segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Análise:

A Vida Secreta de Walter Mitty (The Secret Life Of Walter Mitty / 2013 / EUA) dir. Ben Stiller

Por Lucas Wagner

É bacana que Ben Stiller tenha voltado a se aventurar num projeto mais tematicamente ambicioso do que seus últimos trabalhos como diretor (o pavoroso O Pentelho e os divertidos Zoolander e Trovão Tropical), algo que não fazia desde 1994, quando dirigiu Caindo na Real que, apesar dos vários acertos, clamava por uma maturidade maior de seu então jovem realizador. No entanto, esse A Vida Secreta de Walter Mitty mostra que Stiller envelheceu mas não amadureceu, representando um projeto vazio de alma, embora acredite piamente possuir uma.

Acompanhamos a história do pacato Walter Mitty (Ben Stiller), sujeito tímido que trabalha à 16 anos para a revista LIFE, e possui uma paixão pela colega de trabalho Cheryl (Kristen Wiig). Responsável pela foto de capa da última edição da revista (que passaria a apenas online), Mitty se encontra em problemas quando essa preciosa foto (tirado pelo fotógrafo aventureiro Sean O´Connell, vivido por Sean Penn) não parece ter vindo no pacote onde deveria. Assim, parte em uma aventura em busca de O´Connell, que, na verdade, é uma aventura em busca de si mesmo.

O grande problema aqui é que A Vida Secreta de Walter Mitty é uma obra terrivelmente óbvia. Desde seu antagonista vivido por Adam Scott como um empresário maléfico e impiedoso, tudo no longa esfrega seus significados sem a menor sutileza nos espectadores, subestimando a inteligência destes sempre que possível, algo que fica ainda mais irritante através de imagens oníricas que, aparentemente profundas, não passam de maneiras toscas e pueris de desenvolver o arco dramático do protagonista (como a imagem de Cheryl sendo formada por pássaros). Falando em puerilidade, o humor do filme é infantil ao extremo (com direito até à um bruto marinheiro da Groenlândia que se diverte com seu Instagram), casando com a inverossimilhança que permeia todo o projeto, já que em nenhum momento dá para acreditar que Walter Mitty sobreviveria à lutas com tubarões, erupções vulcânicas ou mesmo uma corrida à uma bicicleta junto com vários outros sujeitos. E, podem me chamar de materialista, mas não dá para comprar a ideia de que um homem como Mitty tenha tanto dinheiro (ou que seja capaz de gastar tanto dinheiro) que banque viagens à lugares longínquos e exóticos, além de toda a questão cronológica ser absurda por si só (quanto tempo ele gastou nessa viagem toda? Ele deixou a mãe sozinha em casa? Ninguém, além de Cheryl e seu colega mais próximo, deu pela falta dele no trabalho?). Mas quando passamos a perguntar demais, basta lembrar que este é um filme em que pessoas conversam pelo celular em cima de altas montanhas com pessoas em países diferentes sem apresentar problemas de sinal ou preocupação com caríssimas contas, e que também esta é uma obra onde seu protagonista larga uma bicicleta perfeitamente utilizável para correr vários quilômetros à pé. Então...

E se esses juvenis exageros irritam, os que concernem os “devaneios” de Walter acabam se justificando por representar uma tentativa de fuga do protagonista de uma vida apagada, ao mesmo tempo em que permite que todos os espectadores se identifiquem um pouco com o personagem (quem nunca imaginou grandes eventualidades fantásticas em seu cotidiano?). E, embora a falta de sutileza do longa no desenvolvimento de seus personagens seja seu maior pecado, quando apresenta mais sutileza ou tendência à uma intimidade maior é que ele mais acerta, como no detalhe do figurino de Cheryl, quando usa cores mais melancólicas (como marrom) na indumentária, contrastando com a capa colorida e alegre de seu iPhone (representando um detalhe mais otimista de sua personalidade, que fica escondido, como seu celular, que fica sempre na bolsa), ou ainda nas cenas em que Mitty começa a discorrer sobre seu relacionamento com o falecido pai, que é uma mina de ouro mal aproveitada para dissecar sua personalidade. Mas o roteirista Steve Conrad parece destruir tais sutilezas ao sempre usar diálogos expositivos e em momentos totalmente inapropriados, o que é chocante se lembrarmos que esse é o roteirista dos complexos e delicados O Sol de Cada Manhã e À Procura da Felicidade.

Ben Stiller, imaturo como sempre, também falha como diretor ao exacerbar demais em cenas com efeitos visuais gritantes (que nunca funcionam, por sinal), e pouco se importar com momentos mais intimistas, algo que um filme como esse clama. Usando e abusando da melosa trilha sonora de Theodore Shapiro, Stiller ainda apresenta um péssimo timing cômico, algo surpreendente para o diretor de Trovão Tropical. E se pouco existe para o redimir, pelo menos o diretor acerta bonito em planos abertos que evocam o vazio da existência de Mitty, principalmente quando está na sede da LIFE, quando sua pequena figura se apaga frente às enormes imagens de pessoas famosas que foram fotos de capa da revista. O figurino também é eficiente ao mudar as roupas de Mitty de uma indumentária cinzenta e triste no início para uma mais forte e colorida no fim (algo óbvio, porém necessário).


Na melhor cena do filme, o fotógrafo Sean O´Connell diz para Mitty que: “O belo não precisa pedir por atenção”. Curioso, porém triste, é perceber que os próprios realizadores do longa não foram capazes de compreender isso, e a trajetória de Walter Mitty pode ser repleta de imagens grandiosas e aventuras épicas, porém não tem qualquer profundidade e, diferente de como faz o citado fotógrafo, não é capaz de tomar emprestado um minuto de silêncio para apreciar a beleza e poesia de significados que surgem nos detalhes mais diminutos do nosso cotidiano. O que, mais do que grandes aventuras solitárias, podem fazer uma vida inteira valer a pena.


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