Dexter, série completa, com SPOILERS
por
Lucas Wagner
Avaliação temporadas:
1: *****
2: ****1/2
3: *****
4: *****
5: **
6: ****
7: *
8: *
Depois de ter finalizado a inesquecível Lost, entrei em um estado de completo
desânimo quanto a seriados. Depois de assistir um ou dois episódios de alguns,
simplesmente desistia, pensando que nunca encontraria nada tão fascinante
quanto o citado seriado de J.J. Abrams. Mais de ano depois me deparei com Dexter (quando a série estava em sua 5ª
temporada), e fiquei extasiado. A trama intrigante de um psicopata cujo pai
adotivo, compreendendo que o que o filho tinha era incurável, o ensinava como
canalizar seus impulsos assassinos apenas em pessoas que “mereciam” era
simplesmente genial, além de emblemática por si só.
Mais importante do que sua premissa eram seus
personagens. Fomos aprendendo a amar cada um deles, em seus defeitos e
qualidades. Batista em seu alcoolismo e senso de honra; Laguerta em sua “filha
da putice” mas também em suas qualidade como líder e mulher genuinamente
amorosa; Masuka em toda sua esquisitice; Quinn em seu lado crianção
inconsequente mas também no seu amadurecimento pessoal e profissional. E, é
claro, Debra Morgan, a personagem que eu mais amei no seriado, já que era uma mulher
forte, mas cuja força escondia uma criatura frágil e insegura de si, que tinha
no seu irmão, Dexter, um porto seguro ao qual ela sempre voltava quando
precisava de apoio. Em uma fala fascinante ainda da 1ª temporada, Dexter
descrevia a irmã com perfeição: “Eu usava a fragilidade como máscara para minha
frieza; já Deb usava a frieza como máscara para sua fragilidade”. Apresentando carinho
no desenvolvimento de seus personagens, os realizadores de Dexter criaram indivíduos fascinantes que, de uma forma ou de
outra, se tornaram nossos amigos.
E o próprio Dexter Morgan não poderia ser
deixado de lado. Intrigante em sua essência, Dexter apresentava as
características essenciais de um sociopata quando mostrava sua incapacidade de
sentir. Aprendendo com o pai, Harry Morgan, que para funcionar em sociedade ainda
cumprindo seu lado negro, deveria socializar e apresentar-se sempre como
criatura frágil e indefesa, Dex era literalmente um lobo na pele de cordeiro. E
numa performance impecável, Michael C. Hall conseguia divertir na confusão de
Dexter em relação aos sentimentos ao mesmo tempo em que amedrontar quando este
liberava seu lado demoníaco, o “Passageiro Negro”, como ele o chamava. Compreendendo
que o cerne de toda sua força estava nesse fascinante protagonista, os
realizadores desenvolveram um arco dramático central em que uma parte era
resolvida em cada temporada de forma simbólica. E esse arco dramático central
era o de que Dex, afinal, poderia sentir como outras pessoas, sendo que o único
impasse era o condicionamento que seu pai lhe impôs, quando aprendeu que nunca poderia sentir, o que tornava extremamente
difícil para que ele descriminasse quando estava sentindo ou não.
Assim, na impecável 1ª temporada, Dexter
começava a perceber que não era todo um demônio quando foi desvendando seu
passado, descobrindo como veio a ser o “monstro” que se tornou. Na necessidade
inerente (embora não descriminada) de pertencer, Dex enxergou em Rudy/Brian
(seu irmão) uma porta para essa aceitação; ser aceito como ele era (um
assassino frio e calculista) e não como parecia ser (o amiguinho de todos). E
isso levou à 2ª temporada, quando vemos Dex em extrema crise de identidade,
quando sua própria capacidade de matar parecia ter ido pro vácuo. Aliás, foi ao
apostar numa complexidade tão grande que a 2ª temporada (apesar de ótima)
acabou decaindo, por os próprios roteiristas parecem ter tropeçado um pouco no
trabalho de seu protagonista, sendo às vezes por demais confuso.
