sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Resenha filme "Looper - Assassinos do Futuro" (Looper / 2012 / EUA) dir. Rian Johnson

por Lucas Wagner

  Desde a maravilhosa trilogia De Volta Para o Futuro vimos escassos filmes sobre viagens no tempo que se desafiavam a ir além de simplesmente repetir as ideias contidas nos três filmes de Robert Zemeckis. Alguns dos raros são os inesquecíveis Triângulo do Medo e Donnie Darko, e ainda assim suas tramas exploram coisas mais complexas do que simplesmente viagens no tempo, flertando com temáticas como universos paralelos, por exemplo. Não que simplesmente por não trazer algo mais original que todos os outros filmes de viagens no tempo tenham sido ruins, afinal, tivemos longas excepcionais como O Homem do Futuro e, é claro, o terceiro ato de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Mas agora temos esse Looper, escrito e dirigido por Rian Johnson, um longa que, mesmo apresentando alguns problemas de estrutura, certamente é ambicioso e interessante, construindo uma trama complexa e intrigante que ainda por cima não se esquece de desenvolver seus personagens.

  Sem estragar alguma surpresa, posso tentar resumir uma sinopse da seguinte forma: no ano de 2044 ainda estamos a 30 anos da criação da máquina do tempo, que se tornou ilegal assim que criada. Passou a ser usada, então, por organizações criminosas que, para eliminar algum “empecilho” humano, mandam essa pessoa para o ano de 2044, em que existem os chamados loopers, responsáveis por eliminar esses prisioneiros vindos do futuro e se livrar dos corpos. Tudo ocorre bem para o looper Joe (Joseph Gordon-Levitt) até que é lhe enviado para ser eliminado seu “eu” 30 anos mais velho (Bruce Willis). Ao cometer o erro de deixá-lo escapar, o Joe jovem parte em uma caçada para reverter seu erro, enquanto toda a organização looper está em seu encalço.

  Esse resumo que fiz na verdade não faz jus ao longa, já que o roteiro de Johnson não se contenta em construir apenas um ótimo filme de ação (e com a trama que descrevi acima, convenhamos, isso não seria nem um pouco impossível), mas leva seus personagens a situações cada vez mais complexas, criando uma trama intrincada e criativa que vai se tornando mais e mais ameaçadora, chegando até seu intenso clímax. No entanto, embora inventivo (não tanto como os citados Triângulo do Medo e Donnie Darko, mas tá valendo) o roteiro de Johnson acerta ao inserir homenagens a outros grandes clássicos sobre viagens no tempo, que se inserem de maneira extremamente orgânica à narrativa, contribuindo ainda mais para o enriquecimento do longa. O clássico mais homenageado é O Exterminador do Futuro, algo que fica claro a partir de certo momento, com Johnson reforçando essa fonte com referências mais diretas (que não citarei aqui por serem spoilers) e outras mais sutis, como o fato do nome da personagem de Emily Blunt ser Sara o que, juntamente com algumas situações a envolvendo, torna claríssima a ligação com a inesquecível Sarah Connor (interpretada por Linda Hamilton nos filmes de James Cameron), além do modo como o diretor de fotografia Steve Yedlin fotografa Blunt e sua fazenda, com cores quentes e nostálgicas que lembram diretamente as viagens de Sarah Connor e seus cabelos loiros ao pôr do sol no final de O Exterminador do Futuro. Até mesmo o cabelo de Blunt está igual ao de Connor.

  Fora esses aspectos da trama, vale comentar que a visão de futuro do filme, mesmo não tão fascinante e original como a de um Blade Runner ou Minority Report, funciona bem como uma crítica velada à sociedade que, como discute o sociólogo Zygmunt Bauman, cada vez mais se volta à satisfação imediata e inconsequente do prazer. Desse modo, vemos aqui uma enorme quantidade de pessoas se afundando em drogas e sexo descontrolado, desperdiçando potenciais fascinantes como telepatia de forma inútil, ao mesmo tempo em que os cidadãos se mostram mais individualistas e violentos, o que fica claro quando um homem, ao ver um bem material seu ser roubado, não pensa duas vezes antes de atirar no ladrão. Porém, confesso que achei meio estranho que Johnson tenha optado por filmar um futuro sem várias inovações tecnológicas, já que no presente vemos novos produtos surgirem a cada semana. Mas, se pensar bem, Johnson pode ter optado por essa abordagem por achar que ela contribuiria para sua visão de sociedade decadente. Só que não me pareceu muito realista, nesse sentido tecnológico.

  Com uma direção impecável de cenas de ação, que surgem sempre intensas e bem montadas (além de acompanhadas de um excepcional design de som), Johnson mantém a narrativa sob rédeas firmes durante boa parte da projeção, conseguindo manter um clima tenso ao mesmo tempo em que consegue trabalhar cenas mais intimistas visando o desenvolvimento dos personagens e da trama. Johnson ainda se mostra seguro para brincar um pouco mais ao flertar com efeitos e técnicas mais “exageradas” sem, no entanto, deixar que esses recursos se tornem repetitivos/cansativos, como as excelentes câmeras inclinadas ou ainda quando gira a câmera em 360° quando um personagem acaba de se drogar.  Além disso, é extremamente eficiente a sequência em que o cineasta visa mostrar a rotina vazia e entediante de Joe, numa ótima montagem onde se repetem várias vezes os eventos de cada dia, ou quando estabelece uma maravilhosa e reveladora rima visual que mostra duas personagens femininas passando a mão no pé de outros personagens masculinos (e mais fascinante ainda é que não são nem os mesmos personagens, o que comprova a compreensão do diretor quanto ao seu trabalho ao aproveitar essa chance para reforçar a relação psicológica entre Cid e Joe “jovem”). Ainda a fotografia de Steve Yedlin se mostra competente ao investir em uma paleta triste e sombria durante a maior parte do tempo, apenas mudando essa lógica nas cenas da fazenda de Sara (Emily Blunt) e de Joe “velho” (Willis) com sua esposa no futuro, quando investe em tons mais claros e quentes, que ajudam a reforçar (além da homenagem já comentada a O Exterminador do Futuro) a importância desses ambientes na vida dos protagonistas, nos seus arcos dramáticos. Também vale comentar a trilha sonora de Nathan Johnson que, no melhor estilo Hans Zimmer, consegue ajudar a manter o ritmo do filme enquanto dá o tom necessário tanto para cenas mais agitadas quanto para aquelas mais sensíveis.

  Apesar de eficaz, Rian Johnson comete alguns erros relativamente graves tanto no roteiro como na direção (e se digo “relativamente” é porque o longa possui acertos maiores que certamente nos fazem querer ignorar esses erros). Como eu disse antes, o diretor consegue viajar entre ritmos mais agitados e outros mais “quietos” com certa destreza, mas isso não acontece em todo momento. De vez em quando, Johnson é brusco demais ao quebrar o ritmo completamente para mudar para outro âmbito bem diferente da história, como quando usa o desmaio do Joe “jovem” para voltar um pouco atrás na narrativa e contar as contingências que levaram o Joe “velho” ao passado; ou outra ainda que perturba é quando o cineasta trava bruscamente de novo a velocidade da narrativa, desta vez para mostrar a rotina de Sara. Falando em Sara, a trama envolvendo ela e seu filho Cid (Pierce Gagnon), embora importante e fascinante, é introduzida apenas no meio do filme, o que é um erro básico e juvenil em direção. Também o relacionamento que se desenvolve entre Joe “novo” e Sara surge um pouco de repente demais, sem próprio desenvolvimento, embora possamos encontrar facilmente a razão da atração dos dois a partir de nossa própria boa vontade e do material que o já nos foi fornecido pelo roteiro. Ainda nessa linha, é decepcionante que a trama secundária envolvendo o personagem de Kid Blue (Noah Segan) estivesse sendo desenvolvida com tanto cuidado apenas para ter um fim decepcionante que nos faz indagar por que Johnson dedicou tanto tempo àquele personagem afinal. Infelizmente ainda preciso constatar que Johnson algumas vezes (mas não o suficiente para irritar) investe em coincidências para fazer o roteiro funcionar, o que é um recurso fraco e preguiçoso. Esses e alguns outros erros, embora graves, se tornam rasos diante do tanto que nos envolvemos com a trama e com os personagens.

