domingo, 28 de julho de 2013



Crítica Wolverine: Imortal (The Wolverine / 2013 / EUA) dir. James Mangold

por Lucas Wagner

  Logan/Wolverine surgia, na fascinante trilogia X-Men (sim, o terceiro também é um excelente filme), como um indivíduo complexo e trágico, cuja irreverência frente às normas e à autoridade eram apenas reflexo de uma personalidade assombrada pelo próprio passado que, embora seja muito pouco recordado pelo personagem, assustava-o por indicar resquícios de uma existência constantemente violada, o que o obrigou a assumir um repertório de comportamentos excessivamente brutais muito como um mecanismo de defesa praticamente reflexo (não é a toa que ele se identificasse tanto com animais selvagens). Assim, era fascinante perceber como ele foi, mesmo com dificuldade, se deixando suavizar frente aos companheiros mutantes do grupo, como se finalmente pudesse ser aceito e (de vez em quando) pudesse baixar a guarda. Se propondo a explorar o personagem nos períodos pós-trilogia, Wolverine: Imortal não representa uma atrocidade ao personagem como aquele X-Men Origens: Wolverine, mas ainda assim se revela uma experiência falha e incompetente que, ao invés de transformá-lo numa figura mais complexa, o simplifica demais.

  O Logan desse novo filme se encontra emocionalmente ferido devido ao que fez à sua amada Jean Grey, em X-Men O Confronto Final. Pensamentos como “eu fiz o que era necessário” (porque era) nunca lhe passam pela cabeça, nem por um segundo, o que a partir de certo ponto, passa a ser irrealista mesmo para alguém corroído pela dor da culpa, e somos obrigados a vê-lo jurando à alucinação de Jean na sua cabeça que “não vou mais machucar ninguém”. Essa ferramenta da alucinação de Jean, aliás, é um recurso utilizado à exaustão pelos roteiristas Scott Frank e Mark Bomback que parecem não encontrar outra maneira de trabalhar o sentimento de dor e culpa de seu protagonista a não ser através de conversas com uma “fantasma” que se passam em sonhos (e em um momento, ele chega a quase transar com a imagem alucinatória de Jean). Assim, o personagem já se torna artificial, salvo relativamente apenas por alguns pontos, como pelo fato de os roteiristas manterem sua identificação com animais selvagens e o senso de justiça que ele ganhou no seu convívio com os outros mutantes na trilogia, além de ser curioso vê-lo surpreso quando realmente se mostra capaz de ser ferido.

  Mas mesmo esses pontos são massacrados no decorrer do filme, quando ele passa por um arco dramático extremamente mal trabalhado envolvendo a sua imortalidade e vontade de se livrar desse fardo. Se interessante, tal arco não se sustenta pela maneira simplista como os roteiristas o trabalham, com Logan apenas sendo feita de vítima por diversas falas de outros personagens falando como deve ser difícil ver tantas pessoas amadas morrendo enquanto ele ainda vivia, sem propósito, ao invés do roteiro realmente explorar as diversas possibilidades temáticas de transformar esse ponto num potencial estudo de personagem. Mas às vezes penso que seria exigir demais de um roteiro que ainda se vê preso à obrigação de envolver romanticamente o protagonista com uma personagem feminina qualquer, simplesmente para tentar criar um apelo emocional maior, não importa o quão falso e sem sentido isso pareça dentro de todo o contexto da obra. E assim, Hugh Jackman pode fazer o esforço que for, mas não consegue tirar Logan do estacionamento, embora sua performance ainda seja perfeitamente adequada.

  Tal incompetência no desenvolvimento do personagem também se amplia para abranger todos os personagens do filme, que acaba sendo formado apenas por figuras extremamente unidimensionais e artificiais, mesmo que uma ou outra ofereça potencial dramático maior, como é o caso da mutante Yukio (Rila Fukushima), cuja habilidade de ver como cada pessoa morrerá certamente deixaria marcas profundas em sua psique, mas que aqui é algo nunca explorado (a não ser em um momento tão curto e artificial que nem vale a pena ser ressaltado), com os roteiristas preferindo tratá-la de forma infantilizada e “divertida”, enquanto dedicam mais tempo para nos enrolar com o interesse romântico de Logan, Mariko (Tao Okamoto), que é tão desinteressante quanto é linda. E ainda somos obrigados a suportar uma vilã ridícula e que nunca é ameaçadora, além de não conseguirmos compreender suas motivações em momento algum. Aliás, os mutantes vistos ao longo dessa obra nunca surgem tão interessantes e dinâmicos como os vistos nos filmes dos X-Men (em especial aqueles vistos no maravilhoso X-Men Primeira Classe, o melhor), e são simples criaturas com poderzinhos pobremente utilizados no decorrer da projeção.
 
