quinta-feira, 25 de julho de 2013




Crítica Amor Bandido (Mud / 2013 / EUA) dir. Jeff Nichols

por Lucas Wagner

  Assim como o maravilhoso Moonrise Kingdom, de Wes Anderson, esse Amor Bandido (terrível escolha de título nacional, por sinal) funciona como uma espécie de fábula que busca enxergar o amor, os relacionamentos, sob a ótica de crianças, ressaltando a diferença da visão destas para aquela mais melancólica dos adultos. Mas se Moonrise Kingdom era calcado num universo claramente fantasioso, o diretor Jeff Nichols busca mais realismo em Amor Bandido, conseguindo construir uma fábula que, curiosamente, está sempre esbarrando na realidade, e estuda como essa é cruel para o amor romântico que, por mais que às vezes nos deixemos iludir, não passa de um belo conto de fadas.

  Escrito pelo próprio Nichols, a trama se desenrola quando os garotos Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland) se deparam com um fugitivo, Mud (Matthew McConaughey), e formam uma interessante amizade com ele, ligada muito pela vontade dos garotos de reunir o criminoso com o amor de sua vida, Juniper (Reese Whiterspoon).

  Se no seu trabalho anterior, o excepcional O Abrigo, Nichols tinha optado por uma direção sombria e densa (afinal, era um estudo sobre esquizofrenia) aqui o diretor investe num tom mais doce e nostálgico. Inteligentemente ambientando o longa nas proximidades do rio Mississipi, na vida simples das pequenas comunidades que por lá vivem, Nichols consegue o ambiente ideal para contar sua história, pois consegue já mergulhar o espectador numa ambientação ao mesmo tempo nostálgica, bucólica e aventuresca, mas que não deixa de transmitir certa melancolia, e o realismo retratado nas casas sujas e decrépitas, além da constantemente ressaltada pobreza dos habitantes, já ferem uma noção de beleza idealista que não estaria de acordo com a realidade, o que é justamente a tese do longa, como comentei no primeiro parágrafo. Aliás, a constante câmera na mão do cineasta, ou movimentos usando a steadcam, calcam ainda mais o longa na realidade, o que, em momento algum, impede que o cineasta possa trabalhar simbolismos mais complexos e profundos, em especial aquele envolvendo as tatuagens nas mãos de Mud e Juniper: se a do primeiro tem a figura de uma cobra, simbolizando como se sente preso ao momento em que conheceu Juniper (ela o salvou quando foi mordido por uma cobra), a dela é uma ave, o que simboliza como constantemente se distancia de Mud, reflexo de uma personalidade inconstante (e é tocante o momento em que Mud cita a tatuagem dela pela primeira vez, e pouco depois olha para o céu e enxerga a beleza de vários pássaros voando juntos). E também a construção dos diálogos se mostra outro ponto positivo do roteiro de Nichols, já que muitas vezes constrói falas que, mesmo não jorrando poesia, conseguem transmitir a dimensão dos sentimentos dos personagens (“quando a conheci, parecia que o meu mundo tinha sido despedaçado e construído de novo”). E vários elementos de fábula se veem muito presentes, mesmo que “distorcidos” pelo realismo: a história do menino pobre que vivia no mato e se apaixonou definitivamente, por exemplo, ou a imagem de Juniper, que não deixa de lembrar uma princesa clemente, em certo momento, que demonstra bondade (seu ato para com o menino que a ajuda) mesmo que, seguindo a lógica realista do roteiro, se afaste dessa imagem romântica.

  Contando a história com uma calma admirável, Nichols começa estabelecendo bem a personalidade dos dois meninos camaradas, principalmente para destacar a diferença de Ellis (o protagonista) e Neckbone. Ambos com a sexualidade à flor da pele (14 anos), Neckbone é muito mais, por assim dizer, excitável do que Ellis, já que constantemente comenta do corpo de mulheres e se anima com Playboys, enquanto o segundo parece mais bucólico e romântico, nutrindo sentimentos amorosos por uma menina mais velha, com a qual encontra dificuldades para se apresentar. Essa diferenciação é vital para que a história possa começar a se movimentar de verdade, já que é o romantismo juvenil de Ellis que move o filme inteiro, sua dificuldade em aceitar que na verdade o amor romântico nada mais é do que uma fantasia. Afinal, seus pais estão se separando (“mas vocês não se amam?”, pergunta inocentemente o menino ao receber a notícia) e Mud, quem encontrou a pouco tempo, nutre sentimentos românticos idealistas por Juniper, a ponto de cometer atos poucos louváveis. E é essa a faísca que faz com que passemos ao segundo ato e possamos acompanhar a jornada do menino de unir os dois. Assim, se a trama tem elementos (extremamente eficazes, por sinal) de suspense e aventura, estes são secundários, algo que fica claro todas as vezes em que Nichols para a trama para acompanhar o desenrolar da paixonite de Ellis, o relacionamento de seus pais, ou ainda o passado de Mud, que vai se revelando aos poucos deixando a obra mais complexa.

