Crítica Las Acacias (Las Acacias / 2013 / Argentina) dir. Pablo Giorgelli
por
Lucas Wagner
Rubén (Germán de Silva) fuma um cigarro
sentado em seu caminhão enquanto assiste várias árvores sendo derrubadas;
improvisa um banho num banheiro de posto e depois fuma mais um cigarro, cercado
pelo som de vários outros caminhões. É assim que Las Acacias começa, e já conhecemos quem é Rubén: homem de meia
idade, trabalhador, solitário, preso em uma vida desanimada que já teve uma boa
parcela de perdas e decepções (as árvores derrubadas). É nesse minimalismo que
o diretor Pablo Giorgelli aposta nesse seu road
movie, conseguindo chegar em sentimentos profundos extraídos de uma trama
que não almeja grandiosidade: o trajeto do Paraguai até Buenos Aires feito por
um caminhoneiro, Rubén, que dá carona para uma mulher e sua filhinha de seis
meses.
Esse minimalismo percorre todo o longa, e
Giorgelli busca trabalhar com calma para extrair sentimentos e informações
através de imagens cotidianas. Até mesmo o uso de uma trilha sonora original
(ou qualquer música, por sinal) foi deixado de lado pelo diretor que, buscando
maior realismo, preferiu usar apenas sons diegéticos (do ambiente). Com poucos
diálogos, Giorgelli desenvolve com extrema competência e simplicidade a relação
entre Rubén e Jacinta (Hebe Duarte), a caroneira, desde que se conhecem,
passando por quando o “gelo vai se quebrando”, e até terem seus caminhos
separados. Isso no espaço de pouco mais de um dia. E nada de muito fascinante
acontece, e é essa a mágica que Giorgelli cria, já que na falta de uma grande
aventura, acabamos encontrando uma sensibilidade marcante na vida daqueles dois
indivíduos para quem a existência não parece ter sido muito gentil. Assim, Las Acacias é um puro estudo de
personagens onde seu diretor tem a coragem de usar diversos planos longuíssimos
que mostram seus personagens dormindo, ou dirigindo, comendo ou às vezes
conversando sobre coisas cotidianas, e mesmo quando não conversam, percebemos a
tensão daquele silêncio sem graça.
Não que
no fim da projeção tenhamos conhecido profundamente a vida de Rubén e Jacinta. São
poucas as informações mais abrangentes que recebemos, mas Giorgelli consegue
nos colocar em contato com algo mais íntimo do que um conhecimento racional, e
no fim do filme temos uma espécie de identificação tácita com aqueles dois, já
que pudemos não apenas observar o ato de duas pessoas machucadas se conhecendo
na simplicidade de seu cotidiano, mas sabemos, em algum nível, como elas
sofrem, o que torna até respeitoso que não saibamos exatamente os “comos” e “por
quês” daquelas vidas, que merecem sua privacidade. É só olhar para o rosto daqueles
atores genialmente selecionados por Giorgelli e percebemos as marcas de suas
vidas, desde as profundas linhas de expressão no rosto marcado de Rubén, até os
olhos tristes e molhados de Jacinta.
Aliás, são nesses atores que Las Acacias encontra sua maior força.
Hebe Duarte pode ter seus olhos tristes de quem já viu muita coisa para uma
vida só, mas seu belo sorriso revela uma esperança tocante. Não sabemos quem
ela é, ou o que ela já passou, quais suas dificuldades nem nada, mas em um
plano, quando acha que é a única pessoa acordada, Jacinta desaba em lágrimas,
num choro doído que só faz com que a respeitemos e admiremos ainda mais pelo
sorriso que consegue ter sempre no rosto. E é só ver a família que encontra ao
chegar em Buenos Aires que sabemos da onde ela tira essa esperança, já que o
carinho que demonstram com ela só se contrapõe à solidão absoluta de Rubén,
homem que afirma não ter família, mesmo tendo um filho e uma irmã. Trabalhando
como caminhoneiro a 30 anos, Rubén teve uma vida na estrada, e a inconstância
de suas ligações humanas é um reflexo dessa vida desapegada, de um homem em que
até mesmo as boas maneira e a educação parecem ter desaparecido por pura falta
de prática (é só ver a desconsideração dele ao deixar uma mulher com bebê no colo
carregando tantas malas ou de, só depois de várias horas ao lado de Jacinta,
lhe perguntar o nome). Mas essa armadura rústica de Rubén vai amolecendo e ele
vai encontrando em Jacinta talvez uma leve esperança de algo bom afinal, e é tocante
perceber isso. O que é algo possibilitado por uma performance digna de prêmios
de Gérman de Silva, que busca em minúsculos detalhes o acesso à alma de Rubén,
e toda a perfeição de sua atuação fica ilustrada no momento em que fala de seu
primeiro encontro com o filho: começando como se não quisesse falar sobre isso,
Rubén logo se rende à nostalgia das lembranças, e sorri docemente.
Construindo uma mise em scéne (movimentação e posicionamento de atores em cena) extremamente
sutil, Giorgelli extrai informações profundas de pequenos gestos dos atores
(mérito também do elenco, é claro), como a hesitação de Rubén ao ver a bebê no
colo de Jacinta, ou ainda o claro desconforto dele ao pegá-la no colo, mesmo
demonstrando interesse (algo que de início não mostrava). Como comentei no
segundo parágrafo, a direção é muito calma e mostra gradualmente a aproximação
dos personagens, através de pequenos gestos que se tornam magistrais, como
quando finalmente Rubén cede à tentação de brincar com a bebê. O jogo de câmera
do diretor também é essencial na medida em que permite que compreendamos como,
a princípio, a mera proximidade física de Rubén e Jacinta é estranha, ou como
inicialmente a presença da bebê incomoda Rubén (claramente lhe lembra seu
filho, com quem tem pouco contato).
E é assim que, quando Las Acacias chega ao fim, pude perceber o quanto me liguei à vida
daquelas pessoas, mesmo sem conhecer muito suas histórias. E a maior sensação
que tive foi a de torcer com todas as forças por eles, em especial Rubén, para
quem a brecha de uma realidade diferente se abriu e ele tentou entrar. Mas,
sendo a vida como ela é, é só olhar para o rosto cansado e novamente amargurado
de Rubén no último plano do filme para percebermos que muito provavelmente seu
encontro com Jacinta não passou de mais uma possibilidade de vida desperdiçada.
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