domingo, 14 de abril de 2013



Crítica filme “Oblivion” (Oblivion / 2013 / EUA) dir. Joseph Kosinski

por Lucas Wagner

 Algo cada vez mais raro vem acontecendo quando assisto um novo filme hollywoodiano: eu me sentir interessado pelo que estou vendo por não conseguir prever para onde a história vai. E, surpreendentemente, isso me aconteceu nesse Oblivion, quando me percebi realmente curioso em saber mais detalhes sobre a trama e como tudo aquilo iria acabar. Não que o filme seja realmente grande coisa, já que possui problemas mais graves sobre os quais discorrerei mais abaixo, mas é fato que os rumos que a trama toma são mais diferentes do que os que geralmente vemos, ao mesmo tempo em que é ambicioso para, com uma narrativa calma (algo também raro hoje em dia), conseguir explorar diversos âmbitos, flertando com conspirações, ecologia, dúvidas existenciais e até mesmo um romance (que nunca se torna enfadonho), embora não consiga adentrar muito satisfatoriamente em nenhum desses âmbitos.

  O roteiro é de Karl Gajdusek e Michael Arndt (responsável por Pequena Miss Sunshine e Toy Story 3), baseado nos quadrinhos criados pelo próprio diretor, Joseph Kosinski (de Tron: O Legado), e acompanha um planeta Terra que sofre as consequências da destruição da Lua e de uma invasão alienígena (os “saqueadores”), que resultou numa guerra nuclear que acabou com o planeta. Enquanto esperam para poderem migrar para Titã, Jack (Tom Cruise) e Victoria (Andrea Riseborough) passam o dia-a-dia fazendo a manutenção dos drones (robôs de segurança contra os “saqueadores” remanescentes). As coisas mudam quando Jack descobre uma astronauta que lhe é estranhamente familiar.

  O desenrolar da trama de Oblivion é eficiente por ir aumentando cada vez mais o estranhamento das situações, quando essas vão ficando mais absurdas e por isso mesmo mais interessantes. Sem buscar ficar mastigando demais a narrativa para o espectador, os realizadores conseguiram montar uma história que funciona como uma mistura inusitada de 2001: Uma Odisséia no Espaço, Lunar e Planeta dos Macacos, pegando elementos desses três longas e inserindo-os organicamente dentro da trama, além de fazer homenagens explícitas a cada um deles, principalmente 2001 (o visual dos drones aqui é basicamente idêntico ao dos pods de lá; uma criatura vista no terceiro ato não consegue deixar de lembrar o inesquecível HAL-9000 do clássico de Kubrick; e também, é claro, a imagem de um determinado corpo flutuando em gravidade zero, no espaço). Mas, diferente de como A Origem, de Christopher Nolan, pega elementos de Matrix, Sinédoque Nova York e Paprika para criar algo totalmente novo, complexo, original, o que Oblivion faz com 2001, Lunar e Planeta dos Macacos é simplesmente montar um quebra cabeça com elementos desses três filmes (e até um pouquinho de Independence Day, por sinal), criando algo curioso e empolgante, mas não exatamente original; o que não um grande problema, afinal, mas é um fato.

  Kosinski vai trabalhando seu filme com uma calma rara nos blockbusters atuais, e vai permitindo que o clima de melancolia que domina a história vá nos enlaçando, trocando um número maior de explosões por um tom mais contemplativo. Isso fica bem claro no longo primeiro ato do longa, que visa apresentar aquele universo ao espectador, sem pressa para começar logo a trama. Basicamente todo o primeiro ato se preocupa em explorar um dia de trabalho de Jack e Victoria, construindo até mesmo uma bela e triste cena em que os dois jantam à luz de velas e logo depois nadam juntos. É claro que aqui, Kosinski deixou passar a oportunidade de enfocar pequenos aspectos do cotidiano daqueles dois (não seria bacana ver Victoria, por exemplo, limpando a piscina?), o que daria ainda mais verossimilhança para o filme; mas isso não é algo vital, só que é algo que eu com certeza faria se estivesse dirigindo o longa (mas eu também faria a linda Olga Kurylenko vomitar quando Tom Cruise faz piruetas com sua nave, então eu sou meio louco mesmo). Como disse no primeiro parágrafo, Kosinski busca explorar diversos âmbitos possíveis em seu filme, colocando elementos de conspiração, aspectos ambientais, intrigas, romance, etc, o que é muito interessante por dar uma dimensão maior à obra, além de evidenciar maior ambição de seus realizadores. No entanto, ao mesmo tempo em que isso é curioso, Kosinski acaba não conseguindo explorar com propriedade todos esses aspectos nas duas horas de duração, o que acaba enfraquecendo a obra. Por exemplo: não seria interessante que as consequências da destruição da Lua não fossem apenas citadas, mas também às víssemos na prática, em ação, funcionando como um elemento a mais para criar tensão? Ou ainda, não seria bacana conhecermos mais profundamente a vida dos “saqueadores”? Não seria fascinante se as reflexões de Jack sobre sua natureza ultrapassasse os limites da ligação com Julia (Kurylenko) para explorar sua humanidade, sua psicologia, seu valor dentro do contexto de um mundo que não mais existe? Nesse mesmo aspecto, quais seriam as consequências psicológicas para a descoberta massacrante que Jack faz sobre ele mesmo, sobre sua natureza (algo que Lunar, com o qual Oblivion divide essa revelação, explorou com tanta perfeição)? E a reação de Julia diante desse mesmo aspecto? Não seria algo intrigante e complexo de se desenvolver? Essas e outras tantas lacunas que Kosinski e seus roteiristas poderiam explorar são, infelizmente, ignoradas, diminuindo absurdamente o valor da obra.

