sábado, 12 de janeiro de 2013


Crítica filme "A Viagem" (Cloud Atlas / 2012 / EUA, Alemanha) dir. Tykwer, Lana e Andy Wachowsky

por Lucas Wagner


  Sou ao mesmo tempo atraído e repelido por filmes ambiciosos e que aspiram à grandeza. Digo isso porque, se os realizadores acertam, o resultado tende a ser invejável, mas se erram, o tombo também é enorme. Foi essa sensação contraditória que senti ao ficar sabendo das primeiras notícias desse A Viagem. Pensei que poderia ser maravilhoso. Fiquei maluco com o trailer e todas aquelas frases bonitas e imagens de diversas épocas, e fiquei me coçando de curiosidade para saber como tudo se conectaria. Mas também pensei que tudo isso poderia não dar em nada. Para ser sincero, o resultado está mais próximo da segunda opção, na minha opnião. Na verdade, achei o filme absurdamente pretensioso. Ele aspira a grandeza, e acha ser portador de reflexões profundas e filosóficas, mas não consegui encontrar nenhuma, e nem mesmo sinal de algum simbolismo mais complexo.

  O roteiro de Tom Tykwer, Lana e Andy Wachowsky, baseado no livro de David Mitchell (que não li, mas que dizem ser indispensável para quem aprecia boa literatura, portanto, depois lerei), conta diversas histórias, em várias épocas distintas, cuja única ligação aparente é que os atores do elenco interpretam personagens de todas essas épocas (em algumas há uma ligação maior, mas ainda assim, nada demais). Pode-se dizer que, de certa forma, A Viagem trate de reencarnação, relações espirituais com vidas passadas, mas o fato é que, se não fosse o caso dos mesmos atores interpretarem personagens diferentes em tempos diferentes, eu nunca teria pensado nisso. A Viagem é mesmo uma bagunça absurda que se mostra completamente incapaz de encontrar um centro narrativo, e que nunca parece capaz de prender o espectador. É repleto de frases bonitas e filosóficas (“Um livro pela metade é como uma história de amor pela metade”, é um ótimo exemplo), que seriam ótimas de se colocar no Facebook, mas que não funcionam no filme, e assim parecem reflexões vazias.

  Não há conexão entre as histórias (pelo menos quanto a maioria) e, o que é pior ainda, nenhuma das histórias contadas é desenvolvida com propriedade, já que os diretores Tom Tykwer, Lana e Andy Wachowsky estão ocupados demais tentando fazer a mistureba de cenas de períodos diferentes. Assim, nem as histórias são bem desenvolvidas, e muito menos os personagens, que dificilmente possuem algum tipo de característica de personalidade que os diferenciem como seres humanos únicos. Então, o longa já carece de qualquer envolvimento emocional do espectador, o que piora cada vez mais quanto mais percebemos como os diretores acham que estão nos levando a loucura com algum tipo de reflexão transcendental. Mas, eu juro, eu fiquei o filme inteiro procurando por essas reflexões, por algo que eu pudesse tirar do longa e ficar namorando durante muito tempo (como aconteceu quando assisti A Árvore da Vida, por exemplo), e não encontrei em momento algum, em lugar algum. Então, não foi por falta de vontade. O filme é apenas um aglomerado insano de um número absurdo de histórias, que ficam se acotovelando mas nunca que chegam a ser tudo o que poderiam, e que nunca formam algum tipo de significado maior. E algumas são potencialmente interessantes, como a que se passa no futuro em Nova Seul e que, se fosse bem trabalhada, poderia ter gerado uma boa discussão sobre o futuro do capitalismo e sobre a natureza humana, mas com todas as outras tramas para caber em um mesmo longa metragem, não há tempo para se fazer isso. Outra que poderia ser interessante é a que se passa na época da escravidão, que possui um diálogo interessantíssimo entre quatro personagens, que revelam bem os pensamentos distorcidos desse período, mas também, depois dessa cena, tudo o que a trama poderia ser se perde.

  Os diretores não contribuem para que o resultado seja um pouco menos ruim. Parece que toda a energia deles foi sugada para conseguir contar as histórias em tempo hábil sem deixar tudo parecer confuso ou cansativo. Falharam também. Chegou determinado momento em que minha cabeça estava fritando loucamente, e eu louco pela minha cama. A bagunça é tão grande que nem lembrar do nomes dos personagens você consegue (só lembro de Luisa Rey), e muito menos acompanhar o desenrolar das tramas. Tykwer e os Wachowsky falham um pouco menos na hora de conferir certo dinamismo ao longa, mas ainda assim o fazem de maneira deselegante. Os diretores usam a trilha sonora como muleta para tentar manter certo ritmo, e conseguem, só que seria muito mais sofisticado se tivessem usado um número maior de raccords para viajar entre as tramas (como o genial As Horas fez), algo que faz muito pouco (acho que umas três/quatro vezes no máximo). Mas o pior de tudo no que concerne a direção é que Tykwer e os Wachowsky, junto com o montador, viajam entre as histórias sem qualquer tipo de lógica, e assim somos obrigados a ver cenas de determinada trama seguida de uma outra em outra época sem qualquer sentido narrativo, a não ser mover o filme ou (o que é mais podre ainda) nos lembrar da existência dessa outra linha narrativa, já que já fazia um bom tempo em que não víamos nada de uma determinada história. E é quase cômico que às vezes estejamos acompanhando uma cena de perseguição, aí corta, vemos gente tocando piano em outra época (ou algo igualmente fútil e parado), e depois corta e voltamos a acompanhar a perseguição, tudo com a trilha sonora no mesmo tom frenético. Lamentável.

  A Viagem comete o crime de desperdiçar um elenco tão fantástico quanto esse, mas não importa o quão os atores estejam esforçados, simplesmente não há como tornar ninguém aqui mais complexo. Não há tempo nem substância. Assim, é bacana que pelo menos alguns deles consigam se divertir um pouco, que é quando estão melhores, como quando Tom Hanks interpreta algum sujeito rude e violento (diferente do que está acostumado a interpretar), quando Jim Sturgess aparece gritando feito um louco como um irlandês lutando pelo direito de um grupo de pessoas beber cerveja, ou ver Hugo Weaving como um travesti.

  Se há algo que vale a pena no filme é o espetáculo visual que ele proporciona. A direção de arte cria com perfeição as diferentes épocas e ambientes vistos aqui, ao mesmo tempo em que os efeitos visuais nunca traem artificialidade. Juntos, a direção de arte e os efeitos criam a extraordinária cidade de Nova Seul, com um ambiente futurista que parece uma mistura de Blade Runner com algum anime. A trilha sonora de Reinhold Heil, Johnny Klimek e Tom Tykwer é responsável por alguns belos temas. Mas o que mais impressiona é a maquiagem, que é digna de prêmios, já que consegue tornar atores conhecidos em rostos completamente irreconhecíveis.

  Dito tudo isso, A Viagem se mostrou para mim como uma experiência visual de tirar o fôlego, mas que é tremendamente vazia de qualquer reflexão ou significado mais profundo, por mais que seus realizadores pareçam crer estar fazendo algo inestimável. É como uma grande oportunidade perdida que, apesar de no pôster estar escrito “tudo está conectado”, me deixou com a sensação de que não tem é nada conectado. É uma tremenda colcha de retalhos, isso sim, para impressiona os impressionáveis.

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