Crítica Rush – No Limite da Emoção (Rush / 2013 / EUA) dir. Ron Howard
por
Lucas Wagner
A história da rivalidade entre os pilotos de
corrida Niki Lauda e James Hunt é icônica por apresentar uma história real
repleta de ironia e drama, quando dois inimigos acabaram, se não se tornando
amigos, ao menos eventualmente desenvolvendo respeito mútuo por compreender a
importância que cada um tinha para o outro. Assim, o roteirista Peter Morgan (360 e Frost/Nixon) e o diretor Ron Howard (O Jornal e Uma Mente
Brilhante) buscam explorar os limites intensos dessa rivalidade insana e
trágica, criando uma obra que, se não é perfeita, acaba funcionando bem em seus
objetivos.
Howard cria aqui a que é, desde Frost/Nixon, sua obra visualmente mais
rebuscada (embora eu aprecie demais a sutileza de seu trabalho em O Jornal), repleto de efeitos de
montagem e de fotografia que enriquecem o filme. Conferindo imensa energia ao
projeto, Howard busca intensidade ideal para permitir que o clima da rivalidade
entre Lauda e Hunt ganhe mais dimensão. Infelizmente porém, Howard comete erros
inegáveis, como passar apenas por cima de diversas corridas importantes na
carreira dos dois, e também ao, ao contrário do que muitos dizem, construir
cenas de ação que surgem apenas corretas, mas nunca estonteantes.
Mais problemático é o descaso do diretor com
o desenvolvimento dos personagens, já que este nunca, em momento algum, diminui
o ritmo do longa para explorar com mais propriedade a psicologia dos dois
pilotos. O que é também um problema do roteiro de Morgan, que demonstra
arrogância ao parecer realmente acreditar que seus personagens se sustentam
apenas pela lenda que criaram atrás de si. O fato é que tanto Lauda quanto Hunt
são explorados apenas superficialmente, o que diminui drasticamente o peso das
diversas situações. Por exemplo: as decisões de Lauda no terceiro ato fariam
muito mais sentido se o filme tivesse dedicado mais tempo ao mostrar seu
relacionamento e dinâmica com a esposa; a mudança de Hunt teria sido muito mais
eficaz se as ambiguidades deste tivessem sido mais ressaltadas desde o início,
quando parecia que o roteiro queria pintá-lo apenas de idiota e arrogante. É
bem verdade que Morgan e Howard acertam ao, por exemplo, mostrar um plano
detalhe de Hunt brincando nervosamente com o isqueiro enquanto afirma estar
calmo, ou ainda ao mostrarem o mesmo personagem vomitando de nervoso, mas são
momentos que, mesmo sintomáticos, carecem de devido desenvolvimento.
Mas ainda assim é a intensidade da rivalidade
dos pilotos que consegue mover Rush do
início ao fim, principalmente pelas excelentes atuações de Chris Hermsworth e
Daniel Brühl. Finalmente criando uma performance cheia de carisma depois de
ficar preso em figuras unidimensionais como Thor,
Hermsworth encara a intensidade e agressividade de Hunt com maestria, ao mesmo
tempo em que deixando evidente a infantilidade do sujeito que, totalmente
inconsequente, parece não se importar com mais ninguém a não ser consigo mesmo;
o que é só aparência, já que a arrogância do sujeito esconde um senso de honra
que nem sua imaturidade rebelde parece conseguir erradicar. E é nessa
ambiguidade que Hermsworth busca mergulhar, fazendo de Hunt um sujeito
genuinamente complexo e fascinante. Já Brühl recebe a tarefa quase impossível
de interpretar Lauda de alguma forma que não o detestemos. Incorporando a
determinação do sujeito, Brühl demonstra um Lauda ambicioso que acaba beirando
o autismo em vários momentos, na sua busca por perfeição matemática; e é na
trajetória trágica do sujeito que este vai percebendo existem coisas mais
importantes com que se importar. E o mais fascinante é que, mesmo passando por
tal arco dramático, Brühl não deixa o piloto se tornar um “fresco”, mas o
mantem como o cara difícil que é.
E é essa é uma das melhores coisas deste Rush: nunca romantizar seus
protagonistas. Tanto Lauda quanto Hunt são pessoas difíceis e em muitos
aspectos desprezíveis, e nem roteirista, diretor ou intérpretes tentam
erradicar essas características, mas as abraçam e deixam que o filme encare a
rivalidade sem virar os olhos nem para o alcoolismo destrutivo de Hunt ou para
a racionalidade irritante de Lauda, entre outros aspectos de suas personalidades.
Apesar disso, como disse antes, o roteiro e a direção erram ao não explorar
mais profundamente a personalidade dos dois.
Mas Rush
possui um grande acerto, afinal de contas, ao deixar que o espectador tire
uma certa lição de vida na jornada de Lauda e Hunt. Nossos inimigos são, em
certo modo, nossos melhores amigos, pois nos impulsionam para frente, nos levam
a olhar nossos defeitos na cara e buscar melhorar para poder superar o outro. São nossos inimigos que nos movem. E é ao perceber isso
que Hunt e Lauda criam um laço inquebrável que, se sempre tencionado, ainda
permitiu que cada um amadurecesse o suficiente para enxergar o verdadeiro valor
que o outro criou em sua vida. E por isso mesmo Rush é uma obra acima da média.
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