  Os personagens receberam atenção especial de Johnson, que reuniu aqui um elenco fantástico que cumpre com perfeição seu papel. Joseph Gordon-Levitt finalmente ganha papel de protagonista de ação (algo que – ainda – não conseguiu com o cineasta Christopher Nolan, com quem trabalhou duas vezes), e interpreta Joe “novo” com a mesma disciplina rígida com que interpretou Arthur em A Origem. Homem sério, pragmático e meticuloso, Joe é um sujeito que vive uma rotina atordoante, apoiando as esperanças de uma vida mais “diferente” na perspectiva de ir para Paris. Embora tenha uma fachada de racionalidade impassível, Joe sofre absurdamente por dentro, por suas experiências traumáticas na infância e pela própria rotina em que vive. Aliás, ele se condiciona a ser frio a ponto de trair pessoas queridas a ele, por ser o mais “racional” a se fazer, mesmo que a culpa o destrua (e é fascinante e revelador que, no momento em que trai determinada pessoa, busca ainda se manter por cima ao bater de frente com seu chefe mesmo em um assunto bobo, já que o chefe diz que ele deve ir para China enquanto ele afirma que vai para Paris, várias vezes). O arco dramático que passa ao longo do filme se revela extremamente tocante, quando ele vai se suavizando na relação com Sara e Cid. E Gordon-Levitt é impecável ao demonstrar complexas emoções sem, no entanto, fazer grande estardalhaço quanto a elas, já que isso trairia a natureza do próprio personagem; o ator ainda revela mais e mais sobre a personalidade do rapaz através de pequenos gestos (observem o momento em que arruma uma de suas barras de prata s que está fora do lugar). E sobre tal figura, Bruce Willis não está atrás de Gordon-Levitt, e cria um Joe “velho” igualmente fascinante. Tendo apanhado e aprendido da vida até encontrar algo pelo qual realmente valha a pena vive, Willis encarna com absoluta perfeição um homem que perdeu tudo e se vê numa cruzada desesperada e brutal para resgatar o que tinha (e o ator revela ter colhões de titânium principalmente na fantástica cena de ação do headquarters dos loopers). O astro não deixa de lado momentos mais sensíveis (como quando é obrigado a fazer uma coisa particularmente horrível) ao mesmo tempo em que se diverte ao mostrar uma versão mais madura do Joe “novo”, chamando este de “garoto estúpido”, por exemplo. Ele olha para si mesmo também, como jovem, com uma inegável melancolia ao ver aquele garoto egoísta e imaturo, que vive morrendo de medo e se escondendo em si mesmo, e sabe que ele vai sofrer bastante. Aliás, o encontro de Gordon-Levitt e Willis em uma lanchonete representa um dos melhores (senão o melhor) momentos do filme, já que, além de extremamente divertido, esse é um momento intimista que nos leva a conhecer demais aquelas figuras psicologicamente falando, além de suas diferenças. E nem precisa dizer da qualidade dos dois atores nessa cena não é?

  Do elenco mais secundário quem se destaca mais é Jeff Daniels, como Abe, um sujeito melancólico que, vindo do futuro, exerce a função de chefe dos loopers. A partir de detalhes específicos, o ótimo ator vai desenvolvendo seu personagem a ponto de, mesmo sem possuir muitas cenas, sentirmos que o conhecemos profundamente. Além disso, o roteiro deixa subliminar uma relação intrigante (que não posso revelar aqui) entre ele e Kid Blue, o que o torna mais fascinante. Kid Blue que, como já foi comentado, tem um desfecho decepcionante, mas é belamente interpretado por Noah Segan que nos leva a gostar e compreender o sujeito. No entanto, não consigo compreender o por que de Paul Dano trabalhar com personagens sempre tão insignificantes, mesmo depois de seus extraordinários papéis em Pequena Miss Sunshine e Sangue Negro.

  Mas, no que se refere a atuações, quem domina esse filme mesmo é Emily Blunt e o garotinho Pierce Gagnon. Linda como sempre, eu não consegui resistir a me apaixonar por Blunt, que cria uma Sara tão complexa, tão sensível e tão trágica ao mesmo tempo. Ela possui uma fachada de força, de dureza, que usa para proteger seu filho Cid dos males do mundo, e esconde por trás dessa dureza, um grito de ajuda e desespero, que parece sempre entalado na garganta, e tudo isso pelo seu imenso amor pelo filho. Blunt (que até hoje nunca tinha tido verdadeira chance de demonstrar seu talento) interpreta Sara com uma força e doçura cativantes, dando enorme dimensão à personagem. Já Pierce Gagnon é inegavelmente o melhor ator do elenco, e tem apenas seis anos. Se apresentando com um potencial enorme de ser um grande ator no futuro, o garotinho chega a assustar em sua interpretação de Cid, equilibrando tristeza, melancolia e infantilidade numa medida fascinante. Ele chega a assustar na absurda intensidade de sua atuação em diversos momentos e, mesmo que saibamos de seu potencial para se tornar uma espécie de Darth Vader no futuro, é impossível não nos comovermos com aquele garotinho sofrido e trágico, que já teve sua infância completamente estilhaçada por contingências terríveis. Gagnon merecia é um Oscar por essa sua interpretação, isso sim, que é tão madura, mas tão madura, que consegue demonstrar com maestria até mesmo os sentimentos confusos que tem em relação a Sara. Genial esse moleque.

  Diante disso tudo e da trama intrigante, nos vemos envolvidos tanto emocionalmente quanto intelectualmente pelo filme, que é capaz até mesmo de levar às lágrimas (uma mulher atrás de mim chorou profundamente e seu namorado fez a imbecil pergunta “tá chorando?” e ela respondeu: “e como que não chora?!”), Looper possui ainda um clímax impecável, que fecha belamente o longa.

  Extremamente violento (em uma cena vemos um homem explodindo em câmera lenta) e intenso,  Looper é um ótimo filme, sem dúvidas, mesmo com defeitos graves, como já discutido. Gostei tanto que o assistirei ainda mais algumas vezes, sem dúvidas. Recomendadíssimo.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012


Resenha filme "Poder Paranormal" (Red Lights / 2012 / EUA) dir. Rodrigo Cortéz

por Lucas Wagner

  É simplesmente terrível a sensação que se tem quando se está assistindo um filme excelente, complexo e desafiador, com personagens intrigantes e um clima empolgante e interessante, e este longa, bem no finalzinho, implode completamente, sem qualquer mínima possibilidade de salvação. Infelizmente foi essa mesma a sensação que tive ao terminar de ver esse Poder Paranormal. Se, durante boa parte da trama (para falar a verdade, até os cinco minutos finais) estávamos acompanhando um filme desafiador e complexo, que enxerga na Ciência a solução de diversos problemas e o verdadeiro caminho para o conhecimento, além de contar com atuações impecáveis do trio principal (principalmente da extraordinária Sigourney Weaver) nos cinco minutos finais ele destrói tudo isso em prol do simples espetáculo. Assim, a sensação que temos ao sair da sala de cinema é de profundo desapontamento. Mas vamos por partes. Primeiramente discutirei como o filme estava andando, para depois comentar a reviravolta final (e nesse momento seria melhor que quem não viu o longa, não lesse).

  Escrito e dirigido por Rodrigo Cortéz (do aclamado e corajoso Enterrado Vivo), Poder Paranormalconta a história da psicóloga Margareth (Weaver) que, juntamente com o físico Tom Buckley (Cillian Murphy), se dedicam a desacreditar a parapsicologia, a taxando de pseudo-ciência e considerando suas “manifestações” (como mediunidade, por exemplo) como farsas. Até que o famoso médium Simon Silver (Robert De Niro) entra em atividade novamente, levando-os em uma busca para desacreditá-lo.

  O roteiro de Cortéz se revelava completamente anti-dogmático, mesmo dentro do contexto liberal de hoje em dia, em que é “feio” criticar crenças religiosas. O caso é que, como fica bem claro em certo momento do longa, cada Ciência possui sua pseudo-ciência: na astronomia seria a astrologia; na medicina, a acupuntura e a homeopatia; e na psicologia seria a parapsicologia (embora não seja apenas essa a pseudo-ciência dentro da psicologia, mas deixa quieto, senão terá muita gente me torrando a paciência ao ler isso). O mundo de hoje em dia, mesmo em pleno século XXI, encontra diversas pessoas perdidas e que não aguentam um “vazio” de uma vida que tem fim; ou seja: não suportam a ideia da não existência de vida após a morte. Assim, muitas dessas pessoas se põem contra o caminho da Ciência, funcionando como freio para o progresso do conhecimento simplesmente porque não conseguem amadurecer intelectualmente o suficiente para poder enxergar na Ciência não niilismo e “desumanização” (infelizmente é enorme a quantidade de pessoas que acreditam que ela é “desumana”), mas uma forma confiável e sistemática de poder adquirir conhecimento. Muitas pessoas ainda preferem viver em suas pequenas caverninhas intelectuais, escutando seus pastores e padres e dando as costas para coisas mais fascinantes justamente por serem comprovadas. Não que não exista um Deus ou o que quer que seja (isso ninguém pode comprovar), mas a crença em Deus não deveria servir como barreira para o avanço científico simplesmente porque essa não passa a mão na cabeça de cada um e cria normas e comportamentos padronizados para poder se conseguir uma vida boa após a morte. A Dra. Margareth e o Dr. Buckley são como que dois cavaleiros solitários, assim como, na vida real, são os físicos Marcelo Gleiser e (foi) Carl Sagan, na busca da chamada alfabetização científica.

  Encontrando dificuldades para atuar mesmo dentro de sua própria Universidade, Margareth e Buckley se veem muitas vezes desacreditados e sem dinheiro para poder realizar aspectos básicos de pesquisa (a sala de trabalho deles é atulhada e bagunçada, cheia de equipamentos velhos e ultrapassados), mas não desistem, e muitas e muitas vezes “quebram a cara” de quem se pôe contra o seu caminho. Nesse sentido, a cena da aula no início é impecável já que demonstra a imensa confiança da Dra e do Dr no seu conhecimento, conseguindo rebater com absoluta maestria (ao mesmo tempo que com delicadeza), qualquer dúvidas quanto à validade de seus experimentos e teses. O roteiro de Cortéz fica praticamente 100% do lado da Ciência (eu não estou considerando a reviravolta final, vejam só), e em nenhum momento busca explicações místicas para os acontecimentos. Até mesmo quando mais desacreditamos e a situação se torna desesperadora, existe uma explicação natural. A propósito, a confiança que desenvolvemos em relação aos doutores é enorme, e se torna, a partir de determinado momento, um estratégia genial de Cortéz para desenvolver o suspense, como discutirei no parágrafo seguinte.

