domingo, 5 de outubro de 2014


Análise:

Magia ao Luar (Magic in the Moonlight / 2014 / EUA) dir. Woody Allen

por Lucas Wagner

Woody Allen apresenta preocupações filosóficas recorrentes em sua obra, quase sempre envolvendo ateísmo, racionalismo, paixões absurdas, sentido da vida, entre outros temas. Chegando quase sempre a conclusões semelhantes em todos seus trabalhos, não foram poucas as vezes em que o fomento da genialidade de alguns de seus melhores filmes estão justamente em como o diretor maneja essas preocupações, como em Crimes e Pecados, Tudo Pode Dar Certo ou, de um modo mais irreverente, A Última Noite de Boris Grushenko. Esse seu Magia ao Luar tem muitas dessas mesmas reflexões, e grande parte de sua força está em suas conclusões, mas ainda assim é uma obra que peca em uma visão demasiado parcial. Ou ao menos é o que aparenta.

A trama gira em torno do momento em que Stanley (Colin Firth), um ilusionista racionalista que se diverte desmascarando charlatões, recebe a oportunidade de desmascarar a bela norte-americana Sophie (Emma Stone – adorável como sempre), suposta vidente que vem encantando muita gente. Acaba por encantar, inclusive, Stanley.

Interpretado por Colin Firth com um carisma essencial para que possamos nos divertir com o sujeito, Stanley apresenta o que chama de grande “fé na Ciência” (nem vou discutir o quão o termo “fé” está mal colocado) e usa um racionalismo exacerbado em absolutamente todos os aspectos de sua vida, se tornando um indivíduo insuportável para os demais, já que acredita haver uma ligação inerente entre ser lógico/racional com ter certeza de que não existe qualquer sentido na vida e que a existência é apenas um gelado espaço entre dois vazios. Não demora muito para que desconfiemos que esse modo de enxergar o mundo não é outro senão um que constantemente impede Stanley de viver.

Duas possibilidades se desdobram ao estudar esse personagem: uma em que o problema não esteja necessariamente em se ter uma visão racional, mas sim no modo como Stanley a usa; a outra possibilidade reside na própria visão. Apesar de, por conhecer bem o trabalho de Allen, crer que a primeira visão seja mais provável de bater com a do cineasta, Magia ao Luar parece sofrer de uma parcialidade relativamente rara na obra do diretor, já que aqui os problemas parecem mais advindos a começar pela confiança excessiva na Ciência.

Em primeiro lugar, Allen demonstra não saber nem do que está falando, já que afirma ser a Psicanálise uma forma de Ciência (risos incontroláveis). Em segundo lugar, percebe-se que as pessoas felizes em Magia ao Luar sempre são indivíduos que aceitam a ignorância científica e a crença no metafísico como fórmulas para a felicidade. Nesse sentido, Stanley é uma visão estereotipada de ateu que, pessoalmente, muito me irritou, em especial quando o personagem se percebe finalmente feliz ao aceitar algumas crenças no sobrenatural. Ser ateu, ou mesmo ter grande confiança na Ciência, não significa necessariamente ser infeliz, e não é todo ateu que enxerga com tristeza o fato de não existir vida após a morte. E digo isso não só em meu nome, mas no de diversos outros ateus que conheço, para quem as belezas inerentes da vida real compensam a descrença numa fantasia. E creio que Woody Allen (um ateu), pelo que já mostrou em outros filmes, também pensa assim, mas ao não colocar qualquer contraponto ao racionalismo pessimista de Stanley, o diretor tende a apresentar essa visão parcial, em especial quando o único outro “cientista” do filme (o – risos histéricos infinitos - psicanalista) se rende a crendices e à oração.

Aparentemente o diretor percebe seus tropeços e a partir de certo ponto tenta corrigi-los ao alegar que a “injeção de vida” que Stanley recebe se refere não tanto às crenças que desenvolveu ao lado de Sophie, mas sim por uma paixão que não tinha conseguido identificar. Sinceramente, isso não colou, em primeiro lugar pelo notável desespero do diretor em evidenciar isso com diálogos expositivos que só não irritam mais do que aqueles em que insistem em martelar os defeitos de Stanley. Mas também porque não convence que o protagonista tenha se apaixonado sem perceber, e a alegação de que não tinha qualquer olhar sexual pela moça é sincera demais para que a tomemos como simples incompreensão do sujeito sobre seus reais sentimentos.

Apesar de esquemático ao limite e excessivamente parcial em sua visão, além de problemático no que tange a resolver sua parcialidade, Magia ao Luar chega a conclusões comuns na obra do diretor, e novamente podemos perceber a doçura de uma visão em que, mesmo em uma existência que carece de sentido, em um mundo cruel e frio, podemos encontrar magia em excesso. Há coisa mais mágica do que se apaixonar? Do que sentir uma genuína euforia pela existência de outra pessoa? E saber que essa outra pessoa se sente do mesmo modo? Assim, Allen mais uma vez encontra conforto numa visão humanista que valoriza os sentimentos, a força de gestos que, aparentemente pequenos, são capazes de dar um pouco de sentido à vida. Como a tia Vanessa diz no filme: o mundo pode ou não ter um propósito, mas há magia na vida.

Ainda, o longa nunca é enfadonho, e apresenta particular beleza estética nos quadros que tanto aproveitam as maravilhosas e inexprimivelmente românticas maravilhas do sul da França. Além disso, o elenco igualmente eficaz serve bem como veículo das excelentes falas de Allen, além de o longa arrancar gargalhadas e sorrisos de alegria no lindo diálogo onde tia Vanessa induz Stanley a uma auto-análise sem que este perceba.

Enfim, mais importante do que isso, Magia ao Luar proporcionou a mim e às duas amigas que me acompanharam ao cinema uma frutífera discussão envolvendo diversos aspectos dentro e fora da obra. Então, mesmo pecando e demonstrando alguma imaturidade, Woody Allen continua fazendo Cinema que ultrapassa o entretenimento por entretenimento.

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