  Pior ainda é sermos obrigados a engolir um fiapo de trama que nunca toma forma e é tão estupidamente mal construída que nós terminamos a sessão sem compreender direito o que vimos, principalmente com a bolota de merda que ficou entalada em nossa garganta quando fomos obrigados a, extremamente envergonhados, aceitar uma reviravolta no mínimo podre no final. Além disso, assim como X-Men Origens: Wolverine, todas as metáforas e alegorias tão cuidadosamente construídas ao longo da trilogia e em X-Men Primeira Classe, envolvendo discussões filosóficas e sociais fascinantes além de enxergar nos mutantes uma metáfora para as minorias e os excluídos sociais, são todas jogadas no lixo, com os roteiristas claramente preferindo realizar um entretenimento pedestre e esquecível. O que engessa o geralmente competente diretor James Mangold (dos excelentes Identidade, Garota Interrompida e Cop Land) que, mesmo conseguindo conferir um ritmo relativamente eficaz, acaba sucumbido a efeitos podres como babylens para demonstrar a confusão de Logan, enquanto se mostra, mesmo nas sequências de ação, sem criatividade suficiente para torná-las interessantes, exceto pela excelente sequência de luta entre o protagonista e um adversário em cima de um trem-bala.

  Experiência irritante e enfadonha, o longa ainda desperdiça as interessantes possibilidades criativas envolvendo a mistura dos mutantes com a cultura japonesa, e possui apenas uma cena realmente digna de nota, que acontece durante os créditos finais, quando é preparado o caminho, de maneira curiosa, para o próximo filme dos X-Men, X-Men: Days of Future Past. Bom, ao menos em Wolverine: Imortal não precisamos ser massacrados com a mistureba dos heróis que fazem parte do grupo dos Vingadores, câncer que vem corroendo a maior parte dos filmes da Marvel.

OBS: Wolverine: Imortal iria primeiramente ser dirigido pelo genial Darren Aronofsky, de Réquiem Para Um Sonho e Cisne Negro, com outro roteiro, mas pelo divórcio que estava enfrentando, o diretor foi obrigado a abandonar o projeto. Uma pena, pois teríamos um material certamente superior.
   

quinta-feira, 25 de julho de 2013




Crítica Amor Bandido (Mud / 2013 / EUA) dir. Jeff Nichols

por Lucas Wagner

  Assim como o maravilhoso Moonrise Kingdom, de Wes Anderson, esse Amor Bandido (terrível escolha de título nacional, por sinal) funciona como uma espécie de fábula que busca enxergar o amor, os relacionamentos, sob a ótica de crianças, ressaltando a diferença da visão destas para aquela mais melancólica dos adultos. Mas se Moonrise Kingdom era calcado num universo claramente fantasioso, o diretor Jeff Nichols busca mais realismo em Amor Bandido, conseguindo construir uma fábula que, curiosamente, está sempre esbarrando na realidade, e estuda como essa é cruel para o amor romântico que, por mais que às vezes nos deixemos iludir, não passa de um belo conto de fadas.

  Escrito pelo próprio Nichols, a trama se desenrola quando os garotos Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland) se deparam com um fugitivo, Mud (Matthew McConaughey), e formam uma interessante amizade com ele, ligada muito pela vontade dos garotos de reunir o criminoso com o amor de sua vida, Juniper (Reese Whiterspoon).