  Com a chegada de Silver, a situação muda. Estamos diante do que parece ser um verdadeiro e poderoso médium. De início, estamos com a confiança tão enraizada nos doutores que esperamos uma explicação racional. Quando essa vai ficando cada vez mais de lado e difícil de ser encontrada, e passam a sofrer com o ódio de Silver que detesta que tentem desacreditá-lo, ficamos imensamente angustiados e tensos, ficando desesperados como os protagonistas. Deve existir uma explicação racional, mas porque então não a encontramos? Nesse momento, Cortéz se revela relativamente bem na construção do suspense, conseguindo construir uma atmosfera pesada e claustrofóbica que nos deixa tensos. Mas seu suspense é apenas relativamente bom devido ao fato de que Cortéz muitas vezes investe no senso comum, com pessoas aparecendo do nada, sustos falsos e acordes altos na trilha sonora, gerando cenas que nos deixa com um sentimento de vergonha alheia como aquela em que Buckley segue o pessoal de Silver pela rua. Mas, ignorando essas tristezas, o suspense funciona muito bem, ao mesmo tempo em que, surpreendentemente, Cortéz não deixa de lado sua defesa científica e coloca o suspense em primeiro lugar. Mesmo quando parece que estamos vendo apenas um suspense comum, na verdade tudo isso está acontecendo para descrever e discutir o valor da Ciência.

  Fortalecendo ainda mais o longa, temos um trio principal de personagens fascinantes e complexos, interpretados com maestria por seus atores. Cillian Murphy (de A Origem, Batman Begins, Extermínio) foge da armadilha do roteiro que tenta simplificar seu personagem a partir de racionalizações clichês de seu comportamento (envolvendo, para variar, a mãe), e transforma Tom Buckley em uma pessoa complexa (observem como muda sua atitude e seu tom de voz, ficando mais amargo e carrancudo, ao contar sua história para a futura namorada) que enxerga na Dra. Margareth uma figura materna, e vê na Ciência uma fonte de conhecimento verdadeiro e sistemático. A ótima química que se estabelece entre Murphy e Weaver é, aliás, importantíssima para que os eventos do segundo ato deem certo e façam sentido (psicologicamente falando) para o personagem. Agora, Robert De Niro está fantástico, sublime, interpretando Silver com reminiscências de sua performance no maravilhoso Coração Satânicode 1987. Arrogante mas gentil, Silver vai se revelando uma figura cada vez mais ambígua e rancorosa, não suportando que tentem desacreditá-lo e usando todos os recursos possíveis para destruir (física e psicologicamente) quem quer que seja que o considere um impostor e realize alguma ação contra ele (e a ambiguidade que gira em torno da morte de um cético que o atacou filosoficamente na década de 70 é mais material para se pensar sobre sua personalidade), e De Niro demonstra tudo isso com intensidade absoluta. Mas não é só, e ele se revela mais complexo ainda no impecável monólogo que tem em um momento quase no terceiro ato, quando De Niro demonstra uma sabedoria monstruosa como ator ao se dedicar a usar uma cadência cansada e deprimida para dizer sua fala (e as próprias palavras que diz são belamente escritas por Cortéz, como: “Ser ou parecer que é, eis a questão. Sempre foi”).

  Mas os maiores créditos de atuação vão mesmo para a maravilhosa Sigourney Weaver, uma atriz com um talento grandioso que rivaliza com o de outras deusas como Fernanda Montenegro ou Maryl Streep. A eterna Ellen Ripley interpreta Margareth como uma cientista confiante a ponto de ser arrogante (observem como ela evita tocar na mão de uma médium, no início do filme, por desprezo). Tendo experiência de 30 anos de trabalho, ainda trai um sorriso ao quebrar uma teoria parapsicológica, mediúnica, demonstrando sua superioridade e sabedoria. Mas ela também é gentil, quando não está irritada, e, como fica claro na já citada cena da aula, não despreza crenças alheias, mas continua firme e forte em suas propostas e provas científicas. Mas, quando é para brigar (como na cena de seu debate na Tv) ela não demonstra escrúpulos e defende a Ciência com unhas e dentes, falando coisas muitas vezes que ferem outros no mais profundo de suas próprias crenças, sem se importar com isso, no entanto. Porém, ela é ainda mais complexa quando observamos que esse niilismo com que enxerga o mundo, muitas vezes a machuca, e a falta de perspectiva da existência de vida após a morte lhe fere e ela se encontra desesperada ao tentar manter o filho (um vegetal deste criança, devido a um mero tombo inesperado) vivo por meio de máquinas, simplesmente porque “sabe” que não existe nada depois da morte. Aliás, Cortéz é sábio ao usar o filho e seu infeliz e caótico acidente como uma variável, mas não justificativa para a racionalidade da personagem. Weaver tem uma performance forte e comovente, jamais suavizando Margareth, mas permitindo que a compreendamos melhor e que soframos com ela quando se mostra mais sensível, como na maravilhosa cena em que, numa conversa com Buckley, revela sobre a única vez em que teve dúvidas sobre a existência ou não do sobrenatural, o que faz com que compreendamos sua resistência ao investigar Silver, e nos sensibilizamos com esse fato. Weaver compõe a personagem a partir de detalhes cuidadosos e calculadíssimos que deixam bem claro a preparação dela para o trabalho. Lindíssima performance. Lindíssima.

  Bom, se o filme acabasse 5 minutinhos antes do que acaba, estaria quase terminando minha resenha, concluindo que Poder Paranormal é um filme excepcional, mesmo com alguns probleminhas. Mas não é assim, e o longa, em cinco minutos, revela uma bomba que destrói tudo que tinha construído. E agora quem não viu o filme não é aconselhado a continuar a ler a resenha. Pode ler o último parágrafo, mas só. Bom, agora só para quem viu o filme: quando descobrimos que Silver é uma farsa, a tese do longa de que a Ciência é confiável e segura parece confirmada, mas então descobrimos que o próprio Buckley é um médium. Com isso, o filme se destrói, cai numa lama de irracionalidade e desmente todo o resto que vinha trabalhando. Eu gostaria de dizer que isso surgiu do medo de Cortéz de desagradar o público mais religioso, já que isso seria ainda melhor do que a verdade. Mas a realidade é que, em retrospectiva, vemos que o plano de Cortéz era tratar o filme inteiro como um truque de mágica, desviando a atenção do espectador de detalhes específicos para a trama que discuti até agora. No final, descobrimos que tudo que se discutiu sobre Ciência, todas as reflexões feitas foram apenas para desviar nossa atenção (o principal segredo de um truque de mágica é desviar a atenção do público, como no filme mesmo é dito). Observem como Buckley é um sujeito apagado no início do longa, por exemplo, justamente para que não prestemos atenção nele. Além disso, essa reviravolta ainda simplifica demais os conflitos do personagem, colocando que era apenas sua vontade de ter um semelhante que o fez caçar Silver do jeito que caçou.  Ridículo demais, além de revelar a absurda imaturidade de Cortéz como escritor e cineasta, preferindo uma reviravolta boba e clichê às discussões complexas e desafiadoras que vinha trabalhando até então. Isso é que é fuder o próprio trabalho, meu Deus!

  Assim, Poder Paranormal parecia um grande filme, mas se revelou um bobagem frustrante e decepcionante, imatura e inocente, que acha que o mero “chocar” é mais importante do que pensar.

domingo, 23 de setembro de 2012


Resenha filme "Dredd" (Dredd / 2012 /EUA) dir. Pete Travis

por Lucas Wagner

  Para começar de maneira bem direta, o único defeito realmente grave desse Dredd é que o fato de ser uma ficção científica não encontra uma justificativa narrativa. Diferente do seu muito similarRobocop (de 1987)onde os elementos futuristas da trama encontravam uma razão de ser pelo fato de o longa, no fundo, servir como uma séria crítica sócio-política, aqui em Dredd não há uma verdadeira razão para o filme ser uma ficção científica; se não fosse, não faria muita diferença no resultado final. Além disso, a própria trama futurista é fraca, rasa se comparada àquelas de O Exterminador do Futuro ou Robocop, já que uma guerra nuclear não se estabelece como uma ameaça tão real/perigosa quanto era na época da Guerra FriaPronto, os defeitos graves que valem a pena citar estão ai. Dredd funciona otimamente na verdade como um horror de sobrevivência (pegando emprestado o termo dos videogames), que coloca seus dois protagonistas em uma situação encurralada e claustrofóbica, deixando o próprio espectador angustiado justamente por nos importarmos com os heróis (ou anti-heróis).

