sexta-feira, 8 de março de 2013



Crítica filme “Oz – Mágico e Poderoso” (Oz the Great and Powerful / 2013 / EUA) dir. Sam Raime

por Lucas Wagner

  Uma das coisas que mais gosto sobre O Mágico de Oz de 1939 é que o filme dava margem para interpretarmos toda aquela aventura como uma fantasia da garotinha Dorothy, que se fechou em si mesma como uma forma de procurar respostas para uma realidade não muito agradável que vivia em Kansas, e assim encontrar uma nova visão sobre si mesma e aquele meio. Uma coisa que sempre me incomodou desde o início da produção desse prelúdio, Oz – Mágico e Poderoso, é que, se passando em um período anterior àquele do longa de 39 e sem contar com a garota protagonista, esse novo filme descarta a ambiguidade presente naquele clássico. E, de fato, esse é um problema grave. Mas, felizmente, acaba se revelando o problema mais grave desse prelúdio do diretor Sam Raime (da trilogia Homem Aranha e dos clássicos Evil Dead) que, mesmo cometendo outros erros em seu filme, acabou construindo um longa competente, principalmente em função de seu excepcional protagonista.

  Acompanhamos a história do mágico farsante Oscar “Oz” Diggs (James Franco), indivíduo trapaceiro e ambicioso, que acaba dentro de um tornado que o leva à Terra de Oz. Lá, fica sabendo de uma profecia que um mágico chamado Oz cairia do céu e libertaria o povo da bruxa má, tomando seu lugar no trono na Cidade Esmeralda. Bom, todo mundo parece achar que ele é esse mágico, status que ele parece gostar a não ser quando as coisas apertam.

  Raime logo de cara adota a mesma estratégia do clássico de 39 ao iniciar seu filme em preto e branco, nas cenas que se passam em Kansas, apenas para passar para o colorido quando Oscar vai para Oz. Mas isso não soa apenas como uma homenagem gratuita, já que, assim como para Dorothy em O Mágico de Oz, a Terra de Oz funciona como um lugar de evolução para o próprio Oscar também, de passagem de uma realidade medíocre para uma cheia de possibilidades. Ainda, é interessante que Raime adote, além do preto e branco, uma razão de aspecto reduzida nas cenas em Kansas, ilustrando uma realidade “enjaulada”, limitadora, e quando Oscar vai para Oz, o diretor adota uma razão de aspecto bem maior, obviamente representando as possibilidades daquela vida nova. Raime ainda é capaz de brincar com um estilo de “filme antigo” nas cenas do Kansas, tanto através de cortes lentos típicos de antigamente quanto pela própria mise-en-scéne (movimentação e posições dos atores em cena). No entanto, é inegável que Raime parece meio desconfortável com toda a grandiosidade imposta por um projeto da Disney como esse, obrigando-o a longos planos aéreos, além de movimentos de câmera que parecem padronizados e já típicos de filmes como esse. Esse desconforto prejudica as próprias cenas de ação, já que engessa o diretor para se divertir com a câmera como já fez tantas vezes. Como originário do terror trash (como disse, ele é o responsável pela trilogia Evil Dead), Raime adora usar enquadramentos exagerados, com a câmera extremamente inclinada, e closes fechados e rápidos, que podem ser deselegantes, mas possuem um charme próprio e frenético daquele tipo de Cinema, e que foi algo que o diretor usou e abusou nos seus terrores trash e até mesmo nos três Homem Aranha. Aqui, é muito raro o diretor fazer isso, e quando faz, é por pouco tempo.

 Visualmente, Oz – Mágico e Poderosos é competente na medida em que consegue recriar a Terra de Oz com habilidade, ressaltando o caráter fantástico do ambiente (embora, muitas vezes, a artificialidade seja demais) ao mesmo tempo em que relembra ambientes vistos no longa de 39. Infelizmente, muitos dos ambientes parecem meio... sem imaginação. Poderiam ter abusado mais da criatividade, na minha opnião. No entanto, as criaturas digitais se mostram impecáveis, desde o macaco com asas, passando pela boneca de porcelana e os babuínos voadores. Além disso, a maquiagem de Greg Nicotero (responsável pela maquiagem dos Evil Dead e do seriado The Walking Dead) é extremamente eficiente, principalmente no que se refere à personagem de Mila Kunis.

