segunda-feira, 20 de agosto de 2012


Resenha filme "Um Divã Para Dois" (Hope Springs / 2012 / EUA) dir. David Frankel

por Lucas Wagner


Um Divã Para Dois não é bem uma comédia romântica no sentido comum a que se dá a esse gênero hoje em dia. Enquanto a maioria dos filmes que cabem nesse gênero se afundam em clichês patéticos e possuem um roteiro mal trabalhado (alguns exemplos recentes são Sexo Sem Compromisso, Noite de Ano Novo, Guerra é Guerra - http://www.facebook.com/notes/lucas-wagner/resenha-filme-guerra-%C3%A9-guerra-this-means-war/274779219266853 - , etc), jogando fora a oportunidade de trabalhar bem algo tão fascinante quanto os relacionamentos, algumas comédias românticas podem ser classificadas como “adultas”, já que, ao invés de focar em clichês ou no humor fácil, preferem guiar o espectador através do conhecimento de seus personagens, seus conflitos e no romance que vai crescendo entre eles, e ainda não fogem de trabalhar temas ainda mais complexos, desafiando o espectador que vai ao cinema esperando apenas relaxar. Alguns exemplos recentes são Meia Noite em Paris, (500) Dias Com Ela, Solteiros Com Filhos (http://mestredeobras.blogspot.com.br/2012/06/resenha-filme-solteiros-com-filhos.html, minha resenha)e agora esse Um Divã Para Dois pode entrar no clube, mesmo que seja inferior a esses citados, já que, merece grandes créditos por tratar de um tema como o casamento de uma forma complexa e mais “difícil”, ao invés de sempre buscar o humor fácil, como muitos filmes fariam hoje em dia. E se o filme merece esses elogios, não é tanto pelo roteiro de Vanessa Taylor ou pela direção de David Frankel (do mediano O Diabo Veste Prada e do ótimo Marley & Eu), mas pelas performances impecáveis e dignas de vários prêmios de Maryl Streep e Tommy Lee Jones.

  Acompanhamos a história do casal Kay (Maryl Streep) e Arnold (Tommy Lee Jones), que estão casados há 31 anos e já nem dormem mais nos mesmos quartos, possuindo uma relação fria e distante baseada numa rotina entediante. Triste com essa queda no seu casamento, Kay convence (duramente) Arnold e fazer uma terapia de casal com o famoso Dr. Feld (Steve Carrel).

  Como eu disse, falar de Um Divã Para Dois é falar sobre os dois protagonistas e seus atores. Tommy Lee Jones não entregava uma atuação tão boa assim desde 2006/2007 quando fez No Vale das Sombras e o inesquecível Onde Os Fracos Não Têm Vez. Compondo Arnold com uma perfeita mistura de humor carrancudo (nós rimos de seu mau humor assim como ríamos do mau humor de K, em Homens de Preto) e drama, Lee Jones é sensacional ao apresentá-lo primeiramente como um indivíduo chato e babaca, apenas para nos fazer compreendê-lo cada vez mais como alguém complexo e que não queria agir com a esposa como age, já que no fundo, ainda a ama profundamente, algo que fica bem claro naquela que é uma das cenas mais tocantes do filme, quando ele conta como a conheceu, e Jones transmite emoções profundas através das maravilhosas linhas de expressão de seu rosto (que rivalizam com aquelas de Clint Eastwood ou Bryan Cranston). O arco dramático vivido por ele só é eficaz graças à atuação de Jones, já que nas mãos de qualquer outro ator poderia ser extremamente caótico, já que o próprio roteiro não parece ter escrito-o muito bem, mas Jones dá um rumo impecável a Arnold e transforma o caótico em complexo, expressando sentimentos verdadeiros e complicados, envolvendo o espectador em seu drama de uma forma extremamente eficaz, que é vital para que o filme funcione. É um personagem extremamente multifacetado que é fascinante conhecer, por causa de Jones. E também não poderia deixar de comentar o fantástico momento em que, pronto para receber um boquete, Jones dá um sorrizinho maroto de adolescente feliz que me fez rir mais do que qualquer outra cena do filme.

