sexta-feira, 28 de março de 2014


Análise:

Tudo Por Justiça (Out Of The Furnace / 2014 / EUA) dir. Scott Cooper

por Lucas Wagner

Um filme com um elenco repleto de grandes nomes na maioria das vezes representa alguma espécie de insegurança do respectivo cineasta que, ao se cercar de muitos atores competentes de renome, parece buscar uma muleta para que seu projeto acabe funcionando em pelo menos algum nível. O grande problema é que mesmo atores muito talentosos dificilmente podem fazer alguma coisa relevante com papéis que não lhes oferecem essa oportunidade. E esse é exatamente o caso de Tudo Por Justiça.

O longa com roteiro de Scott Cooper e Brad Ingelsby conta a história de Russell Baze (Christian Bale), um operário de uma usina que, pouco depois que sai da prisão, tem seu irmão mais novo brutalmente assassinado. Frustrado com a falta de eficiência da polícia, Russell passa se sentir tentado a buscar justiça com as próprias mãos, por mais que isso possa levá-lo de volta à cadeia.

Apesar de a sinopse deixar bem claro qual é a trama principal da obra, o diretor e co-roteirista Scott Cooper (do também fraco Coração Louco) só começa a trabalhá-la mesmo com mais de uma hora de filme, testando a paciência do espectador até o limite com sequências aparentemente sem propósito, não aproveitando o tempo nem mesmo para desenvolver seus personagens com propriedade.

E esse é o maior defeito do filme: seus personagens. Indivíduos unidimensionais e nada complexos, eles ainda acabam por revelar o profundo maniqueísmo do roteiro, cujas noções sobre Bem e Mau são definidas e nunca esbarram em qualquer ambiguidade, o que é pior ainda se considerarmos que se trata de uma obra que parece querer falar sobre um homem bom levado a seus limites. E para isso basta ver como Russell, o protagonista, é uma figura sempre benigna, humilde, bondosa e prestativa (e não duvido que o visual à lá Jesus Cristo de Christian Bale tenha sido planejado), que usa sempre roupas mais claras e desgastadas (representando seu esforço de homem trabalhador), entrando em profundo contraste com a figura do vilão Harlan DeGroat (Woody Harrelson), que desde a primeira cena é apresentado como o mal encarnado, é desumano, psicopata e brutal, e vem sempre envolvido em sombras, inclusive pelas suas roupas escuras.

Esse maniqueísmo impede que o filme consiga fazer de Russell o protagonista que obviamente queria ter. Ficam bem representados os objetivos de Cooper quando ele coloca a bela canção “Release” de Pearl Jam como tema do personagem, em que Eddie Vedder canta sobre um homem sofrido que finalmente encontra libertação. Mas Russell não faz jus à música que lhe representa, e na verdade é, a todo momento, um sujeito inverossímil em sua bondade extrema. Ao pintá-lo como uma espécie de santo-sofredor-mas-que-continua-sempre-bom, Cooper impede que o personagem adquira qualquer complexidade, e na verdade o torna um sujeito passivo que nem mesmo as provações que é obrigado a enfrentar na metade final da projeção o fazem mais tridimensional, já que a partir desse momento, Russell parece se tornar um fantasma movido por vingança, e não um homem movido pela dor do luto e pelas frustrações que foram tomando conta de sua pessoa. Assim, Christian Bale tem muito pouco o que fazer com o personagem, e se alcança alguma eficácia é porque é talentoso o suficiente para conseguir compor Russell como uma figura cuja bondade parece honesta, assim como a dor (embora o roteiro não deixe que ele explore bem isso), como na cena em que, antes de começar a chorar (exagero do roteiro), demonstra na voz toda a dimensão de seu sofrimento em relação à agora grávida ex-namorada. 

Mas não é só Bale que é prejudicado. Tudo Por Justiça tem a capacidade de desperdiçar todo o talento que atores como Sam Shepard e Zoe Saldana teriam para oferecer, ao relegá-los a papéis ingratos e frustrantes. E se Casey Affleck parece conseguir mais sucesso do que os outros, isso na verdade se dá porque seu Rodney é o personagem mais complexo do filme, enquanto Willem Dafoe é competente ao transformar John Petty numa figura ambígua por natureza, já que seu caráter afetuoso entra em contraste com os negócios sujos com que trabalha. Já Woody Harrelson, preso ao vilão unidimensional e arquetípico que é DeGroat, ao menos consegue ser eficaz o suficiente para transformá-lo num ser realmente ameaçador, conseguindo ainda até inserir um fiapo de complexidade no certo respeito que parece ter por Rodney. Fechando o elenco, Forest Whitaker se encontra num papel ingrato como nunca, mas demonstra ser um ótimo profissional ao investir numa entonação de voz grossa, firme e rouca, compondo assim o policial Wesley Barnes como uma figura forte porém fatigada pelo que a vida já teve para lhe oferecer.

Sem apresentar qualquer preocupação em transformar seu filme numa obra marcante no sentido de forma ou estilo, Scott Cooper tem uma direção burocrática cuja câmera tremendo parece ser o ápice de sua criatividade. Na verdade, dentre os raros momentos em que demonstrou alguma inventividade maior, estão as cenas envolvendo a última luta de Rodney e a caça de Russell e seu tio na floresta, cenas que vem intercaladas e criam algumas rimas entre si, como quando os braços de Rodney levantados em posição de defesa parecem lembrar as pernas do veado abatido pelo personagem de Sam Shepard; ou ainda, nessa mesma sequência, quando do rosto de Willem Dafoe, Cooper corta para a cara do veado morto. Apesar de interessante, essas cenas intercaladas acabam não encontrando tanta função narrativa, e se revelam apenas um atrativo a parte.

Prejudicado ainda por um final pretensamente complexo mas decepcionantemente vazio, que ainda cria uma fraca e óbvia rima visual entre o personagem de Woody Harrelson e um veado do meio do longa, Tudo Por Justiça é um tipo de filme irritante, que julga que ser melancólico é a mesma coisa que ser profundo. Scott Cooper ainda tem muito o que aprender sobre a sombria e ambígua natureza humana para dar aos seus personagens a dimensão que acha que dá.

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