segunda-feira, 9 de dezembro de 2013


Análise:

Carrie – A Estranha (Carrie / 2013 / EUA) dir. Kimberly Pierce

por Lucas Wagner

O soberbo clássico Carrie – A Estranha dirigido por Brian De Palma em 1976 (baseado no livro homônimo de Stephen King, que não li) servia tanto como prova do estilo de seu diretor, como ainda era uma metáfora para os males do fanatismo religioso e para a transformação de menina em mulher, criatura poderosa e sedutora. Essa sua refilmagem, no entanto, logo de cara troca a inesquecível e sensual cena de abertura por uma (desnecessária) que busca o mero choque, provando que o longa que veremos se importa muito mais em “impressionar” do que em envolver ou fazer pensar.

Em linhas gerais, a trama conta a história de Carrie White (Chloë Grace Moretz), garota criada por uma mãe solteira e fervorosamente religiosa, que impede a filha de qualquer contato com o mundo por acreditar que tudo é sujo, impuro. Assim, a garota sofre constante bullying na escola, em especial por sua falta de informação sobre qualquer coisa que diga respeito à sexualidade. E é nesse contexto que ela descobre que tem poderes telecinéticos e passa a tentar controla-los para seus próprios objetivos.

Sem dúvidas, o maior pecado da obra é ser extremamente maniqueísta. Enquanto o original possuía figuras complexas e ambíguas, esse novo é lotado de personagens ou inacreditavelmente maus, ou irritantemente bons. E isso vale até para a seleção do elenco, já que os “bonzinhos” na sua maioria são loiros (as), brancos (as) e de olho claro, além de possuírem barba feita (no caso dos homens), enquanto os maus possuem cabelo escuro, e barba por fazer. “Curioso” também que Chloë Grace Moretz (Carrie, protagonista) e Gabriella Wilde (Sue, “boazinha”) estejam muito mais bonitas que Portia Doubleday (Chris, antagonista) que de atriz linda passa a horrorosa por um bizarro bronzeamento artificial. Pior ainda é a falta de bom senso dos realizadores ao incluirem uma cena com toque homossexual entre duas garotas do time das “más” como que para ressaltar um clima de perversão, revelando um tipo de pensamento ignorante e... podre.

Esse tratamento maniqueísta fica ainda mais gritante no que diz respeito à mãe de Carrie, Margareth White. Perdendo toda a complexidade da versão trágica e triste interpretada por Piper Laurie em 76, a versão de Julianne Moore é uma caricatura inverossímel. A mania de se cortar e de ficar batendo a cabeça quando não sabe o que fazer, sem contar quando diz coisas tão estúpidas que chegam a ser engraçadas (ao dar a luz ela grita: “O que será isso? Câncer?”), fazem dela não “apenas” uma fanática religiosa mas uma doente mental (mesmo que o fanatismo religioso seja, à sua maneira, uma forma de doença). E com isso, Moore pouco pode fazer a não ser atuar como uma zumbi/fantasma que de vez em quando grita, e demonstra um carinho pela filha que nunca convence (diferente do que ocorria no original).

Falando em caricatura, a diretora Kimberly Pierce se esbanja em planos pomposos e em incontáveis momentos de câmera lenta. Não que ela não acerte nunca. Dois planos em específico são sensacionais: quando vemos Margareth se aproximando através de um vidro fosco (transformando-a numa criatura deformada e bizarra), ou quando Carrie quebra um espelho (distorcendo a imagem, revelando sua fratura interna) e depois o remonta “com a mente” (reconstruindo uma identidade agora sua). Mas os óbvios planos inclinados, os exaltados closes em fechaduras de portas, os planos contra plongê (focando de baixo para cima) sempre muito teatrais tentando ser ameaçadores, além do óbvio fetiche da diretora por objetos pontiagudos, torna seu trabalho bem inferior. E para ficar pior, a diretora investe numa montagem vergonhosa em determinado momento, quando mostra diversos adolescentes se arrumando para o baile de formatura, com movimentos coreografados que parecem saídos de Sex And The City ou Glee, com uma irritante trilha teen, demonstrando que a diretora parece ter tido um lapso e pensado que estava fazendo um filme de comédia adolescente, e não um terror. Mas não dá para esperar muito de uma diretora que simplesmente se esquece que a sua protagonista não sabia se maquiar e muito menos arrumar o cabelo, e, ainda assim, de uma hora para a outra, sem ir em salão algum, surge fatal, brilhantemente maquiada e com cabelo (antes ressecado) agora hidratado,

E assim, o tratamento de Carrie acaba sendo prejudicado, embora paradoxalmente seja um dos corrimões onde o longa consegue se erguer levemente. No original, a Carrie de Sissy Spacek era uma menina inocente e confusa, que, sofrendo influências das tentações da vida de adolescente e das restrições da mãe, não conseguia se afirmar tanto quanto queria; aliás, nem sabia bem o que queria. A protagonista nessa refilmagem perde muito de sua complexidade por já se mostrar sempre decidida no que quer, sendo capaz de ver a mãe como errada mesmo que tenha sido desenvolvida dentro dos valores religiosos de Margareth durante 18 anos, o que é psicologicamente absurdo.

Ainda assim, a protagonista reserva elementos interessantes, principalmente quando vai conhecendo mais sobre suas habilidades telecinéticas e demonstra um prazer perverso e orgástico diante de seus poderes, o que a torna mais ambígua. E assim, a sempre talentosa Chloë Grace Moretz acerta ao conseguir demonstrar a timidez quase patológica de Carrie, atentando para detalhes que revelam mais sobre a sede da garota por maiores interações sociais (o sorriso que dá quando acha que estão rindo de algo que ela fez enquanto, na verdade, estão rindo dela), e ainda conseguindo evidenciar o prazer quase sexual da protagonista ao ir descobrindo seus poderes, se assustando e se  encantando com eles (afinal, uma metáfora no original era justamente a da menina se descobrindo sexualmente). O único problema de sua atuação reside no fato de, depois da ótima sacada da atriz de gaguejar ao conversar com todo mundo menos com a mãe (com quem tem costume), Grace Moretz abandone a estratégia. E é uma pena que o roteiro ainda atrapalhe o trabalho da atriz pela malfeita construção de seu arco dramático, que não desenvolve bem nem a sua personalidade cada vez mais confiante e nem o amadurecimento na manipulação de seus poderes.


Acertando pelo uso destemido de violência e por uma fotografia que, mesmo um pouco óbvia, é por vezes eficiente (o pôr do sol quando Tommy busca Carrie em casa), essa refilmagem de Carrie – A Estranha é uma obra fraca, juvenil e maniqueísta, perdendo todo o poder de sedução, as belas metáforas e os excelentes personagens de um clássico imortal.

2 comentários:

  1. Mas o filme de brian de palma tbm é um filme juvenil, alguma cenas do livros estavam no filme mas kimberly peirce deletou.

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  2. Concordo com o anonimo o filme de Brian De Palma, tbm é juvenil só mudou a geração, o filme de 1976 está na lista dos 50 melhores high school, ops isso é bem adulto né?

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