domingo, 4 de agosto de 2013




Crítica Antes da Meia-Noite (Before Midnight / 2013 / EUA) dir. Richard Linklater

por Lucas Wagner

  A chamada “Before Trilogy”, composta por Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e agora este Antes da Meia-Noite é, sem dúvida, uma das mais fascinantes empreitadas cinematográficas de todos os tempos, mesmo que aparente simplicidade à olhos mais ingênuos. Em Antes do Amanhecer, conhecemos Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) quando eram apenas jovens sonhadores de 23 anos e os vemos se apaixonar com um doce romantismo juvenil, se descobrindo com um fascínio delicioso (como qualquer duas pessoas que vão se apaixonando) enquanto trocavam diversas ideias sobre assuntos triviais e outros mais profundos, indagando-se sobre um futuro misterioso e cheio de promessas. Os encontramos novamente em Antes do Pôr-do-Sol, quando eles se reencontram em Paris depois dos nove anos sem se ver, e os vemos com cicatrizes emocionais e um cinismo maior, embora sempre esperançosos principalmente agora que se reencontraram. E em Antes da Meia-Noite encontramos um casal amadurecido, que se conhece nos mínimos detalhes e que, apesar do gostoso romantismo que viveram nos dois primeiros longas, aqui enfrentam dois inimigos implacáveis no que diz respeito a qualquer duas pessoas que um dia foram loucamente apaixonados: o cotidiano e o tempo.

  Mais uma vez escrito pelo diretor Richard Linklater e pelos atores que interpretam o casal protagonista, essa terceira parte da trilogia encontra um Jesse e uma Celine que viveram juntos desde que se reencontraram em Paris, no segundo filme, há nove anos. Com duas filhas gêmeas e o filho de Jesse de seu casamento mal sucedido, o casal passa as férias de verão na Grécia, juntamente com amigos escritores de Jesse. Mas esse é o cenário preparado para os longos diálogos que caracterizaram tão bem essa trilogia.

  É até meio estranho ver Jesse e Celine dando ordens para seus filhos, discutindo coisas mundanas de qualquer casal, já que estávamos acostumados a vê-los tendo discussões filosóficas sobre assuntos profundos, ou mesmo fazendo piada com bobagens do cotidiano. Afinal, é isso o que mais encantou principalmente no primeiro filme: a paixão dos dois era desenvolvida através de conversas, como na vida real, e não de grandes aventuras, como a maioria dos romances hollywoodianos. Mas esse casal amadurecido de agora não tem grandes conversas desde muito tempo, devido à massacrante quantidade de tempo que tem que dedicar aos filhos, ao trabalho, e a coisas bobas do cotidiano como o que precisa ser comprado no supermercado. Assim, é divertido ver a surpresa com que os dois percebem silêncio sem barulho de crianças correndo para lá e para cá ou de fúteis discussões infantis entre as meninas. E a partir disso, Linklater volta a criar longos planos que acompanham o casal em longas caminhadas, simplesmente conversando, ou até mesmo manter a câmera estabilizada durante um longo diálogo em um carro, interrompendo pontualmente suas conversas para mostrar um elemento interessante do cenário para o outro, como quando duas pessoas conversam na vida real.

  Diálogos esses que, mais uma vez, surgem com uma riqueza e naturalidade que é extremamente rara de achar em qualquer material que busque inspiração no cotidiano, seja um livro, um filme, ou que for. O que não é apenas sinal de qualidade do roteiro, mas dos próprios atores envolvidos, e novamente, Hawke e Delpy estabelecem a mesma química fascinante de antes, só que conversando dessa vez não como dois pombinhos se conhecendo, mas agora como um casal que já se conhece muito bem, sabe o que esperar um do outro, mas que veem-se surpresos ao, aqui e ali, encontrarem algo que não sabiam do outro, e os atores demonstram, através de simples expressões faciais, essa surpresa. É bem verdade que não vemos aqui, como nos longas anteriores, Jesse contemplando, fascinado, a mágica criatura que era Celine aos seus olhos, quando ela dava longas filosofadas sobre assuntos diversos, mas a pequena surpresa de saberem algo um do outro que antes não sabiam é o substituto real (promovido pelo longo tempo de convívio) para a fascinação de antes. Desta vez, no entanto, as conversas dos dois não giram em torno de questões tão grandiosas como as inúmeras promessas do futuro de antes, mas sim em torno de coisas passadas e de pensamentos como “será quem que vai morrer primeiro”. E é realmente fascinante que Linklater, Hawke e Delpy criem uma sequência de diálogo sublime envolvendo vários casais durante um almoço, quando, mascarada por piadas e pela naturalidade de uma conversa de amigos, encontramos as mais profundas reflexões do longa, quando esses diferentes casais falam sobre suas visões de amor, sexo, perdas, as mudanças promovidas pela tecnologia no âmbito dos relacionamentos, etc.

