sexta-feira, 7 de dezembro de 2012


Crítica filme "Killer Joe - Matador de Aluguel" (Killer Joe / 2012 / EUA) dir. William Friedkin

por Lucas Wagner


    Não há um único personagem que preste nesse Killer Joe, novo trabalho de William Friedkin (diretor dos clássicos O Exorcista e Operação França). Sério. Já vi filmes com personagens violentos e repugnantes (Tarantino merece muitos créditos por isso). Mas nada como nesse Killer Joe. Se existe um inferno, sem dúvida alguma, todos esses seres humanos vistos aqui teriam um lugar especial. Não é exagero. Eu estou chocado de verdade. E é incrível que eu ainda consiga ter me divertido com essa história toda, mesmo me sentindo um psicopata por dizer isso.

  Baseado numa peça escrita por Tracy Letts (que também roteirizou esse filme), nós acompanhamos a história de Chris Smith (Emily Hirsch, bem conhecido por ter protagonizado o maravilhoso Na Natureza Selvagem), jovem que está devendo $6.000 para um grande criminoso. Tendo ouvido falar que sua odiada mãe deixaria $50.000 de herança para sua irmã mais nova, Dottie, Chris se junta a seu pai e a mulher deste, para contratar um detetive que trabalha também como matador de aluguel, Joe Cooper (Matthew McConaughey), que deverá matar a mãe de Chris e Dottie por uma boa parcela do dinheiro, que ainda servirá para quitar a dívida de Chris, e todo mundo ficará com uma parte do dinheiro. É claro que nem tudo com esse “simples” plano vai dar certo.

  Essa história não é, de modo algum, nova. Histórias de personagens passando por apuros financeiros que tomam uma medida nada honrosa para se safar já foram vistas várias vezes no Cinema. Vem à mente imediatamente os inesquecíveis Fargo e Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto, o primeiro dirigido pelos Irmãos Coen e o segundo pelo falecido Sidney Lumet. Ainda assim, Friedkin parece se divertir bastante com o horror e a amoralidade de tudo o que vemos aqui, deixando o espectador sempre tenso por saber que não pode confiar (e muitos menos se identificar) com qualquer personagem. Porém, essa abordagem somente seria completamente ineficaz, e o longa iria para o ralo por ser moralmente ofensivo, e por isso Friedkin acerta ao envolver o filme com uma boa dose de humor negro. No entanto, o cineasta não tem metade do talento dos Irmãos Coen ou de um Tarantino para criar humor negro. Os primeiros conseguem fazer um homem ser triturado parecer algo engraçado (em Fargo) e o segundo pode fazer uma cabeça sendo explodida por acidente ser hilário (em Pulp Fiction). Já com Friedkin, quase nunca realmente sabemos se é para rir ou se desesperar. Mas acredito que era esse exatamente o objetivo do diretor, deixando tudo com o máximo de crueza e realismo para nunca duvidarmos do perigo do que estamos vendo. O resultado é que quando rimos (se rimos) é mais de nervoso do que por achar graça.

  Como comentei, Killer Joe é povoado por figuras repugnantes, ofensivas. Gente que chama o próprio pai de “pedaço de merda”; que vende um ente querido menor de idade para fazer sexo com um homem mais velho; que depois de conversar amigavelmente com alguém, ainda assim ameaça matá-lo e o enche de porrada; que se apaixona por uma criança ao perceber um pouco de maldade dentro dela; gente que tenta matar o próprio filho; até mesmo gente que acha que uma menina ser virgem aos 12 anos de idade é um sinal de problema psicológico... a lista de depravação não acaba. E o pior é que o que eu disse não é nem metade do horror que essas aberrações podem proporcionar. Friedkin sabe bem disso, e entrega um terceiro ato de aproximadamente 30 minutos de duração, que chega ao fundo da insanidade. Aliás, esse terceiro ato é impecavelmente dirigido, com o cineasta conseguindo um clima de claustrofobia intenso a partir da movimentação da câmera, dos planos mais fechados, e ainda da iluminação bem sombria que consegue transmitir ainda mais claustrofobia.

