sábado, 13 de outubro de 2012


Resenha filme "Selvagens" (Savages / 2012 / EUA / Ação) dir. Oliver Stone

por Lucas Wagner


  Nas décadas de 80/90, Oliver Stone marcou presença. E como marcou. Iniciando sua carreira no Cinema escrevendo o roteiro do inesquecível O Expresso da Meia-Noite, de Alan Parker, Stone logo depois escreveu outro filme icônico: Scarface. Quando iniciou sua carreira como cineasta, ele entregou algumas obras complexas e fascinantes, além de polêmicas, que estabeleciam um alvo e o metralhava com críticas ferozes, selvagens, atingindo o espectador com uma força absurda e nos obrigando a pensar sobre situações desconfortáveis como corrupção, guerras, desilusão com a pátria, conspirações, deturpação da mídia, etc. Nesse esquema, Stone dirigiu verdadeiras obras-primas como Nascido em 4 de Julho, Platoon, JFK – A Pergunta Que Não Quer Calar, Wall Street – Poder e Cobiça e Assassinos Por Natureza (tá bom, esse não é bem uma obra-prima, mas é excelente). No entanto, na última década, o cineasta perdeu o rumo, e deixou de lado a racionalidade e a ferocidade de seus trabalhos anteriores e se dedicou a longas sentimentalóides, irracionais e melosos, que fugiam completamente dos seus outros filmes. Assim, Stone esteve mergulhado em obras como Torres Gêmeas, Alexandre e W. (e se Wall Street 2 – O Dinheiro Nunca Dorme é superior, devido à sua análise impressionante do capitalismo moderno, ainda assim não deixa de ser sentimentalista) que pareciam ter feito sumir o diretor “durão” que ele era. Em Selvagens, seu mais novo filme, o cineasta volta um pouco ao seu estilo bruto e violento, entregando uma obra pesada que não busca poupar o espectador da visão que procura passar. Ainda assim, esse longa não consegue passar de bom, já que sua própria trama impede que o filme seja grande.

  Stone busca (com sucesso) nos mergulhar sem qualquer reservas no mundo do tráfico de drogas. E a realidade por ele apresentada é assustadora, nos fazendo temer a todo momento pelo que pode acontecer, o que é devido em grande parte à brutalidade com que o cineasta concebe o universo. Ao invés de acordos e negociações, o que vemos na verdade são imposições na base da força física, com cartéis tentando dominar um ao outro sem medir esforços. Assim, em determinado momento, para organizar uma reunião com os produtores Chon (Taylor Kitsch) e Ben (Aaron Johnson), a máfia comandada por Elena (Selma Hayek) já manda por email para eles imagens de seu grupo decepando cabeças de pessoas que não colaboraram. Não se pode ir a uma negociação sem dezenas de atiradores vigiando ao longe, mesmo que tenha sido combinado que apenas uma pessoa iria à reunião. Ainda com um grau absurdo de violência (muito necessário num filme como esse) Stone consegue fazer com que o espectador olhe a tudo e a todos com desconfiança, sabendo que nenhum daqueles indivíduos hesitaria em atirar no outro se assim fosse necessário. E é esse mergulho na brutalidade nada romantizada do tráfico de drogas o maior acerto do longa, que mostra um Stone ainda capaz de deixar o espectador desconfortável com realidades perigosas que busca mostrar. Não é tão perfeito quanto um Cidade de Deus ou Traffic, mas é muito bem feito.

  O cineasta ainda investe numa direção cheia dos exageros visuais expressionistas que caracterizou muitas obras suas de antigamente. Empregando filtros de cores fortes e exageradas, muitas vezes inesperadas (como verde ou vermelho), o cineasta deixa-nos ainda mais desconfortáveis com o que vemos, e nessa lógica, o momento em que alguns personagens se envenenam é belíssimo já que o diretor emprega um filtro amarelo forte que nos deixa até com calor. Ao mesmo tempo, a excelente montagem estabelece um ritmo intenso e irresistível para o longa, nunca deixando a “peteca cair”. Além disso, os movimentos de câmera sempre malucos de Stone contribuem para a atmosfera de loucura e imprevisibilidade que estamos presenciando. O cineasta ainda, como é comum para ele, seleciona uma trilha sonora incidental magnífica, com escolhas curiosas, como acabar o filme com uma versão de “Here Comes The Sun” (ainda vale dizer que a trilha original composta por Adam Peters também se mostra eficiente e interessante). O único erro grave na direção de Stone, devido à exagero, é no clímax, quando engana o espectador com uma realidade apenas para mostrar outra logo quando tudo parece ter acabado. E isso é ruim porque não possui qualquer sentido narrativo; é apenas um capricho de um diretor que quis se exibir mais do que deveria.