  Se no seu trabalho anterior, o excepcional O Abrigo, Nichols tinha optado por uma direção sombria e densa (afinal, era um estudo sobre esquizofrenia) aqui o diretor investe num tom mais doce e nostálgico. Inteligentemente ambientando o longa nas proximidades do rio Mississipi, na vida simples das pequenas comunidades que por lá vivem, Nichols consegue o ambiente ideal para contar sua história, pois consegue já mergulhar o espectador numa ambientação ao mesmo tempo nostálgica, bucólica e aventuresca, mas que não deixa de transmitir certa melancolia, e o realismo retratado nas casas sujas e decrépitas, além da constantemente ressaltada pobreza dos habitantes, já ferem uma noção de beleza idealista que não estaria de acordo com a realidade, o que é justamente a tese do longa, como comentei no primeiro parágrafo. Aliás, a constante câmera na mão do cineasta, ou movimentos usando a steadcam, calcam ainda mais o longa na realidade, o que, em momento algum, impede que o cineasta possa trabalhar simbolismos mais complexos e profundos, em especial aquele envolvendo as tatuagens nas mãos de Mud e Juniper: se a do primeiro tem a figura de uma cobra, simbolizando como se sente preso ao momento em que conheceu Juniper (ela o salvou quando foi mordido por uma cobra), a dela é uma ave, o que simboliza como constantemente se distancia de Mud, reflexo de uma personalidade inconstante (e é tocante o momento em que Mud cita a tatuagem dela pela primeira vez, e pouco depois olha para o céu e enxerga a beleza de vários pássaros voando juntos). E também a construção dos diálogos se mostra outro ponto positivo do roteiro de Nichols, já que muitas vezes constrói falas que, mesmo não jorrando poesia, conseguem transmitir a dimensão dos sentimentos dos personagens (“quando a conheci, parecia que o meu mundo tinha sido despedaçado e construído de novo”). E vários elementos de fábula se veem muito presentes, mesmo que “distorcidos” pelo realismo: a história do menino pobre que vivia no mato e se apaixonou definitivamente, por exemplo, ou a imagem de Juniper, que não deixa de lembrar uma princesa clemente, em certo momento, que demonstra bondade (seu ato para com o menino que a ajuda) mesmo que, seguindo a lógica realista do roteiro, se afaste dessa imagem romântica.

  Contando a história com uma calma admirável, Nichols começa estabelecendo bem a personalidade dos dois meninos camaradas, principalmente para destacar a diferença de Ellis (o protagonista) e Neckbone. Ambos com a sexualidade à flor da pele (14 anos), Neckbone é muito mais, por assim dizer, excitável do que Ellis, já que constantemente comenta do corpo de mulheres e se anima com Playboys, enquanto o segundo parece mais bucólico e romântico, nutrindo sentimentos amorosos por uma menina mais velha, com a qual encontra dificuldades para se apresentar. Essa diferenciação é vital para que a história possa começar a se movimentar de verdade, já que é o romantismo juvenil de Ellis que move o filme inteiro, sua dificuldade em aceitar que na verdade o amor romântico nada mais é do que uma fantasia. Afinal, seus pais estão se separando (“mas vocês não se amam?”, pergunta inocentemente o menino ao receber a notícia) e Mud, quem encontrou a pouco tempo, nutre sentimentos românticos idealistas por Juniper, a ponto de cometer atos poucos louváveis. E é essa a faísca que faz com que passemos ao segundo ato e possamos acompanhar a jornada do menino de unir os dois. Assim, se a trama tem elementos (extremamente eficazes, por sinal) de suspense e aventura, estes são secundários, algo que fica claro todas as vezes em que Nichols para a trama para acompanhar o desenrolar da paixonite de Ellis, o relacionamento de seus pais, ou ainda o passado de Mud, que vai se revelando aos poucos deixando a obra mais complexa.

  O trabalho de escalação do elenco é, assim, um trabalho monstruosamente genial, em todos os aspectos. Ao escalar Tye Sheridan para viver Ellis, é muito provável que Nichols tivesse em mente a imagem do menino no maravilhoso A Árvore da Vida, de Terrence Malick, onde era o irmão mais novo que servia como imagem para pureza e inocência, assim como Ellis em Amor Bandido. Matthew McConaughey, famoso por sua imagem de galã, serve como uma luva na imagem do romântico antiquado e trágico que é Mud. Já a linda Reese Witherspoon, estrelinha de incontáveis comédias românticas pedestres, já estabelece para o espectador uma imagem idealizada para Juniper, que entra em choque quanto mais a conhecemos, o que é interessante.

