Crítica filme "Moonrise Kingdom" (Moonrise Kingdom / 2012 / EUA) dir. Wes Anderson
por Lucas Wagner
Wes Anderson é um cineasta extremamente
interessante, tanto na estética quanto no conteúdo de seus trabalhos. É só
bater o olho e já sabemos se tratar de um filme dele. Com quadros centralizados,
excessivo uso de travellings, slow
motion, uma trilha sonora nostálgica, etc, Anderson já criou uma marca
registrada como diretor, que tanto pode agradar alguns, quanto pode desagradar
outros (a mim agrada bastante, já que acho sua direção extremamente elegante). Tematicamente,
o cineasta sempre buscou abordar personagens que parecem não possuir um lugar
no mundo, uma identidade que os possa guiar, definir, muitas vezes porque foram
castrados disso pela convivência com outras pessoas. Com essas características,
o diretor produziu algumas obras admiráveis, chegando ao ápice naquele que é o
que eu considero um dos filmes mais brilhantes que já tive a oportunidade de
assistir: Os Excêntricos Tenenbaums.
As obras de Wes Anderson parecem sempre se
passar em uma espécie de universo paralelo próprio a seus filmes. Com cores
fortes, elementos estranhos e psicodélicos, existe sempre uma atmosfera que
mixa melancolia e comicidade. Seus personagens podem ser descritos como, no
mínimo, esquisitos. Em Moonrise Kingdom, Anderson
afina ainda mais esses elementos, e entrega sua obra mais “estranha” até o
momento. O que não é, de modo algum, uma crítica negativa, já que esse é um
filme sem dúvidas belíssimo, tocante e absolutamente irresistível em sua doce e
cômica melancolia.
Dessa vez, o cineasta
conta a história de duas crianças (uma menino e uma menina) consideradas
estranhas, que encontram conforto nos braços um do outro, e resolvem fugir de
suas vidas. Os adultos da ilha em que vivem organizam-se para encontrá-los,
recebendo ajuda do grupo de escoteiros do mestre dos escoteiros Ward (Edward
Norton).
Como eu disse, as obras do diretor parecem se
passar em um universo paralelo comum a seus filmes. Assim como Quentin
Tarantino, Anderson trás nesse seu novo longa, vários elementos que se ligam,
ou pelo menos nos lembram de suas obras anteriores. Assim, vemos várias crianças
vestidas com fantasias dos animais que, não por acaso, são os personagens de O Fantástico Senhor Raposo, obra
anterior do cineasta; o figurino do narrador lembra diretamente a indumentária
do protagonista de A Vida Marinha com Steve
Zissou; e a personagem da garotinha Suzy (Kara Hayward) é como uma versão
mirim da inesquecível e trágica famme
fatale Margot Tenenbaum interpretada por Gwyneth Paltrow em Os Excêntricos Tenenbaums (inclusive o
excesso de maquiagem e o figurino de Suzy rementem diretamente à Margot). Além
disso, os enquadramentos, movimentos de câmera, planos detalhes, e a impecável
montagem (que mais uma vez na filmografia do diretor consegue a proeza de ser
elegante, dinâmica e conseguir funcionar, por vezes, como humor), tudo
contribui para que façamos a ligação desse filme com os outros trabalhos de
Anderson, já que seu estilo é tão próprio que é como se realmente criasse uma
realidade única onde habitam seus personagens.
Construindo a narrativa com cuidado (o
teatrinho da arca de Noé é uma pista particularmente eficaz), Anderson consegue
adequar o tema com o seu estilo de maneira inteligente, particularmente no que
se refere ao encontro do casal infantil Suzy e Sam, que surgem em planos mais
fechados quando olham um ao outro, o que representa a grande importância que um
tem para o outro; além disso, mais uma vez a mania do diretor de colocar alguns
personagens centralizados em planos abertos, serve como uma forma de ressaltar
a solidão destes. Anderson ainda presta atenção a elementos sutis, mas que
ajudam a enriquecer o longa, como a diferença da fotografia do universo da
ilha, com aquele da Social Services (Tilda Swinton): enquanto o primeiro, mesmo
tendo inegáveis problemas nas relações de seus personagens, ainda assim surge
com cores fortes e quentes, remetendo à infância, o segundo é cinzento e frio,
apático e técnico, lembrando a vida adulta. Outro exemplo intrigante é na
conversa noturna entre o casal Bishop, em que Anderson começa filmando planos
mais fechados que nos dão a impressão de que eles estão deitados na mesma cama,
apenas para pouco depois mostram que estão separados por um móvel. E como ainda
não se emocionar com a inteligência do diretor no simbolismo de momentos que
contribuem para o desenvolvimento dos personagens, como quando, na sequência
inicial, ouvimos, de dentro da mansão dos Bishop, uma música erudita, só que a
ouvimos como som diegético (está no ambiente), mas quando “saímos” da mansão,
essa música fica mais alta e se torna parte da trilha, nos dando uma sensação
de “liberdade”; também, o próprio prenúncio da tempestade, que sabemos desde o
início que irá basicamente destruir a ilha, mas que serve ainda como símbolo
para o clímax psicológico pelo qual esses personagens passarão.
