Crítica filme "A Viagem" (Cloud Atlas / 2012 / EUA, Alemanha) dir. Tykwer, Lana e Andy Wachowsky
por Lucas Wagner
Sou ao mesmo tempo atraído e repelido por
filmes ambiciosos e que aspiram à grandeza. Digo isso porque, se os
realizadores acertam, o resultado tende a ser invejável, mas se erram, o tombo
também é enorme. Foi essa sensação contraditória que senti ao ficar sabendo das
primeiras notícias desse A Viagem. Pensei
que poderia ser maravilhoso. Fiquei maluco com o trailer e todas aquelas frases
bonitas e imagens de diversas épocas, e fiquei me coçando de curiosidade para
saber como tudo se conectaria. Mas também pensei que tudo isso poderia não dar
em nada. Para ser sincero, o resultado está mais próximo da segunda opção, na
minha opnião. Na verdade, achei o filme absurdamente pretensioso. Ele aspira a
grandeza, e acha ser portador de reflexões profundas e filosóficas, mas não
consegui encontrar nenhuma, e nem mesmo sinal de algum simbolismo mais complexo.
O roteiro de Tom Tykwer, Lana e Andy Wachowsky,
baseado no livro de David Mitchell (que não li, mas que dizem ser indispensável
para quem aprecia boa literatura, portanto, depois lerei), conta diversas
histórias, em várias épocas distintas, cuja única ligação aparente é que os
atores do elenco interpretam personagens de todas essas épocas (em algumas há
uma ligação maior, mas ainda assim, nada demais). Pode-se dizer que, de certa
forma, A Viagem trate de
reencarnação, relações espirituais com vidas passadas, mas o fato é que, se não
fosse o caso dos mesmos atores interpretarem personagens diferentes em tempos
diferentes, eu nunca teria pensado nisso. A
Viagem é mesmo uma bagunça absurda que se mostra completamente incapaz de
encontrar um centro narrativo, e que nunca parece capaz de prender o
espectador. É repleto de frases bonitas e filosóficas (“Um livro pela metade é
como uma história de amor pela metade”, é um ótimo exemplo), que seriam ótimas
de se colocar no Facebook, mas que não funcionam no filme, e assim parecem
reflexões vazias.
Não há conexão entre as histórias (pelo menos
quanto a maioria) e, o que é pior ainda, nenhuma das histórias contadas é
desenvolvida com propriedade, já que os diretores Tom Tykwer, Lana e Andy Wachowsky
estão ocupados demais tentando fazer a mistureba de cenas de períodos
diferentes. Assim, nem as histórias são bem desenvolvidas, e muito menos os
personagens, que dificilmente possuem algum tipo de característica de personalidade
que os diferenciem como seres humanos únicos. Então, o longa já carece de
qualquer envolvimento emocional do espectador, o que piora cada vez mais quanto
mais percebemos como os diretores acham que estão nos levando a loucura com
algum tipo de reflexão transcendental. Mas, eu juro, eu fiquei o filme inteiro
procurando por essas reflexões, por algo que eu pudesse tirar do longa e ficar
namorando durante muito tempo (como aconteceu quando assisti A Árvore da Vida, por exemplo), e não
encontrei em momento algum, em lugar algum. Então, não foi por falta de
vontade. O filme é apenas um aglomerado insano de um número absurdo de
histórias, que ficam se acotovelando mas nunca que chegam a ser tudo o que
poderiam, e que nunca formam algum tipo de significado maior. E algumas são
potencialmente interessantes, como a que se passa no futuro em Nova Seul e que,
se fosse bem trabalhada, poderia ter gerado uma boa discussão sobre o futuro do
capitalismo e sobre a natureza humana, mas com todas as outras tramas para
caber em um mesmo longa metragem, não há tempo para se fazer isso. Outra que
poderia ser interessante é a que se passa na época da escravidão, que possui um
diálogo interessantíssimo entre quatro personagens, que revelam bem os
pensamentos distorcidos desse período, mas também, depois dessa cena, tudo o
que a trama poderia ser se perde.
Os diretores não contribuem para que o
resultado seja um pouco menos ruim. Parece que toda a energia deles foi sugada
para conseguir contar as histórias em tempo hábil sem deixar tudo parecer
confuso ou cansativo. Falharam também. Chegou determinado momento em que minha
cabeça estava fritando loucamente, e eu louco pela minha cama. A bagunça é tão
grande que nem lembrar do nomes dos personagens você consegue (só lembro de
Luisa Rey), e muito menos acompanhar o desenrolar das tramas. Tykwer e os Wachowsky
falham um pouco menos na hora de conferir certo dinamismo ao longa, mas ainda
assim o fazem de maneira deselegante. Os diretores usam a trilha sonora como
muleta para tentar manter certo ritmo, e conseguem, só que seria muito mais
sofisticado se tivessem usado um número maior de raccords para viajar entre as tramas (como o genial As Horas fez), algo que faz muito pouco
(acho que umas três/quatro vezes no máximo). Mas o pior de tudo no que concerne
a direção é que Tykwer e os Wachowsky, junto com o montador, viajam entre as histórias sem
qualquer tipo de lógica, e assim somos obrigados a ver cenas de determinada
trama seguida de uma outra em outra época sem qualquer sentido narrativo, a não
ser mover o filme ou (o que é mais podre ainda) nos lembrar da existência dessa
outra linha narrativa, já que já fazia um bom tempo em que não víamos nada de
uma determinada história. E é quase cômico que às vezes estejamos acompanhando
uma cena de perseguição, aí corta, vemos gente tocando piano em outra época (ou
algo igualmente fútil e parado), e depois corta e voltamos a acompanhar a
perseguição, tudo com a trilha sonora no mesmo tom frenético. Lamentável.
A Viagem comete o crime de desperdiçar um elenco tão fantástico
quanto esse, mas não importa o quão os atores estejam esforçados, simplesmente
não há como tornar ninguém aqui mais complexo. Não há tempo nem substância. Assim,
é bacana que pelo menos alguns deles consigam se divertir um pouco, que é
quando estão melhores, como quando Tom Hanks interpreta algum sujeito rude e
violento (diferente do que está acostumado a interpretar), quando Jim Sturgess
aparece gritando feito um louco como um irlandês lutando pelo direito de um
grupo de pessoas beber cerveja, ou ver Hugo Weaving como um travesti.
Se há algo que vale a pena no
filme é o espetáculo visual que ele proporciona. A direção de arte cria com
perfeição as diferentes épocas e ambientes vistos aqui, ao mesmo tempo em que
os efeitos visuais nunca traem artificialidade. Juntos, a direção de arte e os
efeitos criam a extraordinária cidade de Nova Seul, com um ambiente futurista
que parece uma mistura de Blade Runner com
algum anime. A trilha sonora de Reinhold Heil,
Johnny Klimek e Tom Tykwer é responsável por alguns belos temas. Mas
o que mais impressiona é a maquiagem, que é digna de prêmios, já que consegue
tornar atores conhecidos em rostos completamente irreconhecíveis.
Dito tudo isso, A Viagem se mostrou para mim como uma
experiência visual de tirar o fôlego, mas que é tremendamente vazia de qualquer
reflexão ou significado mais profundo, por mais que seus realizadores pareçam
crer estar fazendo algo inestimável. É como uma grande oportunidade perdida
que, apesar de no pôster estar escrito “tudo está conectado”, me deixou com a
sensação de que não tem é nada conectado. É uma tremenda colcha de retalhos,
isso sim, para impressiona os impressionáveis.
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