Crítica Dose Dupla (2 Guns / 2013 / EUA) dir. Baltasar Kormákur
por
Lucas Wagner
A trama repleta de reviravoltas desse Dose Dupla funciona como uma premissa
interessante o bastante para conseguir manter o espectador interessado nos
passos seguintes da projeção, mas tem muito espaço que poderia ter sido
explorado de maneira mais inteligente pelo roteiro de Steven Grant que
infelizmente acabou escrevendo um material repleto de furos e coincidências
absurdas, conseguindo ser até mesmo confuso, mesmo para uma obra que abraça o
ridículo como essa, que ainda falha no quesito humor, que surge sempre forçado
e sem graça. Felizmente, o longa conta com atuações inspiradíssimas dos
excelentes Denzel Washington e Mark Walhberg para que funcione bem.
Aliás, não só nos dois, mas a verdadeira
força de Dose Dupla está no seu
elenco, que (exceto a atuação caricata de James Marsden como Quince) consegue
explorar o máximo que seus personagens tem a oferecer. A estonteantemente linda
Paula Patton (a maior paixão platônica que tenho, até mesmo maior do que Emma
Watson) encontra certo espaço para explorar alguma ambiguidade em Deb, quando
lhe surge certo sentimento de culpa, ao passo que Edward James Olmos (o Gaff de
Blade Runner e o Dr. Geller da 6ª
temporada de Dexter) surpreende ao
abandonar momentaneamente o exagero divertido de seu Papi Greco para se dedicar
à uma pausa para autorreflexão crítica. Mas do elenco secundário quem rouba
todas as cenas é mesmo o ótimo Bill Paxton (antiga figurinha marcada de James
Cameron) que faz do vilão Earl uma figura aterrorizante, opressora e metida em
seus maneirismos e trejeitos próprios, típicos do sul dos EUA; nunca duvidamos
do que ele é capaz, e por isso mesmo a sua performance é tão eficaz.
Já no elenco principal, o excelente Mark
Walhberg (ator que defendi até mesmo nos fracos Linha de Ação e Sem Dor, Sem
Ganho) interpreta Stigman como um sujeito divertido com um leve complexo de
inferioridade, mas que muda de atitude totalmente ao assumir uma postura séria
e centrada quando concerne ao seu posto na Marinha. Enquanto isso, Denzel
Washington (O Voo) mais uma vez
demonstra toda a sua genialidade insuperável numa composição que mostra um ator
competente que, mesmo em um papel num filme voltado apenas para o entretenimento
puro, abraça toda e qualquer possibilidade de transformar seu personagem,
Bobby, numa figura o mais complexa e multifacetada possível. Bobby é um sujeito
fechado, cujos anos trabalhando como agente infiltrado fizeram dele quase que
um misantropo, trocando o calor de interações humanas por uma racionalidade e
pragmatismo que, no fundo, escondem um indivíduo que sente talvez mais do que
muitos. Assim, algumas de suas falas são sintomáticas (ao ser questionado se
nunca tinha amado a amante com quem se encontra, ele diz: “Eu realmente tentei
te amar”, e diz isso com sinceridade e tristeza) ao mostrar alguém que afundou
tanto na personalidade construída que não se deixa perceber o seu lado mais
humano, que fica claro quando o vemos se arriscar totalmente num rio perigoso
para salvar um desconhecido, ou pelo acesso de dor profunda que o atinge e o
surpreende quando vê morto alguém que ama, e, mais fascinante ainda, o vemos
tentar controlar essa dor. Washington abraça essas múltiplas facetas, criando
minúcias em sua atuação que exploram essas possibilidades, como o olhar fixo
quando bambeia as pernas ao ver alguém amado morto, sua entonação, mais dura ou
suave dependendo dos seus objetivos, ou ainda quando sugere muita coisa pelo
olhar distante que tem em certos momentos, como se pensando longe em alguma
possibilidade que sabe não existir para si. O figurino, por sinal, faz um
sensacional trabalho ao cobrir Washington de uma camada de adereços na
vestimenta e no corpo que cobrem sua identidade, como seu chapéu, seus óculos
escuros ou ainda seus dentes de ouro, elementos dos quais só se desfaz quando
confortável o suficiente na confiança dos indivíduos com quem se encontra.
A química entre Walhberg e Washington
revela-se também um ponto alto, já que os dois revelam-se uma dupla explosiva e
dinâmica que até conseguem, eventualmente, ser engraçados com as péssimas
piadas do roteiro. E se a direção de Baltasar Kormákur não é lá muito
inspirada, pelo menos ele não deixa o ritmo cair e nem cria sequências de ação
que merecem xingamentos, embora também em nenhum momento sejam realmente
memoráveis. Kormákur, no entanto, revela inteligência em elementos mais sutis
como ao transmitir pistas e informações para o espectador de maneira
inteligente e sem explicar demais, confiando na inteligência do espectador,
como é a questão envolvendo o anel de Deb; as referências ao gênero western que o diretor faz também são
bacanas, quando cria planos fechados em olhos tensos e concentrados dos
personagens ou ainda no que parece ser um “duelo automobilístico”.
Divertindo sem ofender demais, Dose Dupla só enche mesmo a paciência
quando tenta dar uma de crítico ao atacar a CIA, a Marinha e a DEA de forma
bastante juvenil e sem embasamento, usando de diálogos expositivos e frouxos.
Ainda assim, Walhberg e Washington seguram o longa com eficiência, fazendo com
que a experiência valha a pena.
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