terça-feira, 16 de outubro de 2012


Resenha filme "A Entidade" (Sinister / 2012 / EUA) dir. Scott Derickson

por Lucas Wagner


  Com O Exorcismo de Emily Rose, o cineasta Scott Derickson demonstrou ser um bom diretor na condução de cenas de terror. No entanto, seu longa foi severamente prejudicado por não encontrar seu rumo nem como gênero de terror e nem como drama de tribunal, não conseguindo se estabelecer como nenhum dos gêneros e muito menos se mostrando capaz de viajar entre eles com tranquilidade. Nesse seu novo filme, A Entidade, Derickson está mais confortável justamente por se focar apenas no gênero terror, e desenvolver a partir daí uma trama assustadora e interessante, que nunca perde o ritmo, mantendo um clima claustrofóbico durante toda a projeção, fazendo por merecer seu título original nos EUA: Sinister, que é, literalmente, “sinistro”.

  O roteiro do próprio Scott Derickson e C. Robert Cargill é centrado no escritor de livros de crime de não-ficção do polêmico Ellision (Ethan Hawke), que planeja escrever um novo livro baseado em um crime verdadeiro, e por isso se muda com a família para a casa onde aconteceram os assassinatos (embora sua mulher não saiba disso). Ao começar a estudar o caso, descobre coisas realmente macabras que elevam a gravidade do que vivencia ao extremo.

  O maior sucesso do filme é mesmo sua trama. No inicio acompanhamos uma investigação nada sobrenatural, mas que vai, aos poucos, ficando mais e mais estranha e grotesca, consequentemente aumentando o nosso interesse no que vemos. Quando Ellison encontra uma caixa com filmes no formato Super 8 (isso não é spoiler, está até no trailer), acompanhamos imagens realmente macabras e assustadoras, que só ficam atrás daquelas vistas em Se7en ou na 6ª temporada de Dexter, o que vai nos atiçando ainda mais. Os roteiristas vão introduzindo elementos sobrenaturais à trama calmamente, até que chegam a explorar o ocultismo de uma forma que deixaria o grande escritor de terror H.P Lovecraft orgulhoso, deixando a estranheza de tudo nos dominar. E as “verdades” que vamos descobrindo são realmente interessantes e assustadoras, além de funcionar muito bem no contexto, levando o longa de uma investigação “normal” de um crime para uma situação bem mais aterrorizante. Desse modo, os roteiristas conseguem a proeza de nos fazer ficar na ponta da poltrona, arrepiados, a partir da própria trama, o que é o ideal num filme de terror, e que é pouco percebido pelos cineastas que se dedicam a explorar esse tema atualmente, infelizmente.

  No entanto, na direção, Derickson comete alguns deslizes. Esses deslizes se referem justamente a grande parte das sequências de terror, o que é uma surpresa se levarmos em conta o que eu escrevi no primeiro parágrafo. O grande problema é que o cineasta investe muito, nessas cenas, em lugares comuns, em maneiras fáceis de assustar, principalmente no início da projeção. Assim, somos obrigados a presenciar cenas de suspense que terminam mostrando que o que estava causando medo era um animal, ou filha do protagonista, etc, além de usar o filho problemático de Ellison não menos que duas vezes para “nos pegar”. Derickson vai deixando um pouco essas manias infames e clichês no decorrer do longa, embora ainda invista pesado em artifícios como portas que rangem, chão barulhento, barulhos de passos, etc; e mesmo quando o cineasta tenta ser mais criativo, nem sempre se sai muito bem, como fica bem claro numa determinada cena envolvendo crianças na casa durante uma noite, que chega até a despertar o sentimento de vergonha alheia no espectador (aliás, o longa parece até Atividade Paranormal – que eu gosto do primeiro, por sinal – ao sempre escolher o período noturno para assustar, o que aqui acaba se mostrando repetitivo, enquanto no filme citado funcionava bem dentro da trama). Mas isso não destrói toda a atmosfera de terror simplesmente porque a própria trama, como comentei, nos deixa tensos e arrepiados (o que é mais eficiente e mais difícil do que apenas assustar), e ficamos realmente com medo de tudo o que vemos, não devido às tentativas do diretor de assustar, mas porque fomos sugados para dentro da atmosfera ocultista. Porém, Derickson se sai bem na direção nas cenas dos vídeos caseiros e na criação do clima claustrofóbico e sombrio (apesar dos “sustinhos”) em que nos mergulha desde a macabra cena inicial; muitas vezes ainda o diretor usa uma edição eficiente que flerta com o expressionismo, ao incluir cortes estranhos e grotescos, que parecem propositalmente mal feitos, justamente para deixar tudo mais surreal. A trilha sonora de Christopher Young (compositor que geralmente não gosto muito) também deve ser comentada, já que está simplesmente impecável na criação de tons que não podem ser definidos senão pela palavra “esquizofrênicos”, investindo basicamente na cacofonia para funcionar, o que é uma brilhante decisão e funciona maravilhosamente.

