domingo, 9 de setembro de 2012


Resenha filme "ParaNorman" (ParaNorman / 2012 / EUA) dir. Chris Butler & Sam Fell

por Lucas Wagner


  A técnica de animação stop-motion é uma verdadeira arte, feita com um esmero muito peculiar que a torna ainda mais atraente e charmosa. E, muitas animações desse tipo (tirando aquelas da empresa Aardman, que deu vida à filmes como os bacanas Fuga das Galinhas Por Água Abaixo) se dedicam a promover uma mistura interessante entre o infantil, o bonitinho, com o grotesco, o horror, o expressionismo, o gótico. É uma mistura fascinante, como misturar o doce com o amargo (não é a toa que os chocolates que eu mais gosto são os amargos), que, juntamente com as peculiaridades dostop-motion, (como as leves “tremidas” dos movimentos dos personagens) alcança um resultado estético irresistível e muito curioso. Foi a partir disso que surgiram obras-primas fantásticas do gênero, como O Estranho Mundo de Jack, A Noiva Cadáver, Coraline – Mundo Secreto, Mary & Max e, é claro, o maravilhoso curta-metragem Vincent, de Tim Burton (e seu Frankenweenie, que chegará em novembro, tem muitas chances de se juntar à essa lista). Assim, fico extremamente feliz de dizer que esse ParaNorman também se revela um filme impressionante, embora não seja tão perfeito quanto os outros citados e seja também inegavelmente mais leve e menos “grotesco”. Mas isso não o impede de ser classificado como menos que excelente.

  Escrito por Chris Butler, nós acompanhamos o garoto Norman, que possui a capacidade de conversar com os mortos, e por isso mesmo sofre bulluying constantemente na escola, é reprimido pelo pai e pela irmã mais velha, e todos que o olham, o olham com desconfiança e desprezo. No entanto, na noite do aniversário de morte de uma bruxa que morreu a muito tempo, zumbis saem de suas covas, e o espírito da bruxa ressurge para poder assombrar a todos nessa noite, e apenas Norman parece ser capaz de fazer algo para acabar com isso.

  Uma das coisas pelo qual o longa mais merece créditos é a sua preocupação com o desenvolvimento dos personagens, o que já faz com que nos liguemos mais emocionalmente ao que estamos vendo. Norman é um protagonista tridimensional e interessante, que encontra extrema alegria ao conversar com os mortos, que o respeitam e gostam deles, e se retrai (fisicamente também, o que é um detalhe interessantíssimo) quando perto dos vivos, se tornando uma criança triste e deprimida, que não confia em ninguém e não consegue enxergar qualquer motivo para o fazer, já que todos o enxergam como motivo de chacota. Assim, o arco dramático pelo qual ele passa ao longo do filme se torna cada vez mais interessante, já que nos vemos envolvidos em seus dilemas e problemas, até que parece encontrar algo nos outros que não conseguia enxergar (e o roteiro de Butler é inteligente ao não deixar essa transformação de visão tremendamente óbvia, com algum personagem a martelando para o espectador, mas deixa que ela se desenvolva organicamente e que nós a percebamos quando acontece), que se torna essencial na relação com a bruxa do filme, sendo que a “ligação” dos dois é extremamente interessante do ponto de vista narrativo. Além disso, é bacana notar a inteligência dos diretores Chris Butler (sim, o roteirista) e Sam Fell em certos detalhes do personagem, como o fato de ele deixar sempre material de limpeza dentro de seu armário na escola, para limpar piadinhas e xingamentos que escreveram sobre ele. Mas, como eu disse, somos apresentados a vários outros personagens interessantes, como Neil, que também sofre bullying por diversos motivos mas enxerga isso como uma forma de lei da natureza; Mitch, com seu QI obviamente muito baixo (e que gera muitas das melhores piadas do filme); Alvin, o valentão que na verdade se mostra mais medroso do que os outros (e é interessante que ele seja dublado por Christopher Mintz-Plasse, o eterno McLovin, que sempre é o motivo de chacota em seus filmes, e aqui é o contrário); a bruxa, e até mesmo o zumbi do Juíz, que se mostra uma figura mais tocante e tridimensional do que poderíamos esperar, mesmo sendo um zumbi.

