terça-feira, 24 de setembro de 2013



Crítica Rush – No Limite da Emoção (Rush / 2013 / EUA) dir. Ron Howard

por Lucas Wagner

  A história da rivalidade entre os pilotos de corrida Niki Lauda e James Hunt é icônica por apresentar uma história real repleta de ironia e drama, quando dois inimigos acabaram, se não se tornando amigos, ao menos eventualmente desenvolvendo respeito mútuo por compreender a importância que cada um tinha para o outro. Assim, o roteirista Peter Morgan (360 e Frost/Nixon) e o diretor Ron Howard (O Jornal e Uma Mente Brilhante) buscam explorar os limites intensos dessa rivalidade insana e trágica, criando uma obra que, se não é perfeita, acaba funcionando bem em seus objetivos.

  Howard cria aqui a que é, desde Frost/Nixon, sua obra visualmente mais rebuscada (embora eu aprecie demais a sutileza de seu trabalho em O Jornal), repleto de efeitos de montagem e de fotografia que enriquecem o filme. Conferindo imensa energia ao projeto, Howard busca intensidade ideal para permitir que o clima da rivalidade entre Lauda e Hunt ganhe mais dimensão. Infelizmente porém, Howard comete erros inegáveis, como passar apenas por cima de diversas corridas importantes na carreira dos dois, e também ao, ao contrário do que muitos dizem, construir cenas de ação que surgem apenas corretas, mas nunca estonteantes.

  Mais problemático é o descaso do diretor com o desenvolvimento dos personagens, já que este nunca, em momento algum, diminui o ritmo do longa para explorar com mais propriedade a psicologia dos dois pilotos. O que é também um problema do roteiro de Morgan, que demonstra arrogância ao parecer realmente acreditar que seus personagens se sustentam apenas pela lenda que criaram atrás de si. O fato é que tanto Lauda quanto Hunt são explorados apenas superficialmente, o que diminui drasticamente o peso das diversas situações. Por exemplo: as decisões de Lauda no terceiro ato fariam muito mais sentido se o filme tivesse dedicado mais tempo ao mostrar seu relacionamento e dinâmica com a esposa; a mudança de Hunt teria sido muito mais eficaz se as ambiguidades deste tivessem sido mais ressaltadas desde o início, quando parecia que o roteiro queria pintá-lo apenas de idiota e arrogante. É bem verdade que Morgan e Howard acertam ao, por exemplo, mostrar um plano detalhe de Hunt brincando nervosamente com o isqueiro enquanto afirma estar calmo, ou ainda ao mostrarem o mesmo personagem vomitando de nervoso, mas são momentos que, mesmo sintomáticos, carecem de devido desenvolvimento.

  Mas ainda assim é a intensidade da rivalidade dos pilotos que consegue mover Rush do início ao fim, principalmente pelas excelentes atuações de Chris Hermsworth e Daniel Brühl. Finalmente criando uma performance cheia de carisma depois de ficar preso em figuras unidimensionais como Thor, Hermsworth encara a intensidade e agressividade de Hunt com maestria, ao mesmo tempo em que deixando evidente a infantilidade do sujeito que, totalmente inconsequente, parece não se importar com mais ninguém a não ser consigo mesmo; o que é só aparência, já que a arrogância do sujeito esconde um senso de honra que nem sua imaturidade rebelde parece conseguir erradicar. E é nessa ambiguidade que Hermsworth busca mergulhar, fazendo de Hunt um sujeito genuinamente complexo e fascinante. Já Brühl recebe a tarefa quase impossível de interpretar Lauda de alguma forma que não o detestemos. Incorporando a determinação do sujeito, Brühl demonstra um Lauda ambicioso que acaba beirando o autismo em vários momentos, na sua busca por perfeição matemática; e é na trajetória trágica do sujeito que este vai percebendo existem coisas mais importantes com que se importar. E o mais fascinante é que, mesmo passando por tal arco dramático, Brühl não deixa o piloto se tornar um “fresco”, mas o mantem como o cara difícil que é.

  E é essa é uma das melhores coisas deste Rush: nunca romantizar seus protagonistas. Tanto Lauda quanto Hunt são pessoas difíceis e em muitos aspectos desprezíveis, e nem roteirista, diretor ou intérpretes tentam erradicar essas características, mas as abraçam e deixam que o filme encare a rivalidade sem virar os olhos nem para o alcoolismo destrutivo de Hunt ou para a racionalidade irritante de Lauda, entre outros aspectos de suas personalidades. Apesar disso, como disse antes, o roteiro e a direção erram ao não explorar mais profundamente a personalidade dos dois.

  Mas Rush possui um grande acerto, afinal de contas, ao deixar que o espectador tire uma certa lição de vida na jornada de Lauda e Hunt. Nossos inimigos são, em certo modo, nossos melhores amigos, pois nos impulsionam para frente, nos levam a olhar nossos defeitos na cara e buscar melhorar para poder superar o outro. São nossos inimigos que nos movem. E é ao perceber isso que Hunt e Lauda criam um laço inquebrável que, se sempre tencionado, ainda permitiu que cada um amadurecesse o suficiente para enxergar o verdadeiro valor que o outro criou em sua vida. E por isso mesmo Rush é uma obra acima da média.

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