 O que faz de Oz – Mágico e Poderoso uma obra superior à maioria das que são produzidas como blockbusters de aventura nos EUA, é mesmo o seu protagonista. Oscar é um indivíduo detestável. Egoísta, malandro, safado, mulherengo, farsante, aproveitador... não há quase nada que o faça ser um bom ser humano. Mas, convenhamos, nós adoramos adorar um canalha, como é o caso não só de Oscar, mas de Jack Sparrow, o deputado Francis Underwood do seriado House of Cards, o Swayer de Lost, Barney Stinson de How I Met Your Mother... a lista é enorme. Além disso, Oscar é um indivíduo realmente complexo e tridimensional. Lutando para não ser uma pessoa comum, mas sim um indivíduo grandioso, Oscar repudia a humildade e bondade que, segundo ele, parece ser própria de indivíduos medíocres que se dão mal na vida (como seu próprio pai). Assim, seu comportamento é, mesmo que ele não perceba, uma forma de mecanismo de defesa para passar longe de uma vida comum e ordinária. Mas ele é realmente, no fundo, uma boa pessoa, capaz de sentir compaixão e querer, genuinamente, ajudar outras pessoas, por mais que, segundos depois, possa voltar a ser o babaca de sempre. Raime parece interessado em explorar todas essas facetas de seu protagonista, e sua direção se sobressai nessa aspecto. Observem que sempre parece que as “mágicas” de Oscar são realmente mágicas, já que nunca vemos, partindo dele, algo que refute a ilusão... a não ser em um momento específico, quando está conversando, em Kansas, com sua amada Annie (Michele Williams), e passa uma cola em um aparelho, fazendo com que esse volte a funcionar. Ou seja: Raime o captura em um momento vulnerável que, inclusive, é uma belíssima sequência em que Oscar expõe muito de sua complexidade, já que sua couraça parece ter dado uma brecha. E não há como não admirar a rima criada pelo diretor (e também pelos roteiristas) em relação à Oscar fazendo (ou não) uma garotinha andar em Kansas e outra em Oz.

  Muito desse sucesso do personagem vem da própria performance impecável de James Franco, ator sempre competente. O ator demonstra profundo conhecimento de seu personagem em nuances de sua atuação, seja pela entonação de sua voz (quando quer surpreender ou enganar, engrossa a voz) ou pelo mero movimento dos olhos (observem quando fala sobre seu pai ou quando comenta sobre Thomas Edison). Além de Franco, outra que consegue se sobressair violentamente é Mila Kunis (puta que pariu...que atriz linda!), que consegue transformar Theodora em uma figura praticamente tão complexa quanto o próprio Oscar (talvez até mais), sendo possuidora de um arco dramático pesado e bem definido. A ambiguidade da personagem fica evidente no talento da atriz, que adota sempre gestos contidos e um tom de voz regulado, demonstrando assim uma pessoa de múltiplas facetas: parece trágica e cansada pelo estado da Terra de Oz; reservada quanto aos seus sentimentos, e em quem os deposita; e, o mais importante, demonstra sua força em se controlar, para não se deixar levar por impulsos violentos e perigosos.

  No caso de outros personagens, Rachel Weisz faz de Evanora uma figura ameaçadora mas não totalmente unidimensional, ao mesmo tempo que Michelle Williams (mais acostumada a filmes mais “sérios” e densos, como Sinédoque, Nova York, Ilha do Medo, Namorados Para Sempre, O Segredo de Brockeback Mountain, etc) nunca deixa sua “bruxa boa” ser unidimensionalmente boa, mas sim uma figura interessante e forte. Agora, se tem algo que me irritou demais foram os péssimos personagens do macaco e da boneca de porcelana. O primeiro serve como um alívio cômico estúpido e clichê, enquanto a segunda é uma personagem que, se em sua primeira cena parece ser interessante, depois fica variando entre extremos de chatice e manha, a ponto de me fazer querer entrar no filme e quebrá-la em pedacinhos.

  Ah, quase esqueci de falar do 3D: Sam Raime não sabe usar. Pode até jogar um monte de coisa na câmera para dar a impressão de que sabe o que está fazendo, mas o diretor parece não compreender que um bom 3D depende de alta profundidade de campo, algo que ele não adota em praticamente nenhum momento do filme.

  Enfim, Oz – Mágico e Poderoso é um filme falho que, no entanto, se salva pelas atuações e personagens, principalmente de Franco e Kunis. Mas esse tipo de filme já vem se desgastando faz tempo. Os clichês são os mesmos, os estereótipos se mantém, o mesmo humor de sempre, etc. Acho que deviam dar um tempo. Enquanto isso acho que Sam Raime poderia voltar a se dedicar a mais Evil Dead...

Nota: 6,5 / 10.0

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