segunda-feira, 22 de setembro de 2014


Análise:

Isolados (Isolados / 2014 / Brasil) dir.Tomas Portella

por Lucas Wagner

Não é raro se apontar que o Cinema brasileiro pouco se dedica à exploração de obras cujo objetivo não passa de exercício de gênero, não ambicionando algo deveras profundo ou singular, por assim dizer. Cinema desse tipo é, quando bem feito, refrescante em sua pureza despretensiosa, e o Brasil aos poucos demonstra tendência a se dedicar um pouco mais a isso. Mas, se suas comédias se mostram, em grande parte das vezes, sofríveis, há relativo pouco tempo, 2 Coelhos foi um esforço digno no caminho do Cinema de gênero, e agora esse Isolados revela-se uma tentativa não menos louvável nessa trilha ao conseguir equilibrar-se eficazmente entre o slasher (horror com assassinos psicopatas) e o terror psicológico.

Com roteiro do diretor Tomas Portella e Mariana Vielmond, a história acompanha o psiquiatra Lauro (Bruno Gagliasso) e sua namorada Renata (Regine Alves). Ambos fazem uma viagem de férias a uma casinha isolada sem saber que nas redondezas vem ocorrendo uma série de sangrentos assassinatos de mulheres. Depois que Renata é atacada (por favor, isso não é spoiler, mas sim muito previsível), Lauro se vê pressionado ao ter que lidar com os sádicos e com a depressão da namorada.

Ao nunca mostrar fisicamente os tais sádicos, Isolados consegue transformar esses supostos vilões em seres infinitamente mais assustadores e ameaçadores do que se realmente os víssemos, já que assim ganham matéria de fantasmas, quase sobrenaturais. Além disso, o longa ganha pontos ao conseguir imprimir uma constante atmosfera de claustrofobia pela sombria fotografia de Gustavo Hadba, que transforma aquele universo em algo sem vida e frio. Ainda, a fotografia merece créditos por conseguir fazer com que boa parte da obra se passe em um ambiente iluminado por velas ou por uma lareira, conseguindo nunca deixar o espectador confuso ou cego diante do que ocorre, mas alcança o efeito desejado de imprimir um tom macabro e infernal aos acontecimentos que tomam conta da narrativa a partir de sua metade. O design de produção também se mostra eficaz ao construir uma casa que passa a sensação de mal assombrada sem nunca escancarar esse efeito.

É uma pena então que o diretor Tomas Portella acabe tropeçando tanto no processo de arrepiar o espectador, em especial na primeira metade da produção, apesar da ótima introdução pré-título. A boa trilha sonora acaba sendo abusivamente utilizada, e ainda de maneira errônea com o objetivo de fazer saltar o espectador, algo ainda mais lamentável se contarmos as vezes em que o diretor causa ingratos sustos com animais ou objetos inanimados... coisa de amador. Ainda assim vale dizer que os esforços do cineasta acabam sendo muito mais bem sucedidos a partir do momento da produção em que Renata é atacada, pois então o diretor consegue imprimir uma atmosfera de angústia palpável, coadunada pela sensação constante de alucinação e delírio, essenciais para que a obra funcione, e efeitos aqui conseguidos a partir do ótimo uso de câmeras inclinadas e lentes grande angulares que distorcem o campo em que a ação acontece, além dos fechados planos nos rostos atormentados dos personagens. Além disso, o diretor é hábil e inteligente na criação de pistas orgânicas sobre o clímax ao longo da obra.

Ainda para que o filme funcione por completo, o trabalho psicológico envolvendo seu protagonista, Lauro, é vital. E assim, é notável como o roteiro é eficiente ao oferecer detalhes ao longo da projeção que transformam Lauro num indivíduo muito mais complexo e multifacetado do que se esperaria do almofadinha que aparece no início do filme. Assim, certas falas suas são importantes para se fazer uma leitura psicológica mais acurada do sujeito, e oportunidades de ouro surgem em falas chaves como a que, acusado de uma necessidade de controle por Renata, ele pergunta, mais chocado do que deveria: “O que você quer dizer com isso?”. Ainda, em certo momento diz para Renata, quase como em tom de ordem: “Agora você quer viver e permanecer ao meu lado”. Essas falas, em especial a primeira, revelam uma insegurança palpável em um indivíduo aparentemente seguro e louco por controle.

Para isso, Gagliasso revela-se um profissional formidável no processo de compor Lauro e toda sua complexidade, trabalhando tiques precisos e falhas adequadas nos tons de voz amedrontados do personagem, além de olhares escancarados em momentos em que parece mais fragilizado. Mais importante ainda é a intensidade com que o sujeito vai representando o arco dramático do protagonista. Além dele, Regiane Alves acerta em cheio ao conseguir viajar por todas as complexas nuances exigidas pela figura de Renata.

Apesar de todos acertos em meio a alguns erros na construção do terror, Isolados ainda apresenta uma série de lamentáveis equívocos que (espero) se extinguirão com o amadurecimento do diretor. Esses pecados se encontram muito concentrados nas desnecessárias quebras no fluxo narrativo, em especial na primeira metade do filme, que, mais do que uma necessidade do roteiro, evidencia uma insegurança por parte dos realizadores. Os flashbacks são absolutamente dispensáveis, assim como basicamente todas as cenas envolvendo os policiais. Ainda, a montagem que explica a revelação final é sinal inequívoco de intragável amadorismo.

Ainda assim, Isolados é um esforço digno dentro dos gêneros que explora, tanto como matéria de Cinema nacional quanto mundial, já que o longa não faz feio frente a recentes e competentes colegas internacionais dentro do mesmo quadro temático, como o norte americano You’re Next e o britânico A Lonely Place to Die.

Nenhum comentário:

Postar um comentário