sexta-feira, 18 de janeiro de 2013



Crítica filme "Django Livre" (Django Unchained / 2012 / EUA) dir. Quentin Tarantino

por Lucas Wagner


  Desde que assisti Pulp Fiction, há muito tempo, espero ansiosamente por ver um western dirigido por Quentin Tarantino. Afinal, o diretor já demonstrou ser enorme fã do gênero, inclusive inserindo diversas homenagens em seus próprios trabalhos, não importa se seja Kill Bill ou À Prova de Morte. E o melhor é que, com o apresso do cineasta pelo humor negro e pela violência gráfica, ele optaria certamente pelo western spaghetti, consolidado por Sergio Leone. E aqui está, o western que tanto esperei por ver Tarantino dirigindo. E o resultado é bem bacana, divertido e estiloso, embora Tarantino cometa basicamente os mesmos erros que tão frequentemente prejudicam seus projetos.

  O roteiro do próprio diretor nos leva a acompanhar o caçador de recompensas Dr. Schultz (Christoph Waltz), que é completamente contra a escravidão e, no entanto, precisa da ajuda do escravo Django (Jamie Foxx) para rastrear três bandidos que, vivos ou mortos, valem uma fortuna. Schultz faz um acordo com Django, que se desenvolve a ponto de o caçador de recompensas se ver envolvido na empreitada do escravo de encontrar sua mulher, Broomhilda (Kerry Washington).

 Mais uma vez, Tarantino dá um show de estilo. Com enquadramentos extremamente elegantes (mesmo que pálidos perto daqueles vistos em Kill Bill – Volume 1, por exemplo), o diretor, ao lado do fantástico diretor de fotografia Robert Richardson (responsável pelas fotografias de outros trabalhos do cineasta e de vários do grande Martin Scorsese), se diverte criando planos inclinados e movimentos de câmera que remetem diretamente aos westerns de Sergio Leone (como os closes rápidos), mas nunca perdendo a peculiaridade tarantiana da coisa. Ainda, o cineasta é feliz nas sequências de tiroteio, que se revelam enérgicas e bem montadas, principalmente a que ocorre no início do terceiro ato (embora aqui Tarantino cometa o erro de trocar o silêncio em que a sequência começou por uma música de hip hop que não tem simplesmente nada a ver com o momento); o diretor também se mostra eficaz ao trabalhar bem a tensão de certos momentos (o monólogo de DiCaprio sobre a diferença entre negros e brancos é particularmente eficaz nesse sentido), investindo em planos mais fechados para criar maior sensação de claustrofobia. O humor negro característico do cineasta está presente, em cenas que funcionam, em sua maioria, com uma perfeição invejável, com o diretor conseguindo com que demos gargalhadas ao, por exemplo, vermos um moribundo no chão levando diversos tiros acidentais e gritando desesperado. Assim também a violência gráfica pesada que o diretor tanto gosta está muito presente (algo que deixou muito a desejar em seu último trabalho, o mediano Bastardos Inglórios), com um tiro sendo capaz de fazer um estrago exagerado em qualquer um que o recebe. Também devo comentar que a trilha sonora está quase perfeita, com Tarantino usando e abusando de belas canções e de temas que remetem diretamente aos inesquecíveis acordes criados pelo Deus Ennio Morricone nos faroestes de Leone, com uso de flautas, guitarras elétricas e tudo que se tenha direito. No que se refere à trilha, ela só não é perfeita pois não consigo entender o que passou pela cabeça do cineasta quando pensou que seria uma boa ideia usar hip hop em um faroeste.

  Agora, em questão de ritmo, Tarantino comete alguns erros mais graves. Desde Kill Bill – Volume 2, o diretor vem deixando seus trabalhos excessivamente longos, chegando ao absurdo disso em Bastardos Inglórios, filme que tinha um ritmo completamente enfadonho e enrolado, e que poderia ter pelo menos 30 minutos a menos. Em Django Livre a situação não é tão grave assim, mas o filme tem problemas com o ritmo que os quatro primeiros longas do cineasta (Cães de Aluguel, Pulp Fiction, Jackie Brown, Kill Bill – Volume 1) não tinham. Se antes de Dr. Schultz e Django começarem necessariamente a caçada por Broomhilda o filme estava ágil e empolgante, a partir desse momento ele fica excessivamente lento, muito mais do que o necessário (afinal, que o diretor diminuísse o ritmo é óbvio e correto, mas não tanto como ele faz), e, sem conseguir empolgar como antes, o longa fica devagar e deixa o espectador sonolento, já que muitas das cenas poderiam ter sido mais enxugadas em prol de dar mais agilidade ao projeto. Felizmente, no terceiro ato Tarantino empolga com um ritmo muito mais rápido, embora apague alguns bons personagens com um senso de grande anticlímax.

