Análise:
A Vida Secreta de Walter Mitty (The Secret Life
Of Walter Mitty / 2013 / EUA) dir. Ben Stiller
Por Lucas Wagner
É bacana que Ben
Stiller tenha voltado a se aventurar num projeto mais tematicamente ambicioso do
que seus últimos trabalhos como diretor (o pavoroso O Pentelho e os divertidos Zoolander
e Trovão Tropical), algo que não
fazia desde 1994, quando dirigiu Caindo
na Real que, apesar dos vários acertos, clamava por uma maturidade maior de
seu então jovem realizador. No entanto, esse A Vida Secreta de Walter Mitty mostra que Stiller envelheceu mas
não amadureceu, representando um projeto vazio de alma, embora acredite
piamente possuir uma.
Acompanhamos a história
do pacato Walter Mitty (Ben Stiller), sujeito tímido que trabalha à 16 anos para
a revista LIFE, e possui uma paixão pela colega de trabalho Cheryl (Kristen
Wiig). Responsável pela foto de capa da última edição da revista (que passaria
a apenas online), Mitty se encontra
em problemas quando essa preciosa foto (tirado pelo fotógrafo aventureiro Sean
O´Connell, vivido por Sean Penn) não parece ter vindo no pacote onde deveria.
Assim, parte em uma aventura em busca de O´Connell, que, na verdade, é uma
aventura em busca de si mesmo.
O grande problema aqui
é que A Vida Secreta de Walter Mitty é
uma obra terrivelmente óbvia. Desde seu antagonista vivido por Adam Scott como
um empresário maléfico e impiedoso, tudo no longa esfrega seus significados sem
a menor sutileza nos espectadores, subestimando a inteligência destes sempre
que possível, algo que fica ainda mais irritante através de imagens oníricas
que, aparentemente profundas, não passam de maneiras toscas e pueris de desenvolver
o arco dramático do protagonista (como a imagem de Cheryl sendo formada por
pássaros). Falando em puerilidade, o humor do filme é infantil ao extremo (com
direito até à um bruto marinheiro da Groenlândia que se diverte com seu
Instagram), casando com a inverossimilhança que permeia todo o projeto, já que
em nenhum momento dá para acreditar que Walter Mitty sobreviveria à lutas com
tubarões, erupções vulcânicas ou mesmo uma corrida à uma bicicleta junto com
vários outros sujeitos. E, podem me chamar de materialista, mas não dá para
comprar a ideia de que um homem como Mitty tenha tanto dinheiro (ou que seja capaz
de gastar tanto dinheiro) que banque viagens à lugares longínquos e exóticos,
além de toda a questão cronológica ser absurda por si só (quanto tempo ele
gastou nessa viagem toda? Ele deixou a mãe sozinha em casa? Ninguém,
além de Cheryl e seu colega mais próximo, deu pela falta dele no trabalho?).
Mas quando passamos a perguntar demais, basta lembrar que este é um filme em que pessoas conversam pelo celular
em cima de altas montanhas com pessoas em países diferentes sem apresentar
problemas de sinal ou preocupação com caríssimas contas, e que também esta é
uma obra onde seu protagonista larga uma bicicleta perfeitamente utilizável
para correr vários quilômetros à pé. Então...
E se esses juvenis exageros irritam, os que concernem os “devaneios” de
Walter acabam se justificando por representar uma tentativa de fuga do
protagonista de uma vida apagada, ao mesmo tempo em que permite que todos os
espectadores se identifiquem um pouco com o personagem (quem nunca imaginou
grandes eventualidades fantásticas em seu cotidiano?). E, embora a falta de sutileza do longa no desenvolvimento de
seus personagens seja seu maior pecado, quando apresenta mais sutileza ou tendência
à uma intimidade maior é que ele mais acerta, como no detalhe do figurino de
Cheryl, quando usa cores mais melancólicas (como marrom) na indumentária,
contrastando com a capa colorida e alegre de seu iPhone (representando um
detalhe mais otimista de sua personalidade, que fica escondido, como seu
celular, que fica sempre na bolsa), ou ainda nas cenas em que Mitty começa a
discorrer sobre seu relacionamento com o falecido pai, que é uma mina de ouro
mal aproveitada para dissecar sua personalidade. Mas o roteirista Steve Conrad
parece destruir tais sutilezas ao sempre usar diálogos expositivos e em
momentos totalmente inapropriados, o que é chocante se lembrarmos que esse é o
roteirista dos complexos e delicados O
Sol de Cada Manhã e À Procura da
Felicidade.
Ben Stiller, imaturo como sempre, também falha como
diretor ao exacerbar demais em cenas com efeitos visuais gritantes (que nunca
funcionam, por sinal), e pouco se importar com momentos mais intimistas, algo
que um filme como esse clama. Usando e abusando da melosa trilha sonora de
Theodore Shapiro, Stiller ainda apresenta um péssimo timing cômico, algo surpreendente para o diretor de Trovão Tropical. E se pouco existe para
o redimir, pelo menos o diretor acerta bonito em planos abertos que evocam o
vazio da existência de Mitty, principalmente quando está na sede da LIFE,
quando sua pequena figura se apaga frente às enormes imagens de pessoas famosas
que foram fotos de capa da revista. O figurino também é eficiente ao mudar as roupas
de Mitty de uma indumentária cinzenta e triste no início para uma mais forte e
colorida no fim (algo óbvio, porém necessário).
Na melhor cena do filme, o fotógrafo Sean O´Connell diz
para Mitty que: “O belo não precisa pedir por atenção”. Curioso, porém triste,
é perceber que os próprios realizadores do longa não foram capazes de
compreender isso, e a trajetória de Walter Mitty pode ser repleta de imagens
grandiosas e aventuras épicas, porém não tem qualquer profundidade e, diferente
de como faz o citado fotógrafo, não é capaz de tomar emprestado um minuto de
silêncio para apreciar a beleza e poesia de significados que surgem nos
detalhes mais diminutos do nosso cotidiano. O que, mais do que grandes
aventuras solitárias, podem fazer uma vida inteira valer a pena.
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