  E não apenas na escalação que o elenco está impecável, já que as performances aproveitam toda a complexidade disponível nos personagens. Depois de sua implacável e sádica performance como Killer Joe, McConaughey aqui mergulha em uma performance poderosa, dando enorme peso dramático à Mud. A calma contida com que McConaughey interpreta Mud confere ao personagem um tom trágico, de quem sofreu demais por amor, mas que ainda assim estaria disposto a sofrer tudo de novo, e para enxergar isso é só prestar atenção na felicidade e carinho com que fala de Juniper, e se percebe toda a dimensão de sua ilusão amorosa. Já Tye Sheridan continua a desenvolver seu precoce talento, e compõe toda a complexidade de Ellis de maneira tocante, trabalhando bem o arco dramático do menino de romântico para alguém mais realista. Enquanto isso, Reese Witherspoon confere à Juniper a imagem perfeita de uma famme fatalle trágica, e, se não fosse pela eficácia de sua performance, poderíamos facilmente tomar antipatia pela personagem, que soaria como uma babaca que apenas manda Mud para a friendzone, mas que, graças à atriz, é uma pessoa infeliz que vive em fuga, que não sabe muito bem o que está fazendo com sua vida.

  Ray McKinnon e Sarah Paulson também fazem um ótimo trabalho como os pais de Ellis. McKinnon (que fez uma ponta em O Abrigo e teve um ótimo papel na quarta temporada de Sons of Anarchy) interpreta o pai de forma perfeitamente descrita como “tough love”, já que deixa claro o tanto que ama o filho (e por isso cobra tanto dele) ao mesmo tempo em que assume uma postura sempre rígida diante deste; e Paulson consegue evidenciar toda a complexidade de uma personagem trágica que almeja mais da própria vida. Sam Shepard, como o calado e taciturno Tom, consegue, no minimalismo de sua performance, criar um personagem multifacetado e ambivalente. Quem sai perdendo um pouco no elenco é o genial Michael Shannon (que protagonizou O Abrigo), que acaba ficando com um personagem mais unidimensional, Galen, embora aqui e ali tenha momentos mais divertidos (como a cena em que é apresentado).

  Todo o percurso em que a trama percorre é de uma perda da ilusão amorosa, a partir da trajetória de um garoto que simplesmente não consegue aceitar o niilismo da realidade. Assim, Ellis tropeça e se machuca ao confiar demais nas pessoas, ao se deixar carregar pelos sentimentos, e não consegue compreender que tal coisa como amor eterno não passa de uma ficção bonita, e que o romantismo não passa de um estado de espírito que, como tudo, acaba definhando com o tempo. Se Mud tivesse sempre tido Juniper como parceira, com certeza ele não seria tão louco nela como é. Aliás, a diferença entre Ellis e Mud é simplesmente que o segundo é um adulto que, chegado a hora, sabe perceber o fim e aceitá-lo com mais paz, sendo capaz de olhar para o passado impossível com carinho. E como Nietzsche uma vez disse: “Nós amamos o desejo, e não o desejado”, e sempre a imagem que temos de alguém em nossa cabeça não passa de uma ilusão esculpida por nós mesmos, algo que Nichols demonstra com excelência ao permitir que ouçamos descrições românticas de Juniper, proferidas por Mud, antes da personagem ser devidamente apresentada, que, quando acontece, entra em choque com a imagem que construímos já que, mesmo que seja uma mulher linda, está com o rosto machucado, mostra o dedo para uns rapazes que a atazanam e ainda está vestida roupas extremamente curtas.

  Mas se tudo isso da a impressão que Amor Bandido seja uma obra pessimista quanto ao amor, na verdade Nichols encontra espaço suficiente para sonhar, para percebermos que, mesmo com o coração destruído por outras pessoas, podemos ainda encontrar esperança em alguém que ainda nem conhecemos, ou que conhecemos e não prestamos atenção suficiente. Cabe apenas à sorte, à expectativas realisticamente controladas e ter paciência. Mas principalmente expectativas controladas.