  Passado em 120 anos no futuro, o roteiro do ótimo Alex Garland (do impecável terror Extermínio, que promovia profundas reflexões filosóficas/psicológicas, além de amedrontar) gira em torno da cidade de Mega City Um, que vai de Boston até Washington D.C, e é a única cidade existente nos EUA num mundo pós-guerra nuclear. Os cidadãos dessa cidade vivem miseravelmente, afundando no uso de drogas pesadas e no crime. Assim, a polícia se torna o único recurso para manter a ordem, e os policiais agora são também juízes, podendo chegar inclusive a tomar a decisão de executar alguém. Ao atender a um chamado, o experiente juíz Dredd (Karl Urban) e a novata Anderson (a bela Olivia Thirlby) se veem presos em um edifício governado pela traficante Ma-Ma (Lena Headey), que promove uma caçada aos dois policiais.

  Se no início parece que o longa irá se empenhar em críticas sociais e reflexões sobre o futuro e o comportamento humano em situações estressantes, o roteiro de Garland logo deixa essa proposta de lado e foca na ação/suspense puros, o que não é problema algum (nenhum um filme é obrigado a ser de determinado modo apenas por que poderia dar certo assim). Desse modo, o cineasta Pete Travis aproveita para construir um clima claustrofóbico que incomoda (o que aqui é ideal) ao mesmo tempo que nos deixa sempre vidrados com o que está acontecendo na tela, e não cai em armadilhas típicas desse tipo de filme, como por exemplo ao nunca deixar que seus heróis (ou anti-heróis) pareçam invencíveis, o que tiraria completamente a eficácia da tensão.

  Sem pesar a mão demais na velocidade das cenas de ação, Travis constrói cenas tensas, ao lado de seu editor Mark Eckersley, que nos deixam empolgados ao mesmo tempo em que não encontramos dificuldade em compreender o que acontece nessas sequências. Além disso, o filme conta com um excelente uso das câmeras lentas, que aqui surgem justificadas narrativamente pela interessante droga slo-mo, que faz com que a pessoa enxergue com 1% da velocidade normal do cérebro. O diretor de fotografia Anthony Dod Mantle, juntamente com o diretor Travis, investe num uso não exagerado, mas calculado da câmera lenta, para assim poder extrair o máximo do impacto visual desejado, produzindo imagens belíssimas que conseguem até mesmo extrair uma certa poesia da violência. Imagens essas que vêm carregadas ainda mais devido ao fato de muitas das vítimas estarem sob o efeito da slo-mo o que gera extrema angústia no espectador por perceber que aquelas pessoas estão sofrendo infinitamente mais do que o normal, quando, por exemplo, tomam um tiro (como seria a sensação de perceber a bala entrando e te destruindo lentamente?) ou são arremessadas de um alto edifício (imagine estar caindo de mais de duzentos andares em velocidade lentíssima e, o que é pior, imagine o momento do impacto com o chão).

  A fotografia também acerta tremendamente ao investir em tons sombrios e escuros, beirando o expressionismo. Nessa mesma linha entra o impecável design de produção de Mark Digby, que cria uma Mega City Um feia e desesperadora, que parece até uma imensa favela. Mas os acertos de Digby estão mais na construção do edifício onde se passa maior parte da trama, que apresenta uma geografia que, quase por milagre, não surge repetitiva, e possui corredores sujos, escuros e assustadores que trazem ainda mais o expressionismo para dentro do filme (e até mesmo um pouco de surrealismo), parecendo saídos diretamente de um jogo de Silent Hill. Ainda a trilha sonora eletrônica de Paul Leonard-Morgan confere ainda mais angústia e desespero. E Pete Travis tem uma mão firme na hora de dirigir, nunca se entregando a excessos e sempre mantendo um clima de suspense invejável, para isso até mesmo deixando de lado praticamente qualquer alívio cômico que poderia existir aqui. Diante disso tudo é praticamente impossível não ficar desesperado e tenso assistindoDredd.

  Mas se tudo isso já tornaria o longa uma experiência interessante, o que realmente faz com que funcione é mesmo seus protagonistas, que surgem como figuras complexas e tridimensionais, com as quais nos importamos e por isso mesmo ficamos ainda mais angustiados com o que vemos (além disso, tem o fator já comentado de em nenhum momento estes parecerem invencíveis, apesar de  poderosos e competentes). Dredd é um policial dedicado e vê, no cumprimento estrito da lei, a única salvação para os dias “atuais”. Porém, ele é mais ambíguo quando, assim como Capitão Nascimento de Tropa de Elite, se transformar quase que num psicopata em sua busca por lei e ordem (e o momento em que surge espancando um suspeito ou o modo como trata seu adversário final são provas de que seu ódio pelo caos e busca pelo controle são claramente patológicos). Ainda assim, seu desejo por ordem surge genuíno, e ele se vê tentado até mesmo a relevar certos descumprimentos da lei (mas quando dá a oportunidade e essa não é bem aproveitada, não hesita em prender o sujeito), ao mesmo tempo em que, em condições normais, não tenta executar ninguém a não ser que tenha 100% de certeza da culpa do cidadão. Desse modo, o ator Karl Urban (de O Senhor dos Anéis Star Trek) tem um grande desafio, que é aumentado pelo fato de ser obrigado a usar uma máscara o filme inteiro, deixando a vista somente o maxilar e a boca. Mas, para um bom ator, isso não é desculpa e Urban entrega uma performance invejável, conseguindo usar a voz e os movimentos da boca para traduzir complexas emoções, sejam de raiva, medo, controle, e uma infinidade mais. Observem o momento, por exemplo, que a novata Anderson (uma médium) faz uma leitura psicológica dele, e acaba começando a escavar aspectos mais profundos de sua personalidade, e prestem atenção no maxilar e na boca de Urban, como parecem tremer e, pela única vez no filme, demonstrar fraqueza. Aliás, essa cena da leitura psicológica é um toque genial do roteiro de Garland por dar uma dimensão emotiva maior para Dredd sem tirar sua força e imponência, mas apenas apontando que há “algo a mais nele”, mas sem revelar o que é, já que provavelmente se revelaria algo clichê e apenas um recurso para seduzir emocionalmente o espectador, e tiraria a imponência do anti-herói, muito provavelmente. Para completar essa discussão sobre o personagem, a forma como ele se refere a Anderson durante boa parte do longa, ou seja, como rookie (termo pejorativo para “novato (a)”) estabelece uma forma de controle sobre ela, já que, aos seus olhos (pelo menos à primeira vista) ela é completamente desqualificada para o trabalho.

  Por falar em Anderson, essa é outra personagem fascinante. Médium devido à uma forma de mutação causada pela  radiação, ela passa por um arco dramático bem definido e complexo, passando de uma novata inocente e idealista, para uma profissional amargurada e realista em poucas horas, depois de passar por situações extremamente aversivas e estressantes, que exigem demais (física e psicologicamente) dela, a esgotando completamente. Isso é possível principalmente devido à impecável atuação de Olivia Thirlby que compõe sua personagem a partir de detalhes específicos, como uma leve gagueira (que se dá por causa de um sentimento de submissão), que tenta esconder para demonstrar força, ou ao se envolver emocionalmente com o que vê ao seu redor, chegando a hesitar ao tirar a vida de um ser humano pela primeira vez. Thirlby é fantástica ao passar de forma paciente e complexa por todo o arco dramático de Anderson, fazendo com que as mudanças psicológicas que ocorrem nesta não soem absurdas ou bruscas (e um dos momentos chaves dessa sua mudança está presente quando ela é provocada por um prisioneiro). Além disso, muitas das melhores cenas do filme são delas, quando exerce seu dom mediúnico para tirar informação de outras pessoas ou para destruir psicologicamente um adversário (numa das cenas mais assustadoras do longa).

  Para completar, Lena Headey cria uma vilã fabulosa, baseando sua interpretação numa cadência de voz e gestos calculados e suaves, demonstrando enorme desejo de controle e de destruir completamente qualquer um que se coloque no seu caminho. Assim, quando se desespera, o espectador sabe que “a porra ficou séria”. Olhem isso: um filme que é voltado para a ação e eu precisei de um parágrafo cada para discutir os personagens... isso não é a toa, mas prova uma valor real do longa, e de que um longa não precisa ser “sério” ou “cult” para funcionar como estudo de personagens.

  Acertando ainda no cinismo ao mostrar policiais corruptos que perderam a esperança na luta contra o crime, Dredd é entretenimento de altíssima qualidade, tenso, empolgante e assustador. Uma das maiores surpresas de 2012 na minha humilde opnião.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012


Resenha filme "Ted" (Ted / 2012 / EUA) dir. Seth MacFarlane

por Lucas Wagner



Hoje uma amiga comentou comigo que todo homem precisa de momentos retardados/babacas. Eu concordo, e foi planejando ter meus momentos “babacas” que fui feliz assistir Ted, primeiro filme de Seth MacFarlane (da série de Tv Uma Família da Pesada). E felizmente passei alegres 106 minutos rindo de piadas sobre peidos, sexo, drogas, celebridades escrotas, etc. Mas o filme conseguiu ir até um pouco além e eu me vi envolvido e interessado no triângulo (não sei se amoroso seria a palavra certa) de John (Mark Wahlberg), Lori (Mila Kunis) e do ursinho Ted (Seth MacFarlane). Aliás, se quisermos ir mais a fundo um pouco, poderíamos dizer que o longa trata justamente do momento que todo homem deve passar em sua vida, na hora de deixar a “molequice” de lado e passar a fazer algo sério de sua vida. Não seria tanto forçar a barra, mas não entrarei nessa discussão. Ted é uma comédia divertida e simpática que tem uma parcela de erros que poderiam ter sido evitados, mas que não destroem o filme, que, por outro lado, possui uma ótima parcela de acertos, funcionando como uma espécie de Os Muppets (de 2011) versão para adultos.

