quinta-feira, 26 de setembro de 2013



Dexter, série completa, com SPOILERS

por Lucas Wagner

Avaliação temporadas: 
                       1: *****
                       2: ****1/2
                       3: *****
                       4: *****
                       5: **
                       6: ****
                       7: *
                       8: *

  Depois de ter finalizado a inesquecível Lost, entrei em um estado de completo desânimo quanto a seriados. Depois de assistir um ou dois episódios de alguns, simplesmente desistia, pensando que nunca encontraria nada tão fascinante quanto o citado seriado de J.J. Abrams. Mais de ano depois me deparei com Dexter (quando a série estava em sua 5ª temporada), e fiquei extasiado. A trama intrigante de um psicopata cujo pai adotivo, compreendendo que o que o filho tinha era incurável, o ensinava como canalizar seus impulsos assassinos apenas em pessoas que “mereciam” era simplesmente genial, além de emblemática por si só.

  Mais importante do que sua premissa eram seus personagens. Fomos aprendendo a amar cada um deles, em seus defeitos e qualidades. Batista em seu alcoolismo e senso de honra; Laguerta em sua “filha da putice” mas também em suas qualidade como líder e mulher genuinamente amorosa; Masuka em toda sua esquisitice; Quinn em seu lado crianção inconsequente mas também no seu amadurecimento pessoal e profissional. E, é claro, Debra Morgan, a personagem que eu mais amei no seriado, já que era uma mulher forte, mas cuja força escondia uma criatura frágil e insegura de si, que tinha no seu irmão, Dexter, um porto seguro ao qual ela sempre voltava quando precisava de apoio. Em uma fala fascinante ainda da 1ª temporada, Dexter descrevia a irmã com perfeição: “Eu usava a fragilidade como máscara para minha frieza; já Deb usava a frieza como máscara para sua fragilidade”. Apresentando carinho no desenvolvimento de seus personagens, os realizadores de Dexter criaram indivíduos fascinantes que, de uma forma ou de outra, se tornaram nossos amigos.

  E o próprio Dexter Morgan não poderia ser deixado de lado. Intrigante em sua essência, Dexter apresentava as características essenciais de um sociopata quando mostrava sua incapacidade de sentir. Aprendendo com o pai, Harry Morgan, que para funcionar em sociedade ainda cumprindo seu lado negro, deveria socializar e apresentar-se sempre como criatura frágil e indefesa, Dex era literalmente um lobo na pele de cordeiro. E numa performance impecável, Michael C. Hall conseguia divertir na confusão de Dexter em relação aos sentimentos ao mesmo tempo em que amedrontar quando este liberava seu lado demoníaco, o “Passageiro Negro”, como ele o chamava. Compreendendo que o cerne de toda sua força estava nesse fascinante protagonista, os realizadores desenvolveram um arco dramático central em que uma parte era resolvida em cada temporada de forma simbólica. E esse arco dramático central era o de que Dex, afinal, poderia sentir como outras pessoas, sendo que o único impasse era o condicionamento que seu pai lhe impôs, quando aprendeu que nunca poderia sentir, o que tornava extremamente difícil para que ele descriminasse quando estava sentindo ou não.

  Assim, na impecável 1ª temporada, Dexter começava a perceber que não era todo um demônio quando foi desvendando seu passado, descobrindo como veio a ser o “monstro” que se tornou. Na necessidade inerente (embora não descriminada) de pertencer, Dex enxergou em Rudy/Brian (seu irmão) uma porta para essa aceitação; ser aceito como ele era (um assassino frio e calculista) e não como parecia ser (o amiguinho de todos). E isso levou à 2ª temporada, quando vemos Dex em extrema crise de identidade, quando sua própria capacidade de matar parecia ter ido pro vácuo. Aliás, foi ao apostar numa complexidade tão grande que a 2ª temporada (apesar de ótima) acabou decaindo, por os próprios roteiristas parecem ter tropeçado um pouco no trabalho de seu protagonista, sendo às vezes por demais confuso.