  Apesar de se focar basicamente no terror, o roteiro acerta ao não se esquecer do desenvolvimento psicológico de Ellison, que se torna um personagem extremamente complexo que enriquece bastante o filme. Depois de escrever um sucesso estrondoso 10 anos antes, Ellison nunca mais conseguiu produzir algo igual. Investindo em livros de investigações verdadeiras que sempre apontam o que policiais deixaram de olhar, o autor ganhou fama de polêmico mas também de dedicado, sempre sacrificando a própria família para conseguir escrever, chegando a atos extremos como morar numa casa (e arrastar a família junto) que serviu de cenas do crime. E Ellison, mesmo numa época terrível, não tendo escrito nada de sucesso por muito tempo, se orgulha imensamente do que faz, sendo capaz de entrar numa ferrenha discussão com um xerife logo na primeira conversa que tem com ele. O caso é que a natureza do que investiga, além da fama que construiu para si mesmo, tem efeitos completamente negativos para seus filhos, com um que inclusive está desenvolvendo sintomas psicopatológicos diante de tudo que é obrigado a passar devido ao pai. Mas Ellison se sente imensamente culpado frente a isso, e lamenta. O sempre competente Ethan Hawke (de filmes como Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto, Antes do Amanhecer, Sociedade dos Poetas Mortos, etc) demonstra tudo isso e mais na sua impecável atuação, e se não fosse por ele, o personagem não teria a mesma força. Porque a complexidade de Ellison não se refere somente ao que eu comentei, mas ele ainda é mais ambíguo do que podemos imaginar a principio, o que fica mais do que claro na belíssima cena em que assiste um talk show em que esteve presente quando escreveu seu Best-seller, e se entristece ao ver como mudou com o passar dos anos, como seus objetivos se confundiram, assim como seu idealismo modificou bastante. E Hawke tem o melhor momento de sua performance no melancólico sorriso que dá quando ouve a si mesmo jovem dizendo que “preferia cortar suas mãos a escrever apenas pelo sucesso e fama”, e percebemos nesse momento como ele entra em profunda auto-análise quando ao que está fazendo de sua vida (e o modo pejorativo como chama determinado delegado – Deputy So and So – demonstra uma forma de desprezo que surge automaticamente forçada, como numa louca tentativa de provar seu já não tão forte idealismo). E mais, o ator faz tudo isso e ainda demonstra com firmeza absoluta o arco de um homem pragmático e realista sendo obrigado a aceitar a existência do sobrenatural. Um ótimo personagem e uma maravilhosa atuação.

  Mas devo reclamar de mais algumas coisas aqui, mesmo tendo gostado do filme. Quando Ellison vai descobrindo mais sobre o caso, algumas evidências tornam particularmente difícil para nós acreditarmos que a polícia não tinha percebido a ligação entre os diversos assassinatos e desaparecimentos, o que torna a experiência um pouco artificial. O que é pior, no entanto, é  o clímax, que surge abrupto e completamente anti-climático. Mesmo tendo terminado com coerência e coragem (devo dar o braço a torcer quanto a isso), a impressão que fica é que os roteiristas não sabiam bem como preparar o final e simplesmente acabam aí, o que dá uma sensação estranha no espectador ao sair da sala.

  Mesmo assim, o longa ainda é feliz ao contar com as excelentes performances de Juliet Rylance (que interpreta a esposa de Ellison de forma complexa, sem antagonizá-la, como muitas vezes acontece nesse tipo de filme) e James Ransome (que surge bem divertido como o “Deputy So and So”), e é certamente uma ótima surpresa numa época em que a regra geral dos filmes de terror parece ser besteiras completamente descartáveis como Mulher de Preto, Chernobyl ou A Filha do Mal. 

Um comentário:

  1. sinceramente, eu achei um lixo esse filme, final meio sem sentido

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