reino Unido) dir. Martin McDonaugh

Podendo ser observado apenas como uma comédia retardada com graves problemas de estrutura, esse novo filme do diretor de Na Mira do Chefe abre a possibilidade de uma cômica e farsesca visão metalinguística que o enriquece.




20.           Invocação do Mal (The Conjuring / 2013 / EUA) dir. James Wan

Pode parecer estranho que esse filme apareça nessa lista, ainda mais porque minha análise de Sobrenatural: Capítulo 2, do mesmo diretor, pareceu mais positiva. Mas durante os 112 minutos de projeção, um sincero sorriso não sumiu de meu rosto durante sequer um segundo, por, como amante de Cinema de terror, poder estar apreciando tão bem feita construção de suspense e tantas homenagens à estilos clássicos do gênero e, principalmente, por me ver genuinamente apavorado.





21. Blue Jasmine (Blue Jasmine / 2013 / EUA) dir. Woody Allen

Um triste mas impiedoso estudo de uma personagem que beira a psicopatologia, guiado por uma poderosa atuação de Cate Blanchett.






22.  Capitão Phillips (Captain Phillips / 2013 / EUA) dir. Paul Greengrass

Intenso e frenético, esse filme mais uma mais mostra toda a maestria do diretor Paul Greengrass para dirigir obras de suspense/ação, numa narrativa que não insulta a inteligência dos espectadores e nem demoniza seus vilões, além de apresentar uma atuação primorosa de Tom Hanks.





23. Álbum de Família (August: Osage County / 2013 / EUA) dir. John Wells

Guiado com as poderosas performances de Julia Roberts e Meryl Streep, essa adaptação da premiada peça de Tracy Letts é um drama sombrio e amargo, sobre uma família cujas matriarcas servem como monstros que determinaram as quebradas personalidades de seus filhos.






24.A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty / 2012 / EUA) dir. Kathryn Bigelow

Criando um eco temático com seu inesquecível Guerra ao Terror, Kathryn Bigelow e o roteirista Mark Boal trabalham a caçada à Osama Bin Laden de forma crua e direta, evitando suavizar verdades cruéis que poderiam incomodar o governo dos EUA.




25.A Espuma dos Dias (L’Ecume des Jours / 2013 / França) dir. Michel Gondry

Depois de me torturar escolhendo entre Homem de Aço, O Conselheiro do Crime, Como Não Perder Essa Mulher (para acessar meu texto sobre cada um desses longas é preciso apenas clicar nos seus respectivos títulos) e esse para fechar a lista, optei por A Espuma dos Dias por ter me encantado profundamente com a linguagem que Gondry utilizou em seu trabalho, optando menos pela objetividade e mais por uma poesia subjetiva para identificar estados emocionais mutantes ao longo da obra, que de comédia surrealista passa a ser um pesado drama expressionista.


                        


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013


Análise:

Álbum de Família (August: Osage County / 2013 / EUA) dir. John Wells

por Lucas Wagner

Nas peças de Tracy Letts levadas para o Cinema (e roteirizadas por ele mesmo) percebe-se uma habilidade do escritor em levar o espectador à um estado gritante de angústia, contando histórias cujos personagens, figuras sombrias e quebradas, são vítimas de um ambiente aversivo aterrorizante. Em Possuídos, Ashley Judd e Michael Shannon surtavam num exemplo perfeito de folie à deux, e no insano Killer Joe, o assassino do título despejava toda uma perversão sanguinolenta e desconexa em cima de suas pobres vítimas durante 30 desesperadores minutos. O panorama muda em sua nova adaptação, Álbum de Família: agora acompanhamos uma família destruída, repleta de pessoas cuja alma provavelmente está ressecada e apenas os ossos sustentam o corpo.

Assim como Royal Tenenbaum representava uma força sombria que ditou muito do destino de cada membro de sua família, no estupendo Os Excêntricos Tenenbaums, de Wes Anderson, em Álbum de Família a personagem de Meryl Streep, Violet, e sua irmã, Mattie Fae (Margo Martindale), possuem um papel semelhante na vida de seus filhos e netos. Com um grave câncer na boca, Violet encontra a desculpa perfeita para se entupir de drogas, algo que chega ao absurdo de deixá-la com sinais de demência. Criatura amargurada e triste, Violet cresceu em um implacável meio rural que, assim como ocorria com os personagens de Killer Joe, parece ter condicionado todo um repertório comportamental envolvendo atitudes maldosas e mesquinhas (o monólogo em que ela conta um episódio da infância é aterrador). Não que ela queira ser assim, mas simplesmente não consegue evitar. E assim, Meryl Streep se destrói, perde todo o orgulho ao se entregar de corpo e alma para essa mulher assustadora, chocando o espectador desde a primeira cena, quando Violet surge parecendo um zumbi. Streep, mesmo com toda a gritaria e gestos exaltados, a atuação alucinada, permite entrever como aquela mulher é triste, e sentimos pena dela, mesmo quando incomensuravelmente maldosa e dopada.