  Todos os atores estão eficazes em seus papeis, o que aqui significa que estão detestáveis. Hirsch interpreta Chris como um jovem cruel e amoral. Tomas Haden-Church, que cria um Ansel covarde, medroso que não teme fazer qualquer tipo de coisa para se safar. A garotinha Juno Temple transforma Dottie no único sinal de pureza daquele ambiente, mas que apresenta uma ambiguidade assustadora, o que é perfeitamente normal para alguém que já passou e ainda passa por situações terríveis, e o pior é que parece achar normal. Cada um dos personagens, de vez em quando, demonstra um sinal de humanidade, como podemos ver claramente, por exemplo, no personagem de Chris, que sente até culpa pelas decisões que toma (“A culpa é um male pior do que câncer ou ter sua perna arrancada por um tubarão”, diz ele em certo momento), e demonstra um carinho admirável pela irmã. Não é só ele que tem esses momentos “humanos”, mas é o que fica mais evidente (e mais uma vez Hirsch demonstra talento ao deixar isso claro). A direção de arte e a fotografia, por sinal, acertam ao construir a casa desta “família” como um trailer apertado e desconfortável, mas com algumas cores quentes (ênfase no “algumas”), principalmente no quarto de Dottie. Os figurinos também são competentes no padrão de branco que Dottie usa (e observem como ela rejeita um vestido preto em certo momento, e preto parece a cor básica das roupas desses personagens); notem também que Chris muitas vezes usa uma jaqueta preta e por baixo uma camiseta branca, não por acaso, mas que ressalta a ambiguidade do personagem sobre a qual comentei.

  Mas quem surpreende mesmo é Matthew McConaughey, ator que desperdiçou bastante do seu talento na década passada, mas que já se mostrou um excelente profissional em, por exemplo, Contato e O Poder e a Lei. Ele cria um Joe extremamente frio e calculista, controlado, que toma cuidado com tudo o que fala e que sabe que conseguirá o que quer, de um jeito o de outro. Observem o nível da maldade dele ao, ao invés de contar que matou uma determinada pessoa, mostrar o cadáver para seu interlocutor e ainda obrigá-lo (sem violência, apenas pela influência que sabe que exerce) a ajudá-lo a se livrar do corpo. Ele chega no nível máximo de insanidade no terceiro ato, no qual McConaughey demonstra uma competência absurda ao evidenciar a luta de seu personagem para manter o sadismo sob controle, optando por uma tortura mais psicológica que deixa os outros personagens (e o espectador) totalmente agoniados. Ele é tão frio que, quando se descontrola, nos deixa completamente aterrorizados (e nisso a violência gráfica proporcionada por Friedkin é vital). Mas McConaughey ainda demonstra talento em pequenos detalhes, como pode ser visto na cena em que Dottie captura seu interesse (quando conta um fato particularmente trágico, mas conta com grande naturalidade) ou quando comenta um pouco de seu passado. Nunca descobrimos nada sério sobre ele, mas, pela atuação de McConaughey, podemos nos arriscar a supor algumas coisas, mas nunca com certeza absoluta. Além disso, ainda em relação ao personagem, a fotografia faz um belo trabalho ao sempre envolvê-lo em um azul escuro e frio, e ainda o figurino, que é genial ao fazê-lo usar uma jaqueta preta com uma camisa azul escura por baixo. Isso tudo, nem precisava dizer, apenas ressalta a frieza e crueldade dele.

  Killer Joe não é um filme que visa promover grandes reflexões ou servir como um estudo de personagens. É, acima de tudo, uma insanidade psicopata absurda que, talvez por isso mesmo, seja tão interessante. Assim como em algum episódio do seriado Black Mirror nunca sabemos quando é para rir ou para chorar

  Mas uma coisa é certa: vai demorar muito tempo para que eu coma coxa de galinha frita de novo.

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