Análise:
Se Eu Ficar (If I Stay / 2014 / EUA) dir. R.J. Cutler
por
Lucas Wagner
Não li o romance de
Gayle Forman no qual se baseia essa adaptação, mas a natureza da narrativa me
faz imaginar que deve funcionar muito melhor na Literatura do que no Cinema.
Digo isso pois imagino que o livro descreva pensamentos e desenvolva os
conflitos psicológicos envolvendo a personagem Mia Hall (Chloë Grace Moretz) sobre se decide
se entregar à morte ou continuar vivendo mesmo diante de uma terrível tragédia.
A natureza da arte literária permite isso. Como filme, o que seria o mais
adequado, por assim dizer, que o diretor R.J. Cutler fizesse, seria imaginar
formas visuais de tratar desses conflitos. Mas o resultado é uma obra
inconsistente e ineficaz em qualquer âmbito.
Cutler desperdiça a oportunidade de criar uma narrativa mais
complexa onde o espírito de Mia interage com os ambientes de sua história de
vida enquanto investiga o que poderia justificar sua decisão de continuar viva
ou morrer. Acaba que a história se divide em partes que mostram o espírito de
Mia zanzando pelo hospital e outras, em forma de flashbacks, onde acompanhamos o desenrolar do romance da garota com
o “roqueiro” Adam (Jamie Blackley). Se existe uma relação entre esses dois
âmbitos narrativos é puramente suposta pelo espectador com boa vontade através
da fraca narração em off
(incompreensivelmente esquecida durante boa parte da projeção), porque em
nenhum momento Cutler deixa claro que esses flashbacks
tem origem de avaliações ontológicas por parte da protagonista, e então a
impressão que fica é a de que acompanhamos duas narrativas não-relacionadas, o
que perde completamente o propósito da obra de funcionar como possível estudo
de personagem ou mesmo como possuindo um arco dramático consistente para Mia.
Quais são os questionamentos existenciais que ela faz, afinal?
As possíveis respostas para essa pergunta também apontam para
pontos negativos do filme. Afinal, tudo parece girar em volta do romance da
garota com Adam, o que faz com que a família de Mia ganhe bem menos atenção e, consequentemente,
os eventos a envolvendo ganham menos impacto, o que quem viu o filme sabe se
tratar de um gravíssimo problema narrativo. O roteiro de Shauna Cross dedica
pouca atenção para o desenvolvimento de qualquer personagem exceto o casal
principal, e se isso se torna problemático para fins dramáticos, também impede
maior envolvimento do próprio espectador com o que está assistindo,
impossibilitando que cenas como a da reunião de amigos em torno da fogueira
sejam devidamente emocionantes ou mesmo sensibilizantes.
Tudo é referente ao romance entre Mia e Adam, e não surpreende
nem mesmo que este seja nem relativamente eficiente. Apesar das boas atuações de
Moretz e Blackley, os conflitos amorosos dos personagens são dramaticamente
muito juvenis para terem qualquer impacto, e acabam assim por comporem uma
novelinha enfadonha. Além disso, é inegável que, não raro, os próprios
personagens parecem se comportar de forma inconsistente, o que, ao invés de
trazer maior complexidade para suas figuras, acaba apenas as tornando
incompreensíveis. A guisa de exemplo, percebam a inexplicável segurança de Mia
em sua primeira transa, logo depois de observar, insegura, que era virgem. Pior
ainda é como Adam muitas vezes seja um babaca egoísta que tenta justificar sua
imaturidade com a desculpa de um histórico de abandono afetivo. Para completar,
soam vazias as reclamações sobre como seus destinos são contrários, como se já não
fosse admirável que ambos os elementos do casal tenham uma relação tão íntima
com a música. Aliás, é incompreensível como a obra tenta constantemente
ressaltar uma diferença essencial entre rock
e música clássica, sendo que, na verdade, são estilos musicais diferentes
mas que possuem uma declarada relação.
Mas incompreensão musical é também uma regra básica desta adaptação,
já que, mesmo em um filme que fale tanto sobre punk rock e que sempre se refira a bandas como Ramones e figuras
como Iggy Pop, os realizadores demonstram uma pavorosa e injustificável seleção
musical, usando apenas baladinhas pop melosas
para colorir a história ao invés de dar uma injeção de classe com músicas
clássicas ou o infinito acervo de belas canções românticas de rock. Aliás, a própria banda
supostamente punk rock de Adam passa
anos luz de qualquer coisa que poderia ser punk.
Mas se é tão incompetente, porque tanta gente chora
assistindo esse filme? A resposta muito provavelmente reside na própria divulgação
do longa, que insistia que era uma obra emocionante que exigia o choro. Tanto é
que as lágrimas nunca vinham muito sinceramente, mas eram alardeadas aos gritos
pelas espectadoras. Diferente, por exemplo, do que ocorreu esse ano na sessão em
que assisti ao belo A Culpa é das Estrelas, onde na sala se fazia um pesado e triste silêncio, quebrado
apenas por doloridas fungadas. Enquanto em Se
Eu Ficar as pessoas parecem chorar por ser “um filme em que se chora”, em
obras como A Culpa é das Estrelas se
chora por sincero envolvimento com o que se está assistindo.
Aliás, se recorro a essa comparação é simplesmente por ter
visto exaustivamente outras pessoas e reportagens fazendo isso. Pois, no fundo,
não tem nada a ver uma coisa com a outra. Ser um melodrama adolescente não significa
ser necessariamente um filme ruim. Em 2014, o citado A Culpa é das Estrelas e The Spectacular Now provam isso. Já Se Eu
Ficar apenas reforça qualquer preconceito que um espectador mais
cínico poderia ter com um
filme desses.
Pensei que apenas eu tivesse passado por essa estranha experiência das lágrimas "alardeadas aos gritos pelas espectadoras." Elas riam num instante e noutro, já estavam chorando alto. Filme superficial, espectadoras/leitoras mais superficiais ainda! Parabéns pela análise!
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