sexta-feira, 26 de outubro de 2012


Resenha filme "007 Operação Skyfall" (007 Skyfall / 2012 / Reino Unido) dir. Sam Mendes

por Lucas Wagner


  O cineasta Sam Mendes comentou em entrevista recente que nunca gostou dos filmes antigos de James Bond, que só se interessou mesmo pela série a partir de 007 Cassino Royale. Desse modo, eu esperava que ele fizesse um longa que fosse completamente fora dos padrões da série, adotando novas perspectivas e estilo, assim como o que acabei de citar. Porém, esse 007 Operação Skyfall vai muito no esquema dos filmes clássicos da série, com Bond mulherengo ao extremo, suas bebidas exóticas, estiloso, um vilão maluco e exagerado, personagens clássicos, situações extravagantes (inclusive uma envolvendo dois lagartos perigosos), e muitas homenagens que deixarão os fãs loucos. Não estou achando nada disso ruim. Pelo contrário, para um bondmaníaco como eu, que cresceu vendo (e amando) esses filmes, isso é sensacional. O que eu achei estranho é que (além do que Mendes comentou na entrevista), desde que fizeram um reboot da franquia, com o maravilhoso 007 Cassino Royale, foi tomada uma direção mais sombria e realista, além de completamente brutal, fugindo da elegância dos anteriores. Bom, Bond continua brutal, o que mudou um pouco foi o estilo. Mas essa estranheza não prejudicou o filme, que é, no geral, muito bom. O que o prejudicou mais foi o seu roteiro falho, que cria uma trama ridícula; mas a direção competente de Mendes e as ótimas performances faz com que esse exemplar da série valha a pena ser conferido.

  O roteiro, escrito por Robert Wade, Neil Purvis e John Logan (que esse ano escreveu o excelente A Invenção de Hugo Cabret), investe numa trama que começa muito interessante e ameaçadora, mas que se revela patética quando ficamos sabendo mais sobre o que está acontecendo e as razões por trás disso. Sem revelar nada, digo apenas que os motivos que movem o vilão Silva (Javier Bardem) são muito bobinhos, artificiais, que dificilmente deixam o espectador se envolver direito com a história (o vilão, como comentarei mais adiante, pode ter esses defeitos, mas ainda assim é excelente, mas já já falo disso). Além disso, não deixa de ser decepcionante que esse terceiro filme da franquia estrelado por Daniel Craig tenha uma história tão simples, em vista de que os dois longas anteriores protagonizados por ele, o citado Cassino Royale e o mediano 007 Quantum of Solace (por mais que esse último seja bagunçado), tinham tramas complexas e inteligentes.

  Mas os erros não acabam aqui não, infelizmente. O humor desse capítulo é horrível, não conseguindo tirar de mim nem um mero sorrizinho, já que surge sem qualquer timing e muito artificial. Pior ainda, nesse âmbito, é que os roteiristas acreditam criar uma relação super dinâmica e cheia de química entre Bond e Eve (Naomi Harris), enquanto reclamar da artificialidade dessa relação, cheia de piadinhas imbecis e em momentos impróprios, que quebram a tensão da cena. Mais uma decepção se lembrarmos da relação impecável entre Bond e Vesper Lynd (Eva Green) naquele que é o capítulo da franquia que mais citei aqui; e nem precisa ir tão longe: a relação entre Bond e Severine (Bérénice Marlohe), nesse 007 Skyfall, já é muito mais interessante, já que vem carregada de ambiguidade sexual/agressiva. E, pior do que o humor, é perceber como a metade inicial do filme se constitui basicamente numa falha estrutura episódica, com o agente secreto saltando de país em país, com cenas que não contribuem tanto para a trama. Aliás, para que serviu, dentro do filme como um todo, o isolamento de Bond no início (não é spoiler, pois está no próprio trailer)? Para nada, isso sim. Ou melhor, para aumentar o tempo de duração. Felizmente, Mendes puxa as rédeas com força a partir da metade do segundo ato, e vira a direção num rumo certo e tenso, que aumenta demais a qualidade do que estamos assistindo. Por sinal, vou falar agora da direção, que me deixa mais feliz.

