sexta-feira, 31 de agosto de 2012


Resenha filme "Procura-se Um Amigo Para o Fim Do Mundo" (Seeking a Friend for the End of the World/2012/EUA) dir.Lorene Scafaria

por Lucas Wagner


O que é tão interessante em filmes sobre o apocalipse (tirando aqueles que acham que explodir tudo é suficientemente bom para ser classificado como Cinema, como por exemplo, Armaggedon, 2012, O Dia Depois de Amanhã, Impacto Profundo, etc) é que esses longas têm diante de si uma enorme oportunidade de estudar seus personagens no mais profundo de sua humanidade (característica também presente em muitos filmes de guerra), quando esses não têm mais nada, nem uma perspectiva, a não ser aproveitar a companhia de outro ser humano. Existem filmes que aproveitaram essa oportunidade de maneira incrível, como Melancolia, Extermínio, A Estrada, Eu Sou a Lenda, e, por mais que alguns achem que é brincadeira, Zumbilândia. Procura-se Um Amigo Para o Fim Do Mundo tem ambições enormes nesse sentido também, já que seus personagens são figuras essencialmente solitárias que, diante do fim do mundo, encontram conforto na companhia um do outro, mas que no final das contas, infelizmente, se revela uma experiência insatisfatória, já que seus protagonistas não são nem de longe figuras interessantes e, muito menos, a roteirista/diretora Lorene Scafaria consegue lidar bem com as ambições de seu próprio projeto, e acaba tropeçando feio.

  Logo no início do filme descobrimos que, dentro de três semanas, um asteroide enorme vai atingir o Planeta, destruindo a tudo e a todos, e não há nada mais o que fazer. A partir disso, passamos a acompanhar a vida de Dodge (Steve Carrell), cuja esposa, ao descobrir sobre a iminência do fim, larga o marido no ato. Vivendo em depressão e claramente à deriva, Dodge encontra Penny (Keira Knightley), com quem inicia uma amizade enquanto o primeiro busca reencontrar sua namorada de Ensino Médio (que lhe enviou uma carta três meses antes que, por determinados problemas, ele não recebeu na hora certa) e a segunda busca passar seus últimos dias com sua família.

  O roteiro de Scafaria lida com toda a situação do apocalipse de maneira irregular. Se no início essa acerta bastante, da metade para o final tudo parece ficar em suspensão. Quando recebe a notícia sobre as três últimas semanas, a sociedade parece entrar em um estado de melancolia, ficando sem saber exatamente o que fazer. Muitos cometem suicídio, outros param de trabalhar e tentar curtir seus últimos dias, e outros ficam sem saber o que fazer, seguindo com suas rotinas, seus empregos, como se nada tivesse acontecido (só que agora eles ficam com cara de estúpidos sem saber o que fazer). Mais interessante ainda, é que, para a maioria das pessoas, a notícia do apocalipse não gerou exatamente rancor, tristeza ou ódio, mas parece ter sido mais como um passe livre para que esses indivíduos se libertassem de suas rotinas massacrantes e pudessem “soltar a franga”, mesmo que busquem manter ainda uma máscara de civilidade. Isso fica bem claro na cena da festa, no início do filme, em que encontramos várias famílias respeitadas de classe média alta usando heroína, traindo seus (suas) parceiros (as), dando álcool para crianças apenas por diversão, etc. O filme parece bem promissor nesse momento, já que parece prometer um estudo de uma sociedade decadente que enxerga na morte, no fim, mais uma possibilidade de salvação, de aproveitar pelo menos um pouco da vida antes que essa acabe, do que exatamente algo a se enxergar com tristeza. Ainda, é interessante a ideia da diretora/roteirista de filmar um muro com vários folhetos com propagandas/anúncios como “Quer suicidar? Nós fazemos o serviço para você!”, “Faça sexo com uma virgem!”, ou ainda, “Procura-se um amigo para o fim do mundo”.

  É uma pena, portanto, que Scafaria abandone essas intrigantes ideias a partir do momento em que seus protagonistas partem em sua viagem, já que, desse momento para frente, ela não dedica mais praticamente nem um segundo de projeção para trabalhar o apocalipse e a percepção dos humanos quanto a isso, sendo que a maioria não parece estar tão intensamente preocupada quanto ao fim e, quando isso acontece, é de forma desinteressante, como em relação ao policial que não consegue deixar de trabalhar e procura “afundar as mágoas no cumprimento da lei”. Aliás, os personagens que os protagonistas encontram no seu caminho (tirando aqueles do bar em que todos adoram fazer orgia e usar drogas) são essencialmente desinteressantes e sem qualquer sentido narrativo, a não ser dizer algumas palavras de “pseudo sabedoria” para os protagonistas.

