sábado, 26 de maio de 2012



Resenha filme Jovens Adultos (Young Adult)

Por Lucas Wagner

A adolescência é um período de valor praticamente inigualável na vida de uma pessoa, já que é nessa etapa que formamos muito da identidade que nos acompanhará para sempre. É muito importante já que é quando nós mais podemos sonhar com um futuro desconhecido, mas repleto de promessas. Basicamente sempre, a maioria dessas promessas, desses sonhos não são cumpridos, sendo relegados ao esquecimento ou se tornam fantasmas de uma vida que não existe, por um motivo ou outro. Na maioria das vezes, as possibilidades que pareciam existir quando éramos jovens servem como uma espécie de espelho irônico para quem nós nos tornamos, parecendo jogar na nossa cara tudo o que poderíamos ser mas que não somos. Ou pode ser pior ainda: pode nos mostrar que nossa percepção era errada, e que nós fomos extremamente infelizes nas escolhas que fizemos em nossa vida. Jovens Adultos, nova parceria do cineasta Jason Reitman e da roteirista Diablo Cody, que trabalharam juntos em Juno, é uma dramédia que serve como estudo de uma personagem em extrema crise de identidade, que busca conciliar o seu passado com o seu presente.

ghostwriter Mavis Gary (Charlize Theron) tem 37 anos mas parece viver como uma adolescente. Recém-divorciada, a mulher mora sozinha, com um cachorro (ou cadela, não sei), e em um momento, quando procrastina enquanto deveria estar escrevendo um novo livro, a mulher encontra nos seus e-mails, um convite para uma espécie de festa para escolher o nome de uma bebezinha recém-nascida do seu ex-namorado de Ensino Médio, Buddy (Patrick Wilson). Tal e-mail era obviamente padronizado para ser mandado para várias pessoas, mas ela se convence de que ele o mandou para ela porque ele ainda "nutre sentimentos românticos" por ela. Mavis então parte para a cidade pequena aonde cresceu para "recuperar" o seu amor.

Vamos explorar um pouco a vida de Mavis: podemos observar que, obviamente, ela não está muito satisfeita com sua vida, basta olharmos para a sua cara (sempre com resquícios sujos de maquiagem), suas roupas (claramente adolescentes) e para o ambiente da sua casa. Nesse ponto, os diretores de arte Michael Ahern e Kelly Hemenway acertam ao criar um ambiente que obviamente parece a casa de um adulto, mas que tem um pouco (talvez um pouco mais do que um "pouco") de "quarto de adolescente". Com suas coisas jogadas, restos de comida, papéis espalhados, louça suja, podemos perceber que Mavis não enfrenta muito bem essa entrada para a meia-idade que está vivendo. Isso fica ainda mais claro ao observarmos o seu péssimo hábito de tomar Coca-Cola logo de manhã.

Ao ver o e-mail de Buddy, é como se uma espécie de psicose rompesse na personagem. Ela se convence de que Buddy está super infeliz, tendo que tomar conta de uma filha, e de ter se casado, e acha que está mesmo fazendo um papel de 'heroína" ao correr atrás dele. Como uma pessoa que está de fato sofrendo mentalmente, ela não consegue enxergar fatos que contradizem o que ela acredita, o que fica muito claro na cena em que Buddy diz, brincando, que "se sente como um zumbi", por não ter mais tempo de dormir por conta da filha; Mavis usa essa frase, posteriormente, como argumento que prova suas hipóteses. É realmente constrangedor vê-la jogando-se nos braços dele enquanto ele obviamente não quer nada.

O que Mavis busca, acima de tudo, é uma reestruturação completa de sua vida, e, quando isso acontece, muitas pessoas acreditam que uma "viagem ao passado" (metafórica, como é o caso aqui, ou real, como poderia ser o caso em um quadro de esquizofrenia) lhes dão uma chance de re-modelar toda uma experiência infeliz de vida. É o que acontece com o personagem de Kevin Spacey na já clássico Beleza Americana de Sam Mendes, e o que acontece com Mavis. Seu comportamento adolescente, sua maneira de conversar com pessoas de seu passado, revelam uma completa negação de uma vida que não deu certo, e uma busca de voltar ao passado, para salvar o seu futuro.

Essa personagem consegue ficar ainda mais complexa quando observamos que ela é adolescente só na aparência mesmo, já que o completo niilismo que ela traí em sua voz revela que essa pessoa não é jovem de modo algum, apenas uma forma patológica de enxergar a vida.