quarta-feira, 17 de julho de 2013



Crítica O Cavaleiro Solitário (The Lone Ranger / 2013 / EUA) dir. Gore Verbinski

por Lucas Wagner

  Cineasta que encanta pela versatilidade, Gore Verbinski construiu uma carreira até agora admirável por possuir um catálogo de gêneros e estilos totalmente distintos, como o terror opressivo de O Chamado, a melancolia de O Sol de Cada Manhã ou o descompromisso da trilogia Piratas do Caribe, conseguindo ainda (o que é mais admirável) manter um nível de qualidade elevado em quase todos seus trabalhos (o “quase” era por causa do terceiro Piratas do Caribe, a ovelha negra da filmografia dele até então) e alcançando o seu ápice no inesquecível Rango, animação western que ainda funcionava como um longa de crise de identidade. No entanto, um dos aspectos mais decepcionantes desse seu novo projeto, O Cavaleiro Solitário, é justamente a percepção aqui do exato mesmo Verbinski de Piratas do Caribe, já que o diretor recicla a mesma fórmula, adequando-a a um contexto que, se de vez em quando funciona, no geral vemos um trabalho extremamente inferior, o pior de seus filmes até agora.

  O que é decepcionante, principalmente se contarmos com o restante da carreira dele e com a extraordinária sequência de ação que ocorre ainda no primeiro ato do filme. Essa sequência, envolvendo uma invasão à um trem em movimento, trazia tudo o que havia de melhor nos dois primeiros Piratas do Caribe, principalmente no divertidíssimo trabalho de misé-èn-scene (movimentação e posicionamento dos atores em cena) promovido pelo diretor, que, assim como nos ótimos dois primeiros capítulos da trilogia citada, cria momentos curiosos em seu absurdo coreografado, funcionando quase que como uma dança elegante e frenética dos personagens. Ainda podemos observar os característicos travellings e movimentos por demais ousados com a câmera, acompanhando (em planos mais longos) malabarismos insanos dos personagens no meio de suas lutas, sem contar toda a energia e bom humor que transborda de toda essa sequência. Não é atoa que me lembrei de outra recente e brilhante sequência de ação rodada em um trem em movimento, que se deu no excelente western sul-coreano O Bom, O Mau, O Bizarro.

  Mas toda essa perfeição não é mantida durante toda a projeção, e logo após essa sequência o longa vai caindo de qualidade cada vez mais, com uma história por demais pedestre e bobinha, além de totalmente previsível e maniqueísta, para segurar desnecessários 149 minutos de duração, esticando os acontecimentos até o limite para dar esse tempo de duração supostamente épico. O que é pior é, no entanto, que o estilo Piratas do Caribe faroeste aqui vem totalmente forçado, com toda a fantasia e absurdo daquele longa (que lá tanto divertia) aqui surgindo mais como uma maneira de Verbinski tornar seu trabalho mais aberto para um grande público. O que é uma pena, já que O Cavaleiro Solitário possui homenagens à diversas formas de western, desde os mais clássicos (da década de 30) até o western spaguetti de Sergio Leone, mas se vê forçado à ser levinho e descompromissado demais, e momentos como as gracinhas promovidas pelo cavalo branco podem arrancar algumas risadas, mas são simplesmente muito infantis para o longa (o momento em que o cavalo aparece em cima do tronco de uma árvore, usando um chapéu, é até vergonhoso). Aliás, o humor do longa é sempre muito infantil, e a “necessidade” de ser engraçadinho atrapalha o tom do longa, que nunca soa ameaçador e nunca nos leva a preocupar com os personagens principais, ainda mais por afirmar, em certo momento, que um deles é impossível de morrer.

  Engessado pela Disney para tentar repetir o sucesso da citada trilogia, Verbinski não consegue nem mesmo demonstrar a mão boa que tinha para sequências de ação, a não ser na já comentada sequência do assalto ao trem ou ainda a que se passa no clímax que, mesmo não tão boa quanto à primeira, atinge um nível de excelência invejável e divertido. Mas, no geral, as cenas de ação estão tão apagadas, sem energia ou inventividade que, na maioria daquelas que preenche o segundo ato, muitas vezes apenas na metade dessas sequências percebemos que tem ação acontecendo ali, mas nada muito empolgante. A impressão que fica é que o diretor queria fazer algo diferente, mais sério, e não descompromissado como Piratas do Caribe, mas sim como Rango que, mesmo sendo uma animação e com bom-humor, surgia mais centrado e relevante que O Cavaleiro Solitário. Só isso poderia explicar o modo como o longa é absurdamente arrastado em todo o seu segundo ato, contendo sequências inutilmente longas que poderiam muito bem ter sido mais editadas (como todo o hiato entre a saída de John Reid com outros pistoleiros até o momento em que encontra, acordado, o índio Tonto). E se não reclamo do fato do longa ser contado em flashback é porque, aqui e ali, o roteiro e a direção encontram formas um pouco mais inventivas de usar esse recurso, indo e vindo no fluxo narrativo de forma mais fluída, às vezes até mostrando acontecimentos que ainda não ocorreram até onde vimos o filme, e ainda Verbinski é feliz ao, muitas vezes, ligar as cenas de Tonto (Johnny Depp) contando a história para o garotinho e aquelas da linha narrativa normal com raccords que acabam funcionando surpreendentemente bem.
  Já no que diz respeito aos personagens e ao elenco, também não há muitas coisas boas a falar, em especial no caso de Tonto, que já surge à sombra do inesquecível Jack Sparrow. Aliás, o índio aqui é uma versão fraca e sem graça do pirata (e com isso não estou considerando o quarto Piratas do Caribe, que não é do Verbinski e, na minha opnião, não é um filme, mas sim uma piada de mal gosto), funcionando pura e simplesmente como mero alívio cômico e, quando o roteiro tenta lhe dar maior dimensão, falha pela forma clichê como o faz. Assim, a performance de Johnny Depp pode ser muito divertida, mas é muito pouco frente à um ator tão bom como ele. Já o geralmente competente Tom Wilkinson cria um personagem estereotipado e ridículo, ao passo que Ruth Wilson só consegue fazer papel de fêmea em perigo. Armie Hammer, no entanto, consegue aproveitar seu micro-arco-dramático como o protagonista John Reid, enquanto Helena Bonham Carter tem a personagem mais interessante do filme, mas muito pouco explorada.
  Tecnicamente, como não poderia deixar de ser, O Cavaleiro Solitário é impecável, desde os efeitos especiais até à maquiagem, passando por um design de produção sublime que recria os ambientes do Velho Oeste com uma perfeição invejável. No quesito técnico, no entanto, quem mais se sobressai é o excepcional Hans Zimmer, que mais uma vez cria uma trilha sonora fascinante ao compor temas originais e intensos para acompanhar as sequências de ação, e ainda faz algo que fez tão bem em seus trabalhos em A Origem e Sherlock Holmes – Jogo das Sombras, misturando suas criações com trabalhos já existentes, aqui criando tons que remetem à inesquecível faixa da trilha de Ennio Morricone para Era Uma Vez No Oeste, quando o vilão interpretado por Henry Fonda era apresentado; ainda, Zimmer brinca até mesmo ao trazer, em determinado momento, acordes que lembram a peça “O Lago dos Cisnes”.
 Atrapalhado e mal escrito, O Cavaleiro Solitário falha principalmente por tentar ser apenas um faroeste estilo Piratas do Caribe, impedindo que Verbinski pudesse realmente brincar com todas as possibilidades do projeto, o que resultaria em algo bem mais marcante. Não posso dizer que fiquei triste ao ver o fracasso absoluto de bilheteria que o longa representou, e tenho a esperança que possa ensinar uma lição à Disney.


sexta-feira, 12 de julho de 2013


Crítica Truque de Mestre (Now You See Me / 2013 / EUA) dir. Louis Leterrier

por Lucas Wagner

  Em 2006, o “mago” Christopher Nolan criou uma de suas maiores obras-primas no inesquecível e poderoso O Grande Truque. Escrito com imenso cuidado e montado com precisão cirúrgica, o longa funcionava não apenas como um fascinante estudo de personagens, mas ainda como um enorme truque que, extremamente engenhoso, exigia muito do intelecto do próprio espectador para desvendar seus segredos, nunca entregando-os de mão beijada. Olhando dessa maneira, esse Truque de Mestre, de Louis Leterrier, ambiciona ser um truque também, mas é tão inferior e irregular que, no máximo do seu auge, consegue ser um O Grande Truque versão infantil.

  Misturando gênero de assalto com o de ilusionismo, o roteiro de Ed Solomon, Boas Yakin e Edward Ricourt acompanha um grupo de ilusionistas (interpretados por Jesse Eisenberg, Woody Harrelson, Dave Franco e Isla Fisher) que, durante seus atos ao vivo, fazem grandes roubos como se fossem parte da ilusão que praticam, o que coloca o FBI e a Interpol em seu encalço.