  Sam Mendes é um cineasta que está mais habituado aos dramas do que a qualquer outro gênero. São dele os excelentes Beleza America, Foi Apenas Um Sonho, Por Uma Vida Melhor, Soldado Anônimo, etc. Então, é estranho que ele tenha sido chamado para dirigir um filme de ação/espionagem tão amado como 007. Mas ele não faz feio de modo algum. Se na metade inicial não pode fazer muita coisa devido a problemas no roteiro, se sai muito melhor na metade final, e cria assim um clima de tensão extremamente bem construído, com sequências marcantes e empolgantes. Vejam a impecável construção da sequência que mistura um julgamento em tribunal e uma perseguição, por exemplo, como o cineasta usa com habilidade a edição para ir aumentando a tensão, e como é elegante que seja logo depois que uma personagem termina de ler determinadas palavras de um poema, que as duas cenas se encontrem. E vale ainda citar que Mendes é bastante feliz, nessa mesma sequência, ao colocar o áudio de um ambiente (o do tribunal) enquanto acompanhamos a perseguição, o que, como Christopher Nolan já provou em suas obras, é sempre muito interessante. Infelizmente, o clímax dessa sequência é ridículo, o que é culpa dos roteiristas, e não do diretor. Ainda é muito impressionante que Mendes seja capaz de, mesmo no meio de tanta tensão, diminuir bastante o ritmo do filme para desenvolver alguns momentos muito intimistas que farão parte do terceiro ato, o que também pôde ser visto esse ano no ótimo Looper.

  Mas Mendes se mostra muito eficaz também naquilo que num filme como esse não pode faltar: as cenas de ação. Montadas com bastante energia, mas não com uma velocidade extrema que nos impede acompanhar o que está acontecendo (cof cof Os Mercenários cof cof Busca Implacável 2 cof cof Transformers), as perseguições, tiroteios, brigas mano-a-mano, estão simplesmente i-m-p-e-c-á-v-e-i-s! E não é para menos, já que Mendes conta com o sensacional Alexander Witt como diretor de segunda unidade, que trabalhou nos dois últimos 007, e ainda nos excelentes Protegendo o Inimigo, Atração Perigosa e Identidade Bourne. Esse cara é sensacional, criando, junto com Mendes, sequências fascinantes, como a perseguição que dá início ao filme, e o maravilhoso clímax, que surge extremamente tenso e empolgante, quase épico de tão perfeito. Nesse clímax, aliás, Mendes é extremamente feliz ao preparar com calma as condições que circundarão a ação, e enfatizando a inteligência dos personagens, que nos impressiona bastante. Aliás, não só o clímax, mas o terceiro ato inteiro é realmente muito bom, como comentarei mais adiante.

  Daniel Craig continua sendo o único ator capaz de rivalizar com Sean Connery na performance de James Bond. Craig criou, em Cassino Royale, um 007 brutal, complexo, inteligente e violento, que apresenta sintomas inegáveis de psicopatia, se importando mesmo em descer o cacete com uma fúria invejável. E o ator continua nessa estratégia, ainda conseguindo excelentes resultados. Seu Bond é frio e pragmático, uma verdadeira máquina de matar, que possui um passado doloroso, buscando na violência, uma forma de exorcismo de seus demônios. A sua relação com Vesper, em Cassino Royale, é tão impressionante justamente por ela ter sido a única pessoa capaz de ultrapassar a couraça sob a qual ele se esconde, e os acontecimentos desse filme o levaram a uma quebra de toda estrutura psicológica em Quantum of Solace, no qual se mostrava um demônio imperdoável em busca de alívio. Agora, esse Skyfall acredita ser, dentro desses três, o mais intimista dos filmes. Não é. E não é por dois motivos: a sua tentativa de, com os acontecimentos do início do longa, mostrar como Bond se fragilizou é ridícula, já que se reduz a simplesmente mostrar o agente com dificuldade de atirar e coisas afins, algo que nunca cola; ainda, se nos dois últimos sua facilidade em levar mulheres para cama nunca ia contra a estrutura psicológica (bem, talvez em Quantum of Solace ia um pouco contra essa estrutura, para ser sincero), aqui ele volta a ser o Bond antigo nessa arte, algo que não encontra lugar dentro dessa sua nova personalidade.