Voltando à um clima mais ameno na 3ª
temporada, Dexter descobria que iria se tornar pai, o que desencadeou uma série
de dúvidas palpáveis, já que agora ele não seria responsável só por si, mas por
outro ser vivo também; além disso, Dex foi desenvolvendo uma amizade significativa
com Miguel Prado, onde buscava aceitação na tentativa de ensinar outro a ser um
assassino perfeito como ele. Mas foi na sublime, fascinante, maravilhosa 4ª
temporada que Dexter alcançou uma complexidade insuperável. Pai e esposo,
começou a projetar muitos planos no pacato Arthur, quem ele sabia ser o
tenebroso Trinity Killer (interpretado com perfeição por John Lightow), e que
aparentemente tinha encontrado uma maneira saudável de balancear seus impulsos
assassinos com uma vida de família, algo que Dex precisava. O caso é que
Trinity serviu de espelho para Dexter enxergar a impossibilidade de seus
planos, já que os impulsos assassinos não seriam mantidos longe de sua família,
mas viria à corroê-la como um câncer.
Muitos reclamaram da estrutura meio rígida
dessas temporadas. Sempre um assassino novo em Miami, com quem Dexter criava
uma ligação e era desenvolvido nessa relação. Eu não reclamo (não nessas
temporadas) pois acho que era uma forma fascinante que os roteiristas
encontraram de trabalhar a complexidade do protagonista, em especial quando a
ironia tomava conta (o fato de Dex ser o assassino procurado na 2ª temporada,
justamente quando ele estava em crise de identidade, foi uma puta sacada). Fora
que, guiados pela estupenda performance de C. Hall, fomos nos aproximando cada
vez mais de Dexter, e o ator merecia todas as glórias do universo por tornar
compreensível personagem tão intrincado. Sempre pudemos compreender (apesar de
o próprio Dexter não) a vontade de pertencer do personagem, e como ele se enganava
sob a forma de verbalizações como “não sou como os outros”, apesar de em certos
momentos ficar muito claro que ele estava sendo guiado por sentimentos (o
momento, da 3ª temporada, em que mata um pedófilo por ter demonstrado interesse
sexual em Astor e Cody, seus enteados, vem logo à cabeça). Assim, quando ele
finalmente percebia que estava sentindo, era um choque para todos, e não é
possível não se lembrar da 4ª temporada, quando ele percebeu que realmente
amava sua família, que ela não era apenas uma fachada.
Misturando com perfeição o drama e a comédia
(essa, em especial, nas 1ª, 3ª e 4ª temporadas), Dexter ainda entregava uma construção impecável de suspense, que ia
deixando o espectador gradativamente mais tenso ao longo da temporada, e não
consigo deixar de comparar (narrativamente, não tecnicamente) a perfeição do
suspense da 4ª temporada com a perfeição de um Se7en (que foi homenageado na temporada: o assassino tira Rita de
Dex, assim como tirava a mulher do detetive Mills no filme) e O Silêncio dos Inocentes. Não é a toa que
devorei a 4ª temporada sem pausa alguma, na virada de uma noite.
Então, foi com desagradável surpresa que a 5ª
temporada se revelou tão decepcionante, e tivesse marcado o declínio estrondoso
que a série começou a enfrentar. Mudando os roteiristas (agora eram os
responsáveis por 24 Horas, que eu não
assisti), Dexter começou bem o 5º ano,
com um primeiro episódio que lidava com maestria com o luto de Dexter em
relação à morte de Rita (e o momento em que ele mata um sujeito qualquer num
banheiro público sem planejamento e com mais violência do que o habitual, foi
um dos mais marcantes de toda a série), mas despencou ao não conseguir
estabelecer bem a Lumen como um veículo para o desenvolvimento do protagonista,
já que a personagem se revelou um mulherzinha insuportável que só sabia chorar
e resmungar. Além disso, a trama em si da 5ª temporada falhava ao, diferente
dos anos anteriores, impedir que estabelecêssemos uma ligação dos eventos
narrados com a psicologia do protagonista, separando assim coisas que vinham
antes tão intrincadas na série.
Surpreendentemente,
a 6ª temporada deu um up na série.
Com as mortes mais assustadoras de todo o seriado, o 6º ano revelou verdadeira
genialidade no tratamento do protagonista, criando vilões, Travis e o Dr.
Geller, que com toda a certeza representavam a divisão psíquica de Dexter.