Moonrise
Kingdom parece se passar predominantemente através de uma perspectiva
infantil. Existe uma doce aura de inocência, além de um tom fabulesco que pode ser
constatado em diversos momentos, como na casa da árvore excessivamente alta e
frágil, ou ainda no clímax. A inocência podemos ver através de detalhes
bonitinhos, como quando o fato de um homem e uma mulher dividirem um cigarro já
se torna um sinal de traição, ou ainda quando o perfuramento da orelha para
poder se usar brincos se torna um símbolo claro para a perda da virgindade (observem
o filete de sangue que sai da orelha de Suzy). Essa perspectiva infantil ainda
é absolutamente necessária para conferir o adequado tom de nostalgia da
temática do filme, que trata das vivências do primeiro amor, e das diferenças
do amor para crianças e adultos.
No quesito de desenvolvimento dos
personagens, Moonrise Kingdom também
se mostra impecável. Com um elenco espetacular, Anderson se foca mais no casal
Suzy e Sam, e desenvolve a narrativa a partir deles. Como outros personagens típicos
do diretor, Suzy e Sam estão à deriva no mundo, lutando para construir uma
identidade própria já que são castrados disso pela convivência que tiveram com
seus familiares. Suzy é uma garotinha trágica e sofrida, que vive na
emocionalmente fragmentada família Bishop (em um detalhe cômico, mas que
representa bem essa fragmentação, vemos a Sra. Bishop chamando os filhos para
jantar usando um megafone), e é vista por seus pais como uma criança problemática.
Com sintomas claramente depressivos, Suzy muitas vezes apresenta comportamentos
violentos, e busca se refugiar na literatura mágica; além disso, vem sempre
acompanhada de seus binóculos, usando-os para sempre olhar mais longe, como
numa tentativa patética de fugir de sua vida. Já Sam é órfão, e seus pais
adotivos desistiram dele. Excluído e estigmatizado, Sam encontra conforto e
amor apenas com Suzy, e o romance que vai se desenvolvendo entre eles é
simplesmente adorável, e produz algumas das melhores cenas do filme, como a da
conversa dos dois ao pôr do sol.
Os outros personagens estão fantásticos e
tridimensionais à sua maneira. Edward Norton interpreta com talento o chefe dos
escoteiros Ward, como um sujeito com um mascarado complexo de inferioridade.
Bill Murray cria um Sr. Bishop violento e ambivalente. Frances McDormand deixa
clara a tristeza da Sra. Bishop. Bruce Willis, numa bela e contida performance,
transforma o Capitão Sharp numa figura complexa e melancólica, que possui uma
intrigante ligação com o personagem de Sam, algo que fica bem claro na sua fala
para o garoto, quando está sentado de frente para o menino (não por acaso, numa
mise en scéne construída com
brilhantismo por Anderson): “You got your whole life in front of you... I
mean... ahead of you”. Aliás, Anderson busca fazer várias ligações da vida
adulta com a infantil, mostrando a melancolia da primeira em relação à segunda.
Observem como, de fato, o personagem de Willis funciona como uma versão envelhecida
e triste de Sam (até os óculos servem à esse propósito); ou ainda o romance de
Sharp com a Sra. Bishop funciona como um espelho para a relação de Sam e Suzy,
só que dessa vez sem o encantamento da infância, e carregados de uma dolorida
maturidade, que os faz enxergam, à duras custas, a impossibilidade de se
manterem juntos.
Com um senso de humor maravilhoso, que produz
momentos extremamente hilários, além de falas engraçadíssimas, Moonrise Kingdom é uma pedra preciosa
num ano tão decepcionante para o Cinema como esse 2012. É tocante, doce,
nostálgico e engraçado, além de nos fazer pensar nas nossas próprias
experiências iniciais com o amor e a paixão, e como deixamos que a realidade
que o envelhecimento nos faz encarar nos tire a alegria e o otimismo de
encontrar alguém especial com quem possamos compartilhar, sem problemas, nossa
curta estadia nesse planeta. Moonrise
Kingdom é ouro.
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