Crítica Antes da Meia-Noite (Before Midnight / 2013 / EUA) dir.
Richard Linklater
por
Lucas Wagner
A chamada “Before Trilogy”, composta por Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e agora este Antes da Meia-Noite é, sem dúvida, uma das mais fascinantes
empreitadas cinematográficas de todos os tempos, mesmo que aparente
simplicidade à olhos mais ingênuos. Em Antes
do Amanhecer, conhecemos Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) quando
eram apenas jovens sonhadores de 23 anos e os vemos se apaixonar com um doce
romantismo juvenil, se descobrindo com um fascínio delicioso (como qualquer
duas pessoas que vão se apaixonando) enquanto trocavam diversas ideias sobre
assuntos triviais e outros mais profundos, indagando-se sobre um futuro
misterioso e cheio de promessas. Os encontramos novamente em Antes do Pôr-do-Sol, quando eles se
reencontram em Paris depois dos nove anos sem se ver, e os vemos com cicatrizes
emocionais e um cinismo maior, embora sempre esperançosos principalmente agora
que se reencontraram. E em Antes da Meia-Noite
encontramos um casal amadurecido, que se conhece nos mínimos detalhes e
que, apesar do gostoso romantismo que viveram nos dois primeiros longas, aqui
enfrentam dois inimigos implacáveis no que diz respeito a qualquer duas pessoas
que um dia foram loucamente apaixonados: o cotidiano e o tempo.
Mais uma vez escrito pelo diretor Richard
Linklater e pelos atores que interpretam o casal protagonista, essa terceira
parte da trilogia encontra um Jesse e uma Celine que viveram juntos desde que
se reencontraram em Paris, no segundo filme, há nove anos. Com duas filhas
gêmeas e o filho de Jesse de seu casamento mal sucedido, o casal passa as
férias de verão na Grécia, juntamente com amigos escritores de Jesse. Mas esse
é o cenário preparado para os longos diálogos que caracterizaram tão bem essa
trilogia.
É até meio estranho ver Jesse e Celine dando
ordens para seus filhos, discutindo coisas mundanas de qualquer casal, já que
estávamos acostumados a vê-los tendo discussões filosóficas sobre assuntos
profundos, ou mesmo fazendo piada com bobagens do cotidiano. Afinal, é isso o
que mais encantou principalmente no primeiro filme: a paixão dos dois era
desenvolvida através de conversas, como na vida real, e não de grandes
aventuras, como a maioria dos romances hollywoodianos. Mas esse casal
amadurecido de agora não tem grandes conversas desde muito tempo, devido à
massacrante quantidade de tempo que tem que dedicar aos filhos, ao trabalho, e
a coisas bobas do cotidiano como o que precisa ser comprado no supermercado. Assim,
é divertido ver a surpresa com que os dois percebem silêncio sem barulho de
crianças correndo para lá e para cá ou de fúteis discussões infantis entre as
meninas. E a partir disso, Linklater volta a criar longos planos que acompanham
o casal em longas caminhadas, simplesmente conversando, ou até mesmo manter a
câmera estabilizada durante um longo diálogo em um carro, interrompendo
pontualmente suas conversas para mostrar um elemento interessante do cenário
para o outro, como quando duas pessoas conversam na vida real.
Diálogos esses que, mais uma vez, surgem com
uma riqueza e naturalidade que é extremamente rara de achar em qualquer
material que busque inspiração no cotidiano, seja um livro, um filme, ou que
for. O que não é apenas sinal de qualidade do roteiro, mas dos próprios atores
envolvidos, e novamente, Hawke e Delpy estabelecem a mesma química fascinante
de antes, só que conversando dessa vez não como dois pombinhos se conhecendo,
mas agora como um casal que já se conhece muito bem, sabe o que esperar um do
outro, mas que veem-se surpresos ao, aqui e ali, encontrarem algo que não sabiam
do outro, e os atores demonstram, através de simples expressões faciais, essa
surpresa. É bem verdade que não vemos aqui, como nos longas anteriores, Jesse
contemplando, fascinado, a mágica criatura que era Celine aos seus olhos,
quando ela dava longas filosofadas sobre assuntos diversos, mas a pequena
surpresa de saberem algo um do outro que antes não sabiam é o substituto real
(promovido pelo longo tempo de convívio) para a fascinação de antes. Desta vez,
no entanto, as conversas dos dois não giram em torno de questões tão grandiosas
como as inúmeras promessas do futuro de antes, mas sim em torno de coisas
passadas e de pensamentos como “será quem que vai morrer primeiro”. E é
realmente fascinante que Linklater, Hawke e Delpy criem uma sequência de
diálogo sublime envolvendo vários casais durante um almoço, quando, mascarada
por piadas e pela naturalidade de uma conversa de amigos, encontramos as mais
profundas reflexões do longa, quando esses diferentes casais falam sobre suas
visões de amor, sexo, perdas, as mudanças promovidas pela tecnologia no âmbito
dos relacionamentos, etc.