Diante da convivência com uma mulher como essa, seus filhos e filhas foram obrigados a encontrar alguma forma de se defender, desenvolvendo personalidades tristes que demonstram mecanismos de defesa desesperados (que ficam bem representadas, inclusive, pelo figurino de cada uma das irmãs). Karen (Juliette Lewis) se esconde por trás do noivo rico e de um otimismo exagerado, revelando um certo grau de alienação que a afasta da família, ao mesmo tempo em que o falatório constante impede que outros possam falar, cansando seus interlocutores, talvez seja uma forma patológica de se impor. Ivy (Juliette Nicholson) se esconde no silêncio, evitando revelar sua presença, caracterizando assim uma criatura frágil que na verdade está a ponto de quebrar e, ao ver seu único porto seguro despedaçar, prefere fechar os olhos.

Mas é em Barbara que reside a criatura mais trágica. Erguendo uma armadura de ódio como uma forma de se proteger, a grande ironia envolvendo Barbara é que, por mais sinta aversão de Violet e queira ser o mais distante possível (até mais do que suas irmãs), ela está no caminho de ficar igual a mãe. E, se isso já vai ficando bem evidente no decorrer da projeção, o terceiro ato reserva uma sequência de grande valor simbólico, quando Barbara e Violet encontram-se sozinhas em casa. Julia Roberts, então, abraça todo o potencial dessa personagem e entrega uma de suas melhores interpretações (e a melhor do filme) compondo Barbara com uma fúria palpável, criando uma mulher triste e confusa com seus sentimentos sobre si mesma, sua mãe, seu marido e sua filha (à quem faz um grande esforço para demonstrar carinho), mas que mantém um senso de resiliência admirável, como se o ódio fosse a única maneira que encontrou de se organizar naquele mundo aversivo, embora essa mesma atitude esteja arrastando-a para mais próximo da personalidade da mãe (que também tinha problemas maternos, por sinal).

Ambientando a história (como de praxe) no meio rural, Letts parece usar as pradarias do interior dos EUA com um senso de melancolia até então não presente em suas adaptações. A ambientação ampla, aberta, confere um senso de liberdade, que fica sempre escondida por trás das janelas, cortinas e portas fechadas do casarão da família. O diretor John Wells e o diretor de fotografia Adriano Goldman, por sinal, tem uma boa idéia ao manter o ambiente da casa sempre permeado de sombras, iluminado fracamente por lâmpadas de cor amarelada transmitindo uma noção de podridão/decadência. Ainda, se em Killer Joe o roteirista criava uma longa e angustiante sequência entre quatro paredes onde Matthey McGonaughey torturava sem piedade suas vítimas, aqui temos uma sequência similar e quase tão angustiante quanto, com dessa vez Meryl Streep despejando veneno em cima de seus familiares durante um longo jantar de família (no qual Letts demonstra um senso de humor maldoso quando o personagem de Chris Cooper diz, depois de tanta briga, “acho que estou cheio”, e alguém diz: “ainda tem a sobremesa”).

Com uma enorme quantidade de personagens para analisar, Letts consegue fazer um bom trabalho ao revelar pontos de suas personalidades que os tornam mais complexos, apesar de não ter como mergulhar profundamente em cada um. O roteirista é ajudado nesse processo por um elenco espetacular, com destaque para atuações de Ewan Mcgregor, Benecdit Cumberbatch e Sam Shepard. O primeiro faz do marido de Barbara, Bill, um homem amoroso em conflito, que reconhece seus erros mas também reconhece o que o levou a tal. Cumberbatch cria “Little Charles” como uma figura  mal adaptada que sofreu inúmeros ataques pela sua família e por isso se tornou uma criança no corpo de um adulto sensível e humilde, com medo de fazer mal à qualquer coisa, mas completamente passivo aos abusos da mãe Mattie Fae (quase tão problemática quanto a irmã, Violet). Já Shepard possui apenas uma única cena (a que abre a obra), e faz dela uma das mais profundas do filme, ao evidenciar toda a dimensão da tristeza/nostalgia/dor do patriarca da família, Beverly, um escritor de alma sensível e consumida pelo alcoolismo (uma forma de defesa contra a esposa).

Talvez se tivesse terminado uns cinco minutos antes o filme teria sido ainda melhor, com um poderoso e irônico plano envolvendo uma determinada personagem sozinha e diminuta sentada em uma escada envolvida em trevas. Ainda assim, Álbum de Família é um drama poderoso e impiedoso, com personagens angustiados buscando algum mísero filete de luz que evidencie alguma saída de suas vidas miseráveis.

*Outras análises que escrevi de adaptações de peças de Tracy Letts: