segunda-feira, 30 de setembro de 2013


Breaking Bad, série completa, SPOILERS!

por Lucas Wagner

 Quem me conhece sabe da minha paixão pelo seriado Breaking Bad, tanta paixão que eu dedicava tempo até para comentar um pouquinho sobre cada episódio. Com o fim da série, decidi escrever um texto mais completo, que acabou grande demais, mas que dividi em tópicos analíticos que estruturam melhor o texto além de tentar tornar a leitura menos maçante. Para quem se interessar, ai está:

HEISENBERG

  Ao crescermos e nos tornarmos adultos é inevitável alguma decepção, alguma sensação de perda, de que talvez esperássemos mais do que do que os rumos que nossa existência tomou. A vida em família, calma e pacata, apreciando as pequenas coisas do cotidiano, tem suas vantagens, mas há uma força maior no ser humano que o impulsiona a almejar mais de sua vida. Essa força pode adquirir proporções monstruosas e consumir tudo, já que, há tanto represada, agora se vê livre e solta para jogar sua fúria sobre todos aqueles que antes à prensavam.

  O que quero dizer é que todo mundo tem um pouco de Heisenberg dentro de si, embora nem todos cheguemos a ponto de liberá-lo com tanta fúria e vontade como fez Walter White. E talvez seja esse o maior dos inúmeros motivos de Breaking Bad ter sido um dos seriados mais fascinantes e aclamados de todos os tempos. Mas vamos com calma. Nesse texto quero dissecar um pouco do meu amor apaixonado pelo seriado.

  Endividado até o pescoço, com uma filha por chegar e um filho com problemas físicos, Walter White já teria com o que iniciar uma depressão. Junte à isso o fato de ser um excepcional químico que tem que se contentar com um trabalho como professor de ensino médio e como caixa de um lava-jato, além da vergonha de ver antigos colaboradores fazendo tanto sucesso com uma empresa que já foi parte sua, e ainda acrescente um orgulho ferido. Agora, só para completar, esse homem pacato e decepcionado consigo mesmo descobre ter câncer de pulmão, sendo que nunca nem mesmo pôs um cigarro na boca. E tem-se o composto orgânico que é White.

  O seu câncer, no entanto, serviu como um impulso para o professor colocar sua vida em perspectiva e soltar um pouco da raiva que tinha dentro de si. Assim, é com alegria que vemos seu sorriso eufórico quando manda seu chefe do lava-jato “se fuder” ou danifica o carro de um babaca engravatado arrogante. Mas ele vai morrer, e sua família precisa de dinheiro. Ele coloca seu conhecimento de química para produzir metanfetamina, pura e impecável, ao lado de seu antigo aluno, e agora traficante, Jesse Pinkman (Aaron Paul). O perigo e a proximidade da morte que Walter enfrenta lhe excita e assusta, e até sua vida sexual melhora. Ele pode sentir o sangue fluindo de novo, algo que não acontecia à muito tempo.

  Walter cria o codinome Heisenberg (físico importante da História) para fazer seus negócios sujos. Mas a euforia e eletricidade dessa nova vida o suga completamente. Aos poucos, vamos presenciando uma dolorosa metamorfose do bom homem de família, trabalhador e gente boa, num psicopata frio e sedento por poder. Walter vira Heisenberg. E para isso, é fascinante como os realizadores vão trabalhando as contradições inerentes desse personagem. Seria absurdo que de uma hora para outra ele se tornasse um vilão todo poderoso. Assim, a série vai desenvolvendo sua relação com Jesse de forma brilhante, com esse servindo como uma ponte para a completa vida de crimes de White. Para que ele pudesse abraçar totalmente as trevas.

  Explico: White é um homem de família, e a ama demais. Para que Heisenberg tomasse conta, ele precisaria estabelecer um vínculo, à principio, familiar com aquele novo universo,  assim justificando sua passagem. E Jesse acaba se tornando esse vínculo, como um filho simbólico, algo que a série demonstra com absoluta maestria em momentos sublimes, como na 2ª temporada, quando faz uma rima visual com Jesse e Holly (a filhinha de Walt), quando o primeiro, depois de usar heroína, é instruído a deitar de lado para o caso de vomitar, e uma cena antes tinham instruído Walt a colocar a menina do mesmo modo no berço; ainda há o momento, na 4ª temporada, em que Walt Jr colocar o pai para dormir, e este, logo antes de adormecer, confunde o filho com Jesse. É icônico ainda que, no fim da 3ª temporada, Walt mate um homem sem nem piscar com o pretexto de proteger Jesse, enquanto na primeira temporada tinha demorado três episódios para matar Krazy 8.

  Assim, outro simbolismo maravilhoso surgiu naquele que é, para mim, o melhor episódio da série, “Fly”, da 3ª temporada. Dirigido por Rian Johnson (responsável por filmes excelentes como Looper e Na Ponta de um Crime), o episódio parava o desenrolar da trama para trabalhar diversos simbolismos, embora um fosse mais importante: o da mosca que Walt tenta tão desesperadamente matar. A mosca lembra a metamorfose vivida por Jeff Goldblum no filme A Mosca, de David Cronenberg, que por sua vez lembra o conto “A Metamorfose”, de Kafka. Se isso já é interessante, mais fascinante ainda é observar que tal simbolismo é construído para mostrar Walter colocando sua “cabeça para fora da água”, pedindo socorro pelo Heisenberg que o consome. Vemos o químico afundando em si mesmo, gritando por ajuda por não conseguir evitar o que virá, a tempestade que a todos destruirá.

  A 4ª temporada trás duas situações importantíssimas para o afloramento total de Heisenberg: a proximidade da morte promovida pela figura do vilão Gus Fring e por Skyler estar tentando reatar a relação familiar com Walt. Com a possibilidade de morrer e também de ter que voltar à vida pacata da qual conseguiu escapar um pouco, Walter se retrai e começa a dar total brecha pra Heisenberg (que tinha ficado levemente retraído depois da separação de Skyler, no 3º ano). Afastando Skyler violentamente (“EU SOU O PERIGO!”, ele diz para ela), Walt vira 100% Heisenberg quando mata Gus, soltando uma de suas mais importantes falas até então: “Eu venci”. Ele não quis dizer que salvou a família e à si mesmo, mas que jogou um jogo macabro e saiu vitorioso. O professor de química humilhado, derrotado à tanto tempo, saiu vencedor e abraçaria essa vitória com toda a fúria existente. E assim, a primeira metade da 5ª temporada deixa Heisenberg solto, e vemos toda a dimensão de sua maldade e poder através do simples prazer que ele sente ao ouvir seu nome (“Say my name!”), até que ele vai, mais ou menos, percebendo os danos dessa sua personalidade, que o tornou um homem temido, mas também solitário. E na segunda metade da 5ª temporada, Walter tenta reconstruir sua vida longe de Heisenberg, mas a metamorfose que sofreu foi profunda demais para isso, e o personagem ainda evidencia diversos traços de comportamento que denunciam a sobrevivência de seu alter ego. Ele chega mesmo a “evocar” Heisenberg em momentos que precisa controlar e manipular, apelando para isso mesmo em relação ao seu cunhado Hank, que agora descobriu seu segredo.

  E assim chegamos à perfeição desse fechamento da série. Tal como o Ozymandias do poema que dá nome ao anti-penúltimo episódio do seriado, Walt é uma espécie de imperador que foi arruinado, e tudo, absolutamente tudo que tinha construído, foi jogado por água abaixo. Como esse lendário homem se comporta nesse ambiente? De forma extremamente complexa, com certeza, onde os roteiristas demonstraram absurda compreensão do personagem que criaram, e lhe deram um fechamento impecável. Walter reconhece o câncer que Heisenberg foi em sua vida. Destruiu sua família, matou gente que amava, lhe transformou em um fugitivo. Mas Walt foi capaz de se compreender ainda mais: ele sabe que gostou da jornada que teve como Heisenberg, sabe que ela lhe fez bem, e sabe que, muito provavelmente, a faria de novo. Isso fica evidente quando Skyler diz “Por favor, não quero ouvir de novo a história de que você fez tudo isso por nós”, e ele responde: “Não. Fiz por mim. E eu gostei. Eu estava vivo”, depois de o vermos tantas vezes afirmar falsamente (embora ela acreditasse na veracidade da fala) que tudo o que fez, fez pela família. É essa melancolia profunda que ele atinge na sua autoanálise que é tão linda.

  Essa melancolia, aliás, se reflete na construção desse belo último episódio da série. Ao invés de investir num capítulo explosivo e furioso, o diretor Vince Gilligan (criador do seriado) tira a trilha sonora original e só permite sons diegéticos (origem no ambiente), e investe numa montagem calma e pausada, que reflete não só a melancolia, mas a resignação de Walter ao realizar seus últimos atos. Ele sabe que é um suicídio, mas ainda assim demonstra inteligência e controle de si mesmo ao, por exemplo, não explodir com Elliot e Gretchen, mas fazer o que era necessário (lhes entregar o dinheiro) para só depois degustar um pouco de uma tortura psicológica angustiante contra os dois. Aliás, a performance de Bryan Cranston nesse último episódio foi sublime e impecável, pelo ator trabalhar até mesmo em um tom de voz que traduz cansaço e, mais importante ainda, calma. Walter não está com raiva. Está plenamente consciente de seus atos e de aquele é o fim.

  E aqui é que está o elemento mais importante: ele olha para toda sua vida com certa tristeza, mas também com orgulho do que viveu. Pode ter sido uma vida transtornada, mas ele experimentou o poder de ser um homem perigoso e lendário, a proximidade da morte, o amor de uma mulher, o carinho dos filhos, o calor de uma amizade, a euforia de uma conquista...e fez tudo isso muito bem. Pode ser que ele tenha destruído tudo, mas ele ainda assim viveu tudo isso. E assim, seu último olhar para Skyler é de profunda significação: ele a olha, como que com uma leve despedida, e logo desvia o olhar. Assim também com Jr, que observa apenas de longe, ou Jesse, a quem salva e evita qualquer manipulação, sendo que a troca de olhares dos dois no fim do episódio é um momento repleto de significados, por trazer, naqueles poucos segundos, uma despedida dolorosa de uma aventura trágica, e de uma relação conturbada, destruída, mas ainda assim, de pai e filho. Ele ainda se despede de seu produto, passando a mão com carinho nas máquinas que se usa para produzir metanfetamina, com um sorriso que revela certo orgulho por ter sido capaz de produzir um produto de alta qualidade (e não é a toa que deixe uma marca de sangue na máquina que toca).

  E assim Walter White/Heisenberg morre como homem consciente de seus erros e de sua própria vida, consciente de que essa valeu a pena. Ele a viveu de forma destrutiva, mas ainda assim a viveu. Assim, Walter se tornou um dos personagens mais complexos da História da ficção, não devendo em nada à ícones como Michael Corleone, Travis Brickle, Jack Torrance ou, até mesmo, Bentinho.

RÁPIDA E INJUSTA PASSAGEM PELOS OUTROS PERSONAGENS

  Breaking Bad não só é o estudo de Walter, mas de diversos outros personagens que vieram a se tornar íntimos do espectador. E cada um deles merecia não um texto, mas um livro apenas para discuti-los em detalhes. Infelizmente, só vou poder fazer isso em alguns parágrafos, algo inerentemente injusto.

JESSE:

  Vamos começar, é claro, por Jesse Pinkman. A trajetória de Jesse no seriado é de moleque irresponsável e inconsequente para um homem deprimido e trágico. No início, era o máximo ver seu lado rebelde e babaca, repetindo a expressão “Yo, bitch!” constantemente, mas contingências complexas fizeram com que ele fosse amadurecendo. Assim, na passagem da primeira para a segunda temporada, Jesse foi renegado pelos pais, viu gente morrer e teve que aprender a derreter corpos em ácido. Isso foi fortalecendo-o, mas não matou, e sim ressaltou seu lado sensível. E isso é muito importante: Jesse é um cara extremamente sensível. Seu envolvimento com drogas o afastou da família, gerando uma lacuna afetiva que ele buscou suprimir através de relacionamentos amorosos como aquele que viveu com Jane e depois com Andrea, ou relacionamentos de caráter filial, como com Walter e Mike.

  Mas a vida, o envolvimento com crimes, foi empurrando o garoto contra a parede: Jane morreu, Mike morreu, Andrea morreu (só que mais para frente) e, no fim das contas, ele percebe que foi Walter o grande culpado. Isso só o destrói ainda mais. Interessante é notar como, a partir de certo momento, Jesse parece querer afastar-se de seus relacionamentos, numa atitude altruísta que visa proteger seus amados, como quando termina com Andrea. Mas a vida de crimes não era para ele, e por mais que ele tentasse se esconder sob uma armadura de frieza e irritabilidade (como no início da 4ª temporada, logo depois de ter matado Gale), essa (a vida de crimes) acabou o consumindo por completo, ao ter que presenciar a morte de uma criança como se não fosse nada (isso na primeira metade da 5ª temporada); o pior de tudo, na verdade, foi a percepção de que aquele que era o seu maior esteio, Walter, ter se revelado um psicopata manipulador. Assim, é curioso que em certo momento do último capítulo Jesse tenha um delírio de que é um carpinteiro, trabalhando sob uma luz divina, enquanto na verdade está produzindo metanfetamina. É uma maneira de Gilligan o mostrar como um mártir sofredor (Cristo).

  A performance de Aaron Paul foi mais do que essencial para o desenvolvimento de Jesse, já que surgiu intensa como necessário, com o ator abraçando toda a intensidade, tragidicidade e sensibilidade do personagem.

SKYLER:

  Apesar de muitos adorarem falar mal dela, Skyler é uma personagem fascinante com um arco dramático extremamente complexo. Mãe e esposa dedicada, a série já acertava ao pintá-la como uma figura justa que desprezava a corrupção (lembram-se de seu desgosto ao perceber que Ted Beneke, seu chefe, era metido com sujeira?). Assim, sua passagem para cúmplice de Walter no crime foi feita com sutileza, para que a mudança não surgisse como brusca. Foi feita de modo pausado o suficiente para que compreendêssemos que ela mudou pelo bem da família, pela manutenção do lar que construiu. Só que essa mudança também transformou sua personalidade, e existiam momentos em que ela afundava no medo e no pânico, numa depressão profunda em que só o amor pelos filhos impedia que ela se matasse (e assim, o momento em que mergulha na piscina, de roupa e tudo, na 5ª temporada, é um lindo símbolo para sua tentativa de se purificar do mundo sujo em que vive); mas também ela se tornou uma tremenda estrategista, capaz de calar sentimentos profundos em prol do uso da razão, como quando cala sua dor por Ted (no início da 5ª temporada) para mostrar frieza e determinação. Para completar, sua despedida da série foi memorável por permitir que vislumbrássemos surpresa em seu olhar quando Walter admite que tudo o que fez foi por motivos egoístas. Depois, quando o ex-marido segura Holly no colo, ela o observa com nostalgia, como se por um breve instante conseguisse enxergar o homem com quem se casou.

  E podem falar o que quiserem da suposta “frieza” na interpretação de Anna Gun, e eu ainda assim retruco dizendo que sua performance foi impecável, delicada, e demonstrou a complexidade de uma mãe de família e esposa amorosa sendo obrigada a se adaptar à um ambiente aversivo.

HANK:

  A trajetória de Hank pode ser muito bem representada por um plano do primeiro episódio da segunda metade da 5ª temporada. Ele estuda vários papéis freneticamente para estabelecer a ligação entre Walter e Heisenberg, colocado no fundo do quadro, enquanto em primeiro plano vemos a propaganda da cerveja caseira que antigamente produzia. Seu arco dramático reside justamente no de um homem gente boa, alegre e brincalhão, que por orgulho ferido acaba se “embrutecendo”, chegando no ápice de sua transformação quando descobre a verdade sobre Walter. Foi fascinante acompanhar sua confusão sentimental nessa última temporada, por ter que encarar seus próprios familiares como inimigos. Aliás, foi justamente isso que por vezes o cegou, como ao não conseguir enxergar que Skyler era uma cúmplice. A atuação de Dean Norris, vale dizer, foi impecável na intensidade crescente que o ator foi dando a Hank.

MIKE:

  O guarda costas “resolvedor de pepinos”, matador sanguinário e ex-policial, foi capaz de conquistar o espectador pelo amor incondicional que tinha pela netinha. Aliás, é basicamente a sublime performance de Jonathan Banks que permitiu que o personagem crescesse tanto, já que o ator apostou num olhar de “peixe morto” que revelava o cansaço de alguém que já viu muito do mundo e que muito pouco o impressiona. Nunca esquecerei o momento em que tem sua orelha parcialmente decepada e solta um suspiro de quem diz: “que saco”. Genial.

GUS:

 Ele pode ter morrido na 4ª temporada, mas merece menção por ter sido um vilão absolutamente genial em sua frieza e perfeição técnica, que sempre evitava que fosse pego, já que apresentava cuidado e inteligência excessivas em sua prática como traficante. Nos aproximamos dele mesmo, no entanto, quando descobrimos que toda essa sua atitude “meio autista” era na verdade sintoma de um homem que aprendeu desde muito cedo que acreditar e confiar nos outros era pedir para ter problemas no futuro.

TODD:

  Podem querer me bater, mas Todd foi o maior antagonista que essa série já teve. Sua natureza infantil é palpável. Ele é inseguro, tem uma feição juvenil, é doce e gentil. Mas revela uma natureza maligna fascinante em atitudes como matar, a sangue frio, uma criança(na primeira metade da 5ª temporada) ou ainda pelo detalhe genial da atuação de Jesse Plemons no sorrisinho que dá quando vê Jesse o destruindo em um vídeo, já que sabe que Pinkman nada mais fará já que está sendo feito de escravo por ele e sua gangue. Mas como não se maravilhar com esse psicopata que ainda dá sorvete para sua vítima simplesmente por achar que fazer isso seria de bom grado?

MARIE:

De princípio estabelecendo-se como a personagem mais chata da série, Marie foi ganhando mais dimensão principalmente após Hank ter quase sido assassinado pelos gêmeos da 3ª temporada, já que ai ela demonstrou a dimensão do amor pelo marido e também seu valor como esposa, quando se mostrou dinâmica e resistente ao aguentar o mal humor de Hank quando este necessitava de cuidados especiais. Pessoa claramente desestabilizada emocionalmente, Marie, se vendo contra a parede em situações adversas, descarregava frustrações através de sua cleptomania, e as sequências que mostram a mulher indo em várias casas p vender, inventando histórias mirabolantes sobre sua própria vida enquanto roubava algo, era um claro sintoma de alguém que não conseguia lidar tão bem com sua própria personalidade (assim, o plano plongée da 3ª temporada em q a vemos numa calçada toda estragada é um símbolo claro p sua psiquê). 

Interessante é, no entanto, notar como nessa última temporada ela pareceu assumir uma posição até mesmo vingativa em relação à Skyler, qnd descobrei a vdd sobre Walt, como se se vingando finalmente da "superior" irmã


WALTER JR:
Filho dedicado, Junior tinha o pai num pedestal, alem de amar muito a mãe. Quando via sua família desestruturada sem poder compreender mesmo o q estava acontecendo, Jr assumia uma posição sempre defensiva em relação aos aparentemente inocentes (nesse caso Walter). Aliás, era comovente ver sua vontade de impressionar o pai mesmo quando esse abusava dele, como na 2ª temporada, em q o fez beber até vomitar.
Essa personalidade foi construída p tornar mais trágico o momento q descobrisse sobre Walter ser criminoso, já q o choque da descoberta teria muito mais relevância. E tal estratégia dos roteiristas foi extremamente bem sucedida.

SAUL:
Sacana, esperto, enganador e falastrão, Saul Goodman foi um picareta maravilhoso cuja natureza desconexa ficava demonstrada com perfeição através de seu constante terno cujas medidas surgiam maiores do q o necessário (detalhe fantástico do figurino). Mesmo sem muita força dramática, acompanhar Saul e suas sempre sublimes tiradas era um deleite para os fãs de Breaking Bad.



SUPERIORIDADE NARRATIVA DE BREAKING BAD

  Uma coisa que sempre me fascinou demais no seriado foi a capacidade de seus roteiristas e diretores de confiar no espectador, o que permitiu que o seriado desenvolvesse uma narrativa sofisticada e intensa.

  Muitos iniciantes no seriado se irritam por seu ritmo pausado, desejosos de ver “coisas acontecendo”. Ora, isso para mim revela enorme imaturidade. Na verdade, é um puta acerto do seriado de evitar “ação demais” e dedicar enorme tempo ao desenvolvimento dos personagens e das relações entre eles. É justamente por isso que, quando tem ação e suspense, Breaking Bad se sai melhor do que qualquer outro seriado; afinal, temos uma ligação emocional com aquelas pessoas e sua morte iria, inevitavelmente, nos afetar.

  Além disso, o seriado conseguiu a proeza de muitas vezes deixar o espectador sinceramente surpreso ou sem conseguir enxergar para onde a história iria caminhar. Peguemos, por exemplo, o início dessa segunda metade da 5ª temporada. Depois que Hank descobriu a verdade sobre Walter, deduzimos que ainda demoraria para ele encarar o lendário Heisenberg, mas os roteiristas fizeram isso ainda no primeiro episódio da segunda metade, “quebrando as pernas” do espectador de conseguir fazer qualquer previsão que fosse.

  O realismo de Breaking Bad (embora por vezes quebrado) também foi uma de suas maiores virtudes, já que as situações se tornavam palpáveis. Até mesmo o modo que lidaram com o acidente de Hank, na 3ª temporada, foi impecável, já que a dificuldade de reaprender a andar foi demonstrada perfeitamente e com a crueza necessária; aliás, esse acidente continuou mantendo suas sequelas até o fim da série. O humor do seriado também se revelou genial, apesar de ter diminuído gradativamente (o que foi um acerto), mas sempre se mostrou ácido e perspicaz. Como já tinha dito, a confiança no espectador foi outra grande virtude, já que os realizadores evitaram ficar martelando situações óbvias.

  O melhor de tudo na narrativa é a construção de conflitos fascinantes em que os lados opostos apresentavam imensa inteligência e perspicácia. Cada um dos oponentes (Walter vs Gus; Walter vs Hank; etc) tinha a habilidade de antecipar os movimentos do outro, criando assim um jogo intenso e imprevisível, além de muito mais empolgante por, acima de tudo, compreendermos os dois lados da moeda.

SUPERIORIDADE TÉCNICA DE BREAKING BAD

  Apesar de tudo isso que falei no texto até agora, o que eu mais amei no seriado é sofisticação absoluta da sua construção técnica, que o coloca acima da maioria das obras cinematográficas da atualidade. Pois o fato é que Breaking Bad sabe usar imagens para contar sua história, preferindo apostar na construção de ironias e poesias visuais que dizem muito mais do que se os personagens discorressem longamente sobre determinado assunto.

  Primeiramente, as cores. Breaking Bad estabeleceu, desde início, uma ligação íntima com cores. A família era representada por azul, e o crime pelo vermelho e amarelo. Logo, no início da série, Skyler vestia sempre azul, e Jesse vermelho e amarelo. Mas Walter sempre verde. Por quê? Misture azul (família) com amarelo (crime) e tem-se a cor verde. Walter era, no início do seriado, uma mistura das influências familiares e da nascente vida no crime. Mas essa lógica foi mudando, como não poderia deixar de ser. Em certo momento, Jesse parou de usar vermelho e amarelo, quando começou a se afastar emocionalmente do crime (quando Jane morreu, na 2ª temporada), e Skyler parou com o azul, quando passou a usar mais branco como uma cor neutra das influências da família. Já Walter passou a usar mais vermelho e branco, apenas usando azul ou verde em momentos estratégicos.

  Essa lógica das cores não se ateve “apenas” ao figurino, mas também aos elementos do cenário. Quando se depara com sua casa destruída, Walter vê o nome “Heisenberg” pichado de amarelo na parede, ou ainda Jesse, quando Badger e Skinny Pete discutem Star Trek, tem atrás de si uma televisão em que imagens psicodélicas das cores amarelo, verde, azul e vermelho se misturam interminavelmente, numa representação clara de seu estado mental confuso e obscuro, repleto das influências que foi recebendo ao longo do tempo. Também, no último episódio, quando está no carro parado, um carro da polícia passa por Walter, lhe jogando no rosto as cores azul e vermelho, enquanto ele diz para si, acreditando que ia ser pego, “apenas me leve para casa”. Nessa mesma lógica impecável, o símbolo da piscina que citei na segunda parte do texto, no subtópico sobre Skyler, é mais genial ainda se observarmos que ela mergulha numa piscina totalmente azul, buscando ser engolida pela simples e pura lógica familiar de antes (como disse: azul = família), que ela tinha abandonado no seu figurino (parecia agora só vestir branco). Acima de tudo, essa lógica das cores assume um detalhe de brilhantismo absoluto no último episódio da 3ª temporada, quando, em um ambiente de Laser Tag, Jesse e Walter ficavam piscando nas cores azul, vermelho e verde, numa referência genial ao momento dos video-games mais antigos em que o personagem está perdendo a vida, e fica piscando em cores; o fato das cores serem exatamente essas apenas torna tudo mais sublime.

  O design de produção também acertou ao explorar imensamente as possibilidades narrativas dos ambientes. Assim, na 2ª temporada, era fascinante observar Walter alucinado tentando consertar os alicerces de sua casa logo depois de ter deixado Heisenberg extravasar ao fazer Walt Jr beber muita tequila e ter brigado com Hank; era como se Walter estivesse tentando “corrigir o erro em sua base”. Dessa forma também, o laboratório debaixo da lavanderia era adequadamente vermelho.

  Dirigido por verdadeiros gênios como Michelle McLaren, Peter Gould e os já citados Vince Gilligan e Rian Johnson, além do próprio Bryan Cranston, Breaking Bad apresentava a capacidade de criar planos repletos de significados, que ainda conseguiam estabelecer determinados estados emocionais em seus espectadores. McLaren, por exemplo, fazia referências ao faroeste ao filmar Walter e Hank como pistoleiros, em certo momento da 5ª temporada. Vários enquadramentos da última temporada, por sinal, traziam seus personagens sozinhos em planos abertos, representando a solidão em que se viam. Houve até mesmo um plano genial, nessa última temporada, em que Walter era visto no lado de fora da casa de Andrea, e uma cruz católica era visível bem perto da porta, como se o ícone religioso impedisse a entrada do demônio (Heisenberg); nessa perspectiva ainda existe outro plano evocativo em que o esqueleto de uma cabeça de boi era mostrado em primeiro plano enquanto Walter era visto no fundo do quadro. A mise en scéne (movimentação e posicionamento dos atores em cena) foi quase sempre impecável em todo o seriado, passando ideias como a de Walter como um poderoso chefão ao trazê-lo sentado enquanto Mike e Jesse ficavam em pé, ou ainda ao trazer um plano com Skyler no ponto de fuga esquerdo (mais fraco, trazendo ideia de inferioridade) e Marie no ponto de fuga direito (mais forte = ideia de superioridade). Assim, Breaking Bad acertou imensamente no sábio uso de técnicas cinematográficas complexas para desenvolver ideias e relações.

  Falando em técnicas cinematográficas, a fotografia do seriado foi um de seus pontos mais fascinantes, por também conseguir evocar diversas ideias. Observem, por exemplo, como essa última temporada constantemente trazia seus personagens nas sombras, ou em ambientes escuros, sem nenhum foco de luz. Isso foi algo muito observável na trilogia O Poderoso Chefão e que Breaking Bad usou em seu próprio beneficio, clamando pela natureza sombria de seus personagens, além de ressaltar a situação aterradora em que se encontravam. Também, há um plano nesses últimos episódios que eu amo, com Walter no meio do quadro, enquanto Todd no fundo é iluminado pela cor vermelha e seu tio Jack fica nas sombras, como um monstro. Aliás, no último episódio podemos enxergar a inteligência da fotografia em diversos pontos, como ao trazer, em um plano aberto, Walter iluminado por cores sombrias enquanto Elliot e Gretchen ficam em um ambiente mais iluminado, quando ainda não sabem do intruso em sua casa; também, é fascinante que a casa de Skyler venha iluminada por uma coloração verde, ressaltando a influência massacrante que Walter exerceu em sua vida.

  A montagem também não poderia ficar de fora, pois segue o mesmo principio dialético que Sergei Eisenstein tanto discutiu em seu livro O Sentido do Filme. A montagem é dialética por construir significados a partir da ordem de cenas (lembram-se de Tempos Modernos, de Chaplin, quando ele corta de ovelhas para operários saindo da fábrica?). Breaking Bad abraçou esse princípio com paixão fervorosa e investiu pesado nesse recurso para contar a história. Um exemplo perfeito seria um que citei na seção “Heisenberg”, sobre o corte de Holly deitada de lado para Jesse sendo instruído a deitar do mesmo jeito, o que transmite a ideia não só da relação pai/filho de Walt e Jesse, mas também da carência emocional e meio orfã deste último ao compará-lo com um bebê. A montagem também foi utilizada com perfeição com intenções cômicas, como na 1ª temporada, quando de Hank falando sobre como Heisenberg é perigoso, corta para Walter logo depois de acordar, se olhando mediocremente no espelho. Aliás, o uso de raccords era um fetiche constante dos realizadores, brincado a valer com o recurso, como ao cortar de um sopro de Jesse para uma máquina de vapor em funcionamento.

  Essa inteligência técnica do seriado também foi utilizada como recurso apenas estilístico, em diversos momentos, o que deu uma marca e charme próprios ao programa. A câmera, por exemplo, muitas vezes era colocada em lugares inesperados, como skates, tanques de gasolina, braços e pás, o que produzia um efeito visual curioso. E a trilha sonora também não poderia deixar de ser comentada, já que, desde a poderosa e viril trilha original composta por Dave Porter, até a seleção da trilha incidental (músicas existentes selecionadas) se revelou impecável e dinâmica.

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  Aqui vai meu extenso porém incompleto e injusto texto sobre Breaking Bad. Não é possível fazer jus à toda genialidade do programa, mas busquei descrever um pouquinho o por quê da minha paixão pelo seriado, além de ter servido como desculpa para que eu pudesse passar mais algumas horas mergulhado nesse fascinante universo que Vince Gilligan criou.

  E como não amar uma série cujo último episódio chama FELINA = FE (ferro), LI (lítio), NA (sódio) = sangue, metanfetamina, lágrimas? 

  É...vai fazer falta viu...


Notas das temporadas: 1: *****          4: *****
                                      2: *****          5: ***** 
                                      3: *****


sábado, 28 de setembro de 2013



Crítica Frances Ha (Frances Ha / 2013 / EUA) dir. Noah Baumbach

por Lucas Wagner

  Em seus trabalhos, o cineasta Noah Baumbach merece méritos por buscar explorar temas íntimos com uma abordagem direta que pode acabar assustando quem não está preparado. É justamente esse o grande mérito de seu A Lula e a Baleia, obra prima absoluta que colocava um microscópio nos membros de uma família destruída. Mas o cineasta também é sensível o suficiente para sempre nos fazer aproximar de seus personagens, por mais difíceis que sejam. E é aqui que Frances Ha se insere na carreira do diretor de modo levemente diferente, como virei a explicar no decorrer do texto.

  Escrito pelo próprio diretor ao lado da atriz protagonista, Greta Gerwig, Frances Ha é um estudo da personagem título e seu universo. Com 27 anos de idade, Frances ainda não amadureceu o suficiente para pelo menos ser considerada adulta. Uma personagem que não usa cartão da crédito, apenas de débito, por não se considerar uma “pessoa de verdade” ainda (leia-se: adulta). Apostando em um sonho parado de se tornar uma bailarina oficial de uma determinada companhia de dança, Frances parece mais preocupa em se divertir com sua colega de quarto e melhor amiga, Sophie, do que se dedicar a conquistar sua independência e sucesso profissional, ou mesmo pessoal. Assim, não é surpresa que, ao surgir uma oportunidade de emprego dentro da companhia, sem que seja voltado para a dança em si, Frances nem considere, numa atitude infantil para alguém passando por apuros financeiros.

  Uma dentre várias atitudes infantis. Porém, nunca observamos Frances como uma preguiçosa inútil, mas sim como uma criatura um tanto pura em sua inocência. Pois, de fato, ela não é mais que uma garotinha presa no corpo de uma adulta. Sim, ela bebe, fuma e transa, mas a inocência com que enxerga o mundo é de uma doçura palpável, sem maldade alguma. Ela realmente acha, como uma criancinha, que tudo se resolverá por si só, e que ela pode se divertir, por mais que solte verbalizações constantes sobre a necessidade de dinheiro. E essa personagem em muito funciona devido à excelente performance de Greta Gerwig (que já trabalhou com Baumbach no bom Os Solteirões), que, através de maneirismos e gestos juvenis, além uma eterna expressão de inocência e olhar distante de sonhadora, transforma a protagonista numa figura tridimensional e verossímil, além de difícil de não adorar.

  O caso é que Frances é uma espécie de ser ideal em um mundo de certo modo corrupto. A fotografia totalmente em preto e branco, por sinal, é uma ótima sacada de Baumbach por inserir aquela personagem angelical num mundo sem cor/sem vida, que é o mundo da vida adulta. Aliás, os maiores erros que acabam com Frances residem justamente em ela não adaptar sua cabecinha juvenil às constantes e inevitáveis mudanças, perdas e traições da idade adulta. Assim, é um fato que os melhores amigos da infância/adolescência tendem a seguir seus próprios caminhos, independente de como isso pode afetar aqueles próximos deles, mas Frances acredita que tudo será sempre um conto de fadas divertido, e chega a deixar ótimas oportunidades de amadurecimento (como morar com o namorado) acreditando que sua melhor amiga faria o mesmo. E é claro que ela não faz: ela é uma adulta no mundo real.

  É constante enxergar como as pessoas sempre estão se traindo, se mostrando capazes de atitudes e comportamentos que antes desprezariam, como aqui fica evidente em uma personagem que dizia desprezar certo tipo de homem, mas se casa com um que possui todas as características que antes desprezava. E essas pessoas, que abandonam seus predicados em prol de “amadurecimento”, em um tom exagerado, muitas vezes acabam percebendo seu erro tarde demais, procurando assim uma espécie de “retorno” simbólico para a juventude. É enxergando isso, esse tipo de fato da vida, que Frances vai completando seu arco dramático, adquirindo uma forma de sabedoria que só alguém com aquele tipo de inocência poderia alcançar. Só alguém que, mesmo admitindo a infantilidade de um sonho, ainda assim ousa em continuar acreditando numa ideia fantástica de conexão verdadeira com algum outro especial (e o monólogo em que Frances revela esse sonho revela o ápice da atuação de Gerwig).

  E é assim que Baumbach vai conduzindo seu longa: com uma doçura contagiante que acaba revelando uma melancolia por trás da história que conta. Só que essa melancolia não faz de Frances Ha um longa triste e mórbido. De modo algum. E isso é algo que Baumbach e Gerwig trabalham com genialidade através do arco dramático da protagonista, que permite que ela amadureça não de modo a se tornar mais fria e cínica (características, infelizmente, essenciais para se viver no mundo capitalista moderno), mas de um modo no qual ela não traia sua própria autenticidade, mantendo sua inocência mas sabendo se comportar no mundo com uma sabedoria tácita que só alguém com alma de criança alcançaria. E assim é linda a rima que o diretor cria com o próprio nome do filme.

  Não que Baumbach seja infalível na direção. A cronologia é bem confusa: o tempo em que o longa se passa é muito curto para tudo aquilo, que parece durar muito mais mas não leva, na prática, muito mais que um ano. Além disso, a finalização do longa, embora com acertos e poesia inegáveis, surge falha ao ser por demais abrupta, não permitindo que a trama se feche com devida naturalidade. Por outro lado, é interessante que o cineasta invista numa trilha sonora evocativa, com tons infantis e músicas “jovens”, que às vezes surgem repetidas justamente para dar a ideia de fadiga; além disso, a sequência em que Frances visita os pais no Natal é interessantíssima, por Baumbach criar uma montagem que revela o caráter enfadonho e tedioso daquelas visitas anuais; não poderia deixar de comentar a inteligência do cineasta na construção, bem no final do filme, de uma mise en scène que revela com economia a mudança de Frances em relação ao seu passado*.

  Se A Lula e a Baleia (ainda melhor filme do cineasta) e Os Solteirões traziam em si mais melancolia em suas resoluções, embora fosse uma melancolia funcional, Frances Ha consegue ousar em manter uma visão de que, mesmo num mundo dominado pela frieza, por adultos sempre competitivos, isolados e tristes em vidas conformistas e individualizadas, a inocência poderia ter lugar, desde que se adaptasse, mesmo que só em parte, ao mundo ao seu redor.

*SPOILER: Me refiro à cena em que, logo depois da apresentação do número de dança, Frances converse com Benjy (sempre moleque mimado) enquanto está sentado numa posição superior.


sexta-feira, 27 de setembro de 2013


Crítica Só Deus Perdoa (Only God Forgives  / 2013 / França, Dinamarca) dir. Nicolas Winding Refn

por Lucas Wagner

 Assim como o cineasta coreano Park Chan-Wook, o dinamarquês Nicolas Winding Refn tem sua filmografia calcada na violência. Só que se nos trabalhos do coreano seus personagens iam abraçando as trevas gradativamente (vide meu texto sobre seu Segredos de Sangue), os trabalhos de Refn contam com personagens com uma natureza inerentemente violenta que por vezes buscam abraçar com prazer (Bronson) e outras vezes causam sofrimento e os obriga a tentar escapar (Drive, Guerreiro Solitário). Nesse Only God Forgives o diretor mais uma vez abraça esse tipo de personagem, fazendo de seu foco a criação de um universo obscuro que faz dessa obra uma quase literal viagem ao Inferno.

  Escrito pelo próprio diretor, Only God Forgives começa mostrando os eventos que levam à morte de Billy (Tom Burke). Debaixo de uma rede de corrupção policial está o seu assassinato, e essa rede colide com a vida de Julian (Ryan Gosling), irmão de Billy, a quem a mãe, Crystal (Kristin Scott Thomas), manipula para encontrar e matar os responsáveis pela morte do irmão.

  Como dito, Refn busca nos levar à um passeio ao inferno, algo que deixa claro logo no início do filme, quando, junto com o diretor de fotografia Larry Smith, mergulha o clube de boxe tailandês onde Julian trabalha numa coloração vermelha forte. Aliás, a temática infernal fica literalmente ilustrada pela enorme imagem demoníaca que existe no clube, ou quando Billy, sem motivo aparente, diz: “vamos encontrar o diabo”. Durante todo o longa o vermelho é a cor principal, o que causa constante incômodo no espectador por ampliar a sensação de podridão e perversão do que estamos vendo, além de ressaltar a natureza violenta dos personagens. Mas Refn e Smith buscam “endemoniar” ainda mais as coisas na criação de planos repletos de significados, como quando Crystal está parada na frente de uma abertura na parede que, coberta por detalhes de pedra, deixa entrar uma luz amarela forte (lembrando fogo) misturada com o vermelho, transformando-a num verdadeiro demônio. O que é fascinante se observarmos a construção da ironia cristã que o longa desenvolve em relação ao seu título, já que o que acompanhamos nesses 90 minutos são almas condenadas e à deriva no Inferno.

  Mas a inteligência de Refn e Smith não acaba ai. Parece que apenas as mulheres apresentam algum sinal de pureza, e a cor predominante para ilustrá-las fica sendo o azul, cor que entra em constante choque com o vermelho. Mas não é com qualquer mulher que essa lógica funciona aqui, mas em específico com Mai (Ratha Phongam), que aparece banhada em um azul suave, trazendo a ideia de pureza e leveza, algo bem especificado em um plano que divide com Julian, quando esse fica banhado no vermelho e ela no azul suave. Quanto às outras mulheres, elas aparecem também sob coloração azul, mas geralmente num tom tão exagerado e forte que faz com que a pureza dê lugar à ideia de perversão, sujeira. Aliás, vai de acordo com a ideologia cristã que a noção de exagero venha junto com a de pecado.

  O vilão Chang (Vithaya Pansringarm) também merece citação pelo modo como Refn vai construindo-o. Policial corrupto, Chang apresenta uma visão distorcida de moralidade logo de cara, quando trai sua própria palavra de maneira fria, talvez usando sua promessa como desculpa para ver mais violência e justificar sua própria, numa psicopatia assustadora. E não é a toa que Refn o filme, em certo momento, fumando um cigarro tranquilamente, com o olhar distante e frio, enquanto um ato de extrema violência ocorre não muito longe. Mais interessante ainda é observar que alguns dos poucos momentos em que a fotografia aparece “limpa”, sem tom forte de alguma cor, é quando mostra Chang com sua família, o que deixa o personagem mais complexo ainda, apenas utilizando uma sutil estratégia visual: como se ele pertencesse a dois mundos distintos. A emoção forte que esse homem frio demonstra quando canta (algo que faz umas três vezes ao longo da projeção) também entra em choque com a psicopatia, deixando-o mais ambíguo do que já era.

  O protagonista interpretado por Ryan Gosling segue muito da lógica de outros personagens de Refn, só que ligeiramente mais suave. Afinal, por trás de sua frieza, podemos enxergar em Julian uma espécie de criança indefesa e carente, principalmente devido à sua relação disfuncional com a mãe. Sempre preferindo o irmão mais velho, Billy, ao mais novo, Crystal constantemente menospreza Julian como sendo bem menos do que ela esperaria como filho (em certo momento ela faz até mesmo um comentário embaraçoso sobre o tamanho de seu pênis). Refn sugere uma relação incestuosa dela com os filhos, já que a sexualiza de modo a transformá-la em uma criatura libidinosa (a roupa com que é apresentada no filme, lembrando uma ninfeta tarada, serve justamente à esse propósito). Em certo momento, Refn quase escancara essa situação, ao construir uma mise en scène em que ela surge acariciando os músculos de Julian, ao mesmo tempo em que o manipula sutilmente. A atuação de Kristin Scott Thomas se revela, nesse ponto, fenomenal, pois a atriz consegue trabalhar a personagem de modo a transformá-la em uma criatura manipuladora e peçonhenta como uma serpente, investindo em pequenos movimentos faciais para evidenciar a complexidade da personagem (o seu deleite orgástico ao ser beijada no rosto por Julian é bem evidente, assim como o ciúme que demonstra do filho em certo momento, que fica claro sem que ela “desça do salto”).

  Julian então foi criado por uma mulher que apresentava todas as características necessárias para desenvolver uma psicose no filho. Sem nunca deixar de menosprezá-lo, a mãe ainda o seduzia para conseguir que ele fizesse serviços sujos para ela. Assim, Julian se transformou num indivíduo solitário, extremamente carente e com uma séria tendência para a violência, que ele tenta deixar guardada dentro de si, mas que às vezes não consegue evitar que extravaze. Sua carência, aliás, é a característica mais interessante, que Refn busca trabalhar na sua relação com a prostituta Mai, por quem o protagonista é apaixonado.

  O que fica evidente é que Julian evita tocá-la, embora deseje. Talvez não o faça para não “sujá-la” com seu mundo podre. E assim prefere entrar em delírios sexuais que muito revelam sobre sua personalidade. Quando está atado à uma cadeira (detalhe importante) enquanto a vê se masturbar, delira com um corredor sombrio e, é claro, vermelho (com alguns tons azuis!), caminhando para uma abertura escura (simbolismo para a vagina de Mai?), e quando ele insere a mão por essa abertura, seu braço é cortado por Chang, representando assim a castração mas também o medo que o personagem tem do vilão (embora tenhamos aqui que imaginar que ele sabe da fama do vilão, pois aparentemente ainda não se conhecem). Mas Refn demonstra delicadeza naquela que é a melhor cena do filme, quando Julian delira de novo, vestindo uma camiseta preta, enquanto vê Mai dançar atrás de uma cortina vermelha; nesse momento, seu delírio o mostra com uma camiseta branca enquanto Mai (sutilmente iluminada de azul), guia sua mão para debaixo de sua saia. Tal momento, confesso, me lembrou da belíssima cena do beijo no elevador de Drive já que, em essência, tem significados parecidos.

  Aliás, o mais interessante de Only God Forgives é como ele parece representar uma espécie de prelúdio espiritual de Drive. Podemos ver aqui o nascimento do motorista calado, taciturno, solitário e psicopata de lá. Os eventos de Only God Forgives (tirando, é claro, um possível elemento bem no finalzinho do longa, que deixa uma ambiguidade) poderiam justificar psicologicamente o por quê do motorista sem nome ter aparecido sem passado algum na oficina do personagem de Bryan Cranston, e ainda justificaria o por quê dele ter se fechado tanto e ter tamanha carência por contato humano. Além disso, a parceria entre Ryan Gosling e Refn se revela novamente acertada, com o minimalismo do ator representando com perfeição a complexidade interna e violenta de Julian, ressaltando sua solidã, sem deixar de lado seu lado mais calejado emocionalmente (a falta de expressão ao ser humilhado pela mãe na frente de Mai é assustadora).


  Refn pega uma história clichê e desinteressante e transforma num longa complexo e sombrio, não poupando o espectador do desconfortável passeio ao Inferno que propõe. E por isso mesmo, apesar de tão controverso (o filme foi vaiado no Festival de Cannes), Only God Forgives representa mais um esforço admirável de um cineasta sempre interessante.

*Críticas minhas de outros filmes dirigidos por Nicolas Winding Refn:



quinta-feira, 26 de setembro de 2013



Dexter, série completa, com SPOILERS

por Lucas Wagner

Avaliação temporadas: 
                       1: *****
                       2: ****1/2
                       3: *****
                       4: *****
                       5: **
                       6: ****
                       7: *
                       8: *

  Depois de ter finalizado a inesquecível Lost, entrei em um estado de completo desânimo quanto a seriados. Depois de assistir um ou dois episódios de alguns, simplesmente desistia, pensando que nunca encontraria nada tão fascinante quanto o citado seriado de J.J. Abrams. Mais de ano depois me deparei com Dexter (quando a série estava em sua 5ª temporada), e fiquei extasiado. A trama intrigante de um psicopata cujo pai adotivo, compreendendo que o que o filho tinha era incurável, o ensinava como canalizar seus impulsos assassinos apenas em pessoas que “mereciam” era simplesmente genial, além de emblemática por si só.

  Mais importante do que sua premissa eram seus personagens. Fomos aprendendo a amar cada um deles, em seus defeitos e qualidades. Batista em seu alcoolismo e senso de honra; Laguerta em sua “filha da putice” mas também em suas qualidade como líder e mulher genuinamente amorosa; Masuka em toda sua esquisitice; Quinn em seu lado crianção inconsequente mas também no seu amadurecimento pessoal e profissional. E, é claro, Debra Morgan, a personagem que eu mais amei no seriado, já que era uma mulher forte, mas cuja força escondia uma criatura frágil e insegura de si, que tinha no seu irmão, Dexter, um porto seguro ao qual ela sempre voltava quando precisava de apoio. Em uma fala fascinante ainda da 1ª temporada, Dexter descrevia a irmã com perfeição: “Eu usava a fragilidade como máscara para minha frieza; já Deb usava a frieza como máscara para sua fragilidade”. Apresentando carinho no desenvolvimento de seus personagens, os realizadores de Dexter criaram indivíduos fascinantes que, de uma forma ou de outra, se tornaram nossos amigos.

  E o próprio Dexter Morgan não poderia ser deixado de lado. Intrigante em sua essência, Dexter apresentava as características essenciais de um sociopata quando mostrava sua incapacidade de sentir. Aprendendo com o pai, Harry Morgan, que para funcionar em sociedade ainda cumprindo seu lado negro, deveria socializar e apresentar-se sempre como criatura frágil e indefesa, Dex era literalmente um lobo na pele de cordeiro. E numa performance impecável, Michael C. Hall conseguia divertir na confusão de Dexter em relação aos sentimentos ao mesmo tempo em que amedrontar quando este liberava seu lado demoníaco, o “Passageiro Negro”, como ele o chamava. Compreendendo que o cerne de toda sua força estava nesse fascinante protagonista, os realizadores desenvolveram um arco dramático central em que uma parte era resolvida em cada temporada de forma simbólica. E esse arco dramático central era o de que Dex, afinal, poderia sentir como outras pessoas, sendo que o único impasse era o condicionamento que seu pai lhe impôs, quando aprendeu que nunca poderia sentir, o que tornava extremamente difícil para que ele descriminasse quando estava sentindo ou não.

  Assim, na impecável 1ª temporada, Dexter começava a perceber que não era todo um demônio quando foi desvendando seu passado, descobrindo como veio a ser o “monstro” que se tornou. Na necessidade inerente (embora não descriminada) de pertencer, Dex enxergou em Rudy/Brian (seu irmão) uma porta para essa aceitação; ser aceito como ele era (um assassino frio e calculista) e não como parecia ser (o amiguinho de todos). E isso levou à 2ª temporada, quando vemos Dex em extrema crise de identidade, quando sua própria capacidade de matar parecia ter ido pro vácuo. Aliás, foi ao apostar numa complexidade tão grande que a 2ª temporada (apesar de ótima) acabou decaindo, por os próprios roteiristas parecem ter tropeçado um pouco no trabalho de seu protagonista, sendo às vezes por demais confuso.

  Voltando à um clima mais ameno na 3ª temporada, Dexter descobria que iria se tornar pai, o que desencadeou uma série de dúvidas palpáveis, já que agora ele não seria responsável só por si, mas por outro ser vivo também; além disso, Dex foi desenvolvendo uma amizade significativa com Miguel Prado, onde buscava aceitação na tentativa de ensinar outro a ser um assassino perfeito como ele. Mas foi na sublime, fascinante, maravilhosa 4ª temporada que Dexter alcançou uma complexidade insuperável. Pai e esposo, começou a projetar muitos planos no pacato Arthur, quem ele sabia ser o tenebroso Trinity Killer (interpretado com perfeição por John Lightow), e que aparentemente tinha encontrado uma maneira saudável de balancear seus impulsos assassinos com uma vida de família, algo que Dex precisava. O caso é que Trinity serviu de espelho para Dexter enxergar a impossibilidade de seus planos, já que os impulsos assassinos não seriam mantidos longe de sua família, mas viria à corroê-la como um câncer.

  Muitos reclamaram da estrutura meio rígida dessas temporadas. Sempre um assassino novo em Miami, com quem Dexter criava uma ligação e era desenvolvido nessa relação. Eu não reclamo (não nessas temporadas) pois acho que era uma forma fascinante que os roteiristas encontraram de trabalhar a complexidade do protagonista, em especial quando a ironia tomava conta (o fato de Dex ser o assassino procurado na 2ª temporada, justamente quando ele estava em crise de identidade, foi uma puta sacada). Fora que, guiados pela estupenda performance de C. Hall, fomos nos aproximando cada vez mais de Dexter, e o ator merecia todas as glórias do universo por tornar compreensível personagem tão intrincado. Sempre pudemos compreender (apesar de o próprio Dexter não) a vontade de pertencer do personagem, e como ele se enganava sob a forma de verbalizações como “não sou como os outros”, apesar de em certos momentos ficar muito claro que ele estava sendo guiado por sentimentos (o momento, da 3ª temporada, em que mata um pedófilo por ter demonstrado interesse sexual em Astor e Cody, seus enteados, vem logo à cabeça). Assim, quando ele finalmente percebia que estava sentindo, era um choque para todos, e não é possível não se lembrar da 4ª temporada, quando ele percebeu que realmente amava sua família, que ela não era apenas uma fachada.

  Misturando com perfeição o drama e a comédia (essa, em especial, nas 1ª, 3ª e 4ª temporadas), Dexter ainda entregava uma construção impecável de suspense, que ia deixando o espectador gradativamente mais tenso ao longo da temporada, e não consigo deixar de comparar (narrativamente, não tecnicamente) a perfeição do suspense da 4ª temporada com a perfeição de um Se7en (que foi homenageado na temporada: o assassino tira Rita de Dex, assim como tirava a mulher do detetive Mills no filme) e O Silêncio dos Inocentes. Não é a toa que devorei a 4ª temporada sem pausa alguma, na virada de uma noite.

  Então, foi com desagradável surpresa que a 5ª temporada se revelou tão decepcionante, e tivesse marcado o declínio estrondoso que a série começou a enfrentar. Mudando os roteiristas (agora eram os responsáveis por 24 Horas, que eu não assisti), Dexter começou bem o 5º ano, com um primeiro episódio que lidava com maestria com o luto de Dexter em relação à morte de Rita (e o momento em que ele mata um sujeito qualquer num banheiro público sem planejamento e com mais violência do que o habitual, foi um dos mais marcantes de toda a série), mas despencou ao não conseguir estabelecer bem a Lumen como um veículo para o desenvolvimento do protagonista, já que a personagem se revelou um mulherzinha insuportável que só sabia chorar e resmungar. Além disso, a trama em si da 5ª temporada falhava ao, diferente dos anos anteriores, impedir que estabelecêssemos uma ligação dos eventos narrados com a psicologia do protagonista, separando assim coisas que vinham antes tão intrincadas na série.

  Surpreendentemente, a 6ª temporada deu um up na série. Com as mortes mais assustadoras de todo o seriado, o 6º ano revelou verdadeira genialidade no tratamento do protagonista, criando vilões, Travis e o Dr. Geller, que com toda a certeza representavam a divisão psíquica de Dexter. Afinal, depois de seu relacionamento com Rita, Dexter passou a sentir, e a descriminar isso. Percebeu que poderia ser como os outros, que com o tempo, sob certas condições, seu “Passageiro Negro” iria sumir. Assim, Dex focalizou suas forças em salvar o frágil Travis das mãos do satânico Dr. Geller, numa tentativa clara de salvar o Dexter bom do “Passageiro Negro”. Então, quando descobrimos que Geller não era nada mais nada menos que uma fantasia esquizofrênica do na verdade terrível Travil, ficamos, como Dexter, chocados e compreendíamos como aquilo afetava o protagonista. Infelizmente, os dois últimos episódios atrapalharam a temporada ao, além de criar um suspense e situações fraquíssimas, investirem em uma história babaca de que Debra era na verdade apaixonada por Dexter, o que não era mais do que uma tentativa ridícula dos roteiristas de aumentar o impacto da descoberta dela sobre a verdadeira natureza do irmão.

  E assim a série foi morrendo. A 7ª temporada se revelou terrivelmente medíocre. Começando bem na análise da nova dinâmica da relação entre Debra e Dexter, e com um vilão assustador e complexo (excelente atuação de Ray Livingston), a temporada foi caindo na criação de tramas frágeis e de acreditar que o relacionamento entre Dexter e Hannah era a libertação última do protagonista. Era ridículo e absurdo que Dex ficasse repetindo que, com Hannah, ele descobriu que poderia sentir. Mentira! Desde de o início ele foi descobrindo isso, conhecimento que se solidificou na 4ª temporada!

  Já morta, a série atingiu um nível ainda mais absurdo de mediocridade em sua pavorosa 8ª temporada. Causando mais vergonha do que qualquer outro sentimento em seus fãs, a temporada enrolou até seus últimos episódios para criar uma trama “mais sólida”, que na verdade não era sólida coisa nenhuma. Sério mesmo que vilão mais importante da série foi Oliver Saxon/Daniel Vogel? Não que a atuação do cara, cujo nome nem sei, tenha sido ruim, mas o personagem era muito fraco e surgiu de uma subtrama que não ajudava na resolução do arco dramático de Dexter. Aliás, é palpável o desespero dos roteiristas quando tentar conferir alguma grandeza à série ao colocar Dex finalmente “abraçando os sentimentos” e tendo que encarar uma última vez uma escolha: uma família ou um assassinato. Sem contar que toda a história do furacão Laura foi uma vergonhosa tentativa de deixar tudo mais épico (apesar de ter permitido uma fotografia sombria e assustadora que caiu como uma luva).