  Nós acompanhamos a história do menino John, que, quando criança, era excluído e ganhou um ursinho, que deu o nome de Ted, e, numa noite de Natal, fez um pedido para que ele ganhasse vida, o que de fato aconteceu. Ted e John então crescem juntos, passando por diversos períodos da vida lado a lado, sempre assistindo filmes como Flash Gordon Star Wars, entupindo a cabeça de drogas no processo. Até que John conhece Lori, com quem desenvolve um forte relacionamento que, no entanto, se vê sempre atrapalhado por Ted, que de certa forma, mantém em John um comportamento infantil e imaturo.

  A metade inicial do longa merece basicamente apenas elogios. Começando a história em um tom típico de conto de fadas, com direito a narrador e neve, MacFarlane começa a introduzir, de maneira leve, um pouco do humor que rodeará toda a trama, mostrando crianças brincando de bater no garoto judeu do bairro, ou falando que um helicóptero equipado com metralhadoras e mísseis é mais forte do que um desejo de uma criança. Ainda assim, MacFarlane consegue estabelecer de forma doce e carinhosa o relacionamento entre Ted e John, o que é mais do que vital para que a amizade dos dois no futuro seja verossímil. Além disso, o diretor é muito feliz ao tratar da situação da existência de um bichinho de pelúcia que subitamente ganha vida de forma extremamente criativa, mostrando esse indo a talk-shows (onde já exibe um pouco de seu maldoso senso de humor, mesmo sendo ainda muito novinho) tirando fotos, etc, até inevitavelmente cair no esquecimento.

  Fora essa introdução, MacFarlane estabelece com muita habilidade a dinâmica da vida de John desde o início da trama em si (ou seja, desde que ele já é um adulto), pintando-o como um sujeito cativante, mas infantil, que não consegue perceber como sua própria imaturidade o impede de avançar na vida. Afinal, ele acorda e a primeira coisa que faz é se drogar ao lado do urso. Assim, ele se vê dividido entre o relacionamento de quatro anos com Lori e sua amizade inconsequente com Ted, até que não dá mais para misturar os dois, o que gera o arco dramático do personagem. Pode parecer clichê (no já citado Os Muppets vimos algo não muito diferente), mas aqui é bem feito e funciona perfeitamente bem. Isso se dá não só por MacFarlane, mas pela excelente atuação do sempre ótimo Mark Wahlberg, ator subestimado da mesma forma como é talentoso. Transformando John em um sujeito completamente adorável, Wahlberg consegue demonstrar extremamente bem os conflitos do personagem de 35 anos, sua dificuldade de deixar a imaturidade de lado e investir em uma vida adulta e responsável, o que é essencial para que possamos nos identificar com ele e não considerar apenas como bobagens seus problemas. Ele é uma criança no corpo de adulto, que não enxerga problema em deixar questões importantes para se pensar de lado apenas porque essas exigiriam muita responsabilidade. Walhberg consegue demonstrar essa inocência do personagem de forma doce e sensível, e ainda consegue construir com perfeição o arco dramático de John, passando por todas as difíceis fases que esse processo o leva.

  Mas não é só Walhberg que está ótimo em seu papel. Todo o elenco está assim. Mila Kunis (uma das atrizes mais lindas da atualidade, na minha opnião) consegue transformar o seu conflito em não apenas um “bobagem de namorada”, mas em algo verdadeiro que surge de seu amor por John (e é fascinante que Kunis consiga mostrar apenas através do seu sorriso e do seu olhar, a dimensão do seu afeto por John, muitas vezes nem conseguindo ficar brava com ele). Joel McHale (o Jeff do maravilhoso seriado Community) consegue transformar seu porco Rex em uma figura hilária, egocêntrica e extremamente divertida, fazendo com que não apenas sintamos ódio de seu personagem (o que é adequado aqui), mas que realmente esperemos por mais cenas com ele. Giovanni Ribisi volta a interpretar um sujeito como o que interpretou em Friends (onde ele era o irmão da Phoebe), ou seja, um homem levemente psicótico e disfuncional, mas está ainda mais sensacional como Donny do que no citado seriado, com sua cara de cansado, a eterna submissão ao filho e a intolerância a palavrões. Patrick Warburton (o inesquecível David Puddy de Seinfeld), mesmo em duas pequenas cenas, é o personagem mais engraçado do longa, que descobre acidentalmente ser gay. E, é claro, o próprio Seth MacFarlane, que interpreta Ted através da técnica performance capture (a mesma de Avatar e do Gollum de O Senhor Dos Anéis) consegue ser ao mesmo tempo engraçado, nojento e até mesmo comovente, tornado o ursinho um personagem mais tridimensional do que se esperaria (e muito disso através da fala, da voz, por isso assistir em inglês seria mais do que ideal), o que também é importantíssimo para que os conflitos centrais do filme funcionem. Aliás, a técnica deperformance capture se mostra aqui mais uma vez fantástica, conseguindo traduzir os movimentos de Ted com fluidez e perfeição, ao mesmo tempo que seus olhos estão impecáveis, trazendo até mesmo emoção (e olha que são dois botões como olhos!). Assim, MacFarlane pode atuar de maneira natural, desenvolvendo seu personagem e as cenas de humor com mais habilidade. Para completar, a química entre MacFarlane e Wahlberg está fantástica, nos deixando compreender e aceitar ainda mais a absurda amizade entre Ted e John.

  Quanto ao humor, muitas vezes esse funciona muito bem. Politicamente incorreto e apostando profundamente no humor negro, o roteiro de MacFarlane, Alec Sulkin e Wellesley Wild cria situações absurdas e engraçadas, muitas vezes beirando o surrealismo e levando humor até o limite do moralmente aceitável (algumas vezes é viajado até demais, de modo que prejudica o resultado; mas esses momentos, felizmente, são raros). Piadinhas sujas e palavrões em excesso não faltam aqui, o que me agrada (vide primeiro parágrafo). Infelizmente, um dos pontos em que o filme mais falha é no momento em que tenta fazer referências a outros filmes e seriados. Se eu gosto de ver homenagens a clássicos, gosto de vê-las de maneira mais discreta (como na maravilhosa animação Rango), o que aqui não acontece, já que (por falta de confiança no espectador talvez) os roteiristas fazem questão de deixar claro qual filme estão homenageando, muitas vezes trazendo os próprios personagens dizendo qual é; e quando não faz isso, encontram outra maneira de deixar claro (como quando homenageiamIndiana Jones e martelam essa referência com a clássica trilha do filme). Além disso, o filme peca nas tentativas de sátiras da cultura pop, justamente por fazê-las de forma muito explícita e gratuita, como quando zoam Taylor Lautner.

  Mas os piores erros não estão aí. Embora divertida e interessante (além de belamente atuada), a subtrama envolvendo o personagem de Giovanni Ribisi e seu gordo filho não se insere de maneira orgânica ao resto do longa, funcionando mais como uma forma de MacFarlane e seus outros dois roteiristas gerarem alguma dramaticidade maior na resolução dos conflitos, talvez por medo de o filme parecer mal acabado ou emocionalmente insatisfatório. Além disso, o próprio terceiro ato do longa é basicamente constituído apenas de erros, levando à uma conclusão completamente insatisfatória e artificial que corrompe todo o processo e dinâmica que o roteiro vinha desenvolvendo até então. E isso surge, principalmente, por medo de desagradar espectadores, algo que fica bem claro até para quem é completamente leigo em Cinema.

  Mesmo nos deixando com um gosto amargo na boca devido ao completamente errôneo terceiro ato (e os outros erros discutidos), Ted é uma comédia muitas vezes hilária e nojenta (num bom sentido), conseguindo ser doce e envolvente no processo, devido aos seus três personagens principais (Ted, John e Lori) e sua dinâmica, que poderia ser facilmente taxada de clichê, mas que funcionou muito bem, pelo menos na minha opnião.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012



Resenha filme "Resident Evil: Retribuição" (Resident Evil: Retribution / 2012 / EUA) dir. Paul W.S. Anderson

por Lucas Wagner


  “Ou seja, completamente um lixo, uma destruição maciça de neurônios e da paciência de qualquer ser humano. O pior filme do ano até agora.” essas foram as palavras finais da minha resenha sobre o terrível Área Q. Em vista de que nem mesmo o pavoroso Rock of Ages conseguiu derrubar Área Q de seu “trono”, pensava que 2012 já tinha sua vaga de pior filme do ano já garantida. Até que chegou esse Resident Evil: Retribuição, grande concorrente ao “trono”. Eu, como fã da série dos videogames, poderia até sentir certa nostalgia ao ver monstros e personagens famosos dos jogos, mas, assim como em qualquer outro filme dessa infeliz franquia, isso não aconteceu. Pior: esse conseguiu ser até mesmo mais imbecil do que os outros. Para falar toda a verdade, esse longa deveria ser o atestado de morte de qualquer cineasta no cargo de diretor, já que demonstra uma absurda falta de compreensão de qualquer aspecto que torne um longa minimamente assistível. Até para um cineasta que nunca fez um filme no mínimo bom, o diretor/roteirista Paul W. S. Anderson vai além, e chega no nível que Michael Bay chegou com Transformers 3: além do fundo do poço.