  No aspecto visual, Oblivion é basicamente só perfeição. Com efeitos especiais impecáveis principalmente por esconder habilidosamente a natureza digital do que vemos, Kosinski ainda consegue acertar em cenas de ação que surgem eletrizantes e bem montadas, nos entregando até mesmo um ótimo plano sequência em que acompanhamos um drone em ação. A trilha sonora de Anthony Gonzales (da banda M83) é eficiente ao investir mais na melancolia do que no impactante, ao passo que a fotografia de Cláudio Miranda (mesmo de As Aventuras de Pi e Tron: O Legado) é impecável na exploração de ambientes apocalíticos e na geografia desconexa, juntamente com a paleta de cores frias e nostálgicas (e é apenas em momentos chaves e ambientes específicos que as cores ficam mais claras e quentes). Também o trabalho de figurino é eficiente ao colocar Jack em roupas mais confortáveis que remetem ao passado quando está em certos ambientes, e também pelo fato de Victoria sempre usar uniformes cheios de insígnias da empresa da qual é empregada, ressaltando sua submissão à essa. No que diz respeito à direção de arte, Oblivion acerta na retratação da diferença dos ambientes tecnológicos de onde Jack e Victoria vivem para aqueles mais claustrofóbicos que revelam o lar dos “saqueadores”; além disso, ambientes como o TET e a biblioteca subterrânea são atrativos à parte.

  Apesar de seus inegáveis acertos, Oblivion comete um erro talvez ainda mais grave do que os que discuti no quarto parágrafo: a completa incompetência no desenvolvimento dos personagens. Jack é um personagem completamente clichê, apenas uma repetição do tipo de protagonista que vem se tornando cada vez mais comum em produções desse tipo: a quem falta memória e que é atormentado por sonhos que ele não sabe se se refere à um passado verdadeiro ou é só fantasia (mas é claro que não é só fantasia). Além disso, todo o seu amor pela Terra, e de achar que esse é o seu lar, mesmo tendo nascido depois de seu fim, nunca cola, e acaba tornando-o mais enfadonho (a cena em que ele começa a narrar um jogo clássico de futebol americano que nunca presenciou é, sinceramente, vergonhosa). Tom Cruise, assim, mesmo na entrega habitual ao personagem, não consegue tornar Jack uma figura mais complexa e tridimensional, ficando preso à um protagonista desinteressante, por mais que revelações empolgantes sejam feitas (só que não são bem exploradas, como já disse). Já Morgan Freeman mais uma vez desperdiça seu talento em um personagem inútil, e Olga Kurylenko nunca convence na interpretação nostálgica e melancólica que tenta dar à Julia. A única que consegue, com muito esforço, deixar a personagem um pouquinho mais interessante, é Andrea Riseborough, como Victoria, já que é uma personagem mais ambígua que, de vez em quando, parece se sentir meio culpada pelo pragmatismo absoluto que emprega em sua vida.

  Caindo ainda no erro de deixar coisas sem explicação alguma (porque Julia parece ser tão importante para todo mundo, afinal de contas?), Oblivion consegue nos fazer ignorar um pouco mais de seus erros com o seu final, que surge corajoso e até poético. Mas, ainda assim, o filme acaba engolido pela falta de habilidade dos realizadores para explorar com toda a competência necessária uma trama com tantas possibilidades como essa. É, sem dúvida, um bom filme, interessante e curioso, mas que não consegue passar disso.

Nota: 6.0 / 10.0

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