  Tirando isso, não tenho muito o que reclamar. Embora inegavelmente menos complexo do que nos dois anteriores, Bond ainda é uma figura fascinante que vamos conhecendo um pouco mais a cada filme. Aqui, o alvo é sua infância e a sua relação com M (Judi Dench). Nos dois longas anteriores, M era claramente uma figura materna para o agente, e aqui qualquer dúvida sobre isso pode ser sepultada, principalmente pelo simbolismo do terceiro ato (que discutirei, e que só deve ser lido por quem assistiu o filme, mas avisarei quando for escrever sobre essa parte). Fora isso, podemos enxergar o vilão Silva e Bond como duas faces de uma mesma moeda, ou seja, agentes violentos que beiram a loucura (bom, um já é louco) e tem poucas coisas a se agarrar à realidade, a não ser uma determinada pessoa (...sem comentários por enquanto), só que se comportam de formas diferentes. Além disso tudo, se em Quantum of Solace os roteiristas apostavam em frases clichês e ridículas para “colorir” o protagonista (“Você deve se perdoar”, e bobeiras desse tipo), aqui os roteiristas criam frases e diálogos muito mais eficazes para desenvolvê-lo, como: “Eu sei tudo sobre medo”, “Ele se trancou aqui por 2 dias, e quando saiu, não era mais criança”, além de, é claro, a intrigante cena em que um psicólogo aplica nele um teste de perguntas e respostas, sendo que essas são muito fascinantes e reveladoras.

  O sempre maravilhoso Javier Bardem consegue transformar Silva em um vilão tridimensional e assustador, mesmo que suas motivações sejam patéticas. Embora apostando numa mal vinda afetação que torna o personagem meio exagerado demais, Bardem é extremamente competente ao mostrar como Silva é perigoso e a força com que ressente o passado; por isso mesmo, a cena de sua conversa com M é tão fascinante: percebemos o grau de sua loucura e decepção. Mas ele tem um lado sensível, um lado de órfão que busca uma mãe que não deixa de ser interessante. Apesar disso, não é apenas devido a Bardem que ele seja um personagem tão bom, já que Mendes constrói sua fama com brilhantismo. Desde o início, ouvimos coisas horríveis a seu respeito, além de observarmos seus atos monstruosos, e já vamos esperando encontrar alguém assustador. A primeira cena em que ele aparece, por sinal, é genial, já que, além de ter um diálogo interessante entre Bond e Silva, Mendes investe num close lento, enquanto o vilão surge ao fundo e caminha até o ponto onde Bond se encontra.

  No resto do elenco, quem está ruim é só Naomi Harris, que se diverte como Eve, mas  a personagem é tão ridícula que sua atuação divertida só piora a situação. Judi Dench está fantástica como M, sendo capaz de lidar com perfeição com a complexidade das emoções em jogo entre ela e Bond, principalmente numa conversa entre os dois quase no final, que ela diz, com tristeza: “os meninos mais perturbados dão os melhores agentes”. Ralph Fiennes (mais conhecido por ser o Voldermort em Harry Potter) não pode fazer muito (ainda) com seu personagem, mas sem dúvida tem uma atuação interessante, de um homem cansado mas que deve cumprir seu dever, mesmo que discorde deste, e que ainda se revela capaz de enfrentar uma briga se preciso. A linda Bérénice Marlohe está adequadamente ambígua como Severine. E Ben Wishaw interpreta o Q mais jovem da série, e talvez por isso seja tão interessante.

  Quem não tiver visto o filme, só leia agora o último parágrafo, já que aqui comentarei sobre o terceiro ato. Ao colocar Bond e M no orfanato onde o primeiro cresceu, o filme cria uma simbologia interessante, já que os pais do agente morreram lá, e agora a única figura materna que existe para ele (M, é claro), está em perigo e ele é o único que pode fazer algo para salvá-la. Ao levá-la para lá, e defendê-la lá, pode ser (se viajarmos um pouquinho) que, inconscientemente, ele esteja defendendo os próprios pais. Além disso, o fato de a disputa final ser justamente lá é interessantíssimo pois coloca Silva dentro da equação também, e ele não deixa de ser uma espécie de “irmão do mal” de 007, já que divide com ele um passado semelhante, além de uma personalidade de agente “perfeito” que é curiosa. O caso é que os dois seguiram caminhos distintos. Para completar, na sequência de créditos iniciais, é genial o simbolismo que Mendes cria ao “entrar” no peito de Bond e mostrar um cemitério banhado em vermelho-sangue.

  Contando ainda com uma fotografia impecável do gênio Roger Deakins (responsável também pelas fotografias de Rango, Onde Os Fracos Não Têm Vez , Um Homem Sério, etc) e uma trilha sonora excelente de Thomas Newman (parceiro habitual de Mendes), 007 Operação Skyfall não é uma obra prima maravilhosa como 007 Cassino Royale, mas é um ótimo filme que vai agradar quem gosta desse personagem já tão querido e amado por cinéfilos do mundo todo.

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