sábado, 15 de dezembro de 2012


Crítica filme "Moonrise Kingdom" (Moonrise Kingdom / 2012 / EUA) dir. Wes Anderson

por Lucas Wagner


    Wes Anderson é um cineasta extremamente interessante, tanto na estética quanto no conteúdo de seus trabalhos. É só bater o olho e já sabemos se tratar de um filme dele. Com quadros centralizados, excessivo uso de travellings, slow motion, uma trilha sonora nostálgica, etc, Anderson já criou uma marca registrada como diretor, que tanto pode agradar alguns, quanto pode desagradar outros (a mim agrada bastante, já que acho sua direção extremamente elegante). Tematicamente, o cineasta sempre buscou abordar personagens que parecem não possuir um lugar no mundo, uma identidade que os possa guiar, definir, muitas vezes porque foram castrados disso pela convivência com outras pessoas. Com essas características, o diretor produziu algumas obras admiráveis, chegando ao ápice naquele que é o que eu considero um dos filmes mais brilhantes que já tive a oportunidade de assistir: Os Excêntricos Tenenbaums.

  As obras de Wes Anderson parecem sempre se passar em uma espécie de universo paralelo próprio a seus filmes. Com cores fortes, elementos estranhos e psicodélicos, existe sempre uma atmosfera que mixa melancolia e comicidade. Seus personagens podem ser descritos como, no mínimo, esquisitos. Em Moonrise Kingdom, Anderson afina ainda mais esses elementos, e entrega sua obra mais “estranha” até o momento. O que não é, de modo algum, uma crítica negativa, já que esse é um filme sem dúvidas belíssimo, tocante e absolutamente irresistível em sua doce e cômica melancolia.

  Dessa vez, o cineasta conta a história de duas crianças (uma menino e uma menina) consideradas estranhas, que encontram conforto nos braços um do outro, e resolvem fugir de suas vidas. Os adultos da ilha em que vivem organizam-se para encontrá-los, recebendo ajuda do grupo de escoteiros do mestre dos escoteiros Ward (Edward Norton).

  Como eu disse, as obras do diretor parecem se passar em um universo paralelo comum a seus filmes. Assim como Quentin Tarantino, Anderson trás nesse seu novo longa, vários elementos que se ligam, ou pelo menos nos lembram de suas obras anteriores. Assim, vemos várias crianças vestidas com fantasias dos animais que, não por acaso, são os personagens de O Fantástico Senhor Raposo, obra anterior do cineasta; o figurino do narrador lembra diretamente a indumentária do protagonista de A Vida Marinha com Steve Zissou; e a personagem da garotinha Suzy (Kara Hayward) é como uma versão mirim da inesquecível e trágica famme fatale Margot Tenenbaum interpretada por Gwyneth Paltrow em Os Excêntricos Tenenbaums (inclusive o excesso de maquiagem e o figurino de Suzy rementem diretamente à Margot). Além disso, os enquadramentos, movimentos de câmera, planos detalhes, e a impecável montagem (que mais uma vez na filmografia do diretor consegue a proeza de ser elegante, dinâmica e conseguir funcionar, por vezes, como humor), tudo contribui para que façamos a ligação desse filme com os outros trabalhos de Anderson, já que seu estilo é tão próprio que é como se realmente criasse uma realidade única onde habitam seus personagens.

  Construindo a narrativa com cuidado (o teatrinho da arca de Noé é uma pista particularmente eficaz), Anderson consegue adequar o tema com o seu estilo de maneira inteligente, particularmente no que se refere ao encontro do casal infantil Suzy e Sam, que surgem em planos mais fechados quando olham um ao outro, o que representa a grande importância que um tem para o outro; além disso, mais uma vez a mania do diretor de colocar alguns personagens centralizados em planos abertos, serve como uma forma de ressaltar a solidão destes. Anderson ainda presta atenção a elementos sutis, mas que ajudam a enriquecer o longa, como a diferença da fotografia do universo da ilha, com aquele da Social Services (Tilda Swinton): enquanto o primeiro, mesmo tendo inegáveis problemas nas relações de seus personagens, ainda assim surge com cores fortes e quentes, remetendo à infância, o segundo é cinzento e frio, apático e técnico, lembrando a vida adulta. Outro exemplo intrigante é na conversa noturna entre o casal Bishop, em que Anderson começa filmando planos mais fechados que nos dão a impressão de que eles estão deitados na mesma cama, apenas para pouco depois mostram que estão separados por um móvel. E como ainda não se emocionar com a inteligência do diretor no simbolismo de momentos que contribuem para o desenvolvimento dos personagens, como quando, na sequência inicial, ouvimos, de dentro da mansão dos Bishop, uma música erudita, só que a ouvimos como som diegético (está no ambiente), mas quando “saímos” da mansão, essa música fica mais alta e se torna parte da trilha, nos dando uma sensação de “liberdade”; também, o próprio prenúncio da tempestade, que sabemos desde o início que irá basicamente destruir a ilha, mas que serve ainda como símbolo para o clímax psicológico pelo qual esses personagens passarão.

