sábado, 6 de setembro de 2014


Análise:

Se Eu Ficar (If I Stay / 2014 / EUA) dir. R.J. Cutler

por Lucas Wagner

Não li o romance de Gayle Forman no qual se baseia essa adaptação, mas a natureza da narrativa me faz imaginar que deve funcionar muito melhor na Literatura do que no Cinema. Digo isso pois imagino que o livro descreva pensamentos e desenvolva os conflitos psicológicos envolvendo a personagem Mia Hall (Chloë Grace Moretz) sobre se decide se entregar à morte ou continuar vivendo mesmo diante de uma terrível tragédia. A natureza da arte literária permite isso. Como filme, o que seria o mais adequado, por assim dizer, que o diretor R.J. Cutler fizesse, seria imaginar formas visuais de tratar desses conflitos. Mas o resultado é uma obra inconsistente e ineficaz em qualquer âmbito.

Cutler desperdiça a oportunidade de criar uma narrativa mais complexa onde o espírito de Mia interage com os ambientes de sua história de vida enquanto investiga o que poderia justificar sua decisão de continuar viva ou morrer. Acaba que a história se divide em partes que mostram o espírito de Mia zanzando pelo hospital e outras, em forma de flashbacks, onde acompanhamos o desenrolar do romance da garota com o “roqueiro” Adam (Jamie Blackley). Se existe uma relação entre esses dois âmbitos narrativos é puramente suposta pelo espectador com boa vontade através da fraca narração em off (incompreensivelmente esquecida durante boa parte da projeção), porque em nenhum momento Cutler deixa claro que esses flashbacks tem origem de avaliações ontológicas por parte da protagonista, e então a impressão que fica é a de que acompanhamos duas narrativas não-relacionadas, o que perde completamente o propósito da obra de funcionar como possível estudo de personagem ou mesmo como possuindo um arco dramático consistente para Mia. Quais são os questionamentos existenciais que ela faz, afinal?

As possíveis respostas para essa pergunta também apontam para pontos negativos do filme. Afinal, tudo parece girar em volta do romance da garota com Adam, o que faz com que a família de Mia ganhe bem menos atenção e, consequentemente, os eventos a envolvendo ganham menos impacto, o que quem viu o filme sabe se tratar de um gravíssimo problema narrativo. O roteiro de Shauna Cross dedica pouca atenção para o desenvolvimento de qualquer personagem exceto o casal principal, e se isso se torna problemático para fins dramáticos, também impede maior envolvimento do próprio espectador com o que está assistindo, impossibilitando que cenas como a da reunião de amigos em torno da fogueira sejam devidamente emocionantes ou mesmo sensibilizantes.

Tudo é referente ao romance entre Mia e Adam, e não surpreende nem mesmo que este seja nem relativamente eficiente. Apesar das boas atuações de Moretz e Blackley, os conflitos amorosos dos personagens são dramaticamente muito juvenis para terem qualquer impacto, e acabam assim por comporem uma novelinha enfadonha. Além disso, é inegável que, não raro, os próprios personagens parecem se comportar de forma inconsistente, o que, ao invés de trazer maior complexidade para suas figuras, acaba apenas as tornando incompreensíveis. A guisa de exemplo, percebam a inexplicável segurança de Mia em sua primeira transa, logo depois de observar, insegura, que era virgem. Pior ainda é como Adam muitas vezes seja um babaca egoísta que tenta justificar sua imaturidade com a desculpa de um histórico de abandono afetivo. Para completar, soam vazias as reclamações sobre como seus destinos são contrários, como se já não fosse admirável que ambos os elementos do casal tenham uma relação tão íntima com a música. Aliás, é incompreensível como a obra tenta constantemente ressaltar uma diferença essencial entre rock e música clássica, sendo que, na verdade, são estilos musicais diferentes mas que possuem uma declarada relação.

Mas incompreensão musical é também uma regra básica desta adaptação, já que, mesmo em um filme que fale tanto sobre punk rock e que sempre se refira a bandas como Ramones e figuras como Iggy Pop, os realizadores demonstram uma pavorosa e injustificável seleção musical, usando apenas baladinhas pop melosas para colorir a história ao invés de dar uma injeção de classe com músicas clássicas ou o infinito acervo de belas canções românticas de rock. Aliás, a própria banda supostamente punk rock de Adam passa anos luz de qualquer coisa que poderia ser punk.

Mas se é tão incompetente, porque tanta gente chora assistindo esse filme? A resposta muito provavelmente reside na própria divulgação do longa, que insistia que era uma obra emocionante que exigia o choro. Tanto é que as lágrimas nunca vinham muito sinceramente, mas eram alardeadas aos gritos pelas espectadoras. Diferente, por exemplo, do que ocorreu esse ano na sessão em que assisti ao belo A Culpa é das Estrelas, onde na sala se fazia um pesado e triste silêncio, quebrado apenas por doloridas fungadas. Enquanto em Se Eu Ficar as pessoas parecem chorar por ser “um filme em que se chora”, em obras como A Culpa é das Estrelas se chora por sincero envolvimento com o que se está assistindo.

Aliás, se recorro a essa comparação é simplesmente por ter visto exaustivamente outras pessoas e reportagens fazendo isso. Pois, no fundo, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Ser um melodrama adolescente não significa ser necessariamente um filme ruim. Em 2014, o citado A Culpa é das Estrelas e The Spectacular Now provam isso. Já Se Eu Ficar apenas reforça qualquer preconceito que um espectador mais cínico poderia ter com um filme desses.

Um comentário:

  1. Pensei que apenas eu tivesse passado por essa estranha experiência das lágrimas "alardeadas aos gritos pelas espectadoras." Elas riam num instante e noutro, já estavam chorando alto. Filme superficial, espectadoras/leitoras mais superficiais ainda! Parabéns pela análise!

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