  Maryl Streep prova mais uma vez porque é recordista de indicações ao Oscar em mais um desempenho espetacular como Kay, uma mulher que, como fica claro em outra das melhores cenas do filme, quer encontrar uma razão para viver, uma esperança, uma expectativa, já que a própria vida gira em torno de expectativas, e sem essas, seria completamente sem graça. Com os filhos crescidos e donos de si, ela vive sozinha com o marido, com quem o casamento foi esfriando e estagnou, sendo que ele nem olha mais para ela como mulher, e nem a toca. Ela passa a questionar o por quê do seu casamento ter se tornado assim e busca ressucitá-lo através da terapia. Só que ela é mais complexa do que parece, já que grandes problemas do casamento são produto de seus próprios problemas de si mesma como mulher. Streep é genial ao tratar a personagem com cuidado e respeito, mostrando emoções profundas através de pequenas nuances, como o sorrizinho que dá quando Arnold decide ir à terapia com ela, ou nos momentos mais fortes, como quando se magoa com o marido ou fica encantada com determinadas surpresas. Cada emoção, cada sentimento de Kay ganha uma dimensão extra nas mãos de Streep, que nos faz querer ultrapassar a barreira entre realidade e ficção apenas para poder abraçá-la e dar algum conforto diante do que está acontecendo com a personagem. E, assim como acontece com Arnold, nós apenas somos capazes de olhar para Kay como uma figura complexa e tridimensional devido à sua interprete já que o roteiro (que discutirei daqui a pouco), parece encontrar alguns problemas na construção da personagem.

  Juntos, Tommy Lee Jones e Maryl Streep fazem o filme, mostrando e nos guiando através do casamento de Arnold e Kay não de forma superficial e fácil, mas na forma como um casamento real e longo geralmente funciona: repleto de feridas, mas que possui alguma luz dentro de si que precisa do casal, juntos, para encontrá-la e desenterrá-la, trazendo à tona aquilo que fez com que o casal decidisse fazer votos de construiu uma vida juntos. Isso é o que há de melhor no filme, já que nada (ou quase nada) parece gratuito, mas cada palavra, cada gesto, cada olhar dos personagens principais ganha um peso, uma dimensão emocional maior e complicada, envolvida nos anos e na vida que construíram juntos, no sentimento de solidão que parece se encontrar na rotina maçante que toma conta de tantos casais, e em descobertas sexuais intrigantes que abrem toda uma nova perspectiva para o casal (não que o sexo seja tudo, algo que o filme busca deixar bem claro). Assim, devido à esses dois fenomenais atores, acompanhamos sua trajetória como se fosse nossa própria.

  Já o roteiro de Vanessa Taylor acaba caindo na armadilha da própria complexidade. Se ela merece aplausos por buscar tratar do casamento dos dois de uma forma mais complexa e madura, falta maturidade e experiência à própria roteirista, já que ela se confunde em vários momentos e acaba nos confundindo também, no próprio desenvolvimento dos personagens (que, como eu disse, se salvam pelos atores principais). Assim, por exemplo, parece meio sem lógica que Arnold se mostre tão constrangido sexualmente para depois revelar desejos e fantasias mais profundos de maneira mais fácil do que o esperado. Se, pela atuação de Jones, somos capazes de olhar para isso como algo natural vindo do sujeito, cria, ainda assim, um buraco no filme, já que foi uma transição completamente mal preparada pelo roteiro. Além disso, se por um lado, aprecio que Taylor tenha optado por não explicar o comportamento dos personagens, por outro lado acho que ela poderia ter explicado um pouco, já que, em alguns momentos, eles deixam a complexidade e se tornam mais imcompreensíveis. Existem ainda vários outros exemplos, que se transformam numa massa cinzenta que nos irrita ao longo do filme, por mais que estejamos gostando. Além disso, Taylor peca quando tateia por um humor mais fácil que acaba sendo mal resolvido, como é o treinamento de Kay para praticar sexo oral. Mas, até que o roteiro de Taylor é feliz ao balancear a comédia e o drama de forma eficaz.

  O diretor David Frankel é feliz ao não tentar “deixar sua marca” optando, assim como em Marley & Eu, por deixar que os atores principais construam o filme, enquanto ele “apenas” registra suas atuações. Mas ele merece mais créditos por mostrar com habilidade a rotina entediante do casal, ao mesmo tempo em que inicia o filme com uma sequência triste que já estabelece com habilidade as bases da trama e de como essa se desenrolará. Além disso, o cineasta é sensível o suficiente para acompanhar a complexa trajetória do casal, o que é o mais necessário para o cargo de diretor desse filme.

  Não chegando a tratar do casamento de uma forma tão extremamente complexa como o inesquecívelCenas de um Casamento de Ingmar Bergman trata (bitch, please, isso seria impossível), e também não sendo tão bom quanto outra comédia romântica desse ano, o já citado Solteiros com FilhosUm Divã Para Dois é um longa bonito e eficaz que cumpre a maior parte de suas ambições, mas que seria uma verdadeira obra-prima caso contasse com um roteiro melhor, que fizesse jus às atuações de Maryl Streep e Tommy Lee Jones.

OBS: Steve Carrel é um ator que eu adoro, mas não comentei sobre ele aqui já que ele não tem muita oportunidade de atuar de verdade, já que o filme é 100% focado no casal protagonista. Mas a atuação dele é eficiente, dentro do que se propõe.

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