terça-feira, 24 de setembro de 2013



Crítica Elisyum (Elisyum / 2013 / EUA) dir. Neil Blomkamp

por Lucas Wagner

  Distrito 9 é provavelmente uma das mais importantes ficções científicas da década passada, e isso por diversos motivos, entre eles, a própria estética de documentário, o ritmo frenético e intenso, levando o espectador à beira da poltrona o tempo inteiro, além da criação de um anti-herói complexo e trágico a quem odiamos mas para quem também torcemos; mas acima de tudo, a distopia criada pelo diretor Neil Blomkamp era fascinante por ser uma metáfora intrincada que explorava com muita propriedade todas as possibilidades críticas da proposta. Blomkamp agora volta com uma nova ficção científica mais arrojada visualmente e que em muitos aspectos remete ao seu trabalho anterior, mas que acaba decaindo muito por não saber lidar tão bem com sua própria ambição.

  Escrito pelo próprio Blomkamp, Elisyum também conta uma distopia, desta vez sobre condições em que a Terra se tornou inabitável, tanto pela poluição quanto pela superpopulação, o que obrigou as pessoas mais ricas e poderosas, desejosas por manter o seu estilo de vida, a passarem a viver em uma estação espacial que fica na órbita da Terra, que recebeu o nome de Elisyum (metáfora advinda da mitologia grega, onde esse era o nome do lugar para onde as almas boas e inocentes iam depois da morte). As pessoas pobres, sem recursos, ficavam apodrecendo na Terra, sonhando em talvez um dia ir para a estação, mas enquanto isso vivendo em um ambiente sujo, decadente e corrupto.

  Apesar de pegar muito emprestado da trama da obra-prima Wall-e, Blomkamp faz bem ao construir um universo realista e que, como muitas boas ficções científicas, serve como convite à reflexão sobre ideias e possibilidades futuras. O universo do longa é perfeitamente palpável, onde a Terra um dia será inabitável e que as pessoas mais pobres ficaram privadas dos benefícios que só o dinheiro pode comprar. Além disso, o diretor acerta ao tocar em temas sensíveis como mostrado pelo papel da Secretária da Defesa interpretada por Jodie Foster, que usa de meios ilegais e toma medidas drásticas e violentas para erradicar qualquer possibilidade de pessoas da Terra entrarem em Elisyum; ainda é interessante que Max (Matt Damon) em certo momento seja criticado por trabalhar honestamente, sintoma de uma sociedade tão sem esperança que o próprio ato de sonhar se torna criticável; não há também como não notar a violência com que os policiais-robôs tratam as pessoas da Terra (que não são nem chamados de cidadãos), ou ainda como o atendimento de serviços é sempre feito por robôs, ressaltando a distância que os habitantes de Elisyum procuram do seu antigo planeta.

  Aliás, o filme poderia até gerar discussões interessantes no círculo da sociologia promovida por nomes como Zygmunt Bauman, Anthony Giddens, Anderson Clayton, entre outros, que discutem o estabelecimento de uma “sociedade do Glamour”, onde busca-se viver com o máximo de prazer possível, abraçando o belo (que só com dinheiro se compra) e erradicando aquilo que é feio, que é desagradável. A criação de um outro habitat, que segregasse aqueles com predicados suficientes para serem aceitos em uma sociedade hedonista com uma monodisposição para o prazer daqueles que não tem predicados para serem aceitos como membros, parece ser a forma última da desumanização promovida pela globalização e advento de tecnologias como a internet e os celulares, que individualizam mais e mais os seres humanos e dão subsídios à manutenção dessa sociedade do Glamour. Aliás, os luxuosos condomínios fechados de hoje servem como uma versão reduzida de Elisyum, pois, no fim das contas, serve ao mesmo propósito de criar um mundinho próprio para quem pode pagar.

  Ainda assim, Blomkamp peca terrivelmente ao abandonar a exploração dessas ideais quase totalmente a partir da metade do longa, quando transforma esse em apenas um filme de ação. É verdade que, nesse aspecto, ele continua relativamente competente e empolgante (como discutirei mais adiante nessa crítica), mas perde tudo aquilo que o fazia caminhar para ser um grande filme, jogando fora para se tornar um blockbuster qualquer. Também não há como não comentar que Blomkamp apresenta uma tendência perigosa na repetição da mesma estrutura de Distrito 9, fazendo com que a jornada de Max aqui siga basicamente os mesmos passos e seja controlada por quase as mesmas variáveis de Markus lá.

  Visualmente também, Elisyum comete erros perigosos. O design de produção faz muito bem ao fazer da Terra uma imensa favela, e também ao criar Elisyum de modo que remeta diretamente à Citadel do jogo de vídeo-game Mass Effect, mas peca ao fazer da estação espacial um ambiente totalmente monótono e repetitivo, ignorando as diversas possibilidades visuais para se focar apenas no mais óbvio possível: pequenos lagos, gramados e casas envidraçadas. Mais errada ainda é a fotografia de Trent Opaloch. Acertando ao fotografar a Terra com uma imagem granulada e uma luz estourada, passando a ideia de calor, angústia, sujeira e desespero, Opaloch e Blomkamp (muitas das decisões da fotografia partem também do diretor) erram terrivelmente ao manter a mesma lógica em Elisyum, o que entra em contradição com o ambiente higienizado que este deveria ser; muito mais certo seria ter fotografado a estação com cores frias, tendendo ao cinza e ao azul escuro, além de cortar a granulação, criando uma imagem plastificada que passaria a ideia de falsidade. Mas em relação aos efeitos especiais o longa se sai bem, principalmente em detalhes como ferrugens na lataria dos robôs.

  Como dito antes, Blomkamp entrega toda a segunda metade da projeção para a ação, criando um clímax de sangue e violência que surge, como em Distrito 9, dirigido com uma habilidade imensa, onde o diretor demonstra toda sua competência na criação da tensão e intensidade necessárias. Aliás, Elisyum é, como Distrito 9, Looper e Dredd, ou seja, um dos raros blockbusters atuais que tem a audácia de explorar toda a dimensão da violência das situações, além de não poupar nos palavrões.

  Infelizmente, diferente dos outros três longas citados, Elisyum não conta com personagens tão fortes ou marcantes que nos façam torcer por eles. Não que o elenco não faça um bom trabalho. Jodie Foster abraça a vilania absoluta da Secretária da Defesa de Elisyum, ao passo que Alice Braga ressalta o caráter de princesa trágica de Frey. O genial Wagner Moura empresta intensidade imensa à Spider, interpretando-o como um sujeito imoral e ambíguo em suas intenções, e Sharlto Copley mais uma vez rouba a cena todas as vezes que aparece, fazendo do mercenário Kruger um indivíduo completamente insano e absurdo em sua psicopatia desenfreada. E Matt Damon fica com um papel ingrato de um protagonista cujas motivações são óbvias e por vezes clichês, mas ainda assim consegue extrair intensidade e determinação do personagem, conferindo peso dramático ideal à Max.

  Filme menor na ainda iniciante carreira de Blomkamp, Elisyum tem predicados suficientes para que não percamos esperança no trabalho desse diretor, que ainda tem muito o que mostrar e explorar.

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