  O mais triste é perceber que Anderson acredita, de verdade, que produziu uma franquia tão complexa que exige até mesmo uma cena completamente artificial onde Alice (Jovovich) explica os acontecimentos dos filmes anteriores para situar o espectador, o que já é um problema, já que revela uma enorme falta de confiança de Anderson em seu trabalho. Assim, vemos o cineasta achando que está dirigindo algo no nível de A Origem quando apresenta uma trama com múltiplos níveis de realidade o que, se em teoria é interessante, na realidade se revela completamente bagunçada e desestruturada (que não encontra nem mesmo sentido dentro da lógica da série) já que vemos que Anderson não possui a mínima habilidade para dar coerência ao seu filme, se apoiando numa estrutura idêntica a de um jogo de videogame (algo que funcionou até bem em Terror em Silent Hill, mas não aqui), com personagens pulando de um ambiente diferente para outro, conseguindo escapar no último momento possível (depois de matar vários inimigos), portas que se abrem sozinhas, e até mesmo uma “fase” de treinamento para a protagonista (!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!). Pois é isso o que o longa tem: fases, com inimigos diferentes e cada vez mais poderosos para enfrentar, armas com balas infinitas, e chefões. Só faltou um lugar para salvar o jogo.

  Anderson é mesmo uma criança com dinheiro e uma câmera na mão, o que fica muito claro quando percebemos que o filme não vai começar a contar sua “história” nunca. Eu realmente me surpreendi quando vi que faltavam 20 minutos para seu término e achava que estava apenas começando, já que parecia que estava vendo apenas a preparação para o início. Mas não. É só uma cena de ação atrás da outra, completamente repetitivas e mal dirigidas, com um excesso absurdo de cenas em câmera-lenta (muuuuuuuuuiito mal utilizada, por sinal) e uso de recursos já batidos (acho que deve ter umas cem vezes em que Anderson mostra uma bala voando em direção ao seu destino). Não, não... é pior ainda: essas cenas parecem ser extraídas diretamente de um vídeo-clipe imbecil de alguma banda pop muito tosca, com cada movimento dos personagens coreografado para “atingir” o espectador com algum tipo de beleza estética (o que mais uma vez denota falta de inteligência de Anderson, já que beleza estética não faz cenas de ação ficarem melhores, principalmente em um filme de zumbis).

  Isso tudo fica ainda mais triste quando percebemos o terrível trabalho de edição de (mas que terrível surpresa!) Paul W.S. Anderson que, além de exagerar nas câmeras lentas (como já foi dito), aposta em cortes rápidos, desenfreados (quando não usa slow-motion, é claro) que impedem que o espectador distinga qualquer coisa que se passa na tela. Pior ainda nessa edição é que Anderson corta de uma cena de ação para outra de forma muito inexperiente, muitas vezes passando de uma cena de luta agitada para outra mais “parada”, sem qualquer preparação, o que quebra o “clima de tensão”. É até engraçado ver a infantilidade de Anderson ao tentar “empolgar” o espectador quando corta de luta uma cena para outra usando uma infeliz mudança na trilha sonora, que soa repetitivo e como um recurso desesperado do cineasta para dar um ritmo diferente para cada cena (e se essa é a sua compreensão de “ritmo” em Cinema, está completamente errada, já que ao mudar a trilha de maneira brusca assim, ele na verdade quebra o ritmo). Até mesmo um outro recurso usado por ele para dar mais ritmo (uma visão holográfica da plataforma submarina onde se encontram os personagens) acaba dando errado justamente pelo excesso de uso. A trilha sonora também merece “destaque”: é uma das piores que já ouvi. Criada por um sujeito com o infeliz nome Tomandandy (mesmo artístico, é um nome ridículo), essa é, além de realmente feia, completamente inapropriada para o longa, já que investe, mesmo em cenas que deveriam ser de “terror” (pff), em tons inteiramente pop, que parecem saídos diretamente de uma balada, o que contribui ainda mais para a destruição do clima de tensão.

  Mas nenhum dos problemas superam seus personagens e suas atuações. Se Milla Jovovich mais uma vez surge como uma atriz lindíssima, também mais uma vez surge sem talento, não conseguindo mudar a expressão em momento algum, nem em cenas de lutas, nem dramáticas (pff), nem quando diz as terríveis frases de efeito (mais sobre isso daqui a pouco). O roteiro de Anderson, no entanto, procura humanizar a personagem no relacionamento dela com uma garotinha surda. Isso é um problema em dois aspectos: primeiro porque é uma cópia do que James Cameron fez em seu excelente Aliens, O Resgate (aliás, um dos vários elementos que Resident Evil 5 copia dessa obra) para dar ainda mais dimensão à Ellen Ripley naquele filme (e se esta já tinha uma grande dimensão psicológica, Alice aqui não possuía nenhuma e continua a não possuir); segundo porque, diferente de como foi feito emAliens, aqui é completamente absurdo, já que o apego de Alice com ela tem base no fato de que (se preparem): um clone seu era mãe da menininha! Não tem qualquer sentido esse apego todo! Fica muito claro que é uma tentativa patética e apelativa do cineasta de aproximar personagem e espectador, o emocionando (o fato da menina ser surda deixa ainda mais evidente esse objetivo), e o que senti vendo isso foi completo embaraço e vergonha por ele. Isso é trapaça emocional. Anderson deixa mais do que claro aqui que seu objetivo não é desenvolver a personagem, mas sim deixá-la mais “humana” para continuar a “história” (ou melhor, cenas de ação) e criar cenas mais melodramáticas e apelativas. Bom, pelo menos é (muito) engraçado ver Alice conversando com a menina por linguagem de sinais (que a protagonista aprendeu, aparentemente, de uma hora para outra).

  Mas o problema não é só com ela. Resident Evil 5 é povoado de figuras ridículas, artificiais e unidimensionais, apenas homens bombados e mulheres gostosas (o decote de Sienna Guillory como Jill Valentine é o melhor elemento de todo o filme), prontos com alguma frase de efeito ridícula. Aliás, esse tipo de frase vista em Os Vingadores (elemento que reclamei na minha resenha deste filme) são até mesmo inteligentes em comparação com aquelas vistas aqui. Algumas chegam a doer fisicamente (uma que doeu profundamente foi: “Você é agora, oficialmente, uma irada!”). Quem que, quando vê um monstro enorme e perigoso se aproximando, diz: “nosso amiguinho está chegando perto!”? QUEM?! E a completa falta de medo dos personagens? Esta só é mais absurda do que sua estupidez, que os levam a simplesmente se matarem sem qualquer problema com isso (sendo que nem estão defendendo um “grande” ideal, ou algo assim), e contarem piadinhas imbecis o tempo inteiro. Eles são tão unidimensionais que nem chegam a demonstrar qualquer sentimento diante da morte de um companheiro; na verdade eles nem notam quando um companheiro morre, e continuam rindo e contando piadas enquanto estão bem perto da morte. Patético. Simplesmente patético. E Anderson ainda acha que eu me preocuparia com o destino de algum deles! Coitado. Aliás, é hilário que ele traga personagens antigos que já morreram na série como alguma forma de exercício nostálgico para os fãs, como se essas figuras tivessem sido, de alguma forma, marcantes. Hilário isso, grande pseudo-cineasta...

  Nem em seus raríssimos momentos de acerto o longa se permite ser apreciado, como é o caso da fotografia de Glen McPherson, que produz algumas bonitas imagens, como a de uma determinada personagem sendo puxada para o fundo do oceano por uma enorme quantidade de zumbis. Esses momentos são tão raros, e vêm tão escondidos diante de tantos erros, que são deixados de lado pelo espectador. Nem mesmo como fã da série de videogames eu pude apreciar minimamente o longa, como por exemplo, quando uma personagem se auto-infecta com o vírus Las Plagas. No game, esse vírus transforma o indivíduo em um monstro de aspecto demoníaco cuja cabeça pode chegar a explodir, dando lugar a um ser completamente satânico que tem o corpo de seu hospedeiro simplesmente como fardo. No filme, porém, o máximo que a personagem infectada faz é... lutar melhor. Tenha santa paciência!

  Chato, patético e completamente desprezível, não conseguindo tornar nem mesmo os zumbis em algo interessante (e olha que eu adoro zumbis), Resident Evil: Retribuição pode ser agradável pelo menos se você estiver com um (a) amigo (a) do lado disposto (a) a rir dessa desgraça como você. Só assim mesmo.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012


Resenha filme "Vizinhos Imediatos do 3º Grau" (The Watch / 2012 / EUA) dir. Akiva Schaffer

por Lucas Wagner

  Apesar de ter sido muito criticado no seu país de origem, esse Vizinhos Imediatos do 3º Grau não é um filme ruim. É divertido e muitas vezes engraçado, para quem gosta de humor negro; e faz algo cada vez mais raro no Cinema atual (principalmente no que se refere a Hollywood), que é se preocupar em desenvolver seus personagens principais, tornando-os próximos dos espectadores. Mas se o filme apresenta determinados problemas graves, esses se referem a principalmente seu fraco roteiro, que, escrito por Seth Rogen e Evan Goldberg, não apresenta a genialidade e sensibilidade que seus autores demonstraram no roteiro de Superbad – É Hoje, mas também não demonstram extrema falta de competência, como no caso do horrível Besouro Verde.

