sábado, 29 de março de 2014


Análise:

Entre Nós (Entre Nós / 2014 / Brasil) dir. Paulo Morelli

por Lucas Wagner

A coisa mais assustadora da vida é algo sem forma, mas cruel e impiedoso como um demônio: o tempo. Ele que nos dirá se nossos sonhos não passam de delírios, se o amor/paixão que sentimos por alguém durará muito ou pouco, se a euforia que uma idéia desperta terá algum futuro ou se será apenas fogo de palha... não há nada mais aterrorizante e triste do que olhar-se no espelho e não reconhecer-se mais, pois tudo o que antigamente parecia te definir tão bem, hoje não é nada. E essa é (ou deveria ser) a base desse sensível filme de Paulo Morelli, Entre Nós, que trata do reencontro de amigos escritores 10 anos depois de terem escrito e enterrado cartas para seus eus mais velhos, e também 10 anos após a trágica morte de um deles num acidente de carro.

Com um grupo de personagens cuja paixão comum é a Arte, particularmente a Literatura, o roteiro de Paulo e Pedro Morelli já tem a sorte de contar com indivíduos que podem discutir a vida e encontrar beleza nas coisas sob influência de mestres como James Joyce, criando debates que soam interessantes justamente pela inteligência daqueles que conversam, como em todo o diálogo envolvendo a ditadura e a criatividade.

Mas Entre Nós tem mesmo seus melhores momentos quando se foca em explorar as cicatrizes psicológicas de seus personagens, muitas vezes referentes ao contraste das vidas que achavam que teriam com aquelas que tem. Não é a toa que Rafa (Lee Taylor), o jovem que morreu no acidente, é uma figura que paira sobre seus amigos envelhecidos como um fantasma, um eterno ídolo que, a exemplo de Kurt Cobain, o fato de ter morrido jovem o caracteriza como uma promessa imortal, que não teve tempo suficiente para se tornar uma decepção. Assim, é claro que o momento de abrir as cartas escritas 10 anos antes é esperado com antecipação e medo, medo do choque que vai fazer com que a angústia fantasmática que sempre sentem finalmente adquira uma forma material.

O grande problema do filme é que Morelli parece não achar suficiente o minimalismo destes sentimentos tão dolorosamente comuns, e investe mais da metade da energia da obra na exploração do drama envolvendo o personagem Felipe (Caio Blat), que dá ao longa uma maior potência dramática, mas faz com que ele perca um pouco da universalidade que permitia com que nós, espectadores, nos identificássemos tanto com o que estávamos vendo. Pois é ao ver o romântico e inocente Gus (Paulo Vilhena, sempre muito talentoso) sofrendo por rever uma antiga paixão e ter encarar o fato de que o namoro de antes nunca passou de temporário, e ainda tendo que encarar sua própria insignificância (quando uma amiga diz “Você não existe”, ele repete a fala para si mesmo, num dos momentos mais doídos da projeção), ou ainda ver Drica (Martha Nowill – excelente), sempre ativa e brincalhona, sofrendo pela incompletude que sente por não ser mãe... esses sim são elementos que trariam futuro para a obra.

Com uma direção adequadamente sensível que envolve planos fechados com profundidade de campo reduzida para isolar os personagens em suas amizades e desfocar o resto do mundo, Paulo Morelli ainda investe em diálogos numa mesa de jantar com a câmera se movendo o tempo inteiro, sugerindo a dinâmica da conversa e o próprio movimento das idéias fluindo. No entanto, é patente a certa insegurança que Morelli demonstra no uso quase ininterrupto da trilha sonora melancólica para reforçar o drama dos personagens, e ainda investindo em metáforas visuais que, isoladas, surgem interessantes, mas não são lá grande coisa no contexto da obra como um todo (como o comportamento de três personagens distintos frente a animais em apuros). Acima de tudo, no entanto, o que se destaca são os diálogos criados pelo roteiro, sempre sinceros e até viscerais, sendo capazes de dizer o mundo sobre seus personagens em apenas algumas palavras, muitas vezes mascaradas de forma cômica.

Beneficiado por um elenco fenomenal que consegue transformar cada uma daquelas pessoas em seres extremamente complexos, ambíguos e delicados, Entre Nós, no entanto, não deixa de passar a impressão de decepção, pois se consegue mexer em profundas feridas emocionais que, mesmo pertencentes a personagens particulares, conseguem dizer muito sobre a humanidade como um todo, ainda tem uma enorme insegurança ao não acreditar que isso bastaria para fazer do filme algo tão relevante, preferindo focar-se num drama dramático demais para realmente dizer algo sobre o que significa ser humano.

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