  Apostando toda a sua energia na suposta engenhosidade dos truques e ilusionismos, Truque de Mestre consegue de fato divertir um pouco nesses momentos, já que são mais nessas horas que nos vemos surpresos com o que aconteceu e esperando, curiosos, pelas respostas de como determinada coisa aconteceu. No entanto, o filme não é de fato inteligente, como era O Grande Truque, mas apenas espertinho, o que faz com que todo o impacto do que descobrimos seja descartado como mera curiosidade banal, depois que terminamos de assistir, diferente do que acontecia no trabalho de Nolan. E isso acontece muito pelo fato de os roteiristas nunca nos deixarem pensar, sempre entregando tudo de mão beijada, mastigado, para o espectador. E o que é o pior de tudo é que o longa, apesar de divertidinho, é realmente muito óbvio se pararmos para pensar e prestarmos um pouco de atenção no que estamos vendo, o que fica muito evidente pela reviravolta final que, se levemente curiosa, perde a força pela obviedade com que foi construída: é só prestar atenção em como os roteiristas desviavam continuamente nossa atenção de determinado personagem e focavam em outra determinada pessoa; e se lembrarmos daquilo que é mais repetido no longa, sobre a importância de desviar a atenção do espectador para o que realmente importa no truque, é só queimar um pouquinho de fosfato para perceber que é exatamente o que os roteiristas estão fazendo. Então é só olhar para as coisas mais apagadas do filme que perceberemos muitos de seus maiores segredos.

  O fato dos personagens serem, em sua maioria, figuras unidimensionais e desinteressantes, enfraquece ainda mais o longa, já que tira sua força emocional (algo que ele já não tinha, para ser sincero). E assim, o espetacular elenco faz o que pode (bem, quase todos do elenco) com seus fracos personagens, e vemos o esforço dos ótimos Jesse Eisenberg (do maravilhoso A Rede Social e do excelente Zumbilândia) e Woody Harrelson (do recente e divertido Sete Psicopatas e um Shih Tzu e também de Zumbilândia) em desenvolver um pouco, respectivamente, Daniel Atlas e Merrit, obtendo sucesso relativo, enquanto o promissor Dave Franco (do hilário Anjos da Lei) confere a insegurança ideal ao seu Jack Wilder. Completando o grupo de assalto e mágica, Isla Fisher é uma atriz tão insuportável, tão absurdamente chata, que irrita toda vez que aparece. E mais uma vez Morgan Freeman cospe em seu próprio talento ao interpretar uma figura fraca e unidimensional, além de irrelevante, assim como Michael Caine. Quem consegue se sobrepor mais são mesmo Málanie Laurent e Mark Ruffalo. Laurent (linda e encantadora como estava em Toda Forma de Amor) interpreta a agente da Interpol, Alma (nome com simbologia óbvia), com o tom sonhador perfeitamente adequado, travando escassas mas levemente interessantes discussões com o agente do FBI Dylan, que é interpretado por Ruffalo como o personagem mais complexo e multifacetado do longa.

  Com o roteiro problemático e os personagens fracos (apesar dos esforços de parte do elenco), o que realmente impede que Truque de Mestre seja um desastre total é a direção enérgica e dinâmica de Louis Leterrier (do ótimo Incrível Hulk e do péssimo Fúria de Titãs), que não insere um único plano com a câmera fixa em seu trabalho. Assim, o longa se torna desenfreado, adotando um tom frenético que é ideal justamente por desviar a atenção do público para os truques em si e da enorme quantidade de furos do roteiro. A montagem com cortes rápidos (quase rápidos demais) confere energia à competentes sequências de perseguição, ajudadas pela boa trilha sonora de Bryan Tyler.


  Com diversos pontos obscuros e incompreensíveis no roteiro (o que é, afinal, o “Olho”?) e um clímax decepcionante, Truque de Mestre é um passatempo completamente esquecível e bobinho, ambicionando funcionar como um truque, conseguindo sucesso apenas relativo: um coliforme fecal perto de O Grande Truque, mas aceitável perto de Poder Paranormal, que também era um truque, só que sujo.