sexta-feira, 4 de janeiro de 2013


Crítica filme "Sete Psicopatas e um Shih Tzu" (Seven Psychopaths / 2012 / Reino Unido) dir. Martin McDonagh

por Lucas Wagner


 Em Adaptação, o brilhante roteirista Charlie Kaufman criou uma verdadeira obra-prima a partir do processo dele mesmo escrevendo o filme citado. Além de inventivo e divertidíssimo, Adaptação funcionava como uma profunda sessão de autoanálise de Kaufman, que se deu o luxo de até criar um irmão gêmeo imaginário como contraponto a suas próprias manias e limitações. O irlandês Martin McDonagh, em Sete Psicopatas e um Shih Tzu, seu segundo trabalho como diretor e roteirista (o primeiro foi no excelente Na Mira do Chefe, que também tinha Colin Farrell como protagonista), parece também brincar com a metalinguagem de maneira levemente similar a Kaufman (só que sem a autoanálise) e cria nesse longa uma mistura louca e hilária de Adaptação e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, mas sem a inteligência desses dois longas.

  Acompanhamos várias histórias paralelas que acabam se juntando numa tremenda e divertida bagunça. Hans (Christopher Walken) e Billy (Sam Rockwell) são dois sequestradores de cães, que depois os devolvem como se simplesmente os tivessem achado e recebem a recompensa. Um dia, sequestram Donny, shih tzu amado do mafioso Charlie (Woody Harrelson), que surta e inicia uma caçada alucinante atrás de seu querido cachorrinho. Ao mesmo tempo, o roteirista Marty (Colin Farrell) está escrevendo um filme chamado “Sete Psicopatas”, enfrentando uma dolorosa crise de criatividade, mas logo se vê envolvido na bagunça criada pelos outros personagens.

  Para começar, Sete Psicopatas e um Shih Tzu é uma experiência absurdamente hilária. McDonagh não teme aprofundar em sequências que beiram o ridículo em seu exagero e estupidez e que, por isso mesmo, são tão engraçadas; por exemplo, em certa sequência de imaginação, Marty derruba uma árvore com um único chute; em certo momento, um assassino entra no quarto de outro personagem (que estava dormindo), apenas para bater com força a porta, para que o que estava dormindo acorde e olhe pela janela, e assim veja o assassino (que a segundos atrás estava no quarto) no meio da rua olhando ameaçadoramente para ele. Além disso, o roteiro de McDonagh contém diálogos hilários, como aquele que abre o longa (que é fútil e bem escrito, parecendo diretamente saído de um filme de Tarantino) ou quando um personagem diz a outro: “Eu vou atirar na cabeça gay do seu cachorro gay!” recebendo como resposta “Ele não tem uma cabeça gay! A cabeça dele é normal!”. McDonagh, como já havia feito em Na Mira do Chefe, deixa que o humor negro domine seu trabalho completamente, e consegue nos fazer rir até mesmo de cabeças sendo explodidas (algo que me lembra, novamente, Tarantino).

  O elenco do filme está simplesmente impecável. Colin Farrell confere tridimensionalidade ao seu Marty ao ressaltar a sua insegurança e ilusões de pacificação, enquanto afunda cada vez mais, sem perceber, no alcoolismo. O sempre ótimo Sam Rockwell interpreta o divertidíssimo Billy de forma a infantilizar o personagem (que obviamente sofre de problemas mentais), o que o deixa mais ambíguo e complexo a partir da metade do filme. Já Christopher Walken interpreta o personagem mais complexo da obra, Hans, como um sujeito calado e em paz consigo mesmo, depois de toda uma vida conturbada e trágica, que agora só busca poder descansar em suas crenças em Deus e na vida eterna (McDonagh, por sinal, inclui com esse personagem, alguns diálogos sobre o pós-morte, e a existência ou não do paraíso e do inferno, algo que também já tinha feito em Na Mira do Chefe, e que pode revelar uma preocupação pessoal do diretor/roteirista). Mas quem rouba a cena mesmo é o fantástico Woody Harrelson com seu vilão Charlie. O mais psicopata do filme, Charlie é um sujeito capaz de estourar os miolos de alguém simplesmente porque esse alguém o prejudicou por acidente, ou que tenha feito com que ele perca seu tempo. No entanto, seu amor absurdo pelo shih tzu o infantiliza de uma forma muito engraçada, principalmente pela força com que Harrelson demonstra esse amor, chegando a chorar em certo momento. Lembram-se da paixão desesperada que o personagem Talahesse (também interpretado por Harrelson) sentia por bolinhos em Zumbilândia? Agora dupliquem e saberão como é o amor de Charlie por seu shih tzu.

  Mas o que torna mesmo Sete Psicopatas e um Shih Tzu um filme mais interessante, é que na verdade ele é uma brincadeira metalinguística sobre a própria criação desse longa (que é a parte que lembra Adaptação). Marty, o protagonista, não é por simples acaso um roteirista com o mesmo nome do diretor/roteirista do longa que estamos vendo (Martin McDonagh – Marty), e nem é o acaso que explica que ele esteja escrevendo um roteiro chamado “Sete Psicopatas”, ou ainda que Marty seja irlandês assim como o diretor (o ator Colin Farrell – que interpreta Marty - também é irlandês, o que ressalta ainda mais essa metalinguagem). O que me parece que McDonagh fez aqui é colocar a si mesmo como inocente personagem-testemunha de uma história pirada que supostamente aconteceu em sua vida (é impossível que tenha acontecido), e que o libertou da crise de criatividade que o estava corroendo enquanto escrevia esse filme. Supostamente, McDonagh teria pego essa louca história e simplesmente a contado como aconteceu, enquanto ele mesmo tentava escrever o roteiro, como fez Kaufman em Adaptação. Assim, não é atoa que vemos devaneios de Marty imaginando histórias de alguns dos psicopatas, ou que McDonagh dedique tanto tempo da narrativa ao processo de escrita desse roteiro pelos personagens. McDonagh entra mais fundo em sua própria brincadeira, e se diverte mais ainda ao, pontualmente, conferir um tom mais sério e emocional ao filme, como se estivesse de fato sentindo certa nostalgia por aqueles personagens, que um dia foram seus companheiros, e assim não é um absurdo que ele dedique tempo para contar a resolução imbecil e clichê que o personagem Billy teria para o roteiro, e a conte com uma trilha emocional e melancólica, além de com um claro tom de nostalgia; nessa lógica também entra a resolução da história do psicopata vietcongue (criada por Hans) que também ganha um tom filosófico e nostálgico. É realmente como se McDonagh sentisse nostalgia e melancolia por essas “pessoas” que teriam se tornado importantes para ele, e assim trata até mesmo suas bobagens (as resoluções que estes criam para o roteiro são ridículas) com carinho, por ter vindo deles. Isso eleva Sete Psicopatas e um Shih Tzu a um exercício narrativo inventivo e divertido de seu criador.

  Pode ser, no entanto, que o longa não seja tudo isso. Pode ser que ele seja uma experiência hilária, porém absurdamente fútil e vazia, sem um centro narrativo e que, pior ainda, possui gravíssimos problemas de estrutura (qual seria então o sentido de McDonagh perder tanto tempo mostrando seus personagens conversando sobre o roteiro de Marty, ou criando histórias e personagens para ele?). Porém, pelos motivos que apontei no parágrafo anterior, só consigo enxergá-lo como essa brincadeira metalinguística, esse exercício narrativo elegante e divertido promovido por um cineasta que apenas cresce em meu conceito.

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