  Quanto aos personagens, o único que realmente se destaca, que é mais tridimensional, é Ben, interpretado por Aaron Johnson (o protagonista do excelente Kick Ass – Quebrando Tudo). Sujeito de bem e intelectual, Ben segue uma filosofia budista e usa sua paixão por botânica na produção de drogas de alta qualidade. Sem querer machucar ninguém, ele sempre deixa o trabalho sujo para seu parceiro Chon. Mas o arco dramático dele se refere justamente à necessidade que passa a existir de que ele seja obrigado a sujar suas mãos, entrando num universo de violência para os quais queria fechar os olhos (nesse sentido, a cena em que é obrigado a tocar fogo em alguém é essencial). Johnson está perfeito no papel, com sua voz mansa e a confiança que tem nos negócios e em si mesmo (pelo menos no início), mostrando a bondade de seu personagem ao, por exemplo, perguntar, preocupado, sobre a condição da mulher de Dennis (John Travolta), mesmo que não esteja muito feliz com esse homem. O ator ainda mostra com intensidade a transformação de Ben, mostrando o medo e a insegurança que tomam conta dele quando a situação se aperta, até que ele é obrigado a agir de forma dura e má. Outro personagem que talvez merecesse destaque seria Elena. Isso se dá já que o roteiro busca transformá-la numa personagem ambígua que, ao mesmo tempo em que é um verdadeiro monstro no trabalho, tem sérios problemas de relacionamento com a filha. Embora a atuação de Selma Hayek esteja muito boa e eficiente, a personagem é inegavelmente mal escrita e todos esses seus problemas com a filha são muito mal desenvolvidos, o que piora ainda mais quando o roteiro tenta estabelecer uma relação “maternal” entre ela e O (Blake Lively).

  De resto, no elenco ninguém se destaca, e nem tem como, já que todos os personagens (tirando Ben) são unidimensionais logo a partir do roteiro, o que dificulta muito o nosso envolvimento com o que vemos. Taylor Kitsch está inexpressivo ao extremo como o ex-soldado Chon, achando que somente fazer cara de mal já pode ser qualificado como atuação. John Travolta se diverte no papel de Dennis, mas ainda assim é uma atuação pedestre. Assim como Benício Del Toro, um dos melhores atores em atividade (quem duvidar disso é só ver suas atuações impecáveis em Traffic, 21 Gramas e Che) que está num papel que não permite qualquer desenvolvimento, de tão unidimensional que é. Ok, Del Toro consegue ser assustador, ameaçador, mas isso é pouco perto do talento do astro e do que ele poderia fazer com um personagem melhor escrito. Já Blake Lively pode ser estrondosamente linda, mas é uma péssima atriz, como já foi provado em filmes anteriores. Ela parece não fazer o mínimo esforço para desenvolver sua personagem O, achando que só fazer cara de coitada bastaria.

  E a partir disso posso falar do grande problema do filme: sua trama. O centro do longa mesmo é o Ben e Chon tentando resgatar O das mãos da máfia de Elena. Embora Stone, no primeiro ato, busque mostrar a dinâmica do relacionamento dos três, ainda assim o amor/paixão que eles nutrem por ela em nenhum momento se mostra capaz de segurar o filme. Assim, nunca somos capazes de compartilhar a dor e o desespero que tomam conta de Chon e Ben, o que torna a experiência toda alienada para o espectador. E aqui Stone mostra o sentimentalismo que corroeu sua carreira na última década. Ao tentar basear seu filme no emocional, Stone deixa de lado o racional, que é algo que ele consegue trabalhar bem melhor. Ele não é um cineasta emocional, mas racional, só que ele parece não compreender isso, e continua prejudicando seus trabalhos. Até mesmo no mais emocional dos seus filmes de antigamente, o maravilhoso Nascido em 4 de Julho, o cineasta não esquecia que o mais importante lá era a discussão que buscou promover, e mesmo o desenvolvimento do trágico personagem principal daquele filme era feito sem o melaço que ele faz hoje em dia. Atualmente, Stone parece não compreender que para comover o espectador não precisa forçar a barra, mas desenvolver seus personagens com propriedade e sobriedade, sem investir em cenas excessivamente emotivas.

  Dessa forma, Selvagens pode ser um bom filme, mas ainda está longe de ser um ótimo ou excelente. Diverte e é intenso, nos mergulha numa realidade avessa a nós sem qualquer medo, mas ainda assim falta muito para Stone voltar a ser o cineasta que um dia foi. Bom, vamos esperar e torcer pelo seu próximo trabalho. Quem sabe...

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