quarta-feira, 23 de outubro de 2013


Crítica Serra Pelada (Serra Pelada / 2013 / Brasil) dir. Heitor Dhalia

por Lucas Wagner

  Quando escrevi sobre o pavoroso 12 Horas, comentei que este tinha sido um primeiro e isolado tropeço do excelente cineasta brasileiro Heitor Dhalia, e elaborei diversas formas de defendê-lo, mesmo diante de um filme tão horrível. Afinal, Dhalia já tinha dirigido obras-primas extremamente complexas e fascinantes como Cheiro do Ralo e À Deriva. Mas com esse Serra Pelada o diretor não conseguiu se reerguer, e confirma que sua decaída parece ser mais estável do que parecia.

  O fraco roteiro de Dhalia e Vera Egito acerta quando se foca em explorar o panorama da situação do garimpo em Serra Pelada, na complexa estrutura social que foi se criando, assim como a Máfia que foi se formando. Também, o contexto de uma terra sem lei é trabalhado na política “olho por olho, dente por dente” que inevitavelmente se desenvolve, assim como o sexo e violência descontroladas que vão tomando forma. Nessa perspectiva, Dhalia acerta ao inserir diversas imagens de arquivo que ressaltam o fato de estarmos vendo uma história real. Infelizmente, o roteiro vai gradativamente deixando de lado essa narrativa panorâmica, optando por focar-se na escrotíssima história dos ridículos personagens principais, Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim (Júlio Andrade), fazendo de Serra Pelada um verdadeiro exercício de paciência.

  A relação de Juliano e Joaquim se baseia na amizade de infância que os dois tem, e no afastamento que vão sofrendo por influência das mudanças que o poder e o dinheiro vem trazendo. O grande problema é a maneira incrivelmente porca com que são desenvolvidos, tanto individualmente quanto como dupla. Joaquim é um personagem unidimensional e clichê, cujas motivações e conflitos se baseiam no batido drama do homem honesto e incorruptível; e se certa potencial ambiguidade é demonstrada quando vai adiando voluntariamente sua volta para casa, o personagem morre aos poucos quando se torna um estorvo, sem propósito ou alguma característica genuinamente humana e realista, castrando o esforçadinho ator Júlio Andrade de levar Joaquim para algum lugar. Já Juliano é um personagem completamente...ridículo, podre. Burro até a alma, o arco dramático do personagem nunca (nunca!) chega nem perto de convencer, principalmente pela maneira atropelada e juvenil com que é “desenvolvido” (a fala “Eu gostei de matar” é indescritível em sua mediocridade); assim, toda a trajetória de vilão parece criada por deficientes mentais, já que o personagem vai passando por decisões e mudanças tão bruscas que atingem o espectador na cara com toda a inverossimilhança da coisa. É difícil acreditar que o responsável por algo tão delicado como À Deriva tenha sido capaz de criar um personagem tão (com o perdão da palavra) escroto assim, situação não aliviada pela atuação robótica (quase involuntariamente engraçada) de Juliano Cazarré.

  Como dupla, Joaquim e Juliano também são um desastre, por culpa, em especial, do roteiro, embora falte química entre os atores. Não dá para convencer alguém de que pessoas que cresceram juntas vão passar por conflitos tão bruscos, como aquele envolvendo a acusação de roubo por parte de um deles (me refiro à primeira das duas acusações de roubo entre eles que surgem no filme). A ideia que passa é do desespero dos roteiristas em forçar a noção de que “poder corrompe”, só que fazem isso como que contando uma história com fantoches para crianças de um ano de idade. Situação que não melhora com a inclusão de outra patética personagem: Tereza. Dá dó perceber o esforço incrível de Sofie Charlotte em fazer dela uma mulher forte e complexa, mas no fim das contas Tereza não passa de uma (mais uma vez, perdão pela expressão) vadia unidimensional.

  Serra Pelada ganha certa energia apenas com as presenças ilustres de Matheus Nachtergaele e Wagner Moura. O primeiro chega a parecer um Joe Pesci na sua estratégia de atuação, já que aproveita de seu físico franzino e baixa estatura como contraponto para uma atitude poderosa e confiante, transformando o mafioso Carvalho numa figura ameaçadora que, quando em cena, cria constante ansiedade. Já o sempre genial Wagner Moura rouba a cena todas as vezes como Rico Lindo, numa performance que nunca deixa de escancarar o tanto que o ator estava se divertindo no papel. Carinhoso, simpático e atencioso, Rico Lindo é um lobo na pele de cordeiro, já que demonstra inteligência na avaliação das melhores oportunidades possíveis (observem a expressão atenta de Moura quando avalia a relação entre Joaquim e Juliano) e prazer sádico na tortura de pessoas que ficam em seu caminho, característica essa que faz da cena em que ele é apresentado uma das melhores do ano (mesmo nesse filme). Moura acerta numa composição caricata, que usa a maquiagem levemente grotesca como ponto a favor no delineamento da personalidade maníaca e divertidíssima de Lindo.

  Demonstrando uma incompetência gritante para trabalhar sequências de ação, Dhalia parece estar sofrendo convulsões com a câmera ao filmar tiroteios e brigas com o quadro tão instável que o resultado desejado de injetar adrenalina no espectador é desviado, causando apenas dor de cabeça. Na tentativa de criar uma narrativa ágil, o diretor também erra numa montagem atropelada que falha tanto no quesito desenvolvimento da história como dos personagens (como já comentei). Pelo menos, Dhalia entende o potencial do longa como faroeste, mas também não passa de entendimento, já que não se esforça em prol de trabalhar uma decoupagem ou mise en scéne que pelo menos remeta aos westerns, deixando sua obra comendo poeira perto de outro lançamento brasileiro do ano, o similar, porém infinitamente superior, Faroeste Cabloco.

  Suportável apenas quando Matheus Nachtergaele ou Wagner Moura estão em cena, Serra Pelada afasta ainda mais Dhalia de seus grandes acertos da década passada, demonstrando uma situação preocupante numa carreira tão promissora. Pode ser que, infelizmente, 12 Horas não tenha sido um acidente...

*Outras críticas minhas de filmes dirigidos por Heitor Dhalia:

-12 Horashttps://www.facebook.com/notes/lucas-wagner/resenha-filme-12-horas-gone/293984007346374
  

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