  Voltando à um clima mais ameno na 3ª temporada, Dexter descobria que iria se tornar pai, o que desencadeou uma série de dúvidas palpáveis, já que agora ele não seria responsável só por si, mas por outro ser vivo também; além disso, Dex foi desenvolvendo uma amizade significativa com Miguel Prado, onde buscava aceitação na tentativa de ensinar outro a ser um assassino perfeito como ele. Mas foi na sublime, fascinante, maravilhosa 4ª temporada que Dexter alcançou uma complexidade insuperável. Pai e esposo, começou a projetar muitos planos no pacato Arthur, quem ele sabia ser o tenebroso Trinity Killer (interpretado com perfeição por John Lightow), e que aparentemente tinha encontrado uma maneira saudável de balancear seus impulsos assassinos com uma vida de família, algo que Dex precisava. O caso é que Trinity serviu de espelho para Dexter enxergar a impossibilidade de seus planos, já que os impulsos assassinos não seriam mantidos longe de sua família, mas viria à corroê-la como um câncer.

  Muitos reclamaram da estrutura meio rígida dessas temporadas. Sempre um assassino novo em Miami, com quem Dexter criava uma ligação e era desenvolvido nessa relação. Eu não reclamo (não nessas temporadas) pois acho que era uma forma fascinante que os roteiristas encontraram de trabalhar a complexidade do protagonista, em especial quando a ironia tomava conta (o fato de Dex ser o assassino procurado na 2ª temporada, justamente quando ele estava em crise de identidade, foi uma puta sacada). Fora que, guiados pela estupenda performance de C. Hall, fomos nos aproximando cada vez mais de Dexter, e o ator merecia todas as glórias do universo por tornar compreensível personagem tão intrincado. Sempre pudemos compreender (apesar de o próprio Dexter não) a vontade de pertencer do personagem, e como ele se enganava sob a forma de verbalizações como “não sou como os outros”, apesar de em certos momentos ficar muito claro que ele estava sendo guiado por sentimentos (o momento, da 3ª temporada, em que mata um pedófilo por ter demonstrado interesse sexual em Astor e Cody, seus enteados, vem logo à cabeça). Assim, quando ele finalmente percebia que estava sentindo, era um choque para todos, e não é possível não se lembrar da 4ª temporada, quando ele percebeu que realmente amava sua família, que ela não era apenas uma fachada.

  Misturando com perfeição o drama e a comédia (essa, em especial, nas 1ª, 3ª e 4ª temporadas), Dexter ainda entregava uma construção impecável de suspense, que ia deixando o espectador gradativamente mais tenso ao longo da temporada, e não consigo deixar de comparar (narrativamente, não tecnicamente) a perfeição do suspense da 4ª temporada com a perfeição de um Se7en (que foi homenageado na temporada: o assassino tira Rita de Dex, assim como tirava a mulher do detetive Mills no filme) e O Silêncio dos Inocentes. Não é a toa que devorei a 4ª temporada sem pausa alguma, na virada de uma noite.

  Então, foi com desagradável surpresa que a 5ª temporada se revelou tão decepcionante, e tivesse marcado o declínio estrondoso que a série começou a enfrentar. Mudando os roteiristas (agora eram os responsáveis por 24 Horas, que eu não assisti), Dexter começou bem o 5º ano, com um primeiro episódio que lidava com maestria com o luto de Dexter em relação à morte de Rita (e o momento em que ele mata um sujeito qualquer num banheiro público sem planejamento e com mais violência do que o habitual, foi um dos mais marcantes de toda a série), mas despencou ao não conseguir estabelecer bem a Lumen como um veículo para o desenvolvimento do protagonista, já que a personagem se revelou um mulherzinha insuportável que só sabia chorar e resmungar. Além disso, a trama em si da 5ª temporada falhava ao, diferente dos anos anteriores, impedir que estabelecêssemos uma ligação dos eventos narrados com a psicologia do protagonista, separando assim coisas que vinham antes tão intrincadas na série.

