Crítica Wolverine: Imortal (The Wolverine / 2013 / EUA) dir. James
Mangold
por
Lucas Wagner
Logan/Wolverine surgia, na fascinante
trilogia X-Men (sim, o terceiro também
é um excelente filme), como um indivíduo complexo e trágico, cuja irreverência frente
às normas e à autoridade eram apenas reflexo de uma personalidade assombrada
pelo próprio passado que, embora seja muito pouco recordado pelo personagem,
assustava-o por indicar resquícios de uma existência constantemente violada, o
que o obrigou a assumir um repertório de comportamentos excessivamente brutais
muito como um mecanismo de defesa praticamente reflexo (não é a toa que ele se
identificasse tanto com animais selvagens). Assim, era fascinante perceber como
ele foi, mesmo com dificuldade, se deixando suavizar frente aos companheiros
mutantes do grupo, como se finalmente pudesse ser aceito e (de vez em quando)
pudesse baixar a guarda. Se propondo a explorar o personagem nos períodos
pós-trilogia, Wolverine: Imortal não
representa uma atrocidade ao personagem como aquele X-Men Origens: Wolverine, mas ainda assim se revela uma experiência
falha e incompetente que, ao invés de transformá-lo numa figura mais complexa,
o simplifica demais.
O Logan desse novo filme se encontra
emocionalmente ferido devido ao que fez à sua amada Jean Grey, em X-Men O Confronto Final. Pensamentos
como “eu fiz o que era necessário” (porque era) nunca lhe passam pela cabeça,
nem por um segundo, o que a partir de certo ponto, passa a ser irrealista mesmo
para alguém corroído pela dor da culpa, e somos obrigados a vê-lo jurando à
alucinação de Jean na sua cabeça que “não vou mais machucar ninguém”. Essa
ferramenta da alucinação de Jean, aliás, é um recurso utilizado à exaustão
pelos roteiristas Scott Frank e Mark Bomback que parecem não encontrar outra
maneira de trabalhar o sentimento de dor e culpa de seu protagonista a não ser
através de conversas com uma “fantasma” que se passam em sonhos (e em um
momento, ele chega a quase transar com a imagem alucinatória de Jean). Assim, o
personagem já se torna artificial, salvo relativamente apenas por alguns pontos,
como pelo fato de os roteiristas manterem sua identificação com animais
selvagens e o senso de justiça que ele ganhou no seu convívio com os outros
mutantes na trilogia, além de ser curioso vê-lo surpreso quando realmente se
mostra capaz de ser ferido.
Mas
mesmo esses pontos são massacrados no decorrer do filme, quando ele passa por
um arco dramático extremamente mal trabalhado envolvendo a sua imortalidade e
vontade de se livrar desse fardo. Se interessante, tal arco não se sustenta
pela maneira simplista como os roteiristas o trabalham, com Logan apenas sendo
feita de vítima por diversas falas de outros personagens falando como deve ser
difícil ver tantas pessoas amadas morrendo enquanto ele ainda vivia, sem
propósito, ao invés do roteiro realmente explorar as diversas possibilidades
temáticas de transformar esse ponto num potencial estudo de personagem. Mas às
vezes penso que seria exigir demais de um roteiro que ainda se vê preso à
obrigação de envolver romanticamente o protagonista com uma personagem feminina
qualquer, simplesmente para tentar criar um apelo emocional maior, não importa
o quão falso e sem sentido isso pareça dentro de todo o contexto da obra. E
assim, Hugh Jackman pode fazer o esforço que for, mas não consegue tirar Logan
do estacionamento, embora sua performance ainda seja perfeitamente adequada.
Tal incompetência no desenvolvimento do
personagem também se amplia para abranger todos os personagens do filme, que
acaba sendo formado apenas por figuras extremamente unidimensionais e artificiais,
mesmo que uma ou outra ofereça potencial dramático maior, como é o caso da
mutante Yukio (Rila Fukushima), cuja habilidade de ver como cada pessoa morrerá
certamente deixaria marcas profundas em sua psique,
mas que aqui é algo nunca explorado (a não ser em um momento tão curto e
artificial que nem vale a pena ser ressaltado), com os roteiristas preferindo
tratá-la de forma infantilizada e “divertida”, enquanto dedicam mais tempo para
nos enrolar com o interesse romântico de Logan, Mariko (Tao Okamoto), que é tão
desinteressante quanto é linda. E ainda somos obrigados a suportar uma vilã
ridícula e que nunca é ameaçadora, além de não conseguirmos compreender suas
motivações em momento algum. Aliás, os mutantes vistos ao longo dessa obra nunca
surgem tão interessantes e dinâmicos como os vistos nos filmes dos X-Men (em especial aqueles vistos no
maravilhoso X-Men Primeira Classe, o
melhor), e são simples criaturas com poderzinhos pobremente utilizados no
decorrer da projeção.
Pior ainda é sermos obrigados a engolir um
fiapo de trama que nunca toma forma e é tão estupidamente mal construída que
nós terminamos a sessão sem compreender direito o que vimos, principalmente com
a bolota de merda que ficou entalada em nossa garganta quando fomos obrigados
a, extremamente envergonhados, aceitar uma reviravolta no mínimo podre no final.
Além disso, assim como X-Men Origens:
Wolverine, todas as metáforas e alegorias tão cuidadosamente construídas ao
longo da trilogia e em X-Men Primeira
Classe, envolvendo discussões filosóficas e sociais fascinantes além de
enxergar nos mutantes uma metáfora para as minorias e os excluídos sociais, são
todas jogadas no lixo, com os roteiristas claramente preferindo realizar um
entretenimento pedestre e esquecível. O que engessa o geralmente competente
diretor James Mangold (dos excelentes Identidade,
Garota Interrompida e Cop Land) que, mesmo conseguindo
conferir um ritmo relativamente eficaz, acaba sucumbido a efeitos podres como babylens para demonstrar a confusão de
Logan, enquanto se mostra, mesmo nas sequências de ação, sem criatividade
suficiente para torná-las interessantes, exceto pela excelente sequência de
luta entre o protagonista e um adversário em cima de um trem-bala.
Experiência irritante e enfadonha, o longa ainda desperdiça as interessantes possibilidades
criativas envolvendo a mistura dos mutantes com a cultura japonesa, e possui
apenas uma cena realmente digna de nota, que acontece durante os créditos
finais, quando é preparado o caminho, de maneira curiosa, para o próximo filme
dos X-Men, X-Men: Days of Future Past.
Bom, ao menos em Wolverine: Imortal
não precisamos ser massacrados com a mistureba dos heróis que fazem parte do
grupo dos Vingadores, câncer que vem corroendo a maior parte dos filmes da
Marvel.
OBS: Wolverine: Imortal iria primeiramente
ser dirigido pelo genial Darren Aronofsky, de Réquiem Para Um Sonho e Cisne
Negro, com outro roteiro, mas pelo divórcio que estava enfrentando, o
diretor foi obrigado a abandonar o projeto. Uma pena, pois teríamos um material
certamente superior.
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