quarta-feira, 30 de maio de 2012


Resenha filme "Flores do Oriente" (Jin líng shí san chai/2011/China) dir. Zhang Yimou


Por Lucas Wagner


Não tenho dúvidas de que a guerra seja uma das coisas mais horríveis, imbecis, grotescas e desumanas criadas pelo animal ser humano. Um dos exemplos históricos que deixam isso claro pode ser o da invasão do exército japonês na capital chinesa da época, Nanquim, em 1937. O exército japonês criou um verdadeiro show de horrores na capital, com direito à crueldade absurda e o estupro seguido de provável morte de várias mulheres. Tal tema é a base para esse novo filme do cineasta chinês Zhang Yimou, que cria aqui um filme bonito e feio ao mesmo tempo, que, se apresenta um número considerável de falhas, é no todo um filme bastante competente.

Flores do Oriente possui, em primeiro lugar, uma direção interessante de Yimou que, acompanhado da maravilhosa direção de fotografia Zhao Xiaoding, consegue um feito interessante: cria planos e cenas de inegável beleza estética, ao mesmo tempo em que não deixa de lado toda a sujeira, a crueza, a violência da situação que acompanhamos. Yimou filma aqui cenas que contém uma beleza sufocante, como o momento que envolve uma bala atravessando uma vidraça colorida, ou ainda através do contraste entre o frio sombrio da Igreja (onde se passa maior parte do longa) com o brilho do sol que muitas vezes invade-a pela vidrassa. Ainda vale comentar o impecável uso que o diretor faz da câmera lenta.

Mas isso não valeria de nada se o diretor enxergasse apenas beleza em um lugar aonde praticamente não existe beleza. E aqui é um ponto em que o filme foi muito criticado e de uma maneira que eu não concordo. Não acho que Yimou, como argumentam vários críticos, deixa de lado a desgraça que está acontecendo para filmar apenas planos bonitos. Pelo contrário. Tanto pelo nível altíssimo de violência que o longa possui, quanto pela movimentação tremida da câmera na mão (conferindo maior realismo), e ainda pela (na maioria das vezes) falta de cores sufocante, Flores do Oriente parece não enxergar beleza no contexto e (mais importante ainda) consegue transmitir para o espectador a dor que envolve aqueles personagens. Na minha opnião, as incursões estilísticas de Yimou não prejudicam o longa de modo algum. É claro, eu preferi o trabalho que Spielberg fez em uma de suas maiores obras-primas, o maravilhoso O Resgate do Soldado Ryan, aonde o cineasta abriu mão do estilo e levou o espectador para uma viagem torturante e perturbadora na alma da guerra. Mas, se é para falar mal de Yimou, então também deveria-se falar mal da direção de Terrence Malick no seu impecável Além da Linha Vermelha, que, assim como qualquer filme de Malick, consegue tirar beleza dos pequenos detalhes do ambiente, mas que também choca ao mostrar de perto a brutalidade desumana da guerra. Não que os dois filmes devam ser comparados (eu acho a obra de Malick muito superior), mas ainda assim não consegui enxergar e nem sentir problema algum nesse aspecto da diração de Yimou.

Sem sombra de dúvida, o aspecto que mais enriquece o filme é a maravilhosa atuação de Christian Bale, ator que já possui uma lista gigante de atuações irrepreensíveis. Bale interpreta John Miller, um sujeito que, nas mãos de um ator incompetente, se tornaria provavelmente um grande clichê. Mas Bale impede isso, representando com maestria absurda o arco dramático do personagem, de como ele vai se transfomando de um sujeito egoísta e imbecil, em um indivíduo altruísta e profundamente humanista. O ator se apóia em pequenos detalhes para mostrar essa transição, como quando o vemos, imensamente feliz, fazendo pão para as garotinhas do convento. Miller vai se tornando um sujeito cada vez mais complexo e Bale deixa claro todo o impacto que uma determinada situação tem nele, e que vai guiar o seu comportamento durante o resto do filme. Além disso, o modo como o ator usa sua voz para transmitir toda a dimensão e complexidade de seus sentimentos no terceiro ato do longa, deixa claro que estamos observando um astro no auge da competência. É uma pena, no entanto, que o roteiro passe um pouco a perna no personagem ao incluir uma revelação no final do filme que busca explicar sua transformação, seu comportamento, o que simplifica-o demais tirando muito de sua complexidade.

A atriz (lindíssima, por sinal) Ni Ni também consegue um desempenho espetacular como a prostituta Mo. Sua personagem vai também se tornando mais complexa ao longo da projeção, ao mesmo tempo que vai ganhando de forma sutil o nosso respeito e admiração. E, ao contrário do que acontecia com o protagonista, as revelações sobre seu passado apenas contribuem para torná-la mais tridimensional ainda. E Ni Ni confere peso e elegância à personagem de maneira impecável, em uma perfomance profundamente tocante. 

Um ponto que eu achei que poderia ter sido melhor trabalhado no longa é a visão acerca dos japoneses. É óbvio que os seus atos são completamente repreensíveis (e eu não duvido que eles tenham agido como animais esfomeados como o filme demonstra), mas o roteiro poderia ter trabalhado melhor para torná-los mais humanos, assim como Spielberg fez com maestria em O Resgate do Soldade Ryan, aonde mostrou que os alemães não eram monstros sanguinários como os norte-americanos muitas vezes os observavam. O longa aqui discutido busca consertar um pouco desse erro através do personagem do coronel japonês Hasegawa, uma figura tridimensional e completamente respeitável. Por um momento, realmente a introdução desse personagem consegue consertar o erro, mas o roteiro sabota essa situação mais para a frente (e é importante ressaltar que Atsuro Watabe, o ator que interpreta Hasegawa, é tão competente que segura a postura e a complexiade desse personagem mesmo quando o roteiro tropeça).

Ainda como ponto negativo, devo repreender o uso horrível da narração em off de uma personagem do filme. Completamente desnecessária, esse recurso é aqui usado como uma forma descarada de muleta narrativa para explicar certas situações de uma maneira mais fácil para os roteiristas (como fica claro no final do filme, quando esta narração entra para explicar toda a história de vida de um personagem ao qual já vínhamos acompanhando desde o início do filme!). Além disso, as prostitutas vistas aqui são, na maior parte do tempo, personagens antipáticas e insuportáveis que, na maior parte do tempo, servem apenas para atrapalhar e encher o saco, além de serem, na sua maioria, completamente estúpidas (como duas delas que se empenham em uma missão obviamente suicida por motivos totalmente idiotas). Para completar, o modo como o filme acaba é extremamente insatisfatório, já que Yimou se acovarda para mostrar uma situação de extrema importância, preferindo por uma conclusão fraca e brusca.

Com uma trilha sonora belíssima e excelente cenas de ação (contendo todo o horror que seria de se esperar de um filme como esse), Flores do Oriente é um filme muitas vezes falho, como foi discutido acima, mas que ainda assim deve ser conferido por sua parcela inegável de acertos que tornam os 146 minutos de duração bem aproveitáveis, principalmente pelo nível enorme de afeto que os personagens de Christian Bale e Ni Ni criam no espectador.


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