  Era esse o final que esses personagens mereciam? Debra virando um vegetal inútil enquanto Dexter abandona o que construiu para afundar em culpa? Certo, entendo a ironia de Deb ter sido destruída, em última instância, por Dexter, mas as circunstâncias que levaram à isso foram muito fracas! A incompetência dos roteiristas foi gritante ao apostar em coincidências absurdas para fazer esse final “funcionar”, como o fato do detetive que estava no encalço de Hannah ter aparecido num momento “oportuno” para foder tudo. Sem contar que esses roteiristas são tão safados que só aproximaram Quinn e Debra de novo para tentar aumentar o impacto emocional de sua morte, falhando novamente. Aliás, Debra (a quem eu tanto amava) foi um vegetal inútil essa temporada inteira, só sabendo reclamar e chorar (como Lumen!) ou se envolver em caminhos inverossímeis para seu desenvolvimento, como a aceitação de Hannah. E nessas últimas temporadas a estrutura da série realmente incomodou (enquanto antes não o fazia), já que tinha ficado por demais absurdo que Miami tivesse tantas toneladas de serial killers por metro quadrado.

  Errando mais ainda ao apostar que a ligação com Hannah era mesmo a salvação de Dexter (ela pode ser uma mulher linda, mas também é a mais fraca e unidimensional das ligações do protagnoista), esses roteiristas malditos conseguiram fazer de Dexter uma rede de esgoto cheia de lixo, merda e tudo quando é podre, enquanto antes era algo tão lindo e fascinante.

  Lamentável.

terça-feira, 24 de setembro de 2013



Crítica Elisyum (Elisyum / 2013 / EUA) dir. Neil Blomkamp

por Lucas Wagner

  Distrito 9 é provavelmente uma das mais importantes ficções científicas da década passada, e isso por diversos motivos, entre eles, a própria estética de documentário, o ritmo frenético e intenso, levando o espectador à beira da poltrona o tempo inteiro, além da criação de um anti-herói complexo e trágico a quem odiamos mas para quem também torcemos; mas acima de tudo, a distopia criada pelo diretor Neil Blomkamp era fascinante por ser uma metáfora intrincada que explorava com muita propriedade todas as possibilidades críticas da proposta. Blomkamp agora volta com uma nova ficção científica mais arrojada visualmente e que em muitos aspectos remete ao seu trabalho anterior, mas que acaba decaindo muito por não saber lidar tão bem com sua própria ambição.

  Escrito pelo próprio Blomkamp, Elisyum também conta uma distopia, desta vez sobre condições em que a Terra se tornou inabitável, tanto pela poluição quanto pela superpopulação, o que obrigou as pessoas mais ricas e poderosas, desejosas por manter o seu estilo de vida, a passarem a viver em uma estação espacial que fica na órbita da Terra, que recebeu o nome de Elisyum (metáfora advinda da mitologia grega, onde esse era o nome do lugar para onde as almas boas e inocentes iam depois da morte). As pessoas pobres, sem recursos, ficavam apodrecendo na Terra, sonhando em talvez um dia ir para a estação, mas enquanto isso vivendo em um ambiente sujo, decadente e corrupto.

  Apesar de pegar muito emprestado da trama da obra-prima Wall-e, Blomkamp faz bem ao construir um universo realista e que, como muitas boas ficções científicas, serve como convite à reflexão sobre ideias e possibilidades futuras. O universo do longa é perfeitamente palpável, onde a Terra um dia será inabitável e que as pessoas mais pobres ficaram privadas dos benefícios que só o dinheiro pode comprar. Além disso, o diretor acerta ao tocar em temas sensíveis como mostrado pelo papel da Secretária da Defesa interpretada por Jodie Foster, que usa de meios ilegais e toma medidas drásticas e violentas para erradicar qualquer possibilidade de pessoas da Terra entrarem em Elisyum; ainda é interessante que Max (Matt Damon) em certo momento seja criticado por trabalhar honestamente, sintoma de uma sociedade tão sem esperança que o próprio ato de sonhar se torna criticável; não há também como não notar a violência com que os policiais-robôs tratam as pessoas da Terra (que não são nem chamados de cidadãos), ou ainda como o atendimento de serviços é sempre feito por robôs, ressaltando a distância que os habitantes de Elisyum procuram do seu antigo planeta.

  Aliás, o filme poderia até gerar discussões interessantes no círculo da sociologia promovida por nomes como Zygmunt Bauman, Anthony Giddens, Anderson Clayton, entre outros, que discutem o estabelecimento de uma “sociedade do Glamour”, onde busca-se viver com o máximo de prazer possível, abraçando o belo (que só com dinheiro se compra) e erradicando aquilo que é feio, que é desagradável. A criação de um outro habitat, que segregasse aqueles com predicados suficientes para serem aceitos em uma sociedade hedonista com uma monodisposição para o prazer daqueles que não tem predicados para serem aceitos como membros, parece ser a forma última da desumanização promovida pela globalização e advento de tecnologias como a internet e os celulares, que individualizam mais e mais os seres humanos e dão subsídios à manutenção dessa sociedade do Glamour. Aliás, os luxuosos condomínios fechados de hoje servem como uma versão reduzida de Elisyum, pois, no fim das contas, serve ao mesmo propósito de criar um mundinho próprio para quem pode pagar.

  Ainda assim, Blomkamp peca terrivelmente ao abandonar a exploração dessas ideais quase totalmente a partir da metade do longa, quando transforma esse em apenas um filme de ação. É verdade que, nesse aspecto, ele continua relativamente competente e empolgante (como discutirei mais adiante nessa crítica), mas perde tudo aquilo que o fazia caminhar para ser um grande filme, jogando fora para se tornar um blockbuster qualquer. Também não há como não comentar que Blomkamp apresenta uma tendência perigosa na repetição da mesma estrutura de Distrito 9, fazendo com que a jornada de Max aqui siga basicamente os mesmos passos e seja controlada por quase as mesmas variáveis de Markus lá.

  Visualmente também, Elisyum comete erros perigosos. O design de produção faz muito bem ao fazer da Terra uma imensa favela, e também ao criar Elisyum de modo que remeta diretamente à Citadel do jogo de vídeo-game Mass Effect, mas peca ao fazer da estação espacial um ambiente totalmente monótono e repetitivo, ignorando as diversas possibilidades visuais para se focar apenas no mais óbvio possível: pequenos lagos, gramados e casas envidraçadas. Mais errada ainda é a fotografia de Trent Opaloch. Acertando ao fotografar a Terra com uma imagem granulada e uma luz estourada, passando a ideia de calor, angústia, sujeira e desespero, Opaloch e Blomkamp (muitas das decisões da fotografia partem também do diretor) erram terrivelmente ao manter a mesma lógica em Elisyum, o que entra em contradição com o ambiente higienizado que este deveria ser; muito mais certo seria ter fotografado a estação com cores frias, tendendo ao cinza e ao azul escuro, além de cortar a granulação, criando uma imagem plastificada que passaria a ideia de falsidade. Mas em relação aos efeitos especiais o longa se sai bem, principalmente em detalhes como ferrugens na lataria dos robôs.

  Como dito antes, Blomkamp entrega toda a segunda metade da projeção para a ação, criando um clímax de sangue e violência que surge, como em Distrito 9, dirigido com uma habilidade imensa, onde o diretor demonstra toda sua competência na criação da tensão e intensidade necessárias. Aliás, Elisyum é, como Distrito 9, Looper e Dredd, ou seja, um dos raros blockbusters atuais que tem a audácia de explorar toda a dimensão da violência das situações, além de não poupar nos palavrões.

  Infelizmente, diferente dos outros três longas citados, Elisyum não conta com personagens tão fortes ou marcantes que nos façam torcer por eles. Não que o elenco não faça um bom trabalho. Jodie Foster abraça a vilania absoluta da Secretária da Defesa de Elisyum, ao passo que Alice Braga ressalta o caráter de princesa trágica de Frey. O genial Wagner Moura empresta intensidade imensa à Spider, interpretando-o como um sujeito imoral e ambíguo em suas intenções, e Sharlto Copley mais uma vez rouba a cena todas as vezes que aparece, fazendo do mercenário Kruger um indivíduo completamente insano e absurdo em sua psicopatia desenfreada. E Matt Damon fica com um papel ingrato de um protagonista cujas motivações são óbvias e por vezes clichês, mas ainda assim consegue extrair intensidade e determinação do personagem, conferindo peso dramático ideal à Max.

  Filme menor na ainda iniciante carreira de Blomkamp, Elisyum tem predicados suficientes para que não percamos esperança no trabalho desse diretor, que ainda tem muito o que mostrar e explorar.