  Surpreendentemente, a 6ª temporada deu um up na série. Com as mortes mais assustadoras de todo o seriado, o 6º ano revelou verdadeira genialidade no tratamento do protagonista, criando vilões, Travis e o Dr. Geller, que com toda a certeza representavam a divisão psíquica de Dexter. Afinal, depois de seu relacionamento com Rita, Dexter passou a sentir, e a descriminar isso. Percebeu que poderia ser como os outros, que com o tempo, sob certas condições, seu “Passageiro Negro” iria sumir. Assim, Dex focalizou suas forças em salvar o frágil Travis das mãos do satânico Dr. Geller, numa tentativa clara de salvar o Dexter bom do “Passageiro Negro”. Então, quando descobrimos que Geller não era nada mais nada menos que uma fantasia esquizofrênica do na verdade terrível Travil, ficamos, como Dexter, chocados e compreendíamos como aquilo afetava o protagonista. Infelizmente, os dois últimos episódios atrapalharam a temporada ao, além de criar um suspense e situações fraquíssimas, investirem em uma história babaca de que Debra era na verdade apaixonada por Dexter, o que não era mais do que uma tentativa ridícula dos roteiristas de aumentar o impacto da descoberta dela sobre a verdadeira natureza do irmão.

  E assim a série foi morrendo. A 7ª temporada se revelou terrivelmente medíocre. Começando bem na análise da nova dinâmica da relação entre Debra e Dexter, e com um vilão assustador e complexo (excelente atuação de Ray Livingston), a temporada foi caindo na criação de tramas frágeis e de acreditar que o relacionamento entre Dexter e Hannah era a libertação última do protagonista. Era ridículo e absurdo que Dex ficasse repetindo que, com Hannah, ele descobriu que poderia sentir. Mentira! Desde de o início ele foi descobrindo isso, conhecimento que se solidificou na 4ª temporada!

  Já morta, a série atingiu um nível ainda mais absurdo de mediocridade em sua pavorosa 8ª temporada. Causando mais vergonha do que qualquer outro sentimento em seus fãs, a temporada enrolou até seus últimos episódios para criar uma trama “mais sólida”, que na verdade não era sólida coisa nenhuma. Sério mesmo que vilão mais importante da série foi Oliver Saxon/Daniel Vogel? Não que a atuação do cara, cujo nome nem sei, tenha sido ruim, mas o personagem era muito fraco e surgiu de uma subtrama que não ajudava na resolução do arco dramático de Dexter. Aliás, é palpável o desespero dos roteiristas quando tentar conferir alguma grandeza à série ao colocar Dex finalmente “abraçando os sentimentos” e tendo que encarar uma última vez uma escolha: uma família ou um assassinato. Sem contar que toda a história do furacão Laura foi uma vergonhosa tentativa de deixar tudo mais épico (apesar de ter permitido uma fotografia sombria e assustadora que caiu como uma luva).

  Era esse o final que esses personagens mereciam? Debra virando um vegetal inútil enquanto Dexter abandona o que construiu para afundar em culpa? Certo, entendo a ironia de Deb ter sido destruída, em última instância, por Dexter, mas as circunstâncias que levaram à isso foram muito fracas! A incompetência dos roteiristas foi gritante ao apostar em coincidências absurdas para fazer esse final “funcionar”, como o fato do detetive que estava no encalço de Hannah ter aparecido num momento “oportuno” para foder tudo. Sem contar que esses roteiristas são tão safados que só aproximaram Quinn e Debra de novo para tentar aumentar o impacto emocional de sua morte, falhando novamente. Aliás, Debra (a quem eu tanto amava) foi um vegetal inútil essa temporada inteira, só sabendo reclamar e chorar (como Lumen!) ou se envolver em caminhos inverossímeis para seu desenvolvimento, como a aceitação de Hannah. E nessas últimas temporadas a estrutura da série realmente incomodou (enquanto antes não o fazia), já que tinha ficado por demais absurdo que Miami tivesse tantas toneladas de serial killers por metro quadrado.

  Errando mais ainda ao apostar que a ligação com Hannah era mesmo a salvação de Dexter (ela pode ser uma mulher linda, mas também é a mais fraca e unidimensional das ligações do protagnoista), esses roteiristas malditos conseguiram fazer de Dexter uma rede de esgoto cheia de lixo, merda e tudo quando é podre, enquanto antes era algo tão lindo e fascinante.

  Lamentável.

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