  Moonrise Kingdom parece se passar predominantemente através de uma perspectiva infantil. Existe uma doce aura de inocência, além de um tom fabulesco que pode ser constatado em diversos momentos, como na casa da árvore excessivamente alta e frágil, ou ainda no clímax. A inocência podemos ver através de detalhes bonitinhos, como quando o fato de um homem e uma mulher dividirem um cigarro já se torna um sinal de traição, ou ainda quando o perfuramento da orelha para poder se usar brincos se torna um símbolo claro para a perda da virgindade (observem o filete de sangue que sai da orelha de Suzy). Essa perspectiva infantil ainda é absolutamente necessária para conferir o adequado tom de nostalgia da temática do filme, que trata das vivências do primeiro amor, e das diferenças do amor para crianças e adultos.

  No quesito de desenvolvimento dos personagens, Moonrise Kingdom também se mostra impecável. Com um elenco espetacular, Anderson se foca mais no casal Suzy e Sam, e desenvolve a narrativa a partir deles. Como outros personagens típicos do diretor, Suzy e Sam estão à deriva no mundo, lutando para construir uma identidade própria já que são castrados disso pela convivência que tiveram com seus familiares. Suzy é uma garotinha trágica e sofrida, que vive na emocionalmente fragmentada família Bishop (em um detalhe cômico, mas que representa bem essa fragmentação, vemos a Sra. Bishop chamando os filhos para jantar usando um megafone), e é vista por seus pais como uma criança problemática. Com sintomas claramente depressivos, Suzy muitas vezes apresenta comportamentos violentos, e busca se refugiar na literatura mágica; além disso, vem sempre acompanhada de seus binóculos, usando-os para sempre olhar mais longe, como numa tentativa patética de fugir de sua vida. Já Sam é órfão, e seus pais adotivos desistiram dele. Excluído e estigmatizado, Sam encontra conforto e amor apenas com Suzy, e o romance que vai se desenvolvendo entre eles é simplesmente adorável, e produz algumas das melhores cenas do filme, como a da conversa dos dois ao pôr do sol.

  Os outros personagens estão fantásticos e tridimensionais à sua maneira. Edward Norton interpreta com talento o chefe dos escoteiros Ward, como um sujeito com um mascarado complexo de inferioridade. Bill Murray cria um Sr. Bishop violento e ambivalente. Frances McDormand deixa clara a tristeza da Sra. Bishop. Bruce Willis, numa bela e contida performance, transforma o Capitão Sharp numa figura complexa e melancólica, que possui uma intrigante ligação com o personagem de Sam, algo que fica bem claro na sua fala para o garoto, quando está sentado de frente para o menino (não por acaso, numa mise en scéne construída com brilhantismo por Anderson): “You got your whole life in front of you... I mean... ahead of you”. Aliás, Anderson busca fazer várias ligações da vida adulta com a infantil, mostrando a melancolia da primeira em relação à segunda. Observem como, de fato, o personagem de Willis funciona como uma versão envelhecida e triste de Sam (até os óculos servem à esse propósito); ou ainda o romance de Sharp com a Sra. Bishop funciona como um espelho para a relação de Sam e Suzy, só que dessa vez sem o encantamento da infância, e carregados de uma dolorida maturidade, que os faz enxergam, à duras custas, a impossibilidade de se manterem juntos.

  Com um senso de humor maravilhoso, que produz momentos extremamente hilários, além de falas engraçadíssimas, Moonrise Kingdom é uma pedra preciosa num ano tão decepcionante para o Cinema como esse 2012. É tocante, doce, nostálgico e engraçado, além de nos fazer pensar nas nossas próprias experiências iniciais com o amor e a paixão, e como deixamos que a realidade que o envelhecimento nos faz encarar nos tire a alegria e o otimismo de encontrar alguém especial com quem possamos compartilhar, sem problemas, nossa curta estadia nesse planeta. Moonrise Kingdom é ouro.

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