quarta-feira, 18 de setembro de 2013



Crítica Dose Dupla (2 Guns / 2013 / EUA) dir. Baltasar Kormákur

por Lucas Wagner

  A trama repleta de reviravoltas desse Dose Dupla funciona como uma premissa interessante o bastante para conseguir manter o espectador interessado nos passos seguintes da projeção, mas tem muito espaço que poderia ter sido explorado de maneira mais inteligente pelo roteiro de Steven Grant que infelizmente acabou escrevendo um material repleto de furos e coincidências absurdas, conseguindo ser até mesmo confuso, mesmo para uma obra que abraça o ridículo como essa, que ainda falha no quesito humor, que surge sempre forçado e sem graça. Felizmente, o longa conta com atuações inspiradíssimas dos excelentes Denzel Washington e Mark Walhberg para que funcione bem.

  Aliás, não só nos dois, mas a verdadeira força de Dose Dupla está no seu elenco, que (exceto a atuação caricata de James Marsden como Quince) consegue explorar o máximo que seus personagens tem a oferecer. A estonteantemente linda Paula Patton (a maior paixão platônica que tenho, até mesmo maior do que Emma Watson) encontra certo espaço para explorar alguma ambiguidade em Deb, quando lhe surge certo sentimento de culpa, ao passo que Edward James Olmos (o Gaff de Blade Runner e o Dr. Geller da 6ª temporada de Dexter) surpreende ao abandonar momentaneamente o exagero divertido de seu Papi Greco para se dedicar à uma pausa para autorreflexão crítica. Mas do elenco secundário quem rouba todas as cenas é mesmo o ótimo Bill Paxton (antiga figurinha marcada de James Cameron) que faz do vilão Earl uma figura aterrorizante, opressora e metida em seus maneirismos e trejeitos próprios, típicos do sul dos EUA; nunca duvidamos do que ele é capaz, e por isso mesmo a sua performance é tão eficaz.

  Já no elenco principal, o excelente Mark Walhberg (ator que defendi até mesmo nos fracos Linha de Ação e Sem Dor, Sem Ganho) interpreta Stigman como um sujeito divertido com um leve complexo de inferioridade, mas que muda de atitude totalmente ao assumir uma postura séria e centrada quando concerne ao seu posto na Marinha. Enquanto isso, Denzel Washington (O Voo) mais uma vez demonstra toda a sua genialidade insuperável numa composição que mostra um ator competente que, mesmo em um papel num filme voltado apenas para o entretenimento puro, abraça toda e qualquer possibilidade de transformar seu personagem, Bobby, numa figura o mais complexa e multifacetada possível. Bobby é um sujeito fechado, cujos anos trabalhando como agente infiltrado fizeram dele quase que um misantropo, trocando o calor de interações humanas por uma racionalidade e pragmatismo que, no fundo, escondem um indivíduo que sente talvez mais do que muitos. Assim, algumas de suas falas são sintomáticas (ao ser questionado se nunca tinha amado a amante com quem se encontra, ele diz: “Eu realmente tentei te amar”, e diz isso com sinceridade e tristeza) ao mostrar alguém que afundou tanto na personalidade construída que não se deixa perceber o seu lado mais humano, que fica claro quando o vemos se arriscar totalmente num rio perigoso para salvar um desconhecido, ou pelo acesso de dor profunda que o atinge e o surpreende quando vê morto alguém que ama, e, mais fascinante ainda, o vemos tentar controlar essa dor. Washington abraça essas múltiplas facetas, criando minúcias em sua atuação que exploram essas possibilidades, como o olhar fixo quando bambeia as pernas ao ver alguém amado morto, sua entonação, mais dura ou suave dependendo dos seus objetivos, ou ainda quando sugere muita coisa pelo olhar distante que tem em certos momentos, como se pensando longe em alguma possibilidade que sabe não existir para si. O figurino, por sinal, faz um sensacional trabalho ao cobrir Washington de uma camada de adereços na vestimenta e no corpo que cobrem sua identidade, como seu chapéu, seus óculos escuros ou ainda seus dentes de ouro, elementos dos quais só se desfaz quando confortável o suficiente na confiança dos indivíduos com quem se encontra.

  A química entre Walhberg e Washington revela-se também um ponto alto, já que os dois revelam-se uma dupla explosiva e dinâmica que até conseguem, eventualmente, ser engraçados com as péssimas piadas do roteiro. E se a direção de Baltasar Kormákur não é lá muito inspirada, pelo menos ele não deixa o ritmo cair e nem cria sequências de ação que merecem xingamentos, embora também em nenhum momento sejam realmente memoráveis. Kormákur, no entanto, revela inteligência em elementos mais sutis como ao transmitir pistas e informações para o espectador de maneira inteligente e sem explicar demais, confiando na inteligência do espectador, como é a questão envolvendo o anel de Deb; as referências ao gênero western que o diretor faz também são bacanas, quando cria planos fechados em olhos tensos e concentrados dos personagens ou ainda no que parece ser um “duelo automobilístico”.

  Divertindo sem ofender demais, Dose Dupla só enche mesmo a paciência quando tenta dar uma de crítico ao atacar a CIA, a Marinha e a DEA de forma bastante juvenil e sem embasamento, usando de diálogos expositivos e frouxos. Ainda assim, Walhberg e Washington seguram o longa com eficiência, fazendo com que a experiência valha a pena.


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