domingo, 28 de julho de 2013



Crítica Wolverine: Imortal (The Wolverine / 2013 / EUA) dir. James Mangold

por Lucas Wagner

  Logan/Wolverine surgia, na fascinante trilogia X-Men (sim, o terceiro também é um excelente filme), como um indivíduo complexo e trágico, cuja irreverência frente às normas e à autoridade eram apenas reflexo de uma personalidade assombrada pelo próprio passado que, embora seja muito pouco recordado pelo personagem, assustava-o por indicar resquícios de uma existência constantemente violada, o que o obrigou a assumir um repertório de comportamentos excessivamente brutais muito como um mecanismo de defesa praticamente reflexo (não é a toa que ele se identificasse tanto com animais selvagens). Assim, era fascinante perceber como ele foi, mesmo com dificuldade, se deixando suavizar frente aos companheiros mutantes do grupo, como se finalmente pudesse ser aceito e (de vez em quando) pudesse baixar a guarda. Se propondo a explorar o personagem nos períodos pós-trilogia, Wolverine: Imortal não representa uma atrocidade ao personagem como aquele X-Men Origens: Wolverine, mas ainda assim se revela uma experiência falha e incompetente que, ao invés de transformá-lo numa figura mais complexa, o simplifica demais.

  O Logan desse novo filme se encontra emocionalmente ferido devido ao que fez à sua amada Jean Grey, em X-Men O Confronto Final. Pensamentos como “eu fiz o que era necessário” (porque era) nunca lhe passam pela cabeça, nem por um segundo, o que a partir de certo ponto, passa a ser irrealista mesmo para alguém corroído pela dor da culpa, e somos obrigados a vê-lo jurando à alucinação de Jean na sua cabeça que “não vou mais machucar ninguém”. Essa ferramenta da alucinação de Jean, aliás, é um recurso utilizado à exaustão pelos roteiristas Scott Frank e Mark Bomback que parecem não encontrar outra maneira de trabalhar o sentimento de dor e culpa de seu protagonista a não ser através de conversas com uma “fantasma” que se passam em sonhos (e em um momento, ele chega a quase transar com a imagem alucinatória de Jean). Assim, o personagem já se torna artificial, salvo relativamente apenas por alguns pontos, como pelo fato de os roteiristas manterem sua identificação com animais selvagens e o senso de justiça que ele ganhou no seu convívio com os outros mutantes na trilogia, além de ser curioso vê-lo surpreso quando realmente se mostra capaz de ser ferido.

  Mas mesmo esses pontos são massacrados no decorrer do filme, quando ele passa por um arco dramático extremamente mal trabalhado envolvendo a sua imortalidade e vontade de se livrar desse fardo. Se interessante, tal arco não se sustenta pela maneira simplista como os roteiristas o trabalham, com Logan apenas sendo feita de vítima por diversas falas de outros personagens falando como deve ser difícil ver tantas pessoas amadas morrendo enquanto ele ainda vivia, sem propósito, ao invés do roteiro realmente explorar as diversas possibilidades temáticas de transformar esse ponto num potencial estudo de personagem. Mas às vezes penso que seria exigir demais de um roteiro que ainda se vê preso à obrigação de envolver romanticamente o protagonista com uma personagem feminina qualquer, simplesmente para tentar criar um apelo emocional maior, não importa o quão falso e sem sentido isso pareça dentro de todo o contexto da obra. E assim, Hugh Jackman pode fazer o esforço que for, mas não consegue tirar Logan do estacionamento, embora sua performance ainda seja perfeitamente adequada.

  Tal incompetência no desenvolvimento do personagem também se amplia para abranger todos os personagens do filme, que acaba sendo formado apenas por figuras extremamente unidimensionais e artificiais, mesmo que uma ou outra ofereça potencial dramático maior, como é o caso da mutante Yukio (Rila Fukushima), cuja habilidade de ver como cada pessoa morrerá certamente deixaria marcas profundas em sua psique, mas que aqui é algo nunca explorado (a não ser em um momento tão curto e artificial que nem vale a pena ser ressaltado), com os roteiristas preferindo tratá-la de forma infantilizada e “divertida”, enquanto dedicam mais tempo para nos enrolar com o interesse romântico de Logan, Mariko (Tao Okamoto), que é tão desinteressante quanto é linda. E ainda somos obrigados a suportar uma vilã ridícula e que nunca é ameaçadora, além de não conseguirmos compreender suas motivações em momento algum. Aliás, os mutantes vistos ao longo dessa obra nunca surgem tão interessantes e dinâmicos como os vistos nos filmes dos X-Men (em especial aqueles vistos no maravilhoso X-Men Primeira Classe, o melhor), e são simples criaturas com poderzinhos pobremente utilizados no decorrer da projeção.
 
  Pior ainda é sermos obrigados a engolir um fiapo de trama que nunca toma forma e é tão estupidamente mal construída que nós terminamos a sessão sem compreender direito o que vimos, principalmente com a bolota de merda que ficou entalada em nossa garganta quando fomos obrigados a, extremamente envergonhados, aceitar uma reviravolta no mínimo podre no final. Além disso, assim como X-Men Origens: Wolverine, todas as metáforas e alegorias tão cuidadosamente construídas ao longo da trilogia e em X-Men Primeira Classe, envolvendo discussões filosóficas e sociais fascinantes além de enxergar nos mutantes uma metáfora para as minorias e os excluídos sociais, são todas jogadas no lixo, com os roteiristas claramente preferindo realizar um entretenimento pedestre e esquecível. O que engessa o geralmente competente diretor James Mangold (dos excelentes Identidade, Garota Interrompida e Cop Land) que, mesmo conseguindo conferir um ritmo relativamente eficaz, acaba sucumbido a efeitos podres como babylens para demonstrar a confusão de Logan, enquanto se mostra, mesmo nas sequências de ação, sem criatividade suficiente para torná-las interessantes, exceto pela excelente sequência de luta entre o protagonista e um adversário em cima de um trem-bala.

  Experiência irritante e enfadonha, o longa ainda desperdiça as interessantes possibilidades criativas envolvendo a mistura dos mutantes com a cultura japonesa, e possui apenas uma cena realmente digna de nota, que acontece durante os créditos finais, quando é preparado o caminho, de maneira curiosa, para o próximo filme dos X-Men, X-Men: Days of Future Past. Bom, ao menos em Wolverine: Imortal não precisamos ser massacrados com a mistureba dos heróis que fazem parte do grupo dos Vingadores, câncer que vem corroendo a maior parte dos filmes da Marvel.

OBS: Wolverine: Imortal iria primeiramente ser dirigido pelo genial Darren Aronofsky, de Réquiem Para Um Sonho e Cisne Negro, com outro roteiro, mas pelo divórcio que estava enfrentando, o diretor foi obrigado a abandonar o projeto. Uma pena, pois teríamos um material certamente superior.
   

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