Afinal, depois de seu relacionamento com Rita, Dexter passou a sentir, e a descriminar
isso. Percebeu que poderia ser como os outros, que com o tempo, sob certas
condições, seu “Passageiro Negro” iria sumir. Assim, Dex focalizou suas forças
em salvar o frágil Travis das mãos do satânico Dr. Geller, numa tentativa clara
de salvar o Dexter bom do “Passageiro Negro”. Então, quando descobrimos que
Geller não era nada mais nada menos que uma fantasia esquizofrênica do na
verdade terrível Travil, ficamos, como Dexter, chocados e compreendíamos como
aquilo afetava o protagonista. Infelizmente, os dois últimos episódios
atrapalharam a temporada ao, além de criar um suspense e situações
fraquíssimas, investirem em uma história babaca de que Debra era na verdade
apaixonada por Dexter, o que não era mais do que uma tentativa ridícula dos
roteiristas de aumentar o impacto da descoberta dela sobre a verdadeira natureza
do irmão.
E assim a série foi morrendo. A 7ª temporada
se revelou terrivelmente medíocre. Começando bem na análise da nova dinâmica da
relação entre Debra e Dexter, e com um vilão assustador e complexo (excelente
atuação de Ray Livingston), a temporada foi caindo na criação de tramas frágeis
e de acreditar que o relacionamento entre Dexter e Hannah era a libertação
última do protagonista. Era ridículo e absurdo que Dex ficasse repetindo que,
com Hannah, ele descobriu que poderia sentir. Mentira! Desde de o início ele
foi descobrindo isso, conhecimento que se solidificou na 4ª temporada!
Já morta, a série atingiu um nível ainda mais
absurdo de mediocridade em sua pavorosa 8ª temporada. Causando mais vergonha do
que qualquer outro sentimento em seus fãs, a temporada enrolou até seus últimos
episódios para criar uma trama “mais sólida”, que na verdade não era sólida
coisa nenhuma. Sério mesmo que vilão mais importante da série foi Oliver
Saxon/Daniel Vogel? Não que a atuação do cara, cujo nome nem sei, tenha sido
ruim, mas o personagem era muito fraco e surgiu de uma subtrama que não ajudava
na resolução do arco dramático de Dexter. Aliás, é palpável o desespero dos
roteiristas quando tentar conferir alguma grandeza à série ao colocar Dex
finalmente “abraçando os sentimentos” e tendo que encarar uma última vez uma
escolha: uma família ou um assassinato. Sem contar que toda a história do
furacão Laura foi uma vergonhosa tentativa de deixar tudo mais épico (apesar de
ter permitido uma fotografia sombria e assustadora que caiu como uma luva).
Era esse o final que esses personagens
mereciam? Debra virando um vegetal inútil enquanto Dexter abandona o que construiu
para afundar em culpa? Certo, entendo a ironia de Deb ter sido destruída, em
última instância, por Dexter, mas as circunstâncias que levaram à isso foram
muito fracas! A incompetência dos roteiristas foi gritante ao apostar em
coincidências absurdas para fazer esse final “funcionar”, como o fato do
detetive que estava no encalço de Hannah ter aparecido num momento “oportuno”
para foder tudo. Sem contar que esses roteiristas são tão safados que só
aproximaram Quinn e Debra de novo para tentar aumentar o impacto emocional de
sua morte, falhando novamente. Aliás, Debra (a quem eu tanto amava) foi um
vegetal inútil essa temporada inteira, só sabendo reclamar e chorar (como
Lumen!) ou se envolver em caminhos inverossímeis para seu desenvolvimento, como
a aceitação de Hannah. E nessas últimas temporadas a estrutura da série
realmente incomodou (enquanto antes não o fazia), já que tinha ficado por
demais absurdo que Miami tivesse tantas toneladas de serial killers por metro quadrado.
Errando mais ainda ao apostar que a ligação
com Hannah era mesmo a salvação de Dexter (ela pode ser uma mulher linda, mas
também é a mais fraca e unidimensional das ligações do protagnoista), esses
roteiristas malditos conseguiram fazer de Dexter
uma rede de esgoto cheia de lixo, merda e tudo quando é podre, enquanto
antes era algo tão lindo e fascinante.
Lamentável.
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