Crítica filme "Ausência" (Without / 2011 / EUA) dir. Mark Johnson
por Lucas Wagner
A solidão é a coisa mais assustadora e
perigosa do mundo. Quando estamos sozinhos por muito tempo, passamos a
descobrir coisas horríveis sobre nós mesmos, até que finalmente percamos o
controle sobre nosso comportamento e nos deixamos guiar por forças
desconhecidas por nós mesmos. Essa temática já gerou filmes extraordinários,
sendo alguns dos melhores exemplos: O
Iluminado, Taxi-Driver, Lunar, etc. Em Ausência, o diretor e roteirista Mark Johnson cria um delicado
estudo de personagem, focado na solidão de sua protagonista, e ainda se atreve
a investigar temáticas um pouco mais polêmicas, mesmo sem focar-se inteiramente
nelas.
Acompanhamos Joslyn (Joslyn Jensen), uma
jovem que arruma um emprego como enfermeira de um idoso já quase completamente
debilitado, Frank, em uma ilha. Como seu trabalho lhe dá muito tempo livre, e
não tem nem internet para lhe fazer companhia, a moça começa a ficar cada vez
mais sozinha, encarando pensamentos e reflexões que preferia deixar de lado, ao
mesmo tempo em que encara questões complicadas como a sua própria sexualidade.
Johnson faz um bom trabalho na direção,
conseguindo mergulhar o espectador no universo tedioso da protagonista. E
assim, é um acerto por parte dele o de optar por planos longos e não um número
excessivo de cortes, já que dá uma atmosfera ainda mais parada para o longa
(essa questão de planos longos serve tematicamente ao filme, diferente de Um Alguém Apaixonado ou Depois de Lúcia, onde o recurso parecia
mais como um capricho de seus diretores do que algo que servisse à narrativa;
ainda assim, adorei esses dois longas que citei, como fica claro nas críticas
que escrevi sobre eles). Também é um acerto do cineasta o uso de uma
profundidade de campo reduzida em diversos momentos, já que ilustra a
dificuldade de Joslyn de perceber as coisas ao seu redor; nesse sentido, a cena
do encontro dela com um rapaz é impecável já que Johnson matem ele todo
embaçado, fora de foco, no canto esquerdo da tela, enquanto observamos a face
de Joslyn enquanto o escuta falar, e percebemos e compartilhamos do tédio e
falta de interesse dela. Ainda, o uso muito constante de rack focus (mudança brusca de foco) é ideal para dar uma atmosfera
ainda mais difusa ao longa, o que mais uma vez ilustra com perfeição o estado “mental”
da protagonista.
O diretor também acerta no papel de
roteirista, já que guia com sensibilidade o gradual processo de enlouquecimento
de Joslyn. Se no início apenas a vemos andando de lá para cá sem ter o que
fazer, ao mesmo tempo em que é obrigada a lidar com aspectos não muito agradáveis
do papel de enfermeira de um idoso, gradualmente a vemos perdendo a noção de
razão, e deixando que seus maiores transtornos tomem conta dela, principalmente
devido ao tédio absoluto. No entanto, acredito que Ausência seria um filme melhor se adotasse uma atmosfera mais
surrealista, de um mergulho literal na psique de Joslyn. Sim, eu apreciei o momento
como aquele em que ela surta e entra numa floresta escura, mas, assim como
Darren Aronofsky fez no sublime Cisne
Negro, o surrealismo iria dar ainda mais força e simbolismo ao longa.
Johnson até que parece flertar com uma atmosfera mais desse tipo em alguns
momentos, como o fato do celular de Joslyn sempre aparecer em um lugar
diferente enquanto ela dorme, sugerindo assim um caso de sonambulismo; mas
acaba que não passa muito disso não, mas esse não é um grave problema do filme,
de modo algum.
Ainda assim, Johnson merece créditos por
tocar em assuntos mais polêmicos, mesmo em um estudo de personagem tão
introspectivo. (Aqui alguns podem achar que é spoiler, embora não acho que seja,
mas como pode ser, quem não viu o filme continue no próximo parágrafo). A
namorada de Joslyn morreu, mas não fica claro como; acredito, no entanto, que
ela cometeu suicídio, devido a algumas pistas deixadas ao longo do filme (“você
sabia que ela estava mal?” pergunta a mãe dela para Joslyn em certo momento).
Uma coisa que fica clara é que ela morreu por pressão quanto à homossexualidade.
Então, Johnson toca na questão da ainda difícil aceitação da homossexualidade,
ainda nos dias de hoje. Mais interessante ainda é que, bem no final, quando o
casal volta para a casa, Johnson faz uma crítica ao materialismo dos dias de
hoje, ao mostrar os dois sem se importar com o fato de Frank estar com um
machucado no rosto (devido aos tapas que Joslyn deu nele) mas sim com questões
bobas como Joslyn ter colocado facas no lava-louças, ou ter desregulado o
volume da Tv. E isso fica ainda mais sintomático pelo fato de a lista que a
protagonista deve seguir ter sido apelidada de “Bíblia”. Interessante.
Mas o que realmente eleva a qualidade de Ausência chama-se: Joslyn Jensen. Em
primeiro lugar, mesmo que não caiba muito numa crítica cinematográfica, mas a
atriz é linda, apaixonante; meiga e doce, Jensen é dona de uma beleza discreta
e sensível, como se não estivesse consciente disso, o que apenas a torna mais
bela. Apaixonei de novo. Mas, o que realmente interessa aqui é que Jensen é
ainda uma atriz fenomenal, extraordinária, que se entrega de corpo e alma à sua
personagem. Se no início a interpreta como uma moça tímida e retraída
(comportamento que compreendemos mais com o desenrolar do filme), Jensen vai
deixando claro o surto de Joslyn de forma gradual, como na divertida cena
envolvendo controles remotos. Jensen é responsável por nos guiar na psique da
protagonista e faz isso belamente, tendo o que é provavelmente seu o melhor
momento no longa quando toca uma música enquanto a canta também, começando a
chorar diante das lembranças que essa canção parece lhe despertar. Sentimos
pena ao mesmo tempo em que mergulhamos junto dela na sua loucura, como nas
estranhas brincadeiras sexuais que ela começa a fazer com Frank, o idoso, numa
espécie de início de psicopatologia entre a heterossexualidade e a homossexualidade
antes assumida, que só fica mais clara na cena em que se masturba em frente à
uma web-cam, gritando “pau, boceta, xoxota, rola”, que só deixa mais evidente a
confusão psicológica dela (observem ainda o detalhe, nessa mesma cena, em que
ela diz, como se falasse para sua ex-namorada, que “você é uma vadia (slut)”,
para, logo em seguida dizer “não, não, você é boa; uma garota boa e safadinha”).
Contando ainda com um design de som impecável e certos detalhes interessantes (o esmalte
desgastado na unha de Joslyn é um bom exemplo), Ausência é um filme bastante competente no que se propôe a fazer,
merecendo ainda algumas “reassistidas”. É um ótimo e delicado estudo de
personagem cujo maior mérito, no entanto, foi ter lançado luz à Joslyn Jensen,
uma atriz que acompanharei com maior atenção a partir de hoje.
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