  O trabalho de escalação do elenco é, assim, um trabalho monstruosamente genial, em todos os aspectos. Ao escalar Tye Sheridan para viver Ellis, é muito provável que Nichols tivesse em mente a imagem do menino no maravilhoso A Árvore da Vida, de Terrence Malick, onde era o irmão mais novo que servia como imagem para pureza e inocência, assim como Ellis em Amor Bandido. Matthew McConaughey, famoso por sua imagem de galã, serve como uma luva na imagem do romântico antiquado e trágico que é Mud. Já a linda Reese Witherspoon, estrelinha de incontáveis comédias românticas pedestres, já estabelece para o espectador uma imagem idealizada para Juniper, que entra em choque quanto mais a conhecemos, o que é interessante.

  E não apenas na escalação que o elenco está impecável, já que as performances aproveitam toda a complexidade disponível nos personagens. Depois de sua implacável e sádica performance como Killer Joe, McConaughey aqui mergulha em uma performance poderosa, dando enorme peso dramático à Mud. A calma contida com que McConaughey interpreta Mud confere ao personagem um tom trágico, de quem sofreu demais por amor, mas que ainda assim estaria disposto a sofrer tudo de novo, e para enxergar isso é só prestar atenção na felicidade e carinho com que fala de Juniper, e se percebe toda a dimensão de sua ilusão amorosa. Já Tye Sheridan continua a desenvolver seu precoce talento, e compõe toda a complexidade de Ellis de maneira tocante, trabalhando bem o arco dramático do menino de romântico para alguém mais realista. Enquanto isso, Reese Witherspoon confere à Juniper a imagem perfeita de uma famme fatalle trágica, e, se não fosse pela eficácia de sua performance, poderíamos facilmente tomar antipatia pela personagem, que soaria como uma babaca que apenas manda Mud para a friendzone, mas que, graças à atriz, é uma pessoa infeliz que vive em fuga, que não sabe muito bem o que está fazendo com sua vida.

  Ray McKinnon e Sarah Paulson também fazem um ótimo trabalho como os pais de Ellis. McKinnon (que fez uma ponta em O Abrigo e teve um ótimo papel na quarta temporada de Sons of Anarchy) interpreta o pai de forma perfeitamente descrita como “tough love”, já que deixa claro o tanto que ama o filho (e por isso cobra tanto dele) ao mesmo tempo em que assume uma postura sempre rígida diante deste; e Paulson consegue evidenciar toda a complexidade de uma personagem trágica que almeja mais da própria vida. Sam Shepard, como o calado e taciturno Tom, consegue, no minimalismo de sua performance, criar um personagem multifacetado e ambivalente. Quem sai perdendo um pouco no elenco é o genial Michael Shannon (que protagonizou O Abrigo), que acaba ficando com um personagem mais unidimensional, Galen, embora aqui e ali tenha momentos mais divertidos (como a cena em que é apresentado).

  Todo o percurso em que a trama percorre é de uma perda da ilusão amorosa, a partir da trajetória de um garoto que simplesmente não consegue aceitar o niilismo da realidade. Assim, Ellis tropeça e se machuca ao confiar demais nas pessoas, ao se deixar carregar pelos sentimentos, e não consegue compreender que tal coisa como amor eterno não passa de uma ficção bonita, e que o romantismo não passa de um estado de espírito que, como tudo, acaba definhando com o tempo. Se Mud tivesse sempre tido Juniper como parceira, com certeza ele não seria tão louco nela como é. Aliás, a diferença entre Ellis e Mud é simplesmente que o segundo é um adulto que, chegado a hora, sabe perceber o fim e aceitá-lo com mais paz, sendo capaz de olhar para o passado impossível com carinho. E como Nietzsche uma vez disse: “Nós amamos o desejo, e não o desejado”, e sempre a imagem que temos de alguém em nossa cabeça não passa de uma ilusão esculpida por nós mesmos, algo que Nichols demonstra com excelência ao permitir que ouçamos descrições românticas de Juniper, proferidas por Mud, antes da personagem ser devidamente apresentada, que, quando acontece, entra em choque com a imagem que construímos já que, mesmo que seja uma mulher linda, está com o rosto machucado, mostra o dedo para uns rapazes que a atazanam e ainda está vestida roupas extremamente curtas.

  Mas se tudo isso da a impressão que Amor Bandido seja uma obra pessimista quanto ao amor, na verdade Nichols encontra espaço suficiente para sonhar, para percebermos que, mesmo com o coração destruído por outras pessoas, podemos ainda encontrar esperança em alguém que ainda nem conhecemos, ou que conhecemos e não prestamos atenção suficiente. Cabe apenas à sorte, à expectativas realisticamente controladas e ter paciência. Mas principalmente expectativas controladas.


4 comentários:

  1. Respostas
    1. Baixei sim! No site que baixei vem as legendas em inglês, mas eu assisti sem as legendas, pq ai coloquei no pen-drive e assisti na tv...

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  2. A crítica ficou tão boa quanto o filme. Parabéns.
    O aprendizado que o Ellis vai tendo sobre o amor, durante o filme inteiro, é uma construção maravilhosa.
    Primeiro, temos a relação dos pais dele, que mesmo não nutrindo aquele sentimento inicial de paixão, ainda compartilham o amor fraternal para com o seu filho.
    Em segundo, temos o Tom que perdeu sua amada, há muito tempo, na época em que trabalhava na CIA, e agora vive solitário e amargurado.
    E assim vai... :)

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