sexta-feira, 24 de agosto de 2012


Resenha filme "O Ditador" (The Dictator / 2012 / EUA) dir. Larry Charles

por Lucas Wagner


  Em 2006, o excelente comediante Sacha Baron Cohen iniciou uma parceria extremamente promissora com o cineasta Larry Charles, criando o fantástico longa Borat, um filme que, através da inocência cativante de seu protagonista (interpretado por Baron Cohen), e auxiliado por uma estrutura de “pseudo-documentário”, colocava diversos norte-americanos (que não sabiam que estavam sendo filmados para um filme) contra a parede, fazendo-os revelar suas piores facetas, repleta de um falso moralismo nojento, preconceito absurdo e um inflado e sanguinário patriotismo pós 11/09. Além disso,Borat funciona também como uma comédia excepcional, com cenas inesquecivelmente hilárias que, muitas vezes, vinham repletas de um senso crítico fascinante. Em 2009, Baron Cohen e Charles repetem a parceria, só que dessa vez, de uma maneira falha e reprovável, em Brüno, um filme repugnante que busca repetir a fórmula de Borat, mas dessa vez falhando já que o personagem principal (mais uma vez Baron Cohen) era um sujeito desprezível, mais desprezível do que as pessoas que ele busca criticar, e por isso mesmo fica difícil você sentir “ódio” pelos “norte americanos hipócritas e preconceituosos”, já que qualquer um sentiria desprezo e repugnância por Brüno. Agora, em 2012, ator e cineasta repetem a parceria e, se por um lado conseguiram fazer um longa um pouco melhor do que Brüno, O Ditador se revela é um longa fraquinho e inocente (não no sentido em que o personagem Borat o é, mas no sentido de um filme com ideias mais “juvenis”), que, infelizmente, mostra que a união Baron Cohen e Charles não passou de uma promessa.

  O roteiro de Sacha Baron Cohen, Alec Berg, David Mandel, Jeff Schaffer já começa com o pé esquerdo na própria premissa, que novamente se baseia na história de um estrangeiro com comportamentos mal vistos pela sociedade norte americana, e, por contingências da vida, vai para os EUA, lá perdendo o que quer que seja que o mantinha econômica e socialmente, e sendo obrigado a se passar por um cidadão comum (juntamente com um parceiro idiota), enfrentando preconceitos de diversos tipos pelos cidadãos “americanos”. Talvez percebendo essa falta de originalidade, o roteiro descarta a estrutura de pseudo-documentário dos dois filmes anteriores, optando assim por um roteiro com uma estrutura “normal”, que, de modo algum, consegue mascarar a falta de originalidade (fail). Isso já impediu que o filme conseguisse o que Borat triunfou e o que Brüno tentou (e falhou, na maior parte do tempo), que era conseguir registrar na íntegra as reações, os preconceitos dos norte-americanos por um cidadão estrangeiro com costumes diferentes. Mas isso não seria problema caso O Ditador possuísse de fato uma boa estrutura, com diálogos ácidos e críticas inteligentes, algo que ele não tem. Se é “interessante” o momento em que o personagem de John C. Reilly diz que “Qualquer um que não seja americano, é árabe”, ou ainda por mais que seja bacana o momento em que Aladeen (Sacha Baron Cohen), ao citar os “benefícios” de uma ditadura, vai citando (sem perceber) características que cabem perfeitamente no estilo de vida dos EUA, essas críticas surgem muito inocentes e forçadas (além de completamente artificiais), não nos levando a encarar uma realidade infeliz com um tremendo tapa na cara, como em Borat. Na verdade, a impressão que fica é que essas críticas não surgiram de uma vontade e objetivos reais dos realizadores de criticar, mas mais como se, já que fizeram isso em Borat Brüno, e deu certo (tem muito crítico que acha que o segundo foi eficaz no que se propôs), por que não fazer em O Ditador?

  O objetivo do longa é, de verdade, apenas fazer rir. Nada mais, nada menos. E nesse aspecto o filme alcança um nível relativamente satisfatório (não tanto quanto os realizadores acham que conseguiram). Como um enorme fã do humor retardado e sem sentido (sou 9gagger de coração, e completamente apaixonado por Monty Python), é impossível que eu não desse enormes gargalhadas em diversas cenas, tamanho o nível do absurdo e do exagero vistos, como a cena hilária em que Aladeen se masturba, ou, quando entra em um bar de “difamadores seus”, vai se lembrando do que fez com cada um deles, e o mais hilário é, nessa cena, sua lembrança da vaca (sem mais comentários, vocês perceberão se virem o filme). Mas, infelizmente, o trailer do longa falha ao entregar muitas cenas que seriam muito mais engraçadas caso as víssemos pela primeira vez durante o filme. E ainda, muitos momentos surgem forçados demais para serem genuinamente engraçados (como qualquer cena com  o sósia do ditador, ou aquelas envolvendo o empresário chinês tarado). No entanto, para quem gosta de um bom humor nonsense, como eu, terá sua pequena parcela de diversão.

  O personagem Aladeen também não é lá grande coisa. Enquanto o que nos fazia perdoar os enormes preconceitos de Borat era sua absoluta inocência, o mesmo não se pode dizer de Aladeen ou de Brüno, já que são personagens conscientes de seus “defeitos de caráter”. Assim, desde o início fica difícil simpatizar com o protagonista, que surge rindo ao falar sobre paz, direitos civis, etc, enquanto se dedica completamente a construir bombas nucleares. Cada dificuldade, preconceito que enfrenta, ganha a mesma repercussão de quando isso acontecia em Brüno: nós ficamos do lado de quem critica, enquanto não deveria ser assim. E ainda, a própria trajetória de Aladeen é extremamente sem graça, sendo seu relacionamento com Zoey (Anna Faris) uma situação completamente maçante e artificial, que não é bem desenvolvida e surge apenas como propulsor para as “mudanças” do protagonista. Como ator, Baron Cohen continua excepcional, se sentido confortável e divertido no papel, o que não é suficiente para que salve o filme. O resto do elenco não tem nenhum ponto positivo, que ainda conta com um Ben Kingsley desconfortável e no piloto automático e uma Anna Faris que faz de tudo para tentar transmitir força à sua idealista personagem, mas falha principalmente pelo roteiro, que cria para ela um “arco dramático” imbecil e completamente sem sentido.

  Sendo levemente suportável devido a algumas piadas, O Ditador tenta esconder com uma máscara de “engajamento político” que, na verdade, é apenas um filme de comédia comum e falho. Não é inteligente e ácido como Borat, mas também não é tão moralmente desprezível como Brüno. Mas também não é bom.

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