  Na trama, em uma cidadezinha pequena, encontramos Evan (Ben Stiller), um sujeito correto e apaixonado pelo seu bairro, dono de um supermercado. Em uma noite, porém, um segurança do supermercado é brutalmente assassinado, o que leva Evan a formar um grupo de vigias da comunidade, composto por Bob (Vince Vaughn), Franklin (Jonah Hill) e Jamarcus (Richard Ayoade), que acabam descobrindo alienígenas em seu bairro.

  O roteiro de Rogen e Goldberg, assim como em Superbad – É Hoje, acerta bastante ao ter como objetivo principal o desenvolvimento dos protagonistas. Desse modo, vamos conhecendo cada vez um pouco mais sobre eles e ficamos mais próximos e preocupados com o futuro de cada um, e somos ajudados nesse processo pelas atuações competentes do elenco principal. Ben Stiller, um ator que não sou muito fã (afinal, ele nunca muda nada na performance de um personagem para o outro, e acha que é mais engraçado do que é), consegue interpretar Evan de maneira satisfatória, permitindo que compreendamos seus dilemas e sua personalidade insegura e medrosa. Jonah Hill (o gordo deSuperbad – É Hoje), pela terceira vez esse ano demonstra bastante talento (as outras foram emMoneyball – O Homem Que Mudou o Jogo e Anjos Da Lei), conseguindo transformar seu Franklin em uma figura interessantíssima, já que é um sujeito infantil, imaturo e frustrado, que literalmente beira à psicopatia. Richard Ayoade possui um personagem com um arco dramático menos bem trabalhado, mas possui carisma e talento de sobra para segurar o personagem. Mas a melhor das atuações fica por conta de Vince Vaughn, que cria o personagem mais interessante e complexo do longa. Seu Bob é um sujeito beirando a crise de meia idade, e por isso tenta se afirmar se comportando como um adolescente imaturo e babaca; mas, apesar disso, demonstra verdadeiro amor pela filha, além de dor por ter que vê-la crescer. Vaughn é extremamente eficiente ao ser carismático e pontualmente melancólico em sua performance. Ainda assim, no entanto, os personagens dessa comédia não são tão comoventes ou complexos como os de Um Parto de Viagem, Zumbilândia, Superbad – É Hoje, Chumbo Grosso, etc, mas ainda assim, desenvolvimento de personagens, quando bem feito, é sempre bom.

  No entanto, os roteiristas acabam demonstrando inexperiência ao não conseguirem balancear o desenvolvimento dos personagens com o desenvolvimento da trama. Dessa forma, no início eles se dedicam de corpo e alma à construção dos personagens, deixando a trama completamente de lado, apenas para, no final, adiantarem tudo procurando uma conclusão, que surge de maneira brusca e mal trabalhada. Assim, o longa se torna uma experiência confusa e desconexa, sempre procurando um rumo e nunca encontrando. Isso se dá também, vale dizer, na direção de Akiva Schaffer, que não sabe balancear os tons de suspense, comédia, drama e ação presentes no longa, tornando essa interessante mistura em uma bagunça desordenada, e não uma mistura de gêneros bem feita comoZumbilândia Se Beber Não Case! são, por exemplo.

  Apesar disso, Schaffer se mostra competente na cadeira de direção, principalmente nas cenas de humor. Não que todas essas sejam engraçadas. Para falar a verdade, muitas surgem artificiais e forçadas demais. No entanto, Schaffer é feliz ao, assim como Larry Charles (de Borat) faz tão bem, levar o humor aos limites, tornando muitas cenas que não iniciam boas em momentos particularmente hilários, justamente por permanecer muito tempo na mesma situação, algo que fica claro na hora do excesso de tiros que dois personagens dão em um alienígena que, obviamente, já está morto, ou ainda na comparação que os protagonistas fazem entre o sangue dos ETs com sêmen. Além disso, o cineasta não demonstra medo ao investir em um humor negro forte e pesado (além de adequadamente exagerado), mas eficiente para aqueles que, como eu, gostam do gênero. Para completar, ele se mostra seguro (spoiler alert, até o fim desse parágrafo) ao trollar de forma inteligente o espectador ao trazer o conhecido ator Billy Crudup (de Watchmen, Inimigos Públicos, Missão Impossível 3, Peixe Grande) num papel que parece importante, mas se revela insignificante; ou seja, a presença de um ator conhecido nos levou a pensar que ele era mais importante do que é.

  Para finalizar, o visual dos alienígenas é interessantíssimo, funcionando como uma mistura do design do Alien com o design do Predador. De atuações, o sempre hilário Will Forte (sempre presente emSaturday Night Live, como um dos personagens mais engraçados: um repórter de esportes que fica com a boca aberta sempre numa tremenda expressão de imbecilidade) consegue se sair muito bem como o policial Bressman, ao passo que Mel Rodriguez, sem dizer ao menos uma palavra ou mudar a expressão facial, transforma Chuchu na figura mais engraçada do filme.

  Satisfatório (principalmente devido ao desenvolvimento dos personagens) e descompromissado,Vizinhos Imediatos do 3º Grau é uma experiência besta e divertida, que irá agradar quem, como eu, curte um humor babaca e imaturo. 

domingo, 16 de setembro de 2012


Resenha filme "A Delicadeza do Amor" (La Délicatesse / 2012 / França) dir. David Foenkinos, Stéphane Foenkinos

por Lucas Wagner

  O que me atraiu nesse filme foi, além do fato de ter Audrey Tautou como protagonista (a eterna Amelie Poulain, e dona de uma tímida beleza), justamente o seu título. De fato, o Amor é muito delicado, e talvez seja esse um dos grandes fatores por ser tão bonito. A sensação de frio na barriga antes de ver aquela pessoa por quem está apaixonado; o prazer ao perceber o toque dessa pessoa; a vontade de estar perto; o sorriso sincero ao simplesmente ver a outra pessoa sorrir... isso é simplesmente lindo. A Delicadeza do Amor parecia ser uma comédia romântica que buscaria trabalhar justamente essas sensações íntimas, e de certa forma é esse mesmo o seu objetivo. No entanto, o roteiro de David Foenkinos se embaralha numa grande bagunça na hora de desenvolver seus personagens e situações, o que torna o filme uma experiência no mínimo frustrante, principalmente porque desperdiça a doçura e carisma do casal protagonista, interpretado por Audrey Tautou e François Damiens.

  Nós acompanhamos a história de Nathalie (Tautou) que, depois de perder o marido por quem ainda estava profundamente apaixonada, passa por um intenso período de luto, buscando sufocar a dor através do trabalho. Três anos se passam até que ela conhece o tímido (e feio) Markus (Damiens) que se apaixona por ela... e ela por ele.

  No início, estava apreciando bastante o fato do roteiro dedicar um bom tempo no primeiro ato para desenvolver o relacionamento de Nathalie com seu marido, François, produzindo inclusive aquela que é uma das cenas mais interessantes do longa, quando eles se conhecem. Assim, Foenkinos (o roteirista) conseguiu dar uma dimensão enorme ao momento da morte de François, já que assim conseguimos compreender a partilhar da dor de Nathalie justamente por sabermos o que ela perdeu. Até ai tudo bem. O roteiro vai lidando muito bem com todo o processo de luto e tal (embora tenha sido precipitado ao mostrar Natahalie, pouco depois de perder o marido, jogando as coisas deste fora, como numa tentativa de se livrar da dor), mas, a partir do momento em que promove um pulo enorme no tempo, que surge completamente despreparado e inusitado, começa a mostrar um declínio cada vez maior.

  A grande questão é que Foenkinos, se começa desenvolvendo bem seus personagens, começa a jogar um número cada vez maior de variáveis na análise destes, enquanto também parece se esquecer de certos elementos, só se lembrando no final. É um roteiro que deveria ter passado por um número infinito de revisões antes de ser filmado. Pena que não foi. Assim, Nathalie surge preocupada em se dedicar demais ao trabalho, e tenta se divertir mais, apenas para mostrar que ainda não está preparada para isso, e logo depois se joga nos braços do primeiro homem que vê. Esses elementos poderiam gerar uma personagem complexa e interessante, mas são tão mal trabalhados que a sensação que fica é que a personagem só pode ser louca. Desse modo, o relacionamento que se desenvolve entre ela e Markus parece completamente sem fundamento. Aliás, não faz sentido, quando mais o filme avança, que o roteiro tenha dedicado tanto tempo na construção do relacionamento de Nathalie e seu marido, se se esquece completamente deste como uma variável na vida amorosa da mulher depois quando ela começa a sair com Markus. Aí fica patente a falta de talento de Foenkinos quando ele se lembra disso só no terceiro ato, para criar um conflito interno que surge atrasado e sem sentido. E o que dizer do desenvolvimento do personagem de Markus? Se, justamente por ser inseguro e feio, e estar apaixonado, ele já é interessante, fica clara a incompetência de Foenkinos ao tentar incluir, ou melhor, jogar outros elementos no desenvolvimento desse, sem qualquer preparo e esquecendo deles logo em seguida, como o “medo” deste de se apaixonar.

