sábado, 1 de novembro de 2014


Análise:

Era Uma Vez Em Nova York (The Immigrant / 2014 / EUA) dir. James Grey

por Lucas Wagner

James Grey revelou-se competente ao trabalhar histórias melancólicas com personagens trágicos e complexos, vivendo em ambientes degradantes de classe média para baixo que refletem sua existência. Alcançou resultados notáveis nos excelentes Caminhos Sem Volta e Amantes, e se seu Donos Da Noite não alcança a mesma glória, ainda é dono de momentos memoráveis. No entanto, mesmo que possua a mesma gama de características que marcam seus trabalhos, esse seu Era Uma Vez Em Nova York se consagra como uma obra inferior, emocionalmente insossa e demasiado enfadonha.

Com o roteiro do próprio Grey ao lado de Richard Menello, acompanhamos a vida de Ewa (Marion Cotillard) no momento em que chega aos EUA, vindo da Polônia, e logo se vê separada de sua irmã. Encontrando amparo financeiro no dúbio Bruno Weiss (Joaquin Phoenix), a moça acaba sendo obrigada a buscar na prostituição o dinheiro que pode fazer com que se reúna com a irmã.

Para que justiça seja feita, antes de mais nada, o visual de Era Uma Vez Em Nova York faz boa parte do trabalho em situar a história numa atmosfera melancólica. O design de produção de Happy Massee aposta nos opressivos cenários (reais ou virtuais) para transmitir uma sensação de sufocamento a partir de ruas apertadas a atulhadas de pequenos comércios, enquanto os ambientes interiores nunca falham em apresentar papeis de parede rasgados e repletos de móveis antigos com um óbvio cheiro de coisa velha. A bela fotografia de Darius Khondji também prima nos mesmos quesitos, e acerta no constante uso de sombras e de um triste tom sépia, em enquadramentos que surgem muitas vezes angustiantes, como aqueles que mostram o exterior de uma prisão ou uma surra em um túnel.

Mas se brilha no visual, Era Uma Vez Em Nova York possui um roteiro particularmente enfadonho que nunca consegue engatar emocionalmente o espectador, algo que se torna óbvio quando Grey apresenta esforços um tanto desesperados para conseguir algum (qualquer) efeito dramático, despencando no melodrama ao recorrer a um constante uso da melosa trilha sonora de Christopher Spelman ou mesmo no expositivo monólogo de Bruno quase no fim do filme. A situação, na verdade, vai ficando tão feia que os roteiristas acabam criando uma gama de situações forçosamente dramáticas para conseguir colocar a trama em movimento, e se torna sintomático que consigamos perceber que muitos dos principais acontecimentos narrativos não vem em prol de enriquecê-la, mas simplesmente de fazer com que ela se mova.

E grande parte dessa fragilidade emocional recai nos ombros de uma protagonista pálida cujas motivações nunca evoluem para torná-la minimamente complexa, já que giram sempre em torno de recuperar a irmã. Assim, passam-se diversos meses enquanto Ewa é jogada de lá para cá por terceiros sem apresentar qualquer sinal de força ou de amadurecimento psicológico, e a linda atriz Marion Cottilard parece ficar no piloto automático de uma performance baseada em um sofrimento redundante. Já Jeremy Renner é desperdiçado em um personagem cujo único motivo de existir é conferir alguma ação à trama.

No entanto, qualquer cena envolvendo o personagem Bruno merece atenção especial, isso em grande parte pela excelente performance de Joaquin Phoenix, em sua quarta colaboração com James Grey (ele também esteve em todos os outros filmes que citei no primeiro parágrafo). Personagem extremamente complexo e ambíguo, Bruno é um indivíduo inteligente o suficiente para ser um manipulador eficiente, conseguindo o que quer de suas “pombinhas” (leia-se: prostitutas), mas que também é detentor de uma óbvia imaturidade emocional, que o leva a agir de modo despropositalmente agressivo em várias situações, simplesmente porque ele mesmo não consegue compreender corretamente seus próprios sentimentos o suficiente para agir de modo mais de acordo com seus desejos e/ou necessidades, se tornando um enigma para si mesmo. Um papel perfeito para Phoenix, que em toda sua carreira vem trabalhando sujeitos emocionalmente imaturos e ambíguos, e aqui empresta toda a intensa instabilidade que faz de Bruno, em certos momentos, quase uma figura dismórfica e assustadora. E é por causa Phoenix que o citado monólogo acabe não irritando tanto, já que o ator comove com a sinceridade de sua interpretação.

Para além de Phoenix, Era Uma Vez Em Nova York falha em tantos quesitos que faz com que o filme quase afunde. E é uma pena que apenas no seu último plano consiga alcançar um nível de genialidade e força emocional que não deu as caras em qualquer outro momento da projeção.


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