O roteiro de Diablo Cody explora a personagem de forma sutil mas complexa, sendo capaz de até arriscar um tom mais irônico de vez em quando. Cody tem habilidade suficiente para isso. E tem habilidade para conseguir fazer com que Jovens Adultos seja mais do que um estudo de personagem ao arriscar-se a entrar em um estudo mais profundo da natureza humana, de como nós somos constantemente insatisfeitos com os rumos que nossa vida toma. Algumas pessoas desenvolvem sintomas mais preocupantes diante dessa realidade (como Mavis), mas a maioria simplesmente aprende que isso é um fato da vida. Mas, no final, o que fica mesmo é a lição de que temos de parar de pensar tanto no que "não foi", no conforto que pode ser nos aconchegarmos nesse "não foi" como uma espécie de vítimas do destino, enquanto na verdade nós podemos assumir as rédeas de nossa vida, como tanto insiste Sartre, assumir o controle das variáveis, e olhar para frente, para o que ainda "não é", e fazermos algo de útil para deixarmos de ser "toda a merda ambulante que vaga pelo mundo" como diz Tyler Durden, personagem do filme e do livro Clube da Luta.

Conseguindo ser linda mesmo quando tenta ser feia, Charlize Theron mostra mais uma vez que é uma atriz de fibra suficiente para encarnar uma personagem difícil como Mavis, demonstrando com imenso talento junção de dura maturidade com inaceitável infantilidade em uma mesma pessoa. O talentoso Patrick Wilson (de Watchmen, Pecados Íntimos e Menina Má.com) interpreta com habilidade o cansado, mas feliz Buddy. Já Patton Oswalt transfoma seu Freehauf em um indivíduo tridimensional e trágico, que parece ao mesmo tempo estar buscando acreditar que superou o passado, enquanto na verdade apenas se nega a encarar o futuro. É interessante que, em uma cena, Mavis e Freehauf tirem sarro de um sujeito que, mesmo passando por tantas dificuldades, conseguiu se tornar realizado e otimista, em um dos momentos mais irônicos do roteiro de Cody.

Jason Reitman (do já citado Juno, mas que dirigiu também Amor sem Escalas Obrigado Por Fumar) consegue resistir a tentação de se mostrar demais em uma produção aonde o verdadeiro foco é o roteiro e seus atores. Assim, Reitman é competente em explorar com realismo as situações vistas no filme, incluindo aqui e ali algum toque mais "seu" como cineasta, como na brilhante rima visual que cria no início e no fim do filme, quando Mavis acorda ao lado de um homem, mostrando a conclusão de seu arco dramático. Mas, Reitman conseguiu ser ainda mais brilhante ao mostrar Mavis deixando a cidade com a mesma roupa com que chegou, tornando-a, em uma análise bem aprofundada, mais complexa ainda. Ainda é inegável a inteligência de Reitman ao adiar os créditos iniciais do longa para mais tarde do que o normal, para quando Mavis inicia sua viagem, demonstrando que é ali, na sua busca de reconciliar passado e futuro, e não antes, que sua vida ganha uma espécie de "novo começo".

Ainda vale comentar a excelente fotografia de Eric Steelberg que contribui bastante para o desenvolvimento do filme. Observem como há sempre a mesma paleta de cores frias, escuras, e particularmente o triste azul que parece constante no filme. É interessante que esse azul sombrio esteja tanto presente na casa de Mavis em Minneapolis, quando aonde "deveria haver a felicidade", ou seja, na cidadezinha aonde ela foi criada. Steelberg foi brilhante pois, ao manter essa mesma estratégia de cores, ele consegue mostrar que a vida na cidadezinha, a adolescência de Mavis, não guarda as respostas para seus dilemas, e também como os personagens de lá parecem ver suas próprias vidas com um senso de desespero e tristeza, muitas vezes contidos.

Mas Jovens Adultos não é impecável. Para ser sincero, muitas vezes esse parece arrastado, o que pode ter sido proposital por parte de Reitman, mas não agrada, sinceramente. Além disso, o clímax contém diálogos que muitas vezes soam expositivos demais, o que não seria de se esperar de Cody. E, embora o filme consiga manter um humor sutil que funciona muito bem (principalmente na primeira metade de projeção), é inegável que este caia de qualidade, se tornando muito bobinho em diversos momentos.

No fim, na verdade, Jovens Adultos consegue ser bem o que pretende, analisando com sabedoria sua protagonista ao mesmo tempo que propôe reflexões que, se propostas sem a habilidade aqui demonstrada, poderiam soar clichês e enfadonhas. Mas, mesmo que não alcance a genialidade de seu similar Beleza Americana, Jovens Adultos é o meu filme favorito escrito por Cody até agora (acho Junoum bom filme, e odeio Garota Infernal).

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