  O que era melhor em Tarantino, no entanto, eram seus diálogos. Porém, depois de Jackie Brown seus trabalhos vêm tendo cada vez menos diálogos geniais, embora alguns sejam bem memoráveis (Uma Thurman e Vivica A. Fox em Kill Bill – Volume 1 me vem à cabeça na hora). Django Livre tem um número bem maior de bons diálogos do que Bastardos Inglórios, por exemplo, mas não são tantos nem tão bons quanto em Pulp Fiction, Cães de Aluguel ou Jackie Brown. Os melhores estão logo no início do longa, como aquele que introduz o personagem de Schultz ou o (brilhante!) que mostra um bando de fazendeiros em algo como uma Ku Klux Klan reclamando das sacolas em suas cabeças. Mas esses vão caindo bem de qualidade ao longo do filme e, por mais que o monólogo de DiCaprio que já citei seja muito bom, isso se dá mais pelo talento do ator e pela direção da cena, já que o que ele fala (embora reflita bem o pensamento da época) não tem nada de muito interessante. Há algumas falas muito boas aqui e ali (“Vocês tinham minha curiosidade, mas agora têm minha atenção”, ou aquela que é minha favorita: “Matar brancos e ainda ser pago por isso? Como não gostar?”), mas nenhum diálogo fantástico que lembre porque Tarantino é tão bom nesse aspecto. Ah, para não parecer só um reclamão, os diálogos de Django durante uma matança bem no finzinho do filme são muito bons.

  O maior problema do Tarantino, em qualquer trabalho seu, se refere ao desenvolvimento dos personagens. Embora divertidos e interessantes em sua excentricidade, é raro encontrar, em algum filme do cineasta, algum indivíduo realmente complexo e tridimensional. Django Livre não é excessão, embora o elenco faça um bom trabalho com o que tem. Jamie Foxx confere carisma à Django, além de ser eficiente ao retratar a raiva que sente dos brancos que o oprimiram; ainda assim, Django não é um protagonista muito interessante, o que impede maior envolvimento nosso com o que estamos vendo. Leonardo DiCaprio se diverte absurdamente ao criar seu primeiro vilão como um sujeito detestável que, mesmo não sabendo francês, só gosta de ser chamado de monsieur; o mais bacana sobre o personagem é que ele é um muito infantil/imaturo, e DiCaprio ressalta isso na surpresa que transmite no olhar (que o deixa com uma cara de assustado e de criança mimada que acabou de ser contrariada) algumas vezes ao ser insultado, surpresa essa que, pouco tempo depois, se transforma em charme, como se ele estivesse contornando a situação. Mas, por mais que seja imaturo, Candie odeia ser passado para trás, e a fúria que DiCaprio transmite nesses momentos é essencial para o levarmos a sério como vilão. Já Samuel L. Jackson, mesmo claramente se divertindo com o tipo esquisito que interpreta (um escravo que de vez em quando parece achar que é patrão, como quando surge sentado, segurando um copo com conhaque antes de passar uma informação importante ao seu senhor), ainda assim tem o personagem mais sem graça que já interpretou sob o comando de Tarantino (os outros foram em Pulp Fiction e Jackie Brown, e que são figuras memoráveis). Quem tem, no entanto, a melhor atuação do longa é Christoph Waltz, que transforma Dr. Schultz em uma figura brilhante, mesmo que o roteiro impeça que trabalhe mais a complexidade do personagem. Waltz cria Schultz como um indivíduo extremamente ambíguo que parece não pensar duas vezes antes de dar um tiro em alguém, embora, na verdade, tenha tudo calculado, e pareça gostar de zombar de seus adversários, mesmo que implicitamente (como quando insiste em pagar por um escravo mesmo depois de ter atirado nos donos, ou quando convence um capitão de que este deve a ele $200,00). Ainda, seu Schultz tem um caráter mais humano pelo seu ódio pela escravidão, que o leva a se comover com a história de Django e o leva a algumas ousadíssimas e mal calculadas decisões (algo estranho a ele) ao longo do filme. É uma atuação perfeita, digna de um Oscar, que só enfraquece devido ao fato de Tarantino dedicar cada vez menos atenção à ele no decorrer do longa, tirando-o de cena de forma completamente anticlimática (algo que acontece com o personagem de DiCaprio também, diga-se de passagem).

  Enfim, Django Livre é um filme bacana, que me agradou da forma com esperava que iria fazê-lo. A maior parte dos erros são quase previsíveis se tratando de um trabalho de Tarantino, que é um ótimo cineasta, mas não é um gênio como muitos acham. Para quem gosta da obra dele, e também gosta de western, vai se divertir. Eu me diverti, embora não ache o filme digno de prêmios (a não ser para Waltz).

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