Antes
da Meia-Noite não é, no entanto, um filme doce e deliciosamente romântico como Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol. Afinal, mesmo
nesses dois outros longas, Jesse e Celine falavam, com a arrogância típica de
jovens inexperientes, sobre como qualquer relacionamento era massacrado pelo
tempo e os elementos do casal viriam, eventualmente, a se odiar. Não que esse
casal amadurecido que aqui encontramos se despreze, mas um conhece o outro o
suficiente para ter deletado a imagem romântica e idealizada que tinham do (a)
parceiro (a). E assim, até mesmo o bom humor que cada um sempre teve é
revestido de uma acidez antes inexistente, já que muitas vezes as piadinhas
servem como pontadas para lembrar um defeito do outro. Aliás, Linklater faz um
excepcional trabalho ao transmitir essa decadência do amor deles de forma
visual, como pelo fato de ao invés dos passeios por belos ambientes como no
primeiro e segundo filmes, respectivamente, em Viena e Paris, aqui evitar grande
parte das belas localizações da Grécia para passar a maior parte do tempo
dentro de um apartamento de hotel, representando, através das paredes que os cercam
(ao contrário dos amplos ambientes das românticas cidades de antes) a espécie
de prisão que se tornou o relacionamento dos dois, ou ainda quando os dois
assistem ao sol se pondo, com a luz sumindo gradativamente. Ainda, o próprio
fato do filme se passar na Grécia revela inteligência por parte de seus
realizadores, já que as ruínas e a História trágica da ambientação reflete
ainda mais a desmistificação e decadência do relacionamento de Jesse e Celine.
Afinal, em certo momento, Celine pergunta à
Jesse se ele ainda a convidaria a descer do trem com ele (modo como se
conheceram em Antes do Amanhecer), e
este mesmo hesita de maneira reveladora. Mesmo uma história de amor tão bonita
quanto a dos dois tende a decair, a ter sua beleza engolida pelo impiedoso
cotidiano. Assim, se os dois primeiros filmes conseguiam com enorme sucesso
passar a sensação deliciosa de conhecer (ou reencontrar) alguém novo e se apaixonar (e re-apaixonar), este
terceiro passa a sensação de fadiga de um relacionamento longo. É impossível
não concluir que, no espaço entre Antes
do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol,
o que fez com que os dois tivessem mantido um ao outro com tanto carinho na
memória, e chegado à conclusão de terem encontrado (e perdido, entre esses dois
filmes) o amor de sua vida, é simplesmente o fato de que não se viram desde que
se conheceram, e que o tempo que tinham passado juntos era tão curto que não
tinha permitido que um conhecesse o outro o suficiente para tirá-lo (a) do
pedestal. E agora, o espaço para longas discussões sobre o valor e a beleza dos
pequenos momentos, sobre verdadeiro amor, sobre diversas histórias e sonhos, é
totalmente secundário, e brigas poderosas e extremamente amargas tomam o
primeiro plano, com cada um tendo o conhecimento mais do que suficiente do
outro para destruí-lo completamente.
No entanto, se isso tudo faz Antes da Meia-Noite parecer um longa
amargo e sem qualquer esperança no amor, na verdade há espaço suficiente aqui
para perceber que um relacionamento longo tem certas belezas inegáveis no
profundo conhecimento um do outro que podem ser
suficientes para que um “Eu te amo incondicionalmente” seja dito com
sinceridade. Assim, a história de Jesse e Celine, contada nesses três
maravilhosos filmes, é icônica justamente por perceber o que nos faz humanos e
como somos terrivelmente frágeis na nossa necessidade de amor e carinho; que
aquela mesma pele que um dia beijamos com tanta doçura e devoção, aquela mesma
voz que soa como música aos nossos ouvidos, aquelas mesmas ideias que um dia
nos fascinaram em outra pessoa serão, eventualmente, motivo de nossa maior
ruína.
PS: o melhor filme de Richard Linklater, Waking Life, trás o casal Jesse e
Celine, em forma de animação, discutindo reencarnação, tema que discutiram
também em Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol. Curiosidade inútil,
porém interessante.
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