  No entanto, se o longa se sustenta um pouquinho é pelo carisma do casal. O romance dos dois nunca surge chato ou entediante, mas desperta nosso interesse a todo momento, devido aos intérpretes. Audrey Tautou interpreta Nathalie com imenso talento, levando-nos a gostar e torcer por sua felicidade, já que confere grande verossimilhança aos dilemas e problemas da personagem. François Damiens surge como um excelente ator, nos tornando próximos de Markus justamente por sua insegurança, que gera um arco dramático tocante e sincero para o personagem.

  Já a direção estreante de Foenkinos e sua mulher, se mostra irregular e insegura, embora aqui e ali tenha um acerto maior, como em alguns momentos de humor, particularmente aqueles que mostram o espanto das pessoas ao ver Nathalie, uma moça bonita, namorando um sujeito feio como Markus. Além disso, eles tratam com delicadeza fascinante o relacionamento dos dois, o que nos torna mais próximos deles.

  Mas no geral é isso. É um filminho levemente suportável, mas que possui um roteiro tão fraquinho e inexperiente que torna a experiência frustrante justamente por desenvolver de forma tão tosca e desmanzelada seus personagens. O casal merecia algo melhor, sinceramente.

domingo, 9 de setembro de 2012


Resenha filme "ParaNorman" (ParaNorman / 2012 / EUA) dir. Chris Butler & Sam Fell

por Lucas Wagner


  A técnica de animação stop-motion é uma verdadeira arte, feita com um esmero muito peculiar que a torna ainda mais atraente e charmosa. E, muitas animações desse tipo (tirando aquelas da empresa Aardman, que deu vida à filmes como os bacanas Fuga das Galinhas Por Água Abaixo) se dedicam a promover uma mistura interessante entre o infantil, o bonitinho, com o grotesco, o horror, o expressionismo, o gótico. É uma mistura fascinante, como misturar o doce com o amargo (não é a toa que os chocolates que eu mais gosto são os amargos), que, juntamente com as peculiaridades dostop-motion, (como as leves “tremidas” dos movimentos dos personagens) alcança um resultado estético irresistível e muito curioso. Foi a partir disso que surgiram obras-primas fantásticas do gênero, como O Estranho Mundo de Jack, A Noiva Cadáver, Coraline – Mundo Secreto, Mary & Max e, é claro, o maravilhoso curta-metragem Vincent, de Tim Burton (e seu Frankenweenie, que chegará em novembro, tem muitas chances de se juntar à essa lista). Assim, fico extremamente feliz de dizer que esse ParaNorman também se revela um filme impressionante, embora não seja tão perfeito quanto os outros citados e seja também inegavelmente mais leve e menos “grotesco”. Mas isso não o impede de ser classificado como menos que excelente.

  Escrito por Chris Butler, nós acompanhamos o garoto Norman, que possui a capacidade de conversar com os mortos, e por isso mesmo sofre bulluying constantemente na escola, é reprimido pelo pai e pela irmã mais velha, e todos que o olham, o olham com desconfiança e desprezo. No entanto, na noite do aniversário de morte de uma bruxa que morreu a muito tempo, zumbis saem de suas covas, e o espírito da bruxa ressurge para poder assombrar a todos nessa noite, e apenas Norman parece ser capaz de fazer algo para acabar com isso.

  Uma das coisas pelo qual o longa mais merece créditos é a sua preocupação com o desenvolvimento dos personagens, o que já faz com que nos liguemos mais emocionalmente ao que estamos vendo. Norman é um protagonista tridimensional e interessante, que encontra extrema alegria ao conversar com os mortos, que o respeitam e gostam deles, e se retrai (fisicamente também, o que é um detalhe interessantíssimo) quando perto dos vivos, se tornando uma criança triste e deprimida, que não confia em ninguém e não consegue enxergar qualquer motivo para o fazer, já que todos o enxergam como motivo de chacota. Assim, o arco dramático pelo qual ele passa ao longo do filme se torna cada vez mais interessante, já que nos vemos envolvidos em seus dilemas e problemas, até que parece encontrar algo nos outros que não conseguia enxergar (e o roteiro de Butler é inteligente ao não deixar essa transformação de visão tremendamente óbvia, com algum personagem a martelando para o espectador, mas deixa que ela se desenvolva organicamente e que nós a percebamos quando acontece), que se torna essencial na relação com a bruxa do filme, sendo que a “ligação” dos dois é extremamente interessante do ponto de vista narrativo. Além disso, é bacana notar a inteligência dos diretores Chris Butler (sim, o roteirista) e Sam Fell em certos detalhes do personagem, como o fato de ele deixar sempre material de limpeza dentro de seu armário na escola, para limpar piadinhas e xingamentos que escreveram sobre ele. Mas, como eu disse, somos apresentados a vários outros personagens interessantes, como Neil, que também sofre bullying por diversos motivos mas enxerga isso como uma forma de lei da natureza; Mitch, com seu QI obviamente muito baixo (e que gera muitas das melhores piadas do filme); Alvin, o valentão que na verdade se mostra mais medroso do que os outros (e é interessante que ele seja dublado por Christopher Mintz-Plasse, o eterno McLovin, que sempre é o motivo de chacota em seus filmes, e aqui é o contrário); a bruxa, e até mesmo o zumbi do Juíz, que se mostra uma figura mais tocante e tridimensional do que poderíamos esperar, mesmo sendo um zumbi.

  Além disso, o próprio design dos personagens é impecável ao diferenciá-los em características próprias que ajudam a definir suas personalidades. Desse modo, Norman aparece com um cabelo que nunca pode ser arrumado, e orelhas pontudas que ajudam a mostrar sua falta de contexto e sua caracterização como “esquisito” (e o já dito retraimento dele, no seu andar corcunda, recurvado, também é importante); Neil aparece como um garotinho gordo e cheios de manchas vermelhas pelo corpo, característica de seus vários problemas de saúde; a mãe de Norman possui uma expressão triste e cansada, que revela seu próprio estado de espírito como dona de casa; o pai de Norman e Alvin possuem, curiosamente, um físico extremamente parecido, o que se torna fascinante se observarmos que esses são os que mais pegam no pé do protagonista; também é genial que Norman se pareça com a bruxa, de certo modo. O design do zumbis também é peculiar e interessante, sendo que o mais interessante deles possui a carne do queixo descolada da mandíbula.

  ParaNorman se revela uma animação com um humor... esquisito, se observarmos que esse é, a primeira vista, um filme infantil. Mas isso só enriquece o longa, já que Butler e Fell fazem piadas geniais até mesmo com cadáveres, como na cena em que Norman tenta tirar um livro das mãos de um morto, ou quando Mitch tira a cabeça de um zumbi (e ele não sabia se tratar um zumbi, mas pensava ser um humano) e pergunta para seus companheiros se algum deles faz ressuscitação (!). A visão dos diretores ainda vai além, quando são capazes de tratar de homossexualidade (em uma animação, algo que, pelo menos por enquanto, é raro) de forma natural e ainda fazem uma piada de cunho social quando uma policial está reclamando que os jovens estão destruindo a camada de ozônio, enquanto ela mesma acaba de jogar uma garrafinha de refrigerante no chão. Aliás, os diretores são geniais ao, assim como fez George A. Romero em seu filme Terra dos Mortos, humanizarem os zumbis e demonificarem os humanos, que aqui, quando tem sua cidade invadida pelos mortos-vivos, se tornam verdadeiros monstros, matadores, encontrando verdadeira satisfação da violência e na morte desenfreada (e os diretores mais uma vez surpreendem ao trazer a mesma policial dizendo: “por quê vocês estão atirando em civis? Só policiais podem fazer isso!”). Diante do caos, o ser humano perde a racionalidade e se torna apenas mais um mero animal, lutando pela sobrevivência. Aliás, eles aqui até mesmo regridem ao sugerir lançar alguém numa fogueira, algo macabro e ainda mais desumano no século XXI. Discussão surpreendente para qualquer filme, especialmente uma animação.

  Fell e Butler ainda mostram diversos atributos na direção, ao realmente brincarem com um clima de terror mais acentuado em diversos momentos, e homenagens a filmes como A Noite dos Mortos-Vivos.Além disso, é interessantíssima a rima visual que estabelecem com a primeira cena do longa e outra mais pela metade, em que vemos um personagem recebendo um zumbi na porta e, através do famoso efeito vertigo, vemos sua expressão de horror. Como eu disse antes, eles se mostram extremamente eficazes ainda no uso de pequenos detalhes para desenvolver seus personagens, e é curioso que vejamos um livro de auto-ajuda na casa do macabro mendigo Prenderghast. Ainda merece destaque o clímax do longa, que enfia o espectador em um cenário completamente surrealista e assustador.

  Visualmente fascinante, e usando com esmero as técnicas do stop-motion, ParaNorman é, pelo menos até agora, a melhor animação do ano. Diante de tantos acertos, eu realmente duvido que alguma outra o tire de seu trono.