terça-feira, 12 de fevereiro de 2013



Crítica filme "Ausência" (Without / 2011 / EUA) dir. Mark Johnson

por Lucas Wagner


  A solidão é a coisa mais assustadora e perigosa do mundo. Quando estamos sozinhos por muito tempo, passamos a descobrir coisas horríveis sobre nós mesmos, até que finalmente percamos o controle sobre nosso comportamento e nos deixamos guiar por forças desconhecidas por nós mesmos. Essa temática já gerou filmes extraordinários, sendo alguns dos melhores exemplos: O Iluminado, Taxi-Driver, Lunar, etc. Em Ausência, o diretor e roteirista Mark Johnson cria um delicado estudo de personagem, focado na solidão de sua protagonista, e ainda se atreve a investigar temáticas um pouco mais polêmicas, mesmo sem focar-se inteiramente nelas.

  Acompanhamos Joslyn (Joslyn Jensen), uma jovem que arruma um emprego como enfermeira de um idoso já quase completamente debilitado, Frank, em uma ilha. Como seu trabalho lhe dá muito tempo livre, e não tem nem internet para lhe fazer companhia, a moça começa a ficar cada vez mais sozinha, encarando pensamentos e reflexões que preferia deixar de lado, ao mesmo tempo em que encara questões complicadas como a sua própria sexualidade.

  Johnson faz um bom trabalho na direção, conseguindo mergulhar o espectador no universo tedioso da protagonista. E assim, é um acerto por parte dele o de optar por planos longos e não um número excessivo de cortes, já que dá uma atmosfera ainda mais parada para o longa (essa questão de planos longos serve tematicamente ao filme, diferente de Um Alguém Apaixonado ou Depois de Lúcia, onde o recurso parecia mais como um capricho de seus diretores do que algo que servisse à narrativa; ainda assim, adorei esses dois longas que citei, como fica claro nas críticas que escrevi sobre eles). Também é um acerto do cineasta o uso de uma profundidade de campo reduzida em diversos momentos, já que ilustra a dificuldade de Joslyn de perceber as coisas ao seu redor; nesse sentido, a cena do encontro dela com um rapaz é impecável já que Johnson matem ele todo embaçado, fora de foco, no canto esquerdo da tela, enquanto observamos a face de Joslyn enquanto o escuta falar, e percebemos e compartilhamos do tédio e falta de interesse dela. Ainda, o uso muito constante de rack focus (mudança brusca de foco) é ideal para dar uma atmosfera ainda mais difusa ao longa, o que mais uma vez ilustra com perfeição o estado “mental” da protagonista.

  O diretor também acerta no papel de roteirista, já que guia com sensibilidade o gradual processo de enlouquecimento de Joslyn. Se no início apenas a vemos andando de lá para cá sem ter o que fazer, ao mesmo tempo em que é obrigada a lidar com aspectos não muito agradáveis do papel de enfermeira de um idoso, gradualmente a vemos perdendo a noção de razão, e deixando que seus maiores transtornos tomem conta dela, principalmente devido ao tédio absoluto. No entanto, acredito que Ausência seria um filme melhor se adotasse uma atmosfera mais surrealista, de um mergulho literal na psique de Joslyn. Sim, eu apreciei o momento como aquele em que ela surta e entra numa floresta escura, mas, assim como Darren Aronofsky fez no sublime Cisne Negro, o surrealismo iria dar ainda mais força e simbolismo ao longa. Johnson até que parece flertar com uma atmosfera mais desse tipo em alguns momentos, como o fato do celular de Joslyn sempre aparecer em um lugar diferente enquanto ela dorme, sugerindo assim um caso de sonambulismo; mas acaba que não passa muito disso não, mas esse não é um grave problema do filme, de modo algum.

  Ainda assim, Johnson merece créditos por tocar em assuntos mais polêmicos, mesmo em um estudo de personagem tão introspectivo. (Aqui alguns podem achar que é spoiler, embora não acho que seja, mas como pode ser, quem não viu o filme continue no próximo parágrafo). A namorada de Joslyn morreu, mas não fica claro como; acredito, no entanto, que ela cometeu suicídio, devido a algumas pistas deixadas ao longo do filme (“você sabia que ela estava mal?” pergunta a mãe dela para Joslyn em certo momento). Uma coisa que fica clara é que ela morreu por pressão quanto à homossexualidade. Então, Johnson toca na questão da ainda difícil aceitação da homossexualidade, ainda nos dias de hoje. Mais interessante ainda é que, bem no final, quando o casal volta para a casa, Johnson faz uma crítica ao materialismo dos dias de hoje, ao mostrar os dois sem se importar com o fato de Frank estar com um machucado no rosto (devido aos tapas que Joslyn deu nele) mas sim com questões bobas como Joslyn ter colocado facas no lava-louças, ou ter desregulado o volume da Tv. E isso fica ainda mais sintomático pelo fato de a lista que a protagonista deve seguir ter sido apelidada de “Bíblia”. Interessante.

  Mas o que realmente eleva a qualidade de Ausência chama-se: Joslyn Jensen. Em primeiro lugar, mesmo que não caiba muito numa crítica cinematográfica, mas a atriz é linda, apaixonante; meiga e doce, Jensen é dona de uma beleza discreta e sensível, como se não estivesse consciente disso, o que apenas a torna mais bela. Apaixonei de novo. Mas, o que realmente interessa aqui é que Jensen é ainda uma atriz fenomenal, extraordinária, que se entrega de corpo e alma à sua personagem. Se no início a interpreta como uma moça tímida e retraída (comportamento que compreendemos mais com o desenrolar do filme), Jensen vai deixando claro o surto de Joslyn de forma gradual, como na divertida cena envolvendo controles remotos. Jensen é responsável por nos guiar na psique da protagonista e faz isso belamente, tendo o que é provavelmente seu o melhor momento no longa quando toca uma música enquanto a canta também, começando a chorar diante das lembranças que essa canção parece lhe despertar. Sentimos pena ao mesmo tempo em que mergulhamos junto dela na sua loucura, como nas estranhas brincadeiras sexuais que ela começa a fazer com Frank, o idoso, numa espécie de início de psicopatologia entre a heterossexualidade e a homossexualidade antes assumida, que só fica mais clara na cena em que se masturba em frente à uma web-cam, gritando “pau, boceta, xoxota, rola”, que só deixa mais evidente a confusão psicológica dela (observem ainda o detalhe, nessa mesma cena, em que ela diz, como se falasse para sua ex-namorada, que “você é uma vadia (slut)”, para, logo em seguida dizer “não, não, você é boa; uma garota boa e safadinha”).

  Contando ainda com um design de som impecável e certos detalhes interessantes (o esmalte desgastado na unha de Joslyn é um bom exemplo), Ausência é um filme bastante competente no que se propôe a fazer, merecendo ainda algumas “reassistidas”. É um ótimo e delicado estudo de personagem cujo maior mérito, no entanto, foi ter lançado luz à Joslyn Jensen, uma atriz que acompanharei com maior atenção a partir de hoje.

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