  Antes da Meia-Noite não é, no entanto, um filme doce e deliciosamente romântico como Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol. Afinal, mesmo nesses dois outros longas, Jesse e Celine falavam, com a arrogância típica de jovens inexperientes, sobre como qualquer relacionamento era massacrado pelo tempo e os elementos do casal viriam, eventualmente, a se odiar. Não que esse casal amadurecido que aqui encontramos se despreze, mas um conhece o outro o suficiente para ter deletado a imagem romântica e idealizada que tinham do (a) parceiro (a). E assim, até mesmo o bom humor que cada um sempre teve é revestido de uma acidez antes inexistente, já que muitas vezes as piadinhas servem como pontadas para lembrar um defeito do outro. Aliás, Linklater faz um excepcional trabalho ao transmitir essa decadência do amor deles de forma visual, como pelo fato de ao invés dos passeios por belos ambientes como no primeiro e segundo filmes, respectivamente, em Viena e Paris, aqui evitar grande parte das belas localizações da Grécia para passar a maior parte do tempo dentro de um apartamento de hotel, representando, através das paredes que os cercam (ao contrário dos amplos ambientes das românticas cidades de antes) a espécie de prisão que se tornou o relacionamento dos dois, ou ainda quando os dois assistem ao sol se pondo, com a luz sumindo gradativamente. Ainda, o próprio fato do filme se passar na Grécia revela inteligência por parte de seus realizadores, já que as ruínas e a História trágica da ambientação reflete ainda mais a desmistificação e decadência do relacionamento de Jesse e Celine.

  Afinal, em certo momento, Celine pergunta à Jesse se ele ainda a convidaria a descer do trem com ele (modo como se conheceram em Antes do Amanhecer), e este mesmo hesita de maneira reveladora. Mesmo uma história de amor tão bonita quanto a dos dois tende a decair, a ter sua beleza engolida pelo impiedoso cotidiano. Assim, se os dois primeiros filmes conseguiam com enorme sucesso passar a sensação deliciosa de conhecer (ou reencontrar) alguém novo e se apaixonar (e re-apaixonar), este terceiro passa a sensação de fadiga de um relacionamento longo. É impossível não concluir que, no espaço entre Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol, o que fez com que os dois tivessem mantido um ao outro com tanto carinho na memória, e chegado à conclusão de terem encontrado (e perdido, entre esses dois filmes) o amor de sua vida, é simplesmente o fato de que não se viram desde que se conheceram, e que o tempo que tinham passado juntos era tão curto que não tinha permitido que um conhecesse o outro o suficiente para tirá-lo (a) do pedestal. E agora, o espaço para longas discussões sobre o valor e a beleza dos pequenos momentos, sobre verdadeiro amor, sobre diversas histórias e sonhos, é totalmente secundário, e brigas poderosas e extremamente amargas tomam o primeiro plano, com cada um tendo o conhecimento mais do que suficiente do outro para destruí-lo completamente.

  No entanto, se isso tudo faz Antes da Meia-Noite parecer um longa amargo e sem qualquer esperança no amor, na verdade há espaço suficiente aqui para perceber que um relacionamento longo tem certas belezas inegáveis no profundo conhecimento um do outro que podem ser suficientes para que um “Eu te amo incondicionalmente” seja dito com sinceridade. Assim, a história de Jesse e Celine, contada nesses três maravilhosos filmes, é icônica justamente por perceber o que nos faz humanos e como somos terrivelmente frágeis na nossa necessidade de amor e carinho; que aquela mesma pele que um dia beijamos com tanta doçura e devoção, aquela mesma voz que soa como música aos nossos ouvidos, aquelas mesmas ideias que um dia nos fascinaram em outra pessoa serão, eventualmente, motivo de nossa maior ruína.

  PS: o melhor filme de Richard Linklater, Waking Life, trás o casal Jesse e Celine, em forma de animação, discutindo reencarnação, tema que discutiram também em Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol. Curiosidade inútil, porém interessante.

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