  Além disso, o próprio design dos personagens é impecável ao diferenciá-los em características próprias que ajudam a definir suas personalidades. Desse modo, Norman aparece com um cabelo que nunca pode ser arrumado, e orelhas pontudas que ajudam a mostrar sua falta de contexto e sua caracterização como “esquisito” (e o já dito retraimento dele, no seu andar corcunda, recurvado, também é importante); Neil aparece como um garotinho gordo e cheios de manchas vermelhas pelo corpo, característica de seus vários problemas de saúde; a mãe de Norman possui uma expressão triste e cansada, que revela seu próprio estado de espírito como dona de casa; o pai de Norman e Alvin possuem, curiosamente, um físico extremamente parecido, o que se torna fascinante se observarmos que esses são os que mais pegam no pé do protagonista; também é genial que Norman se pareça com a bruxa, de certo modo. O design do zumbis também é peculiar e interessante, sendo que o mais interessante deles possui a carne do queixo descolada da mandíbula.

  ParaNorman se revela uma animação com um humor... esquisito, se observarmos que esse é, a primeira vista, um filme infantil. Mas isso só enriquece o longa, já que Butler e Fell fazem piadas geniais até mesmo com cadáveres, como na cena em que Norman tenta tirar um livro das mãos de um morto, ou quando Mitch tira a cabeça de um zumbi (e ele não sabia se tratar um zumbi, mas pensava ser um humano) e pergunta para seus companheiros se algum deles faz ressuscitação (!). A visão dos diretores ainda vai além, quando são capazes de tratar de homossexualidade (em uma animação, algo que, pelo menos por enquanto, é raro) de forma natural e ainda fazem uma piada de cunho social quando uma policial está reclamando que os jovens estão destruindo a camada de ozônio, enquanto ela mesma acaba de jogar uma garrafinha de refrigerante no chão. Aliás, os diretores são geniais ao, assim como fez George A. Romero em seu filme Terra dos Mortos, humanizarem os zumbis e demonificarem os humanos, que aqui, quando tem sua cidade invadida pelos mortos-vivos, se tornam verdadeiros monstros, matadores, encontrando verdadeira satisfação da violência e na morte desenfreada (e os diretores mais uma vez surpreendem ao trazer a mesma policial dizendo: “por quê vocês estão atirando em civis? Só policiais podem fazer isso!”). Diante do caos, o ser humano perde a racionalidade e se torna apenas mais um mero animal, lutando pela sobrevivência. Aliás, eles aqui até mesmo regridem ao sugerir lançar alguém numa fogueira, algo macabro e ainda mais desumano no século XXI. Discussão surpreendente para qualquer filme, especialmente uma animação.

  Fell e Butler ainda mostram diversos atributos na direção, ao realmente brincarem com um clima de terror mais acentuado em diversos momentos, e homenagens a filmes como A Noite dos Mortos-Vivos.Além disso, é interessantíssima a rima visual que estabelecem com a primeira cena do longa e outra mais pela metade, em que vemos um personagem recebendo um zumbi na porta e, através do famoso efeito vertigo, vemos sua expressão de horror. Como eu disse antes, eles se mostram extremamente eficazes ainda no uso de pequenos detalhes para desenvolver seus personagens, e é curioso que vejamos um livro de auto-ajuda na casa do macabro mendigo Prenderghast. Ainda merece destaque o clímax do longa, que enfia o espectador em um cenário completamente surrealista e assustador.

  Visualmente fascinante, e usando com esmero as técnicas do stop-motion, ParaNorman é, pelo menos até agora, a melhor animação do ano. Diante de tantos acertos, eu realmente duvido que alguma outra o tire de seu trono.   

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