  A partir do momentos em que Dodge e Penny iniciam sua “jornada”, o filme se torna extremamente aborrecido, já que esses personagens não são nem interessantes e nem bem desenvolvidos o suficiente para segurar o longa. Dodge é um sujeito extremamente chato, com depressão ou não. Tá bom que, diante da perspectiva do apocalipse, reencontrar o “amor de sua vida” pode parecer uma boa, mas aqui soa falso e mais uma vez comprova a falta de rumo do roteiro. Aliás, toda essa situação da “namoradinha de colégio” é trabalhada de maneira apressada demais para que ganhe alguma dimensão emocional. Ele é um personagem seco, desinteressante e unidimensional, o que também impede que o geralmente competente Steve Carrell consiga desenvolver seu papel, ou mesmo dar alguma personalidade a esse, que parece vagar pelo filme como um fantasma. Vejam bem, um personagem com depressão pode ser interessante ou não dependendo do modo como é escrito (emMelancolia, Lars Von Trier descreveu de forma complexa e talentosa a depressão da protagonista), mas aqui falta qualquer estofo psicológico pelo roteiro, o que torna momentos potencialmente emocionantes em situações completamente vazias, como fica bem claro no encontro de Dodge com seu pai. Nunca havia nem sido mencionado os seus problemas com o pai, então como, possivelmente, poderíamos ficar tocados pela reconciliação que ocorre? E Keira Knightley mais uma vez esse ano é prejudicada pelo roteiro (a outra foi em Um Método Perigoso -  http://mestredeobras.blogspot.com.br/2012/05/resenha-filme-um-metodo-perigoso.html ) e, por mais que sue para transformar Penny em alguém trágica mas otimista, transformar seus problemas em algo real, palpável, ela falha, já que Penny é, essencialmente, vazia e sem graça, ainda mais porque Scafaria fica martelando o tempo inteiro a ideia de que seus dilemas vem de ter perdido tempo demais namorando homens que não prestam e não prestando atenção à sua família. Sem contar que até mesmo o cachorrinho que os acompanha é tremendamente sem graça, ficando anos-luz atrás daqueles cheios de personalidades como Sam de Eu Sou a Lenda, Marley de Marley & Eu e Milu de As Aventuras de Tintim.

  Como diretora, Scafaria não sai tão mal. Se quase não há nada interessante demais para manter o filme de pé, e ela peque ao investir numa estrutura falha e cansativa e em um humor que nunca funciona, já que surge sempre forçado demais, Scafaria, a partir de certo momento, demonstra uma sensibilidade inteligente que guia o final do segundo e o terceiro ato do longa (parem de ler quem não viu o filme até que vejam esse símbolo: (-----)) quando começam a surgir sentimentos românticos entre Dodge e Penny. Nesses momentos (acompanhados pela excelente seleção musical de Scafaria), a diretora investe, muitas vezes, em planos mais fechados que mostram Dodge ou Penny olhando de maneira sonhadora para o outro, enquanto esse simplesmente fala, e podemos “sentir” o sentimento crescendo, o sentimento de que essa pessoa é mais importante para ele do que ele poderia imaginar e que, só de estar ali com ela, já vale a pena. Além disso, a cena final é realmente intensa e tocante (ignorando o absurdo da volta de Penny), já que Scafaria vai fechando cada vez mais os planos, até o rosto de cada de Dodge ou Penny preencher completamente a tela, enquanto começam as explosões e estrondos do apocalipse; e Scafaria mais uma vez acerta ao encerrar o filme num primeiro plano de Penny, vista a partir da perspectiva de Dodge, enquanto ela é coberta de um branco “celeste” nos seus últimos momentos de vida, demonstrando a relevância dela para ele, e que, morrer ali, do lado dela, é mais do que ele poderia pedir durante toda a vida.

  (-----) Mas mesmo esses acertos não salvam o longa do fracasso, se mostrando completamente pretensioso em suas visões e “filosofias”, não conseguindo transmitir a mensagem que desejam e nem nos tornando próximos daqueles personagens como acreditam que nos tornam, por mais que aquelas pessoas mais sensíveis possam acabar chorando no final. O mais engraçado é que filmes de comédia (sim, esse aqui acredita que é engraçado) com teor apocalíptico, como Zumbilândia Todo Mundo Quase Morto, mesmo tendo uma trama recheada de zumbis, é mais humano e emocionante que esseProcura-se Um Amigo Para o Fim Do Mundo que é, à primeira vista, mais ambicioso e “sério”Uma pena...

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