sexta-feira, 17 de agosto de 2012



Resenha filme "360" (360 / 2012 / Reino Unido, Brasil, França, Áustria, Alemanha) dir. Fernando Meirelles

por Lucas Wagner


  Nós constantemente estamos olhando apenas para nós mesmos. No dia-a-dia, nós somos o centro de nosso mundo, parece que apenas nós existimos. Mas, o que muitas vezes deixamos de prestar atenção, e que sempre me fascina quando o faço, é parar para observar e refletir que cada pessoa que cruza nosso caminho a cada dia, desde aquelas que mais chamam atenção até aquelas que passam mais despercebidas, tem uma história própria, uma vida, um mundo de fatos e sentimentos que ninguém mais tem acesso a não ser ela mesma. Isso é fascinante. Muitas vezes, olho para um (a) estranho (a) e tento imaginar os dilemas, os conflitos, as alegrias, os sentimentos que esse (a) estranho (a) está vivendo. Cada pessoa é, de uma forma ou de outra, um Universo em si mesma, cheia de histórias interessantes, e que passam batido para terceiros.

  Esse 360, novo filme do brilhante cineasta brasileiro Fernando Meirelles (dos inesquecíveis Cidade de Deus O Jardineiro Fiel), acredita fazer uma reflexão de como cadeias de contingências criadas a partir de determinados comportamentos de determinados indivíduos em uma parte do mundo podem influenciar comportamentos de pessoas em lugares muito distantes (tal como o cineasta Alejandro Gonzáles Iñarrito fez muito bem em Babel). Mas, na verdade, 360 falha feio nesse sentido, mas acaba funcionando com perfeição a partir da reflexão que fiz no parágrafo acima, já que, ao longo dos 110 minutos de projeção, acompanhamos uma série de personagens interessantes e únicos que cruzam caminhos com pessoas completamente desconhecidas, mas que são também figuras interessantes e únicas.

  Escrito pelo regular Peter Morgan (que escreveu filmes admiráveis como Frost/Nixon, mas também é responsável por obras fracas como Além da Vida), nós acompanhamos uma série de histórias de diversos personagens, de várias nacionalidades (ingleses, russos, norte-americanos, brasileiros, etc) e diferentes países. Essas histórias possuem uma leve ligação uma com a outra, e muitas vezes possuem personagens em comum, que criam uma rede em que diversas pessoas se encontram de maneira mais direta ou indireta.

  Meirelles continua se mostrando um diretor excepcional. Buscando sempre o realismo ao manter a câmera sempre na mão, o diretor ainda mostra seu habitual talento ao “captar” os sentimentos envolvidos nas interações dos personagens através da fotografia, ao, muitas vezes, “embaçar” a tela, como se fosse difícil para os personagens enxergarem o que está na sua frente (como na cena maravilhosa de O Jardineiro Fiel em que Justin relembra, com dor, quando fez sexo pela primeira vez com Tessa, ou quando, em Cidade de Deus, Zé Pequeno está pronto para assassinar um garotinho que chora desesperadamente). Aqui, vemos isso, por exemplo, na cena em que Tyler (Ben Foster) está parado na porta da personagem de Laura (Maria Flor), que o convida a entrar: aqui vemos Laura, objeto de repulsa e desejo para Tyler, completamente fora de foco. Em vários outros momentos Meirelles demonstra novamente essa bem vinda sensibilidade como cineasta. Ainda, o diretor acerta ao, juntamente com o excepcional montador Daniel Rezende, dar mais fluidez à narrativa através de planos divididos e transições de cenas interessantes. Além disso, há um momento em particular que me chamou bastante atenção: depois de terem sido infiéis, os personagens de Michael (Jude Law) e Rose (Rachel Weisz) são visto com suas imagens duplicadas por espelhos, como se mostrasse a faceta oculta que escondem de seu cônjuge.

  Mas o que mais encanta no longa é a qualidade absurda do elenco, dirigido com maestria por Meirelles. Em um filme como esse, seria até de se esperar que falhasse com o desenvolvimento de seus personagens, já que possui uma quantidade absurda desses; aliás, o longa foi criticado nesse aspecto, mas eu discordo totalmente, já que cada componente no elenco, não importa quanto tempo de tela que tenha, dá um verdadeiro show de interpretação. Todos estão impecáveis, mas como são muitos, vou discutir apenas alguns dos que mais gostei. Jude Law entrega uma performance realmente fantástica que já devia há muito tempo, criando Michael como uma figura ambígua e complexa que se vê diante de um dilema moral e, mais importante, emocional, que se mostra tocante e genuíno devido á sua atuação. Rachel Weisz (cuja melhor atuação na carreira foi justamente em outro filme de Meirelles, O Jardineiro Fiel) também, mesmo com  pouco tempo em tela, dá grande dimensão à sua Rose, que é corroída pela culpa e por desejo. A brasileira Maria Flor (já vista em algumas novelas, embora isso dificilmente conte como atuação) surpreende ao transformar Laura em uma moça trágica que busca alguma espécie de conforto, encontrando algum na figura de outra pessoa que sofre bastante (mais do que ela), que é o senhor interpretado por Anthony Hopkins (mais sobre ele depois). Ben Foster acerta completamente em sua performance como o ex-estuprador Tyler, num trabalho intenso e perturbador. O russo Vladimir Vdovichenko tem provavelmente o arco dramático mais interessante do longa, começando como um sujeito detestável mas que se revela uma figura tridimensional e sensível, que apenas busca um pouco de paz. Mas, o melhor de todos é, sem a menos sombra de dúvida: Anthony Hopkins. O veterano ator entrega aqui um trabalho genial, repleto de minúcias presentes em pequenos gestos e na entonação de voz que tornam sua performance genial. Observem sua dicção pausada e dolorida quando conversa pela primeira vez sobre sua filha, apenas como exemplo, e encham os olhos de lágrimas com aquele que é o melhor momento do longa, quando ele possui um monólogo sincero e tocante, que é capaz de deixar até os mais fortes com os olhos cheios de lágrimas.

  Apesar desses inquestionáveis acertos, o roteiro de Morgan força demais a barra nas coincidências vistas aqui, que muitas vezes não convencem. Além disso, Morgan erra ao introduzir mais e mais personagens no filme sem preparação adequada. Para completar, muitas das histórias não possuem uma resolução adequada (principalmente a de Michael), parecendo incompletas. Mas o pior é que muitas dessas histórias acabam, talvez até sem querer, adquirindo um tom moralista demais, e não tem algo que me irrita mais do que moralismo exagerado.

  Sendo um filme ótimo, mas menor na filmografia de Fernando Meirelles, 360 merece ser visto, já que, embora muitos críticos discordem, é um longa envolvente e tocante que nos faz sair da sala da sessão com a impressão de que conhecemos várias pessoas interessantes e que poderemos até sentir falta delas. E, mais importante, que existem milhões de pessoas fascinantes com que cruzamos todos os dias, mas que não são nada mais nada menos que uma parte da paisagem do nosso dia-a-dia. A não ser que possamos conhecê-las de fato, e ainda assim faltaria muito para conhecê-las por completo.



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